segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Joaquim Nabuco

"A nossa constituição não é imagem dessas catedrais góticas edificadas a muito custo e que representam no meio da nossa civilização adiantada, no meio da atividade febril do nosso tempo, épocas de passividade e de inação; a nossa constituição é pelo contrário de formação natural, é uma dessas formações como a do solo onde camadas sucessivas se depositam; onde a vida penetra por toda a parte, sujeita ao eterno movimento, e onde os erros que passam ficam sepultados sob as verdades que nascem. (...)

"A nossa constituição não é uma barreira levantada no nosso caminho, não são as tábuas da lei recebidas dos legislador divino e nas quais não se pode tocar porque estão protegidas pelos raios e trovões... Não, senhores."(...)

"A nossa constituição é um grande maquinismo liberal, e um mecanismo servido de todos os órgãos de locomoção e de progresso, é um organismo vivo que caminha, e adapta-se às funções diversas que em cada época tem necessariamente que produzir." (...)

"Senhores, era o partido conservador que devia tomar as dores pela constituição e desejar que ela fosse o monumento de uma lingua morta, uma espécie deTalmude, cujos artigos pudessem ser opostos uns aos outros pelos interpretes oficiais."

(NABUCO, Joaquim. Reforma Constitucional. Discurso Pronunciado em 29 de abril de 1879. In: FREYRE, Gilberto (seleção e prefácio). Discursos Parlamentares. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1950, p. 72.)

Gramsci entre Marx e Maquiavel:: Alberto Aggio

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Francesca Izzo. Democrazia e cosmopolitismo in Antonio Gramsci. Roma: Carocci, 2009. 246p.

Apresentado ao público recentemente, este último livro de Francesca Izzo é composto por uma série de ensaios, todos eles já publicados, integral ou parcialmente, em revistas acadêmicas ou em coletâneas anteriores. Francesca é professora de História das Doutrinas Políticas, na Universidade de Nápoles, e faz parte da Fundação Instituto Gramsci, de Roma.

O livro é uma potente reflexão sobre o pensamento de Gramsci e de muitas de suas interpretações, bem como das repercussões políticas que estas ensejaram no decorrer da segunda metade do século XX e princípios deste novo século, junto à grande área do pensamento crítico vinculado à esquerda. Um escopo que envolve intelectuais e políticos que, afirmando ou negando as características marcadamente incidentes daquele pensamento na realidade contemporânea, se debruçaram sobre ele de maneira profunda.

Afirma-se aqui efetivamente uma abordagem nova de Gramsci, na medida em que não se está em busca da compreensão do seu pensamento senão a partir da sua radical historicidade. Toda a trama conceitual gramsciana é abordada a partir de uma questão que Francesca Izzo reputa ser a essencial para compreendê-lo: a questão da modernidade e de sua crise. É desse ponto de partida que a autora busca a concepção gramsciana de democracia, bem como seu alcance.

Evidentemente, a partir dessa perspectiva, o livro somente poderia fazer sentido se enfrentasse, de início, o debate com as principais referências da filosofia política que tematizaram o pensamento de Gramsci a partir daquele núcleo (modernidade/democracia), no seu nexo com a dinâmica política e ideológica das sociedades contemporâneas. É assim que Izzo repassa as formulações e expõe agudas criticas a um conjunto de trabalhos diretamente vinculados ao exercício de reflexão das temáticas gramscianas, desde aqueles produzidos por autores como Norberto Bobbio até Massimo Cacciari, passando por Asor Rosa, Toni Negri, para mencionar apenas alguns deles. Por outro lado, Izzo também não deixa de dispensar um tratamento crítico a autores, como Deleuze, Guattari ou mesmo Foucault, que, colocando justas questões a respeito das diversas problemáticas que envolvem a crise contemporânea, rejeitam um nexo produtivo entre democracia e modernidade.

Há um pano de fundo na seleção dos autores e temas aqui trabalhados. Trata-se do que Izzo define como “ideologia italiana”, produzida desde os anos sessenta a partir da abordagem das diversas dimensões da chamada “crise do marxismo” e que acabou por constituir “o referente cognitivo do processo de decomposição das forças históricas do movimento operário italiano” (p. 7). A vaga chamada de pós-modernista haveria produzido e disseminado no plano cognitivo não só uma visão pessimista e niilista da modernidade, mas também induzido e até mesmo possibilitado que se aprofundasse a fratura entre democracia e modernidade.

Em tal “ideologia”, os supostos limites inelutáveis da modernidade condicionariam qualquer perspectiva política nela baseada, vista como inclinada ao autoritarismo, quando não ao totalitarismo. Como se pretende demonstrar no livro, as leituras que foram se cristalizando sobre o pensamento de Gramsci, nesse contexto, obedeceram precisamente a esse paradigma. Condenado o marxismo, Gramsci seria um pensamento irrecuperável para iluminar o presente e o futuro.

Por essa razão, o ponto de partida de Francesca Izzo é precisamente a relação Gramsci e Marx, e, a partir daí, isto é, de uma leitura afirmativa dessa relação (não em termos ortodoxos e muito menos dogmáticos), pensar os termos da inovação gramsciana. As suas orientações gerais são apresentadas em quatro pontos.

Em primeiro lugar, a de que os Cadernos do cárcere “oferecem uma teoria, articulada e conceitualmente densa, do Moderno e da sua crise, são sobretudo um exemplo único, no panorama do pensamento do século XX, de uma teoria global de modernidade baseada numa reelaboração das categorias do materialismo histórico” (p. 20).

