quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Rumo à política do Saci?:: Rolf Kuntz

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não há como disfarçar. O novo governo terá de cortar severamente os gastos menos produtivos, se não quiser perder o controle das contas públicas e quebrar uma das pernas da estabilidade econômica. As outras duas são o regime de metas de inflação e o câmbio flutuante. Também o sistema de metas não está muito seguro, apesar das promessas da presidente eleita, Dilma Rousseff, e do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Se ele tentar, de fato, usar o núcleo da inflação ou qualquer índice expurgado como orientação principal da política, o sistema de contenção de preços irá para o brejo. Sem disciplina fiscal e sem o controle de inflação em vigor desde 1999, a política econômica do Brasil passará a ter como símbolo o Saci, pelo menos até a perna restante ser arrebentada por algum ataque "desenvolvimentista".

Os números divulgados nesta semana confirmam a grave deterioração das contas públicas - perceptível apesar do esforço de maquiagem dos números. O resultado primário do governo central caiu de R$ 26 bilhões em setembro para R$ 7,7 bilhões em outubro, segundo o relatório mensal divulgado na segunda-feira pelo Tesouro.

Em setembro o ganho líquido de R$ 31,9 bilhões proporcionado - magicamente - pela capitalização da Petrobrás permitiu converter um déficit primário de R$ 5,9 bilhões num superávit de R$ 26 bilhões. Sem essa maravilha da contabilidade criativa, os números do mês passado ficaram bem menos brilhantes.

De toda forma, aquela receita mais que extraordinária continuou inflando as contas. Graças a isso, o superávit primário do governo central até outubro chegou a R$ 63,3 bilhões. Apesar do truque, ficou ainda muito distante do valor fixado para o ano, R$ 76,3 bilhões. Se o padrão normal se repetir, dificilmente a diferença de R$ 13 bilhões será coberta no bimestre final.

Ontem, o Banco Central (BC) divulgou as contas de todo o setor público. Nessas contas, o resultado primário é calculado não pela diferença entre receitas e despesas não financeiras, mas pela necessidade de financiamento. Por essa fórmula, o superávit primário do governo central ficou em R$ 7,2 bilhões.

O resultado consolidado do setor público - incluídos os três níveis de governo - chegou a R$ 9,7 bilhões. O acumulado alcançou R$ 86,7 bilhões até outubro e R$ 99,1 bilhões em 12 meses, soma equivalente a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB). À primeira vista, não parece tão difícil chegar neste ano a 3,1% do PIB (a meta de 3,3% foi abandonada depois da exclusão das contas da Eletrobrás). Mas essa impressão é ilusória.

Para avaliar a situação com um mínimo de realismo, é preciso excluir do resultado os R$ 31,9 bilhões proporcionados pela forma de contabilizar a capitalização da Petrobrás, já explicada em vários artigos e reportagens. Esse foi apenas mais um truque. O governo tem recorrido a outros expedientes para dar uma aparência melhor às suas contas. Isso estimulou economistas do setor privado a montar cálculos próprios. Segundo estudo recente do Banco Santander, o resultado primário do governo federal nos 12 meses até setembro - oficialmente, 2,3% do PIB - fica reduzido a 0,6%, quando se eliminam truques contábeis e receitas não fiscais.

O Banco Itaú também elaborou contas próprias, baseadas no conceito do "resultado primário recorrente" - sem o fluxo de receitas atípicas, cada vez maior a partir de 2009. Por esse critério, o resultado primário do setor público nos 12 meses até agosto cai de 2% - dado oficial - para 1,5% do PIB.

O problema não é apenas de precisão contábil. O cuidado com os números é importante para a credibilidade do governo, mas isso não é tudo. O exame crítico das contas não mostra somente a imprecisão ou a tentativa de maquiagem, mas a real e dramática deterioração das finanças públicas.

Essa deterioração é causada pelo descontrolado aumento da gastança, refletido principalmente na expansão das despesas com pessoal e com outros itens de custeio. Neste ano, a folha consumiu, até outubro, 9,4% mais que um ano antes, em termos nominais. Pode parecer um crescimento modesto. Mas de janeiro a outubro de 2009 o gasto com pessoal foi 18,4% maior que o de igual período de 2008, apesar da crise. E o inchaço havia começado vários anos antes.

Receitas extraordinárias - quando não resultam da criatividade contábil - podem ser muito úteis, mas é preciso avaliar as finanças públicas pela evolução dos gastos e receitas propriamente fiscais. Por esse critério, o quadro é muito ruim e a presidente eleita dará uma demonstração de seriedade se pensar no assunto.

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