quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Apoteose da gastança:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ontem, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, fez uma advertência: "Não é inteligente brincar com a inflação." E, no entanto, foi o que o governo fez ao longo de 2010, ao puxar as despesas públicas às raias da irresponsabilidade e, depois, enfeitar as contas.

O relatório do Banco Central sobre o desempenho da política fiscal mostrou ontem o pior resultado em outubro desde 2005. Ainda assim, o superávit primário (que exclui despesas com juros) foi a R$ 9,7 bilhões só porque o governo forçou certos lançamentos, mais ou menos como a Argentina trabalha hoje com os dados de inflação.

A mais clamorosa forçada foi a exclusão dos investimentos da Eletrobrás para arrancar resultados. Alguns leitores pediram que esse assunto fosse mais bem explicado. Por que essa exclusão maquia as contas? Até recentemente, os investimentos das estatais não eram considerados despesas para efeito de elaboração desses cálculos. Fácil entender por quê. Todo superávit é receita menos despesa. Se uma despesa fica artificialmente mais baixa, o superávit aumenta. (A necessidade de fazer superávit tem a função de destinar uma sobra de arrecadação para amortizar a dívida pública.)

E por que os investimentos de empresas estatais não entravam na conta e agora passaram a entrar? É que uma boa parte deles não passava de despesa pura e simples e, em muitos casos, de péssima qualidade. Há quem argumente que investir em petróleo é quase sempre uma coisa boa e, portanto, não deve ser considerado gasto. Não é verdade. Lembram-se da estatal Paulipetro, do então governador Paulo Maluf, que pretendia encontrar petróleo no interior de São Paulo? Até hoje Maluf considera o dinheiro ali enterrado um grande investimento. Mas a gente sabe que não passou de maracutaia, como dizia o então metalúrgico Lula. E, cá entre nós, nem mesmo a Petrobrás investe bem sempre. Quanto à Eletrobrás, todos sabemos que um bom pedaço dos investimentos vem carimbado com suspeição. Qualquer projeto de hidrelétrica começa avaliado em uma fração do seu custo real. É um inchaço quase sempre pouco edificante e, portanto, despesa improdutiva.

É por essas e semelhantes razões que, durante o governo Fernando Henrique, os tais investimentos das estatais foram considerados despesas.

Nos primeiros anos de administração, o governo Lula levou mais a sério o compromisso de criar o superávit primário, que em 2008 e 2009 foi de 3,8% do PIB e, neste, baixará para 3,1% do PIB. Esses dois últimos anos foram de apoteose da gastança, porque o objetivo era azeitar o jogo eleitoral. As despesas do governo cresceram em 2010 nada menos que 17%. E o superávit prometido, de 3,1% do PIB, só será entregue porque o governo fez a mágica já exposta com os resultados da Eletrobrás e usou as receitas da capitalização da Petrobrás para turbinar as contas.

A nova presidente, eleita em boa parte graças ao emprego do lubrificante especial, avisa que vai colocar em marcha um forte ajuste das contas públicas. É o reconhecimento de que os resultados fiscais estão maquiados. Se o superávit primário de 3,1% do PIB fosse verdadeiro, não seria preciso apertar os cintos. Enfim, em 2010, o governo não foi inteligente como sugeriu Coutinho. Brincou com a inflação.

Aí está o desgaste a que os Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) estão submetendo o euro.

Equilíbrio ilusório

A dívida líquida está à altura de 40,5% do PIB, número só aparentemente baixo. Quando o Banco Central (BC) compra dólares para suas reservas, emite títulos. Do ponto de vista da dívida líquida, essas emissões não aparecem porque no outro prato da balança há os créditos em dólares. O problema está em que o BC pagará pela dívida juros de quase 11% ao ano, enquanto as reservas não renderão mais que 3%.

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