Em segundo lugar, a de que essa teoria não se reduz a um humanismo ou mesmo um positivo tecnicismo (do homem como produtor da técnica) produtor de uma identificação entre sujeito e objeto. Nela, o sujeito moderno não nasce no plano da consciência, mas se constitui a partir de “um princípio-fundamento complexo, formal e material: é o Estado territorial”. No cerne da crise desse Estado, para Gramsci, o que se anunciava não era a sua mera dissolução e dispersão em vários fragmentos, “mas a constituição de um princípio de subjetividade, o partido, não de base territorial, mas cosmopolita, que reelabora, sem cancelá-lo, o núcleo ‘democrático’ da modernidade” (p. 21).

Nesse aspecto, a inovação presente na leitura que Izzo faz do texto de Gramsci merece uma nota mais específica. A reflexão em torno do nexo entre Gramsci e Maquiavel, trabalhado pela autora, nos leva diretamente a uma parábola nem sempre explorada. Afirma Izzo: “Assim como o Príncipe maquiaveliano anunciava a formação do grande sujeito da política moderna, o Estado, da mesma forma, o ‘Moderno Príncipe’ anuncia uma circunstância estatal (statualità) que se desenvolve no terreno da democracia não mais exclusivamente territorial. Gramsci delineia uma teoria do partido que não pertence às famílias do estatalismo corporativo ou totalitário, ou do antiestado, que celebraram sua pompa entre os anos trinta e sessenta do século passado. Acima de tudo, ela finca suas raízes naquela complexa passagem de época e carrega as próprias marcas do industralismo e do cosmopolitismo” (p. 164). A nota é relevante, entre outros aspectos, porque estabelece uma formulação bastante interessante da noção de sujeito moderno no pensamento de Gramsci.

Em terceiro lugar, Izzo observa as dimensões de continuidade ou mesmo de desenvolvimento que existem no pensamento de Gramsci com a estrutura lógica e histórica que advém de Hegel e Marx. O Gramsci de Izzo é efetivamente um aprofundamento ulterior daqueles clássicos, sobretudo no que se refere à concepção de história que está presente nos Cadernos, sem contudo padecer, segundo a própria autora, de qualquer automatismo ou mesmo determinismo, ainda que “progressista”.

Por fim, Izzo reafirma que a elaboração da filosofia da práxis por Gramsci não se efetua em ruptura com Marx, como insistiram por tantos anos e por distintas razões tanto Bobbio como Del Noce. A autora reconhece evidentemente que, depois de um percurso de assimilações e formulações filosóficas claramente tortuosas, cheias de sugestões neoidealistas e/ou mesmo gentilianas, o que predomina nos Cadernos é a autonomia intelectual que Gramsci assimila de Marx, e, por meio dela, se capacita para ler e pensar historicamente as condições necessárias de uma reforma intelectual e moral.

Em síntese, o que se observa nessa profunda revisão dos estudos e do próprio texto gramsciano empreendida por Izzo é a sua inclinação em conjugar os dois polos marcantes nas mais recentes interpretações a respeito do seu pensamento. Izzo explicita a imperiosidade de se compreender Gramsci tanto como um leitor produtivo de Marx, isto é, como um pensador atento às grandes transformações epocais que marcaram e marcam a sociedade contemporânea, notadamente a partir do estabelecimento do industrialismo, quanto como um leitor imaginativo de Maquiavel, do qual extrai, da mesma forma, o elemento histórico da política moderna em toda a sua dimensão de essencialidade, criatividade e abertura.

Democrazia e cosmopolitismo in Antonio Gramsci se insere numa perspectiva de leitura do pensador italiano que visa recuperar não somente a sua vitalidade, mas efetivamente sua atualidade. Baseado em investigações pontuais solidamente apresentadas e densamente documentadas, o que se registra aqui é um Gramsci liberto do “gramscismo” que marcou sua difusão e assimilação mundial, mas muito distante de um improvável reencontro com o “obreirismo” dos anos de combate, que marcou o “conselhismo” do início de sua trajetória como dirigente político. É, efetivamente, um Gramsci também distante do “altermundismo” como forma de expressão do antagonismo social, sem a mediação da política. O Gramsci que Izzo nos apresenta e sobre o qual nos convida a refletir é aquele que indica uma percepção própria da democracia, qual seja, a de “uma possibilidade inscrita na morfologia do moderno”; e este último concebido como um campo “aberto a formas de subjetividade não integralmente previsíveis e jamais definitivas”.

Alberto Aggio é professor de História da Unesp/Franca; bolsista sênior da Capes na Universidade Roma III.

Agora é hora da folia. E depois dela?:: Marco Antonio Rocha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quarta-feira sempre desce o pano.

É o que dizia Chico Buarque de Holanda em Sonho de um Carnaval. Mas nesta quarta-feira, depois de amanhã, no Brasil-2010, o pano sobe: "Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo" - diria Fiori Gigliotti no seu inesquecível bordão. Aliás, dois soberbos espetáculos do ano: eleições para presidente da República e Copa do Mundo. Os brasileiros terão um olho na África do Sul, outro nas urnas de outubro. Torcendo para que o ano não seja um desengano.

Não será, se os candidatos à sucessão de Lula tomarem tento do que realmente é preciso fazer para que a economia brasileira continue surfando na onda de bonança e, sobretudo, se o setor privado brasileiro sair da modorra de só falar de juros ou impostos e se empenhar, de fato, em avanços tecnológicos e da produtividade.

