sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Tavares Bastos

Meu ilustre amigo. Conservador e liberal, monarquista e democrata, católico e protestante, eu tenho por base de todas as minhas convições a contradição, não a contradição mais palavrosa do que inteligível das antinomias de Proudhon, porém a contradição entre duas idéias que na aparência se repelem mas na realidade se completam, a contradição, finalmente, que se resolve na harmonia dos contrastes.

Eu declaro francamente que não sacrifico a lógica das teorias extremas. Guio-me pelos fatos, combino os opostos, encadeio as analogias e construo a doutrina. Não tenho um sistema preconcebido. Não idolatro o prejuízo. Aceito o sistema que os acontecimentos me impõem. (...)

As opiniões que professo são exclusivamente minhas. O código das minhas idéias promulgou-o um legislador: a observação. Alimento-as, isento de preocupações históricas; professo-as sem prevenções políticas. Vosso amigo não é um liberal, não é um puritano, não é nada disso, e é tudo isso. É um homem sem afinidades no passado e isolado no presente. É o solitário.

Volvendo os olhos tristes em derredor de si, ele não vê senão o silêncio, e não observa senão as catacumbas em que se enterraram as grandes reputações de outrora. Não vê partidos, porque estes supõem combate, e o combate um sistema de ação. Ora, sobre o campo da batalha está-se neste momento levantando um templo ao VENCIDO. Fez-se a paz, com efeito. Todos adormeceram; os próprios guardas descansam das fadigas do dia.

Não descubro partidos nem campos opostos. Enxergo uma ideia que despertou no horizonte e voa e cresce, brilhante e animadora, nas asas do vento. Salve, deusa!

Apressemo-nos, meu amigo; deixemos o ruído das festas indolentes e estragadoras.
Abandonemos os palácios dos pretores: ao campo! Preparemos as vias do futuro, saudemos a liberdade.

Quaisquer que sejam as tendências de meu espírito desconfiado das verdades absolutas, eu confesso-vos, contudo, que amo apaixonadamente a liberdade. Porquanto ela esmaga o algoz, sabe com lágrimas amorosas amolecer as cadeias da vítima.


(TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido, - em Cartas do Solitário, 3ª Edição, pág. 181/182 – Companhia Editora Nacional 1938, feita sobre a 2ª edição de 1863)

Medo da intervenção:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A política no Distrito Federal está sendo feita à sombra das decisões, atuais e futuras, do Supremo Tribunal Federal, desde a imprevisível permanência na prisão do governador José Roberto Arruda até a abertura de processo de impeachment contra ele e seu vice, Paulo Octávio.

A Câmara Distrital, com a maioria de seus membros atolada até o pescoço nas falcatruas, desistiu de arrostar a sociedade e abandonou o governador preso e seu vice em exercício, que, por sua vez, desistiu surpreendentemente de renunciar ao cargo. Todos agindo com um único objetivo: tentar evitar a decretação de uma intervenção federal em Brasília pelo Supremo.

A intervenção, no entanto, parece a cada dia mais inevitável, diante da constatação de que a classe política do Distrito Federal está completamente contaminada pelo mesmo grupo político que domina a capital mesmo antes de a Constituinte de 1988 estabelecer o voto direto para a escolha do governador e criar a figura dos deputados distritais.

Essas constatações trazem de volta à discussão o papel do Poder Judiciário nas modernas democracias. O “ativismo judicial” deve ser diferenciado da “judicialização da política”, fenômeno que indica a expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas, expressão originalmente utilizada por Carl Schmitt, na sua crítica ao controle de constitucionalidade de feição política.

Para o constitucionalista Luiz Roberto Barroso, a “judicialização” seria uma consequência do modelo constitucional brasileiro, com uma Constituição muito abrangente.

Já o ativismo estaria caracterizado quando o Supremo toma uma decisão política sobre situações que não foram expressamente previstas, nem na Constituição nem na lei.

Diretor do Instituto de Direito Europeu e Cultura Jurídica de Bayreuth e do Centro de Pesquisa de Direito Constitucional Europeu, o constitucionalista alemão Peter Häberle, considerado um dos principais formuladores do moderno constitucionalismo mundial, em entrevista publicada no site Consultor Jurídico, mostrase “contente” com o ativismo judicial praticado pelos tribunais constitucionais que “obrigam os demais Poderes a atuar.” Para Häberle, a atuação do Judiciário não deve ser permanente, “mas é necessária quando os Poderes Legislativo e Executivo estão ocupados demais na briga pelo poder para cuidar de suas obrigações para com o povo que elegeu seus representantes”.

