sábado, 28 de agosto de 2010

A guerra do México e o Brasil :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Cartéis do narcotráfico precisam ser derrotados, ou o Estado mexicano será uma estrutura falida

O texto de Gabriela Manzini, na Folha de ontem, deixa claro que a maior ameaça à liberdade de imprensa hoje, na América Latina, não é Hugo Chávez ou qualquer outro dos caudilhos que governam países da região. São os cartéis mexicanos da droga.

Chegam a impor textos por eles próprios escritos para publicação em jornais regionais, na versão delinquencial do pensamento único.

O pior é que não se trata apenas da liberdade de imprensa que está em jogo na guerra que o governo mexicano trava com o narcotráfico.

Eis o pano de fundo da batalha, na avaliação de Robert Bonner para o número julho/agosto da "Foreign Affairs":

"O México está em uma dolorosa batalha contra poderosos cartéis da droga, cujo desfecho determinará quem controla as instituições políticas, judiciais e de aplicação da lei. Decidirá se o Estado destruirá os cartéis e porá um fim à cultura da impunidade que eles criaram".

"O México poderá se tornar um país de primeiro mundo algum dia, mas jamais atingirá tal status até que quebre o garrote que essas organizações criminais exercem sobre todos os níveis de governos e fortaleça suas instituições judiciais e de aplicação da lei".

Bonner foi administrador da DEA, a agência norte-americana de combate às drogas de 1990 a 1993, e, depois, comissário de alfândega e de proteção da fronteira.

A pergunta seguinte inevitável é esta: dá para ganhar a guerra?

"Destruir os cartéis da droga não é uma tarefa impossível", responde Bonner, contrariando a sensação disseminada de que o governo está perdendo. Sensação obviamente reforçada pelo horrendo crime praticado esta semana contra imigrantes ilegais.

Mas é necessário pôr alguns números que matizam a sensação de violência disseminada e incontrolável:

1 - Noventa por cento dos homicídios envolvem membros de uma gangue matando os de outra quadrilha.

2 - A grande maioria dos homicídios ocorre em apenas 6 dos 32 Estados mexicanos, grande parte deles no Estado de Chihuahua.

3 - Pela análise de Bonner, "o aumento no número de homicídios relacionados às drogas, embora desafortunado, é um sinal de progresso".

Segundo ele, "é consequência, em parte, de ações do governo que desestabilizam os cartéis e negam a eles acesso à áreas nas quais estavam habituados a operar com completa impunidade. Como resultado, os cartéis estão começando a lutar um contra o outro".

Até aí, o lado menos sinistro, digamos. Mas há outro lado que raramente entra nos cálculos: os homicídios não são a única causa da sensação de insegurança, embora possam ser a face mais espetacular. Os brasileiros sabemos perfeitamente que o medo vem também -ou principalmente- de outras ações violentas, aí sim contra os "não combatentes", como sequestros, sequestros relâmpagos, assaltos. Ou, para ficar no mais recente exemplo paulistano, o tiroteio de quinta-feira no Pacaembu.

Se se considerar que a taxa de homicídios no Brasil (25 para cada 100 mil habitantes) quase duplica a do ensanguentado México (14 por 100 mil), os brasileiros, autoridades principalmente, deveriam prestar muito mais atenção à guerra mexicana do que o fazem hoje.

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