Por enquanto, a sucessão de Lula está emaranhada no passado, mais do que comprometida com o futuro. Na oposição e na situação os discursos são sobre quem teve mais méritos e quem merece mais créditos pelo que já foi feito no País, e não sobre o que se pretende fazer para que as boas perspectivas não se desvaneçam. Pode ser que depois de quarta-feira essa fala entediante ceda lugar a alguma coisa de mais "sustança" - como se diz - para a moderna consciência cidadã. Tomara, pois o momento é crítico e o País não pode perder o foco da oportunidade que a economia mundial está abrindo nem perder tempo com um debate ideológico ultrapassado.

Quem revisar um pouco da história recente da economia brasileira verá que uma oportunidade como essa apareceu no final da 2ª Guerra Mundial, durante a qual as grandes potências em luta disputaram avidamente matérias-primas estratégicas, alimentos e outros fornecimentos brasileiros, o que encheu nossas burras de ricas divisas internacionais - que seriam dilapidadas logo depois pelos governos de um país completamente infantil em termos de planejamento estratégico (que nem existia) e de defesa dos seus próprios interesses. O azar foi que o fim da guerra e a oportunidade por ele oferecida coincidiram com o fim de uma ditadura de cerca de 15 anos num Brasil que se viu, por isso mesmo, mais empenhado em criar uma democracia (que nunca tinha tido) do que em cuidar das suas finanças e do seu futuro. Qualquer semelhança com o período de 1985 para cá deveria ser tema de estudos...

A oportunidade que aparece agora é dupla, vem de fora e de dentro. As grandes economias do mundo não estão em guerra como em 1939-45, mas buscam um lugar estável e promissor para ancorar seus capitais, depois do vendaval financeiro de 2008. Dos quatro Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) - não duvidemos - o Brasil é o mais promissor e o mais estável no que se refere a oportunidades de investimentos. Digam o que disserem e escrevam o que escreverem, é um rematado idiota o investidor institucional ou individual que, em busca de oportunidades, acredite numa Rússia, cheia de máfias estranhas, onde até o governo é mafioso; ou numa Índia, com dezenas de dialetos, de seitas, de castas, de religiões e milhões de famintos; ou numa China, com população maior e quadro cultural ainda pior, além de um governo que pode fuzilar quem lhe aprouver sem dar satisfações ao mundo; e menospreze o Brasil como plataforma de bons negócios...

Mas, ao cenário externo propício, junta-se uma novidade interna importante, que vem sendo identificada por diversos economistas e analisada em publicações especializadas: a rápida ascensão das classes mais baixas de renda para faixas mais altas, causando, na prática, uma expansão inusitada da classe média brasileira, em tempo relativamente curto.

O professor Yoshiaki Nakano, em artigo publicado no jornal Valor (Dinamismo Doméstico, 9/2/2010, página A11), dizia que "a economia brasileira se está convertendo numa economia com mercado de consumo de massa das maiores do mundo". E quantificava sua opinião estimando que a classe "C", nos últimos 15 anos, passou de 32% para 52% da população, o que representa hoje "mais de 90 milhões de consumidores incorporados ao mercado". E, já que estamos em tempo de Copa, basta dizer que isso equivale à população inteira do Brasil na Copa de 1970 - "Noventa milhões em ação, salve a seleção..." era o hino.

Ora, um dos principais fatores entre os que contribuíram para tornar gigantes as economias gigantes do mundo moderno foi a formação de um grande mercado interno de consumo de massa, que atrai investimentos externos, estimula investimentos internos, aumenta a produção, reduz os preços médios e gera empregos, num círculo virtuoso contínuo. O fenômeno que o professor Nakano aponta cresceu sobre dois pilares: o fim da inflação galopante, a partir de 1994, e o início das políticas afirmativas de distribuição de renda, acentuadas a partir de 2003. E teve três instrumentos: disciplina fiscal dos governos (ainda incompleto), câmbio flutuante e metas de inflação - mantidos por FHC e por Lula da Silva.

Há riscos adiante - de ressurgimento da inflação e de crise cambial. Por isso os economistas afirmam que o programa vitorioso precisa ser reforçado para exorcizar os riscos, ainda neste próximo mandato governamental. Mas quem já ouviu os presumíveis candidatos falando disso? Ou seus seguidores? Ou seus partidos? Quem apresentou algum programa antiborrasca?

Só o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem feito advertências. No governo, o PT está para aprovar, depois do carnaval, um programa que, se for o que já se divulgou, é pró-borrasca. E tanto no governo como na oposição o papo é de fofoqueiras de telenovela.

Mais seriedade e debates menos levianos sobre um verdadeiro projeto nacional são o que desejamos para depois do carnaval. E na campanha eleitoral.

Marco Antonio Rocha é jornalista.

FHC: Atirador de elite

DEU NA REVISTA ISTOÉ

FHC ataca Dilma, obriga PSDB a defender sua gestão e assume o papel de porta-voz da oposição na eleição presidencial

Jorge Felix

"Dilma não é líder, é reflexo de um líder"

"Ela é dogmática"

"Ela é muito dura, uma pessoa autoritária"

"Ela tem uma visão ultrapassada"

A cada campanha presidencial, Fernando Henrique Cardoso tem uma tarefa muito mais árdua do que a batalha eleitoral: convencer o candidato do seu próprio partido, o PSDB, a defender os seus oito anos de governo. Nem José Serra, em 2002, nem Geraldo Alckmin, em 2006, aceitaram a missão. Desta vez, FHC parece ter perdido a esperança. Diante da demora de Serra em confirmar-se na disputa e das críticas do PT, decidiu ele mesmo assumir a defesa de seus feitos. Por um lado, ampliou o risco para os tucanos. Por outro, retesou o debate eleitoral com uma só frase sobre a ministra-candidata: “Dilma não é líder.” A frase de FHC, apesar de ter lustrado um pouco a imagem da oposição – até então inibida pela popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e temerosa em cair na polarização tão almejada pelo PT –, saiu depois de ele mesmo ouvir reclamações por ter defendido seu governo em artigo nos jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”. Com o título “Sem medo do passado”, FHC fez o que nunca um candidato tucano quis: listar o que considera os méritos de seu governo, inclusive, segundo ele, as privatizações. E aceitou a comparação: “Se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.” Mas Serra não gostou.

