quarta-feira, 3 de março de 2010

Novo tribunal não exige tempo para se aposentar

DEU EM O GLOBO

O novo texto para a criação de outro tribunal de contas no estado, aprovado ontem por comissão da Alerj, abre brecha para que sete futuros conselheiros se aposentem sem a exigência de tempo mínimo de trabalho.

Aposentadoria a jato

Proposta permite a conselheiros de novo tribunal pedirem benefício assim que assumirem

Carla Rocha, Fábio Vasconcellos e Natanael Damasceno

Os sete futuros conselheiros do Tribunal Estadual de Contas dos Municípios ocuparão não apenas cargos vitalícios, com salários de R$ 26 mil, como poderão também requisitar aposentadoria logo após assumirem o cargo. Essa mudança, que acaba com exigência mínima de cinco anos de permanência no cargo, consta do novo texto da proposta de emenda constitucional (PEC 60) aprovado ontem pela Comissão de Emendas e Vetos da Alerj e que será votado nos próximos dias. Os deputados analisaram 54 sugestões de alteração da PEC e aprovaram pelo menos 20.

Pelo texto divulgado, os deputados criaram uma nova versão do artigo 128 da Constituição estadual, que seria aplicada apenas ao novo tribunal.

O artigo original diz que os conselheiros do atual Tribunal de Contas “somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo quando o tiverem exercido efetivamente por mais de cinco anos”. O artigo 128-A, apresentado ontem, diz apenas que os conselheiros do Tribunal de Contas dos Municípios terão todas as garantias e prerrogativas do cargo de desembargador, sem fazer referência à permanência mínima no posto.

Caso seja mantido, o artigo 128-A abre uma brecha para pedidos de aposentadorias semelhantes aos que ocorreram em 1990. Naquele ano, a Alerj extinguiu o Conselho de Contas dos Municípios, que tinha sido instituído oito meses antes, com a mesma função de analisar as contas de 91 prefeituras no estado. Cinco dos conselheiros nomeados na época para o antigo órgão entraram com pedidos de aposentadorias e recebem até hoje salários pagos pelo governo.

Associação diz que mudança é proibida

Procurado, o deputado Paulo Melo (PMDB), relator do novo texto da PEC 60, afirmou que houve um erro de redação da proposta. Segundo ele, os futuros conselheiros serão obrigados a terem no mínimo cinco anos de atividade para requerer a aposentadoria, como prevê a Constituição estadual.

— Isso (o fim da exigência de cinco anos) não existe. Se está no texto, foi um erro de redação. Não vai haver modificação na Constituição estadual com relação ao critério atual de aposentadoria — afirmou Melo.

O presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Salomão Ribas Júnior, ficou surpreso ao saber da alteração proposta pelos deputados. Ele explicou que a permanência mínima de cinco anos no cargo é uma regra constitucional federal para evitar abusos: — A exigência do prazo mínimo de cinco anos surgiu em Santa Catarina há muitos anos. Na época, o sujeito chegava ao cargo num dia e já queria se aposentar no outro, alguns meses depois. O então governador do estado, Antônio Carlos Conde Reis, constitucionalista renomado, sancionou o projeto de um deputado que criava a permanência mínima de cinco anos. Ninguém nunca teve coragem de questionar isso.

Todo mundo sempre cumpriu.

Ele criticou a criação de mais um tribunal no Rio: — Nós, brasileiros, diante de um problema, estamos sempre querendo criar um novo tipo de controle. O que precisamos fazer é que os controles operem adequadamente.

Para o advogado Hermano Cabernite, que analisou os mudanças a pedido do GLOBO, o argumento dos deputados de que simplesmente houve um erro na redação deve ser mais bem analisado.

Segundo ele, uma proposta de emenda constitucional com erros não poderia ser aprovada pela Comissão de Emendas e Vetos.

— Uma emenda constitucional é algo muito sério. Os deputados estão criando um novo órgão.

Eles aprovaram na comissão o novo texto com as emendas e não poderiam, como dizem, ter errado um artigo tão importante como esse — afirmou o advogado.

Os deputados favoráveis à PEC 60 afirmaram que as emendas melhoraram a proposta. Eles alegam que pontos polêmicos — como o fim da exigência de diploma de terceiro grau para os conselheiros, bem com da de prefeitos e vereadores informarem os salários aos tribunais — foram retirados do novo texto. A PEC que vai a votação prevê que os conselheiros sejam escolhidos até junho deste ano, mas eles só passarão a trabalhar em janeiro de 2011. Até lá, os deputados esperam que o atual TCE ceda ao menos 35% do seu quadro de funcionários para o futuro tribunal. Os parlamentares incluíram a exigência de que um dos conselheiros nomeados seja do corpo técnico do tribunal. Outra alteração limita em 3% o percentual da receita líquida do estado que poderá ser usado por Alerj, TCE e novo tribunal para despesas com pessoal.

Por causa das divergências políticas entre Alerj e TCE, os deputados aprovaram uma emenda que determina que os conselheiros com familiares até terceiro grau concorrendo a cargos eletivos peçam afastamento durante a campanha eleitoral.

Embora as exigências passem a valer tanto para o novo tribunal quanto para o TCE, os deputados continuam defendendo a necessidade de dividir o Tribunal de Contas do Estado.

— O problema é que o antigo tribunal reúne um conjunto de conselheiros que é caso de polícia. E, como a fonte maior dessa casa de negócios são as prefeituras do interior, não vejo alternativa à criação de um novo conselho — disse Marcelo Freixo (PSOL), um dos autores do projeto original.

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