sábado, 18 de setembro de 2010

Só agora o governo vai punir Erenice por não revelar bens

DEU EM O GLOBO

Somente após demitida sob suspeita de participação no suposto esquema de tráfico de influência comandado por seu filho, a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra foi punida pela Comissão de Ética da Presidência. Por não ter apresentado, quando assumiu o cargo, em março, documentos sobre a evolução de seu patrimônio e a relação de parentes que trabalham ou têm negócios com o governo, ela foi advertida ontem com uma "censura ética", que pode dificultar sua contratação em outros órgãos públicos. A Declaração Confidencial de Informações, cobrada dela pelo menos duas vezes, é uma exigência do Código de Conduta da Alta Administração Federal. Só ontem foi divulgado que Erenice a desrespeitava. Mais um funcionário da Casa Civil deixou o cargo: Stevan Knezevic, também acusado de ligação com a empresa de Israel Guerra.

Sem prestar contas

Erenice não declarou patrimônio ou parentes no governo ao assumir, mas só agora é punida

Chico de Gois

BRASÍLIA - Um dia depois de deixar a Casa Civil, sob suspeita de participação no suposto esquema de tráfico de influência comandado pelo seu filho Israel Guerra, a ex-ministra Erenice Guerra foi punida pela Comissão de Ética da Presidência porque não apresentou documentos sobre a evolução do seu patrimônio nem a relação de seus parentes que trabalham no serviço público ou fazem negócios com empresas públicas.

A Declaração Confidencial de Informações (DCI), cobrada dela reiteradas vezes, é uma exigência prevista no Código de Conduta da Alta Administração Federal. Por causa da falha, só agora tornada pública, Erenice foi punida ontem com uma censura ética, prevista para o caso de ex-autoridades.

A DCI deve ser encaminhada à Comissão de Ética no prazo de até dez dias depois da posse da autoridade.

Apesar de ter enviado a DCI quando assumiu o cargo de secretária executiva da Casa Civil, em 2005, quando Dilma Rousseff tornou-se ministra da pasta, Erenice não o fez quando a substituiu, em 31 de março deste ano.

Ao notar, dentro do prazo, que Erenice não enviara o documento, a secretaria da Comissão de Ética lhe enviou ofício solicitando a DCI. Não foi atendida. Trinta dias depois, voltou a cobrar a declaração e, mais uma vez, não houve resposta.

Exigência ignorada várias vezes

Uma segunda reiteração ocorreu e, de novo, Erenice não atendeu à exigência da Comissão de Ética. Nem explicou a razão por não seguir a norma.

E o assunto também não foi encaminhado pela Comissão ao governo.

Ontem, nem Erenice nem o Planalto se manifestaram sobre a falha.

A DCI serve para que a autoridade ministros, secretários de Estado, titulares de cargos de natureza especial, secretários-executivos, presidentes e diretores de agências nacionais e autarquias informe sua variação patrimonial, relacione o nome das empresas das quais é sócia, apresente a relação de parentes que trabalham ou mantêm negócios com o poder público.

Como ficaram evidentes nas denúncias da última semana, Erenice não só tinha parentes trabalhando no governo, mas seu filho e irmãos usaram a influência que tinham no governo para intermediar interesses privados junto a empresas públicas.

Embora não tenha um caráter prático de punição Erenice poderá, por exemplo, voltar a trabalhar no serviço público , a censura ética fica registrada na ficha funcional da ex-autoridade por três anos, o que pode dificultar sua contratação em outros órgãos públicos.

Na segunda-feira, a Comissão de Ética resolveu abrir um procedimento preliminar para averiguar a notícia publicada pela revista Veja, que acusa o filho de Erenice, Israel Guerra, de praticar lobby em favor de uma empresa de aviação que mantinha negócios com os Correios.

Depois disso, surgiram novas denúncias contra Erenice e seus familiares a última delas provocou sua queda: o consultor paulista Rubnei Quícoli acusa o filho de Erenice de cobrar R$ 240 mil e mais 5% de comissão de êxito para facilitar um empréstimo de R$ 9 bilhões que pretendia junto ao BNDES.

Ontem, a Comissão de Ética se reuniu em caráter extraordinário.

O relator do processo, Fábio Coutinho, sugeriu, e foi apoiado pelos demais quatro conselheiros, que se transformasse o procedimento inicial em um processo de apuração ética.

A Comissão deliberou também que, ainda no âmbito do procedimento preliminar, já havia uma falta ética da ex-autoridade disse Coutinho. Entendeu-se hoje que a solicitação não atendida e sua reiteração configuraram falta ética pela que agora é ex-autoridade.

Essa falta ética já implicou a sanção de censura ética complementou, explicando que, se ela ainda estivesse no exercício do cargo, teria recebido uma advertência.

É uma falta de atendimento a uma determinação que pode prevenir uma série de situações indesejáveis do ponto de vista da autoridade acrescentou Coutinho.

Erenice será notificada, provavelmente na segunda-feira, e terá dez dias para apresentar sua defesa, por escrito. O relator afirmou que ela também deverá ser ouvida, além de seus parentes. De acordo com Coutinho, dependendo do que for apurado, Erenice poderá receber outra sanção ética. O processo tramitará em sigilo.

O relator declarou que a Comissão de Ética também resolveu modificar o procedimento que era adotado até agora. Antes, como foi o caso de Erenice, mesmo a autoridade não apresentando a Declaração Confidencial de Informações, nada aconteceria se não houvesse algum fato que levasse a Comissão a abrir um procedimento administrativo. A partir de agora, a autoridade que não entregar a DCI no prazo e não atender aos pedidos da Comissão para o fazer, levará uma advertência, se estiver ainda no cargo.

Coutinho disse que, neste momento, a Comissão não vai se dedicar a investigar a conduta do diretor de Operações dos Correios, o coronel Eduardo Artur Rodrigues Silva, ex-consultor da Master Top Airlines (MTA), outro servidor citado nas denúncias de tráfico de influência envolvendo o filho de Erenice. Para Coutinho, essa investigação poderá ocorrer durante o processo aberto contra a ex-ministra.

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