Na opinião do governador, FHC estaria fazendo o que os estrategistas do PT sempre apontaram como o melhor para a candidatura oficial, ou seja, a comparação dos dois governos. O fato é que FHC procura resgatar algo que o PSDB perdeu com suas estratégias malsucedidas em 2002 e 2006. O ex-presidente ainda busca um herdeiro e, agora, corre o risco de ver o candidato Serra elogiar mais os méritos sociais do governo Lula do que defender as privatizações tucanas – tal como ocorreu com Alckmin e como pregam aqueles que apostam na “campanha do pós-Lula”. A amigos, FHC confessa que atribui a esse erro o fato de algo tão forte como o Plano Real, que o elegeu no primeiro turno em 1994 e 1998, hoje nem sequer ser levado em consideração pelo eleitor na hora de apertar o botão na urna eletrônica. O PSDB, ao abrir mão da defesa de FHC, segundo avalia o próprio, deixou escapar o seu maior trunfo administrativo: ter derrubado a crônica e alta inflação. Esse feito, na avaliação do ex-presidente, poderia ter um impacto eleitoral maior e mais duradouro do que qualquer programa Bolsa Família. Mas os candidatos do PSDB, nas últimas campanhas, tinham outras preocupações. Serra, em 2002, apostou demais em seu cacife pessoal e negou o programa econômico comandado pela equipe de seu desafeto monetarista Pedro Malan. Já Alckmin teria partido para a campanha com mágoas depois da tumultuada escolha de seu nome como candidato.

FHC era a favor de Serra e, por isso, o então governador nunca aceitou o papel de defender as realizações do governo do ex-presidente. Agora FHC decidiu provocar o debate e, com isso, criou uma situação sem volta para o candidato tucano. Quando Serra decidir entrar na disputa – o que por FHC já teria ocorrido –, ele dificilmente conseguirá fugir da defesa da gestão do ex-presidente. Pode até ignorar a era FHC no horário eleitoral, mas em entrevistas e debates, certamente, será posto o tema. É por isso que Serra tratou de agir rápido e está trabalhando para o debate voltar ao rumo que ele quer, isto é, a comparação entre o seu governo em São Paulo e o de Lula e ataques somente a Dilma, jamais ao presidente “mito”. Nesta segunda empreitada, foi auxiliado por todo o tucanato. Na terça-feira 9, o senador Tasso Jereissatti (CE) disse que Dilma é “uma liderança de silicone”, tentando esquentar as críticas à ministra com uma imagem distante da acadêmica sociologia de FHC. Na quinta-feira 11, o presidente voltou a mostrar que o atirador de elite do PSDB, por enquanto, é ele mesmo e, em entrevista ao jornal “The Miami Herald”, voltou a acertar a mira: “Ela é mais próxima do PT. Lula tem mais independência do PT. Ele é um negociador. Ele tem a habilidade de mudar de opinião. Eu não acho que Dilma faria isso porque ela é mais – talvez isso seja muito duro – dogmática. Ela tem uma visão ultrapassada a favor de uma maior interferência (do Estado na economia).” E continuou: “Ela é muito dura, uma pessoa autoritária.”

No entanto, no que diz respeito à comparação entre os dois governos, Serra pode ser surpreendido. Se o paralelo entre a gestão de FHC e a de Lula, logo feito pela imprensa, deixa o primeiro em desvantagem na área social – embora a metodologia seja contestada pelos tucanos por não ter sido levada em conta a conjuntura econômica do momento de cada governo –, o primeiro exercício de confronto entre os períodos Serra e Lula também derruba teses do PSDB, como a disciplina fiscal. Um estudo do economista-chefe do Banco Santander, Alexandre Schwartsman, divulgado na quarta-feira 10, revelou que o rigor fiscal de Serra e de Lula foi o mesmo. Os gastos de Serra cresceram, desde 2006,1,3 ponto percentual do PIB paulista, enquanto os investimentos subiram 0,8 ponto percentual. Já o governo Lula ampliou os gastos correntes em 0,9 ponto e os investimentos em apenas 0,4. “Os mesmos fatores que seguram os investimentos federais parecem também segurar os estaduais”, diz Schwartsman. Em resumo: defender gestões ou comparar governos é uma tarefa que parece simples. Mas não é.

Serra aproveita carnaval para ganhar exposição no Nordeste

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aliados do governador e da ministra da Casa Civil montaram esquema para evitar que pré-candidatos se encontrassem na comemoração

Tiago Décimo

Apesar de negar que estivesse em busca de voto, o governador de São Paulo, José Serra, dedicou os últimos dois dias a comparecer a festas de carnaval no Nordeste, região considerada estratégica para o PSDB na eleição. No Recife e, depois, em Salvador, o potencial candidato tucano à Presidência posou para fotos com foliões, deu entrevistas e se encontrou com líderes políticos locais. O bom desempenho eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos Estados do Nordeste, na última eleição, levou a cúpula do partido a trabalhar para, pelo menos, tentar diminuir a desvantagem.

