quarta-feira, 23 de junho de 2010

Serra na Fazenda e no BC:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tucano volta a falar com mais clareza sobre suas ideias de política econômica e indica mudança de rota

JOSÉ SERRA (PSDB) voltou a tratar de economia de modo sério. Foi na entrevista ao "Roda Viva", da TV Cultura, na segunda-feira. Deu a entender que suas ideias sobre o Banco Central em nada mudaram em década e meia, ao menos: "interviria mais" no BC, o que, dizem, "assusta o mercado". Qual a novidade? Serra evitava tal conversa fazia pelo menos dois anos, desde que ficou mais evidente que seria candidato.

Serra disse que a política monetária (de juros) e a fiscal (gastos públicos) serão articuladas em seu governo. É uma recomendação de manual introdutório de macroeconomia, mas difícil de implementar.

Os BCs relevantes são independentes e governos tendem a gastar demais.

No Brasil, diretores do BC, candidatos ao posto e "mercado" consideram que o governo gasta demais, estimula ainda mais o consumo e, assim, ajuda a hiperaquecer a economia e agitar a inflação. Portanto, o BC precisa elevar mais a taxa de juros do que seria, dizem, necessário, se o governo fosse comedido.

A política econômica é, pois, incoerente: aperta demais de um lado (juros), afrouxa demais de outro (gastos). Tal incoerência tem custo: juros maiores, inflação algo maior, instabilidade maior do PIB etc.

Serra quer "articular" tais políticas. O articulador seria, claro, ele. Por que o mercado faria biquinho para as coerências de Serra? Para economistas-padrão, "ortodoxos", caso a política fiscal o permitisse (se os gastos fossem menores, tudo o mais constante), o BC "naturalmente" evitaria altas maiores de juros.

Nos EUA dos anos 1990, houve um acordo tácito entre o governo de Bill Clinton e o presidente do BC deles, Alan Greenspan. Clinton acabou com o deficit do governo, Greenspan talhou os juros. Mas nem sempre há tal sintonia. De fato, há muita controvérsia sobre a rapidez com que BCs e governos ajustam suas políticas. Desconfia-se da sensibilidade dos BCs para baixar juros. Serra criticou duramente a demora do BC brasileiro em baixar juros quando estouraram a crise e a pior recessão mundial em décadas, em 2008.

BCs, por vício profissional, são hiperconservadores. Preferem errar com juros maiores a errar com inflação maior. São suscetíveis a pleitos do mercado, que pediria uma taxa de juros maior que a necessária para manter preços estáveis -o mercado pede "prêmio", o BC dá.

Serra quer tanto fazer controle duro de gastos como exigir uma resposta rápida do BC. O mercado e os "ortodoxos" dizem que isso é interferência política no BC, que deveria ser "independente". Que isso cria incerteza, o que levaria os donos do dinheiro a elevar os juros na praça.

Pode ser que, de início, o mercado jogue na retranca. Mas uma redução forte do deficit e da dívida públicas não só daria "credibilidade" ao governo como tenderia a colocar o mercado contra a parede. O governo teria de tomar menos crédito na praça: teria mais força para baixar juros de curto prazo e de melhorar as condições de financiamento de longo prazo, baixando, assim, os custos da dívida pública.

Seria como começar um círculo virtuoso de redução de despesa primária e financeira.

Heterodoxo? É. Personalista? É. "Político"? É. Mas o Brasil real é muito heterodoxo. E, dada a lambança da crise de 2007-09, finança privada e BCs estão desmoralizados demais para criticar a ideia.

O que pensa Dilma Rousseff?

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