domingo, 19 de dezembro de 2010

Entre o real e a fantasia :: Suely Caldas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em oito anos de poder, o governo Lula acumulou erros e acertos. Os acertos foram amplificados, maquiados e glorificados nos seis volumes impressos do balanço de gestão registrados em cartório na última quarta-feira. Já os erros foram omitidos, ignorados. "Errar é humano", "o homem aprende com seus erros" são assertivas aplicadas a todos os mortais, menos a Lula. Afinal, seu governo alcançou a perfeição absoluta, ocupou o vazio deixado por todos os antecessores que, na sua interpretação, "nada fizeram" no seu tempo.

Menos Lula, menos! Difícil avaliar se, nos últimos oito anos, os acertos do governo superaram os erros ou o contrário. São valores incomparáveis, seja no grau de benefício ou prejuízo à população, seja no tempo ou no espaço da construção da história recente. Nas três áreas em que a atuação do governo é determinante para a vida do País e de seu povo, é possível afirmar genericamente que o governo Lula acertou mais na economia e errou muito na política e na área social - o sucesso do Bolsa-Família não apagou os fracassos na saúde, na educação, na segurança e na ausência de investimento em saneamento.

Começando pela área social, a saúde pública foi um fiasco. O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma boa ideia e um estrondoso fracasso de gestão. Hospitais públicos expulsam doentes graves por falta de leitos, de aparelhos de exames, de medicamentos e de médicos; quem depende de saúde pública morre esperando por uma consulta ou uma cirurgia. É um verdadeiro caos que mereceu de Lula o absurdo e soberbo comentário de que Barack Obama precisaria aprender com o Brasil como fazer saúde pública.

Como nunca reconhece erros, culpou a oposição pela falta de recursos. Esquece de que o crescimento da receita tributária ultrapassou em muito a arrecadação da CPMF. Negou-se a aprender com erros e hoje, apesar da popularidade em alta, tem 54% da população a reprovar sua atuação na saúde.

Menos grave, porém deficitário, é o quadro da educação: crianças vão à escola e não entendem o que leem. O Brasil é lanterninha do mundo em matemática; professores estão despreparados e mal remunerados; vexames nos exames do Enem; em pesquisas sobre água e esgoto tratados, temos a companhia de países pobres da África. E vai por aí... Ponto positivo para o Bolsa-Família, que hoje alcança mais de 11 milhões de famílias e ajuda a ascensão social de muita gente.

A atuação profissional da direção do Banco Central foi responsável pelo sucesso na estabilidade econômica. Levou o Brasil de devedor a credor na relação com outros países e encurtou os efeitos da crise de 2008. Mas não foi capaz de convencer Lula e seus ministros de gastarem menos e economizarem dinheiro para pagar a dívida pública. Com isso a dívida bruta saltou para 60% do PIB.

O programa de microrreformas do ex-ministro Antonio Palocci para tirar o País do atoleiro da ineficiência da economia foi abandonado pelo sucessor Guido Mantega. Mas fato é que o a economia cresceu, o número de empregos com carteira assinada subiu e a renda salarial se expandiu, alimentando o consumo e a alta das taxas do PIB.

Mas o legado mais desastroso de Lula se deu no plano político. A decepção com a generalidade da corrupção, com um presidente tolerante que, em vez de punir, todo tempo absolveu corruptos e distribuiu cargos técnicos a políticos despreparados e mal-intencionados. Na sua história recente, o Brasil não colecionava tantos escândalos, abusos e desvios do dinheiro público. A amplitude do loteamento de cargos entre os partidos políticos deu força e fez do fisiologismo uma degradante política de Estado que Lula aceitou, incentivou e ampliou.

O que restou de avanços nessa área do governo anterior ele tratou de destruir, ferindo as instituições e golpeando a democracia. E agora ele vem dizer que o mensalão não existiu, foi tentativa de golpe. Quer dizer que o relatório do ministro Joaquim Barbosa, do STF, que classificou o mensalão de quadrilha chefiada por José Dirceu foi uma farsa?


Jornalista e professora de comunicação da PUC-RIO

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