A programação de Serra foi montada de modo que ele não encontrasse, nem por acaso, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência, que também passou os dois últimos dias acompanhando o carnaval na região. A articulação das agendas ficou a cargo do deputado Jutahy Magalhães Júnior (PSDB-BA) e do presidente da Assembleia baiana, Marcelo Nilo, que recentemente trocou o PSDB pelo PDT para ficar na base do governador Jaques Wagner (PT). "Passamos três horas, na noite de ontem (sábado), montando as programações dos dois, para que ficasse bom para todo mundo", declarou Jutahy.

Na prática, os "acertos de agendas" mostraram-se precisos, a ponto de, na tarde de ontem, Dilma e Serra ficarem separados apenas por uma parede de pano, que marcava os limites entre o camarote da prefeitura, onde estava a ministra, do espaço de uma emissora de TV, onde Serra assistia aos desfiles.

Tanto Jaques Wagner quanto o prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro, disseram ter convidado Serra para os camarotes oficiais - os únicos visitados por Dilma. "Chamei o governador Serra como governador da Bahia, por ele representar o principal Estado do País", disse Wagner. "Mas sei que é natural que ele fique com os políticos do grupo dele", completou o governador.

"BANHO DE CARNAVAL"

Enfrentando uma verdadeira maratona de desfiles, Serra apareceu visivelmente abatido, na manhã de ontem, no Circuito Osmar (Campo Grande) do carnaval de Salvador. Ele negou estar cansado, mas a aparência, apesar de sorridente, não refletia o discurso.

Cumprindo um "banho de carnaval", como definiu, o governador desembarcou às 3h30 de sábado no Recife, onde participou do Galo da Madrugada. Horas antes, havia assistido à abertura dos desfiles em São Paulo. Depois do Recife, seguiu para Salvador. Acompanhou os desfiles de trios do Circuito Dodô (Barra-Ondina), no Camarote Daniela Mercury. Ficou ali até depois das 2 horas, vendo as atrações, acenando para o público que passava no circuito e tirando fotos com as pessoas que se divertiam no camarote.

Pela manhã, acompanhado por políticos locais do PSDB e do DEM, já estava no Circuito Osmar, vendo os trios passarem mais uma vez. Ficou no local até o fim da tarde, visitando os camarotes das emissoras locais de TV, antes de voltar para São Paulo, onde disse ter "coisas a resolver". Segundo a equipe que acompanha Serra, porém, ele irá ao desfile das escolas de samba do Rio, hoje à noite.

O governador disse que a maratona não tem relação com sua possível candidatura. "Não vim aqui como palanque eleitoral, vim para curtir pessoalmente", alegou. "Fiquei bastante impressionado com o que vi. A festa está ainda maior, mais animada e até mais organizada do que na última vez que vim, na década de 90." O deputado federal ACM Neto (DEM-BA), porém, garantiu que o paulista nunca esteve na folia baiana.

Sem confetes e serpentinas:: Marcílio de Moraes

DEU NO ESTADO DE MINAS

Na história recente do Brasil, bastava um feriado prolongado para arrefecer os ânimos de adversários e salvar a pele dos acusados. Em Brasília, o carnaval não será suficiente para abafar a crise no governo do Distrito Federal. Entre a sexta-feira e a quarta-feira de cinzas não haverá nada que faça esquecer a prisão de um governador de estado por suspeita de suborno de testemunhas na investigação de um suposto esquema de pagamento de propina a aliados. Pelo contrário. O fato de escolas de samba dos carnavais de São Paulo e do Rio trazerem enredo lembrando os 50 anos de Brasília sem praticamente nenhuma menção à crise política pode reforçar a lembrança dos fatos recentes na capital federal. São três meses de sucessivos escândalos, com farta divulgação de imagens e informações sobre mandos e desmandos na política local.

Acostumado a ver escândalos ocorrerem sucessivamente sem que os acusados do momento sejam punidos antes de novas denúncias surgirem e outros políticos se verem envolvidos em suspeitas de crimes e atos ilícitos, o brasileiro não perdeu a esperança de pôr fim ao reinado de impunidade que se instalou na política brasileira, mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subestime essa capacidade ao afirmar que a prisão de um governador é ruim para o Brasil e para a consciência política brasileira.

No dia seguinte, como sempre, ele se corrigiu e disse esperar que o fato sirva como exemplo. Foi assim também quando afirmou que as imagens não falavam por si ao comentar os vídeos de políticos de Brasília recebendo maços de dinheiro num suposto esquema de corrupção. Lula errou de novo ao aliviar o discurso para comentar a situação de um acusado, ainda que adversário político. Foram justamente as imagens, que como diz o dito popular valem por mil palavras, as provas que decretaram a prisão do governador do Distrito Federal por tentativa de suborno de testemunhas.

Colocando-se na condição de vítima, o governador preso e afastado José Roberto Arruda e seu ex-partido, o DEM, consideraram desproporcional a decretação da prisão pela Justiça ao lembrarem que o mesmo não ocorreu quando políticos petistas, tucanos, peemedebistas e de outras legendas se viram envolvidos em denúncias de envolvimento em um esquema de pagamento de propina a aliados. Esquecem-se de que o tratamento diferente dado ao suposto crime de políticos de outras legendas não os absolve dos delitos que supostamente cometeram e que a diferença em um dos casos, o dos petistas, pode estar quase que apenas na ausência de imagens.

Entre o escândalo dos petistas e o dos democratas de Brasília, os brasileiros viram uma sucessão de outras denúncias de abusos, irregularidades e desvios de recursos públicos ocupar a imprensa no últimos anos. Em praticamente todos os casos, imperou a impunidade. Desproporcional para alguns, mas marco para outros, a prisão do governador do Distrito Federal e um agora provável afastamento do cargo por um processo de impeachment são emblemáticos para os políticos que se acostumaram a conviver com a impunidade.

