segunda-feira, 3 de maio de 2010

O nível da taxa de juros:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em geral, e, em particular, no momento atual, o Banco Central tem mudado a taxa de juros no momento certo

COMO SE esperava, depois de haver mantido a taxa de juros estável por um bom tempo, o Banco Central a aumentou na última quarta-feira. Respondeu, assim, ao evidente aquecimento da demanda interna. Pode-se, portanto, concluir que o Banco Central agiu corretamente?

Não é essa a política que se espera de uma autoridade monetária quando a inflação está um pouco acima da meta? A resposta, entretanto, não é um mero "sim", não obstante a boa teoria econômica sugir a tal resposta para a segunda pergunta.

Na verdade, as duas questões configuram uma armadilha que me leva sempre a recusar responder a jornalistas que querem saber minha opinião sobre a próxima ou a última alteração da taxa de juros realizada pelo BC.

A posição que tenho adotado em relação à política de juros do Banco Central desde o Plano Real tem sido sempre de desacordo. A discordância, porém, não é em relação a esta ou àquela decisão de aumentar ou de deixar de baixar a taxa Selic.

Embora também nesse ponto o Banco Central algumas vezes erre de forma clamorosa, na maioria dos casos acerta. O último erro óbvio foi o de haver continuado a aumentar a taxa de juros depois do desencadear da crise, em outubro de 2008.

Já existe pelo menos um bom estudo (de José Luís Oreiro e associados) demonstrando, Em termos teóricos e econométricos, esse fato.Mas, em geral, e, em particular, no momento atual, o Banco Central tem mudado a taxa de juros no momento correto.

A razão da minha discordância em relação à política "ortodoxa" (na verdade, "rentista") do BC em relação à taxa de juros não é contra a direção nem contra o momento das mudanças de taxa,mas em relação a seu nível.

Ainda que o tenha baixado através dos anos, esse nível continua alto e se constitui em entrave ao investimento e ao desenvolvimento e em uma forma de concentrar renda nas mãos dos rentistas.
Mas teria sido possível baixar mais o nível da taxa de juros? Não resultaria em mais inflação? De forma nenhuma, desde que a baixa dos juros ocorresse quando a economia estivesse desaquecida e se aproveitasse para reduzir a taxa para um nível baixo-de 1% a 2% (um nível ainda mais alto do que o praticado pelos países ricos nessas ocasiões).

Já vimos que nesses momentos o Banco Central baixa sua taxa de juros, mas sua baixa é sempre tímida, a conta-gotas. Dessa maneira, quando a economia volta a dar qualquer sinal de restabelecimento, a baixa é interrompida em um nível ainda alto da taxa de juros.

Se a redução fosse mais determinada, o Brasil estaria há muito convivendo com uma taxa de juros em um nível civilizado. Os brasileiros não compreendem esse fato. Ficaram estigmatizados coma alta inflação e, por isso, continuam a acreditar que a política de juros é necessária para manter a inflação sob controle.Dessa forma, legitimam a grande transferência de renda das pequenas e médias empresas e de seus trabalhadores para o setor que vive de juros.

Entretanto, desde que,há cerca de nove anos, teve início a luta sistemática dos macroeconomistas keynesianos contra essa política, houve avanços. Seus custos ficaram mais claros, as alternativas ganharam legitimidade, enquanto a ortodoxia se desmoralizava no plano internacional.

A hemorragia representada pela política de juros não foi estancada, mas foi reduzida. No começo da década, a ortodoxia falava em uma taxa "natural" real de juros de 9%; hoje, a taxa de juros real continua a maior do mundo, mas está em torno de 4,5%. Houve progresso.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

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