domingo, 31 de outubro de 2010

Ruído que precede grandes catástrofes:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (online)

Nos estertoresda campanha presidencial, a última impressão foi que um comando oculto tinha lançado a tropa de reserva para encerrá- la, de uma vez por todas, antes que alguém fosse mortalmente ferido, e passar à execução do projeto para “democratizar a mídia no país”. Antes não fosse.

A confirmação veio por intermédio de gente que, longe de salvar a face de uma federação fictícia, evidenciou a mão sorrateira de um maestro disposto a passar da demorada afinação de instrumentos à imposição de silêncio à plateia. Era uma vez (mais uma) a república federativa.

Só faltou mesmo aquele silêncio que precede as grandes catástrofes.

Multiplicaram-se, da noite para o dia, os projetos para acelerar o controle dos meios de comunicação, como se o governo tivesse, em relação à liberdade de imprensa, algo a ver além do respeito de que é devedor e da garantia pela qual é igualmente responsável.

Por alguma das razões que a própria razão conhece de sobra, veio a público a informação de que as comissões legislativas se adiantam para suprir o vazio da verborragia oficial. O desfile começou por Alagoas, Ceará, Bahia, Piauí, São Pulo, Minas e, com jogo de cintura, pelo estado do Rio. O resto virá por gravidade ou como provocação, a um sinal do maestro.

Enquanto, na troca de insultos finais, os candidatos a presidente gastaram o tempo disponível, o Ipea deu a público o documento elaborado longe do rumor das ruas, sobre o que se finge entender, no governo e adjacências, como necessidade de “democratizar a mídia no país”, “independente do grande capital”.

A começar da revisão dos critérios para concessão e renovação de licença a emissoras de rádio e televisão, financiamento de bancos estatais mediante “outros critérios que não a au diência e o alcance do órgão”.

Tudo deixa claro que é um programa de farta distribuição de financiamentos e empréstimos.

A bem da verdade, a fundo perdido.

Como, desde o descobrimento, a História não passa por aqui sem decisivas contribuições do acaso, na opor- tunidade em que o Ipea deitou falação, o presidente Lula chegava também ao apogeu da campanha na qual planta a semente do mandato que pretende colher daqui a quatro anos.

Desta vez o devedor penitente não agradeceu aos meios de comunicação, embora a legítima credora seja a liberdade de imprensa.

Coube ao Ipea elaborar o estudo com duvidoso espírito científico para instruir, pelo avesso, os brasileiros sobre o problema e a solução equivocada, no fim do governo Lula e na hipótese do governo Rousseff.

Resta saber qual dos dois será o premiado pela História com o triste labéu.

O texto do Ipea é o documento que faltava ao problema que, em democracias, se resolve pelo respeito à divergência no exercício da liberdade, seja de quem lida com ela ou de quem a exerce em confiança política expressa pelo voto. O assunto faz parte de questões conexas à mídia –palavra oriunda do latim, posta em circulação com pronuncia inglesa e, até hoje, com o mesmo significado em português.

Se mídia só pode ser meio, por que não dizer logo “meios de comunicação” para ganhar tempo e poupar explicações óbvias (em vez de desperdiçá-lo em exercícios inúteis)? O documento, datado de setembro, circulou em outubro para ajudar o presidente Lula, que não veio ao mundo, ao contrário de Chacrinha no século passado, para confundir o eleitorado.

Trata-se, em português claro, se bem que por tortuoso raciocínio, de criar um sistema de canais de distribuição de dinheiro (financiamentos e empréstimos) para remunerar elogios e propagar informações destinadas a confundir mais ainda o governo com meias verdades e mentiras inteiras, sob o véu furado d a economia de mercado.

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