As entidades que combatem a corrupção ganham força e vão ampliar a divulgação dos nomes dos políticos envolvidos em fraudes e irregularidades e processados pela Justiça e o projeto de iniciativa popular que impede a candidatura de pessoas condenadas em primeira instância ganha fôlego. Antes de ser preso, Arruda disse a um auxiliar que “toda crise passa”. Sem dúvida. Mas cada uma traz a sua marca, que fica mais ou menos profunda na memória dos eleitores. Como a crise no DF deve permanecer por mais tempo na mídia, os deputados federais e senadores que querem angariar votos em outubro podem ser pressionados pela opinião pública – embora alguns se lixem para ela – a não fazer vista grossa para a proposta que recebeu 1,5 milhão de assinaturas. Costumamos dizer que o ano no Brasil só começa depois do carnaval. Em Brasília, começou antes e não teve intervalo para confetes e serpentinas.

Ricardo Noblat:: Fica, Arruda!

DEU EM O GLOBO

“Podíamos ter expulsado o Arruda no primeiro minuto, demos uma semana e só piorou”.(Demóstenes Torres, senador do DEM)

Louve-se a franqueza de Lula ao saber da prisão do governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, decretada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo Gilberto Carvalho, seu chefe de gabinete, Lula ficou triste com a notícia, pois considerava “ruim para a consciência política do Brasil” que um governador fosse parar na cadeia.

Parem de implicar com Lula: além de sincero, ele foi coerente.

Em novembro último, depois de assistir aos vídeos que mostravam Arruda e deputados recebendo dinheiro vivo, além de empresários reclamando do alto valor de suas contribuições para o mensalão do DEM, ele havia dito de cara limpa que as imagens não falavam por si.

Mil vezes mais a sinceridade esporádica de Lula ao cinismo e à mentira que orientam o comportamento diário e as declarações da maioria dos nossos políticos. Na tarde da última quinta-feira, por exemplo, Arruda entregouse à polícia se dizendo vítima de uma armação diabólica de desafetos. Só faltou garantir que a História, um dia, o absolverá.

O vice dele, Paulo Octávio, assumiu o governo e afirmou em entrevista ao jornalista Gerson Camarotti que seu gesto era de puro desprendimento.

Dono de 16 empresas que empregam cinco mil pessoas, está convencido de que doravante passará a correr sério risco. “A decisão do fico foi uma demonstração de responsabilidade”, gabou-se.

Não foi. Membro da comissão de frente do escândalo, Paulo Octávio discutiu com parentes e advogados se o melhor para seus negócios não seria a renúncia à condição de vice. Pensou em simular uma doença para se dar como impedido de suceder a Arruda. Por fim, cedeu ao argumento de que a renúncia soaria como uma confissão de culpa.

Arruda e Paulo Octávio são crias políticas de Joaquim Roriz, que governou o Distrito Federal quatro vezes. Roriz pintou e bordou sem constrangimento.

Fez coisas que Deus duvida — da doação de terra pública em troca de votos ao uso escrachado do Banco Regional de Brasília.

Respondeu a dezenas de processos e escapou de todos.

Suas crias devem ter imaginado que eram tão espertas como ele. E que poderiam até superá-lo. Como observou um leitor do meu blog, Arruda conseguiu o que Roriz tentou sem êxito: ser preso.

Pior: só havia um meio para ser preso — se Arruda interferisse na produção de provas contra ele mesmo e coagisse testemunhas. Foi o que fez. Magnífico! Caso tivesse procedido com cautela, Arruda seria processado pelo STJ por improbidade administrativa. O processo se arrastaria até o fim do seu mandato no próximo dia 31 de dezembro. Com Arruda sem direito a foro especial a partir dessa data, o processo seria remetido para a primeira instância da Justiça. Tudo então se tornaria mais fácil para ele.

Salvo a Polícia Federal e o Ministério Público, ninguém em Brasília tem ideia do volume e da gravidade das provas recolhidas contra Arruda, Paulo Octávio e demais envolvidos no escândalo que deixou o Distrito Federal desgovernado.

O que existe hoje é um simulacro de governo sujeito a ser varrido do mapa de uma hora para a outra.

“A organização criminosa instalada no governo do Distrito Federal continua valendose do poder econômico e político para atrapalhar as investigações e, assim, garantir a impunidade”, afirmou Roberto Gurgel, procuradorgeral da República, horas depois da prisão de Arruda. Gurgel pediu a nomeação de um interventor para o Distrito Federal.

Caberá ao Supremo Tribunal Federal aceitar ou não o pedido de Gurgel. Os deputados da Câmara Legislativa começam a emitir sinais de que topam aprovar o impeachment de Arruda para evitar a ação higiênica de um interventor.

A essa altura, é desprovida de qualquer lógica a hipótese de Arruda simplesmente ser solto e reassumir o governo.

Reassumir para quê? Para se valer de novo do cargo e tentar reescrever o seu destino? A Justiça não foi tão longe para no fim produzir uma aberração.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Especulação contra o euro

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Esse ataque especulativo é mais uma comprovação da necessidade de regulação cerrada de bancos e fundos

OS MERCADOS financeiros são incorrigíveis. Agora a especulação se dirige contra o euro, ou, mais especificamente, dirige-se contra a Grécia, para depois atacar Portugal e, em seguida, a Espanha -os países mais frágeis da zona do euro.

