segunda-feira, 12 de abril de 2010

Subversão bem-humorada:: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Foi na "Manchete" que tomei conhecimento de uma nova maneira de redigir a notícia

A IMPORTÂNCIA de Armando Nogueira para o jornalismo brasileiro -e não só o jornalismo esportivo- já foi ressaltada unanimemente pelos jornais e pela televisão. Dispenso-me, portanto, de repeti-lo, mas nem por isso deixarei de falar dele, de quem me tornei amigo, há muitos e muitos anos, quando trabalhamos, ambos, na revista "Manchete".

Aquele foi um momento especial em minha vida profissional de jornalista, mas também de minha vida pessoal mesma, se é possível separar uma da outra. Ali, ocorreram coisas importantes, talvez porque vivíamos uma etapa de renovação da imprensa. Armando vinha do "Diário Carioca", onde se iniciara a modernização do texto jornalístico, com a introdução do lide e sublide, isto é, a elaboração objetiva da notícia. Isso veio da imprensa norte-americana, mas aquele jornal introduziu, no texto jornalístico, o bom humor que, na medida do possível, penetrou as páginas da "Manchete" graças particularmente a Armando Nogueira.

O diretor da revista era Otto Lara Resende, que para lá levara, além de Armando, o chargista Borjalo, Jânio de Freitas e Amílcar de Castro. Eu entrei pela janela, como revisor, já que o quadro de redatores estava completo. Jânio teimava em mudar a paginação, apoiado em Amílcar. Otto e Armando davam força.

Essa minha promoção não agradou a Adolfo Bloch, dono da revista, que via nela um favor de amigo, da parte do Otto. "Ele não é redator, Otto, é revisor!" E Otto: "Ele não só é redator como é poeta! Não enche!"

Até que um dia Rubem Braga deixou de mandar a sua crônica "Personagem da Semana" e Otto me pediu para escrevê-la no lugar dele. Publicado aquele número da revista, Adolfo entrou na Redação elogiando o texto que supunha ser de Rubem. "Esse Rubem Braga é um gênio!" Armando segredou algo no ouvido do Otto, que chamou todo o pessoal para ouvir o elogio de Adolfo ao texto referido. Ele o repetiu e então Armando falou: "Quem escreveu esse texto não foi o Rubem, foi o Gullar". Adolfo saiu da Redação desapontado mas sem dar o braço a torcer.

Outra coisa que ele não engolia eram as inovações aos poucos introduzidas na diagramação da revista. O modelo era "Paris-Match", que tinha paginação limpa, com áreas em branco, sem o fio separando as colunas de texto.

Entusiasmado com essa possibilidade de renovação, eu, que então escrevia meu primeiro livro-poema ("O Formigueiro"), com apenas uma palavra em cada página, resolvi abusar do branco ao paginar um texto que escrevi sobre Manuel Bandeira. Ao ver aquilo -duas páginas praticamente vazias, com apenas duas pequenas fotos e dois blocos de texto-, Adolfo perdeu a paciência. Deu uma bronca no Otto, à vista de todos, enquanto eu, Jânio e Amílcar mal contínhamos o riso. No dia seguinte, numa das paredes da Redação, apareceu uma frase que dizia: "Preconceito de cor: guerra contra o branco", sacanagem do Borjalo.

Acredito que ali, na "Manchete", começou a revolução gráfica, que iria realizar-se plenamente no "Jornal do Brasil", onde, não por acaso, se encontravam os três autores da subversão ocorrida na revista de Adolfo Bloch: Jânio, Amílcar e, com menor peso, eu. A verdade é que as manias do Adolfo resultaram na saída de Otto da direção da revista e de todos nós, solidários com ele. Não fiquei desempregado nem um mês sequer porque Armando e Otto eram amigos de Pompeu de Souza, diretor do "Diário Carioca", para onde me transferi. Ali, reinava o bom humor, apesar da precária situação econômica do jornal. Em vez do salário, tirávamos vales, a cada semana, dependendo da venda diária.

O editorialista político era Carlos Castelo Branco, que, preocupado com minha situação financeira, pediu a Odylo que me levasse para o "Jornal do Brasil", cuja reforma se iniciava. Lá me tornei chefe do copidesque, que constituí, chamando Tinhorão e Jânio. Ali, além da mudança gráfica, introduzimos o bom humor do "Diário Carioca".

E foi na "Manchete", com Armando Nogueira que, pela primeira vez, tomei conhecimento dessa nova maneira de redigir a notícia. Lembro-me do título que ele pôs numa entrevista com o bandido Cara de Cavalo. Perguntara-lhe se aprendera a assaltar e roubar vendo filmes americanos, a que o bandido respondeu, indignado, que não aprendera com ninguém. Armando pôs o seguinte título na entrevista: "Cara de Cavalo: eu inventei o assalto a mão armada". Grande Armando!

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