Na sua concepção, “sistemas presidencialistas em países jovens requerem o contrapeso de fortes tribunais constitucionais”.

O professor alemão é defensor da popularização da Constituição, e dá como exemplo a Corte Suprema alemã: “O Tribunal Constitucional Federal alemão procede de maneira pragmática e desde há muito tempo outorga a palavra a grupos pluralistas, como sindicatos, organizações empresariais, a Igreja e outras comunidades religiosas em alguns processos judiciais importantes, em audiências públicas”, diz ele, elogiando a adoção no Brasil da mesma sistemática.

O constitucionalista Luiz Roberto Barroso, como pesquisador visitante na Harvard Kennedy School, a escola de política e governo da Universidade Harvard, publicou recentemente um estudo sobre a judicialização da política e os riscos da hegemonia judicial, com o título genérico de “Direito e política no Brasil contemporâneo”.

Ele adverte que a ascensão institucional do Poder Judiciário, um fenômeno marcante das modernas democracias, não pode transformar juízes e tribunais “em uma instância hegemônica, comprometendo a legitimidade democrática de sua atuação, exorbitando de suas capacidades institucionais e limitando impropriamente o debate público”.

A jurisdição constitucional, para Barroso, “não deve suprimir nem oprimir a voz das ruas, o movimento social e os canais de expressão da sociedade. Nunca é demais lembrar que o poder emana do povo, não dos juízes”.

Ele adverte que a pretensão de autonomia absoluta do Direito em relação à política “é impossível de se realizar”, pois as soluções para os problemas “nem sempre são encontradas prontas no ordenamento jurídico, precisando ser construídas argumentativamente por juízes e tribunais”.

Nesses casos, ressalta, a experiência demonstra que “os valores pessoais e a ideologia do intérprete desempenham, tenha ele consciência ou não, papel decisivo nas conclusões a que chega”.

A conclusão do constitucionalista Luiz Roberto Barroso é a de que o Direito “pode e deve ter uma vigorosa pretensão de autonomia em relação à política”, o que é essencial para a “subsistência do conceito de Estado de direito e para a confiança da sociedade nas instituições judiciais”.

Mas essa autonomia será sempre relativa, caracterizando “uma relação complexa, na qual não pode haver hegemonia nem de um nem de outro”.

Para Barroso, “a razão pública, de um lado, e a vontade popular, de outro — o Direito e a Política —, são os dois polos do eixo em torno do qual o constitucionalismo democrático exerce seu movimento de rotação. Dependendo do ponto de observação de cada um, às vezes será noite, às vezes será dia”.

A atual crise política na representação do Distrito Federal está demonstrando que a ação do Poder Judiciário provoca efeitos imediatos, pelo menos pela exemplaridade.

A permanência na prisão do governador José Roberto Arruda, por tentativa de obstrução das investigações, serviu para enquadrar toda a sua base aliada, que teimava em obstruir as investigações na Câmara Distrital.

Mesmo que o plenário do Supremo venha a liberá-lo da prisão, é praticamente certo que ele não reassumirá o governo.

A precariedade do atual governo, com Paulo Octávio dando demonstrações de fragilidade política e emocional, e os presidente e vice da Câmara Distrital sem condições mínimas para assumirem o governo, deixa nas mãos do Supremo a solução para esse impasse político.

O intelectual democrata::Roberto Freire

DEU NO JORNAL BRASIL ECONÔMICO

Na segunda-feira de Carnaval, dia 15, o Brasil perdeu um dos seus mais importantes intelectuais, Gildo Marçal Brandão, livre docente do Departamento de Ciência Política da USP, que tinha na política: fundamentos, história e vicissitudes, o foco de sua preocupação acadêmica e militante.

Intelectual comunista filiado à tradição do PCB, ele deu rica contribuição ao estudo de nossa formação política com vários trabalhos voltados para buscar as raízes históricas dos problemas que afetam nosso processo democrático.

Talvez seja útil lembrar que o PCB foi a primeira força de esquerda nas Américas que tornou pública, por meio da famosa Declaração de Março de 1958, uma postura que rompeu com as bases legadas da III Internacional, que previa a "tomada revolucionária do poder", quando defendeu que a revolução no Brasil deveria se dar pela via pacífica e democrática.