O preço dos "credit default swaps" visando proteger os credores contra uma possível quebra da Grécia aumentou do índice 120 em outubro para 419 no dia 9. Quem compra esses instrumentos a um preço tão elevado aposta na quebra do país, o que transformará esse alto preço em grande lucro -uma aposta com forte componente autorrealizador. Quanto mais se aposta, mais dificuldade tem o país de se refinanciar e maior é a possibilidade de quebra.

Não creio, porém, que os especuladores ganharão desta vez. É verdade que o euro tem um ponto fraco: faltam à União Europeia, de um lado, uma autoridade federal para cobrar maior responsabilidade fiscal e maior transparência dos governos, e, de outro, mais recursos para vir em seu socorro se se veem em dificuldade. Entretanto, embora a Comissão Europeia não conte com esses recursos, os governos europeus e seus ministros da Finanças contam.

O governo conservador grego derrotado nas últimas eleições foi irresponsável no plano fiscal e no plano cambial; endividou o Estado e o país. O deficit público foi a 12,7%, e o deficit em conta-corrente, a 14% do PIB. E o governo mentiu em relação aos números. O novo primeiro-ministro, George Papandreou, porém, é economista keynesiano competente e prudente que já está tomando uma série de medidas de ordem fiscal. E a União Europeia vai certamente dar o apoio necessário à Grécia.

A alternativa seria a Grécia pedir apoio do FMI, mas não creio que os europeus concordarão com isso. A Grécia é um país que já está bem inserido na zona do euro -e o apoio do FMI a ela representaria um apoio à zona do euro, algo que os grandes países da região não admitirão. Essa alternativa foi adotada para os países do Leste Europeu, mas esses são países recém-chegados à União Europeia. O grande aumento de capital que o Fundo aprovou foi justificado pela necessidade de salvar esses países, cujos deficit -o público e principalmente o deficit em conta-corrente- haviam subido de forma irresponsável; na verdade, foi aprovado para salvar os grandes bancos ocidentais que de forma igualmente irresponsável emprestaram para empresas daqueles países com o apoio do FMI porque estariam "crescendo com poupança externa".

A União Europeia foi duramente atingida pela crise financeira global, porque alguns dos seus grandes bancos acompanharam a onda de especulação baseada em "inovações financeiras", e em parte porque as exportações de seus países sofreram com a crise. O endividamento das famílias, porém, não foi tão grande como nos EUA, e apenas na Espanha houve uma bolha imobiliária. A zona como um todo não apresentava nem os deficit públicos e em conta-corrente apresentados pelos EUA. Na crise, depois de uma breve depreciação em relação ao dólar, o euro voltou a se apreciar, indicando o maior equilíbrio da economia europeia.

Por tudo isso, estou seguro de que os especuladores acabarão perdendo essa parada. Mas esse ataque especulativo é mais uma comprovação da necessidade de regulação cerrada dos bancos e dos "hedge funds". Criar dinheiro é uma capacidade inerente ao sistema financeiro porque ele cria crédito e financia o desenvolvimento econômico, mas dinheiro é um bem público poderoso e perigoso que as sociedades democráticas precisam manter sob controle.

Después de Lula ¿qué?:: Juan Arias

DEU EM EL PAIS (ESPANHA)

El presidente brasileño ha renunciado a presentarse a un tercer mandato que podría haber ganado fácilmente. Sus posibles sucesores, la ex guerrillera Dilma Rousseff y el socialdemócrata José Serra, seguirán su senda

La pregunta: después de Lula ¿qué?, es decir, cómo será Brasil sin Lula, no es retórica. Es un interrogante que se empiezan a hacer no sólo los analistas políticos, sino el hombre de a pie. Una cosa es cierta: va a haber, históricamente, un antes y después de Lula, el ex tornero que tomó las riendas del país hace casi ocho años, y que ha conseguido colocar a Brasil entre las potencias emergentes del mundo junto con India y con China.

Lula deja un país con 20 millones menos de miserables que han pasado a tener categoría de ciudadanos y han entrado en el mercado de consumo. Hoy, Brasil, con sus casi 200 millones de habitantes, pretende tener una silla en el Consejo de Seguridad de la ONU. Lula hizo visible a Brasil y a sus posibilidades económicas y culturales, en la escena mundial.

No se dejó arrastrar por el señuelo de intentar una tercera victoria electoral, modificando para ello la Constitución, alegando, en limpio espíritu democrático, que "mejor que la continuidad en el poder es la alternancia, para la salud de la democracia". Se puede afirmar sin duda que se ha tratado de un gesto de generosidad política teniendo en cuenta que, de haberse presentado para un tercer mandato, hubiese ganado plebiscitariamente.

El presidente ex sindicalista consiguió algo que, cuando llegó al poder en 2003 parecía un imposible: desplazarse desde la izquierda de su partido, el Partido de los Trabajadores (PT), y poner en marcha, durante sus dos mandatos, una política económica neoliberal que dio seguridad y garantías a los inversores extranjeros. A la vez -en una especie de cuadratura del círculo- ha sabido conjugar esa política, aplaudida por los banqueros, con fuertes y vistosas políticas sociales, con las que conquistó a millones de pobres y gentes sencillas, ante quienes se presentó como un buen padre, aunque la oposición le califica de asistencialismo. "Hoy los pobres tenemos más comida en la mesa y podemos tener una tarjeta de crédito", me decía un jardinero, orgulloso de haber podido abrir una cuenta en el banco con 10 reales (4 euros).

