domingo, 31 de outubro de 2010

A miséria da política :: Sergio Fausto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Campanhas eleitorais raramente se destacam pela discussão substantiva dos temas mais relevantes para o futuro do país. Principalmente agora que o marketing ganhou precedência sobre a política e os candidatos obedecem às orientações emanadas da "ciência" dos marqueteiros.

Essa é uma tendência em todas as democracias, que se manifesta com especial força nos países onde o peso da imprensa escrita é minúsculo comparado ao da televisão, as identidades partidárias são diluídas, a média do eleitorado tem nível de instrução baixo e a indústria do marketing e da propaganda goza de grande fama e prestígio.

Assim, não chega a surpreender a pobreza da discussão política nas eleições que hoje se encerram. Não surpreende, mas decepciona, sobretudo quando se considera a riqueza dos avanços obtidos e dos problemas gerados ou não resolvidos ao longo dos últimos 16 anos, em geral muito positivos para o País. Era de esperar que o desenvolvimento (em sentido amplo) observado nesse período se refletisse em maior qualidade do debate político. Não foi o que se viu.

A pobreza da discussão política nestas eleições foi uma escolha das campanhas e dos principais candidatos. Com a contribuição inestimável do sr. presidente da República, que entrou na disputa como chefe de torcida uniformizada.

A pobreza da campanha oficial derivou da decisão de fabricar mentiras para estigmatizar o governo Fernando Henrique Cardoso e criar mitos para engrandecer o governo atual, em doses muito além do aceitável numa disputa política minimamente comprometida com os fatos e com uma interpretação razoável a seu respeito. Já a pobreza da campanha oposicionista decorreu essencialmente da recusa - maior no primeiro do que no segundo turno - a responder às mentiras referentes ao passado e desconstruir os mitos relativos ao presente. Nessa toada, por ação ou omissão, uma e outra campanha concorreram, ainda que em graus diferentes, para distorcer o passado, mitificar o presente e embaçar o futuro.

Tome-se o exemplo do tratamento dispensado à Petrobrás e ao pré-sal. A campanha oficial procurou pregar a mentira de que o governo FHC tencionava privatizar a companhia. Lorota de pernas curtas: como se não bastasse a suposta intenção jamais ter figurado em programa, discurso ou documento do governo anterior, há carta pública do ex-presidente ao Senado comprometendo-se com a permanência da Petrobrás em mãos do Estado brasileiro, sob o regime de competição regulada estabelecido em 1997. A companhia não apenas permaneceu sob controle estatal, como se tornou muito mais competitiva sob o novo regime.

Findo o monopólio da Petrobrás, mas assegurada a propriedade da União sobre o subsolo brasileiro, com mais competição, novas empresas e maiores investimentos, a participação do setor de petróleo e gás cresceu de 2% para 12% do produto interno bruto (PIB), gerando maior renda e mais e melhores empregos. Base sólida para o candidato do PSDB passar à ofensiva e perguntar o porquê de o governo atual querer mudar, para a exploração do pré-sal, um regime que se mostrou tão bem-sucedido. Quais as vantagens e os riscos de o Estado brasileiro ingressar no comércio de barris de petróleo, em lugar de arrecadar tributos? A quem poderia interessar a entrada do Estado num negócio pouco transparente que tanta margem oferece a ganhos ilícitos? A legislação atual já não permite, por simples decreto presidencial, capturar para o Estado brasileiro os ganhos extraordinários que possam advir da exploração do pré-sal? Por que, então, fazer uma mudança atabalhoada, em regime de urgência constitucional, sem tempo para que o Congresso Nacional e a sociedade pudessem conhecê-la e discuti-la? Nenhuma dessas perguntas foi feita.

Em vez de aceitar a luta política no centro do ringue - onde se poderiam confrontar dois modelos distintos de gestão do Estado e regulação da economia -, a candidatura do PSDB escolheu os cantos do tablado, na suposição de que o embate de biografias, em torno da competência gerencial para implementar programas setoriais, lhe fosse assegurar uma "merecida vitória", como se a política fosse uma prova de méritos individuais.

Tão importante quanto discutir a Petrobrás e o pré-sal teria sido pôr em pauta o tamanho da carga tributária. Será sustentável a mobilidade social ascendente observada nos últimos anos sem uma reforma tributária que reduza responsavelmente a carga de impostos, melhore a qualidade da tributação e permita o desenvolvimento do setor de pequenas e médias empresas? Ou vamos apostar que a emergência da chamada classe C será sustentada pelo emprego e renda gerados pela expansão do Estado e pelo fortalecimento das grandes empresas, as únicas capazes de suportar a carga tributária atual e mover-se no cipoal tributário existente? Silêncio total sobre um assunto vital para o futuro do País, em que duas visões sobre o Estado, a economia e a sociedade poderiam haver se confrontado. O que se ouviu foram apenas promessas eleitorais de mais gastos públicos correntes, cujo ritmo de crescimento precisa ser contido para tornar viável a redução da carga tributária.

Conduzidas as campanhas desse modo, sobrou a falsa impressão de que a escolha se dará entre um candidato que tem notável currículo político-administrativo e se apresenta como um continuador melhorado das "proezas" que se fizeram nos últimos oito anos, embora não conte com o apoio do autor das proezas, e uma candidata com modesto currículo político-administrativo, mas que tem o vistoso apoio do chefe de sua torcida, chefe de Estado nas horas vagas.

Ainda assim é muito bom votar. Já tinha quase 30 anos quando votei pela primeira vez para presidente. Meus filhos, com menos de 20, já o fizeram neste 3 de outubro. Viva a democracia! E vamos às urnas, pois. Meu voto não é segredo: é Serra.

Diretor executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP

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