Quando veio à luz esse documento histórico, o Brasil vivia então sob o influxo desenvolvimentista do governo JK com um agressivo processo de modernização econômica, social e cultural.

Nas décadas de 50 e 60 o país deixava rapidamente de ser uma sociedade rural e tornava-se urbano e capitalista, com todas as contradições que isso implicava.

No ano de 1964, fruto daquelas contradições e também do cenário internacional da guerra fria, a nossa tênue experiência democrática foi abruptamente encerrada pelo movimento militar que estabeleceu uma ditadura que só foi derrotada vinte e um anos depois.

Confrontada com a nova realidade imposta pelo regime militar as esquerdas ofereceram duas respostas: de um lado, os comunistas da tradição pecebista advogavam um processo sustentado na criação de uma ampla frente democrática que tinha no MDB o seu instrumento da articulação com o movimento de massas buscando isolar e derrotar o regime por meio do voto; de outro, posturas que representavam uma resposta violenta, a luta armada para derrubar o regime militar.

Essas duas concepções sobreviveram no período constituinte de 1987/88, e continuam, ainda hoje, a se enfrentar em torno da questão fundamental do processo democrático e do papel do Estado.

Uma vertente defende o controle do Estado pela sociedade civil e suas instituições e tem na separação dos poderes instituídos e na livre expressão do pensamento os fundamentos da democracia.

Outra concepção, apesar de uma retórica de esquerda, mais se assemelha ao nacional-socialismo nas suas vertentes latinoamericanas - do peronismo ao chavismo bolivariano - de idolatria ao papel do Estado nacional como elemento fundamental de organização da sociedade, da economia e da cultura.

Os que assim expressam sua adesão ao Estado forte estão mais próximos da concepção de Giovanni Gentile que da de Gramsci.

O pensamento democrático de esquerda, com o falecimento de Gildo, fica sem uma de suas cabeças mais brilhantes. Que suas instigantes formulações estimulem a todos - sobretudo aos que já iniciaram sua trajetória política ou aos que virão - a continuar a ver o conhecimento, a cultura, o saber e a ciência como armas imprescindíveis nos combates por uma sociedade verdadeiramente humana e democrática.

Roberto Freire é presidente do PPS

Necrologia- A morte de Gildo Marçal Brandão:: Michael Zaidan

Conheci o Gildo Marçal Brandão, nos idos da década de 70, quando fui seu anfitrião na UnB, por ocasião da reunião anual da SBPC em Brasília. Brandão tinha notícias indiretamente de meu trabalho em Pernambuco, por conta de um amigo comum: o historiador alagoano Denis Bernardes.

Nesse período, O Gildo estava fortemente envolvido com a geração responsável pela reogarnização do PCB em São Paulo: David Capistrano, Marco Aurélio Nogueira, Cláudio Guedes e outros).

Com a grande greve da Universidade de Brasília, a minha prisão e o processo na Polícia Federal, me exilei em São Paulo na casa do Gildo, que era jornalista da Folha de São Paulo. Em sua casa, entrei em contato direto com a cultura comunista reformada, os colaboradores de Temas e o universo pessoal e familiar de Gildo.

Foi dessa época a grande discussão da política editorial comunista. Sob a inspiração d e G. Lucaks (e Chasin) a questão era: quem deve participar da revista: aí falava mais alto a alma generosa do comunista nordestino, de família patriarcal- a revista devia acatar desde as contribuições do padre jesuíta Cláudio Henrique de Lima Vaz até as contribuições da esquerda propriamente dita.

Celso Frederico, que estava chegando nesse momento, dizia brincando que o padre Lima Vaz jamais tinha tido notícia da revista. Mas em compensação a revista publicou o que havia de melhor na teoria e na política comunista e não comunista, da época.

Posso dizer que foi Gildo o meu primeiro editor e o grande estimulador das minhas, pesquisas e publicações sobre a história do comunismo brasileiro através da LECH e outras editoras.

Foi Gildo também o responsável, sem o saber, pela minha militância no PCB ainda em São Paulo. O que, aliás, me custou caro na UNICAMP, onde imperava um anticomunismo feroz.

Enquanto o Gildo editava o semnário A Voz da Unidade, em São Paulo, mal desconfiava Gildo que nós ajudávamos a distribuir o jornal em Pernambuco, numa época que as bancas de revista não queriam fazê-lo.