Lula sale de escena, pero sabe que volverá, quizás ya en el 2014. Pero de momento sale. Y a partir del 1 de enero próximo, Brasil será un Brasil sin Lula. ¿Qué va a pasar? Nada. Seguirá siendo un país con instituciones democráticas consolidadas; un país que no sólo ha conseguido salir, sin quebrarse, de la crisis mundial, sino que ya está creciendo; un país sin posibilidades de golpes de ningún tipo y que, a pesar de algunos ribetes populistas, en algunos momentos -por la influencia sobre todo del chavismo- no se ha dejado arrastrar por el populismo de turno en América Latina.

Brasil es un país que va a seguir siendo respetado y admirado en el mundo, incluso ya sin Lula, porque fue él quien tuvo el coraje de respetar los cimientos democráticos que habían construido los ocho años de Gobierno de su antecesor, el socialdemócrata Fernando Henrique Cardoso.

Faltan cuatro meses para una contienda presidencial que va a ser dura y reñida, pero democrática. De no haber sorpresas de última hora, ni un solo analista político apostaría en un escenario diferente al que ya se está formando, con dos únicas candidaturas capaces de ganar las presidenciales de octubre: la de la ministra y ex guerrillera, Dilma Rousseff, de origen húngaro, que es la candidata preferida de Lula, una especie de sombra suya. Si ella venciera, las elecciones serían en realidad un tercer mandato de Lula y asegurarían la continuidad de un cierto lulismo, la política personal que Lula ha llevado a cabo, alejándose incluso de las directrices de su partido.

Pero Dilma, al mismo tiempo, no es Lula. Es casi un anti-Lula, porque más que una iluminada y una improvisadora como él, es una gestora, que carece del carisma desbordador de su jefe, que nunca se había presentado anteriormente a unas elecciones, ni para alcalde, y que llegó tarde al Partido de los Trabajadores que oficialmente la va a escoger como candidata en las próximas semanas, aunque no era su elección preferida. Lo fue siempre y sólo de Lula, que la escogió por ser mujer, por ser dura y fuerte de carácter. El mandatario piensa que si fue capaz de sobrevivir a la tortura, podrá tener firme el timón del país. Además, ella va a seguir las huellas de Lula más que las de su partido.

Dilma es más de izquierdas que Lula, que en verdad nunca lo fue. Dilma militó en los movimientos revolucionarios de la extrema izquierda que luchaban a favor de la dictadura del proletariado durante la dictadura militar. Fue encarcelada y torturada por los militares y hoy de aquel pasado le queda sólo un fuerte sentido social. Su pasión es la gestión del poder.

Si ganase Dilma, dicen los expertos en opinión, habrá ganado Lula, su fuerza de convicción. Si perdiese, habría perdido ella, que no habría sabido capitalizar el apoyo de Lula que, desde hace un año, la lleva del brazo a todas partes, hasta a una audiencia, el año pasado, con el papa Benedicto XVI.

Hoy, los sondeos la dan perdedora ante el socialdemócrata y gobernador de São Paulo, José Serra, aunque cada mes, ella va aumentando su índice de aprobación, que está en torno al 30% frente al 40% de su contrincante. Dilma crece en la medida en que los pobres van sabiendo que es la candidata preferida de Lula.

Serra, supondría la alternancia normal, ininterrumpiendo de alguna forma, la continuidad del PT en el poder, y del lulismo. Al igual que Dilma, el gobernador de São Paulo, un avezado en política que ha sido parlamentario y dos veces ministro, además de alcalde de la ciudad de São Paulo y hoy gobernador de dicho Estado con altísimo índice de aprobación, es también más un gestor que un carismático del poder. Es una persona seria, aunque entrañable, nada populista, que ya disputó en 2002 las presidenciales con Lula al que llevó al segundo turno y de quien siempre ha sido amigo personal. Su campaña no sería "contra Lula", sino "después de Lula". Se sitúa a la izquierda de Lula y pondría el acento en algunos baches que ha dejado el Gobierno actual.

Con Serra, Brasil sería un país sin Lula, pero aún con Lula, en el sentido que el gobernador paulista no niega ninguna de las conquistas sociales de su Gobierno, ni del brillo que el ex metalúrgico ha dado a Brasil en el mundo. Serra luchó en los movimientos estudiantiles durante el tiempo de la dictadura y tuvo que exiliarse largos años.

Lula desea que la campaña sea una especie de plebiscito entre lo que por el país hizo el Gobierno de su antecesor en sus ocho años y lo que él ha conseguido. Sería como preguntar a la gente si quieren seguir con las conquistas por él conseguidas o volver al pasado. Sin duda, es un falso dilema que Serra, si aceptara ser candidato, se encargará de desenmascarar. Para Serra, su Gobierno no sería una fotocopia del pasado socialdemócrata de Cardoso, sino una página nueva. Su programa, que estaría preparándole un equipo de sabios, estaría enfocado en "perfeccionar" lo que Lula comenzó y no quiso o no pudo llevar a cabo, y en mejorar aquellos campos en los que los ciudadanos se sienten más frustrados y aún insatisfechos, como educación, sanidad, seguridad ciudadana, reforma política, reforma fiscal y lucha contra la corrupción, sin contar la aún gran injusticia de Brasil: la tremenda disparidad entre ricos y pobres, entre blancos y de color, entre escolarizados y analfabetos.

Sin Lula ahora, y quizás con Lula mañana de nuevo, Brasil es un país que se ha subido ya al tren cierto que lo llevará a consolidar el milagro de su desarrollo. Las diferencias del posible sucesor de Lula, que no será ya un líder carismático, no van a separar un ápice a Brasil de su vocación de querer contar en la escena mundial, de su apuesta por la democracia y por un cierto e indiscutible liderazgo en América Latina y quizás, algún día, más allá.