Golpeado pela luta interna no Comitê Central, Gildo afastou-se do jornal e amargou um período de isolamento e dificuldades. Reencontrei-o procurando voltar a USP, como estudante de Ciência Política, com a ajuda de Francisco Weffort. Na ANPOCS, brinquei com ele, disse que ele era como a fênix comunista, nunca morria, sempre renascia mais jovem e moderno.

Depois, já o vi na condição de professor de Ciência Política, no lançamento de seu livro "As duas almas do PCB". E aí aproveitei para brincar,outra vez, dizendo que estranhava que um materialista falasse de alma no livro. Ele sorriu. Finalmente, o reencontrei na conferência na UFPE sobre as linhagens do pensamento político brasileiro, quando elogiamos o estilo de análise social e histórica do pensamento político, numa época do triunfo da escolha racional nos estudos políticos e institucionais.

A partir daí, não pude mais vê-lo, apesar de insistentes pedidos para que viesse participar de eventos nossos. Sua situação cardiológica não permitiria. Foi assim, com surpresa que recebi a notícia por nossa amiga comum, Emília Moraes, de sua morte súbita em São Paulo. Como disse Emília, foi-se um pedaço importante da história de nossas vidas em comum.
Michael Zaidan é professor da Universidade Federal de Pernambuco

UMA IMAGINAÇÃO EM COMPASSO COM O MODERNO:LINHAGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO


Diogo Tourino de Sousa[1]

A recente atenção voltada para o estudo do pensamento social brasileiro, por um grupo notadamente heterogêneo de pesquisadores nas ciências sociais, tem procurado mapear a existência de famílias intelectuais ou seqüências que estruturam histórica e analiticamente o pensamento político no país, identificando continuidades e descontinuidades possíveis, exercício capaz de incorporar de maneira igualmente esclarecedora a produção intelectual anterior à própria institucionalização acadêmica da disciplina, seja ela ensaísta ou mesmo literária (Botelho, 2007; Brandão, 2007; Weffort, 2006). Curioso notarmos como as ciências sociais se consolidaram de maneira relativamente autônoma no Brasil apenas na segunda metade do século XX, em evidente hipoteca a um trajeto de “disputas” desenhado pelos “clássicos” da disciplina – uma linhagem que se prolonga pelo menos até o século XIX –, precisamente o que não impede que os estudos sobre sua constituição e desenvolvimento identifiquem estruturas intelectuais e categorias teóricas – com base nas quais a realidade é percebida –, cristalizadas ao longo da nossa formação, recurso fecundo no próprio exame do conteúdo substantivo de suas formulações e na defesa de modelos normativos para a “correção” presente da democracia brasileira e suas correlatas instituições.

Certamente a capacidade de produção da “boa teoria” pela ciência política no país vem, cada vez mais, sendo questionada por sua crescente capitulação diante do objeto de pesquisa, o que impede a construção de explicações que dêem conta da totalidade do fenômeno político, suas relações sociais e recortes históricos possíveis, com evidentes aportes normativos: a negação da validade interpretativa do ensaio, o “culto” ao método, o avanço dos estudos institucionais descolados da dimensão sócio-histórica, o abandono da atividade negadora e imaginativa própria do pensamento filosófico, todos esses fatores prejudiciais à possibilidade de encontrarmos respostas para os “novos” e “velhos” problemas da sociedade brasileira, aprisionando o pensamento em barreiras disciplinares que obscurecem o movimento da sociedade no seu conjunto, tornando infecunda a atividade de reflexão teórica nacional (Brandão, 2007; Lessa, 2003).

Todavia, o esclarecimento das nossas lutas do passado por meio de um inventário do debate intelectual durante o Império, inaugurado inequivocamente pela Assembléia Constituinte de 1823 e sua discussão sobre as “modernas” instituições política a serem implantadas no país, até a primeira metade do século XX, embate protagonizado muitas vezes por atores políticos que eram, ao mesmo tempo, autores da política, expõe mais o confronto entre visões de mundo radicalmente antagônicas do que meramente a adoção de estratégias distintas ante os problemas enfrentados nos contextos específicos – seguramente ponto não pacífico nas interpretações em curso (Ferreira, 1999; Santos, 1978) –, o que nos permite enxergar o trajeto próprio que forma e conforma de maneira inventiva a reflexão nacional como possível instrumento na reconstrução dessa astúcia teórica perdida.

Fato é que a imaginação aqui em movimento se propunha algo além da simples constatação da “falta”, buscando, efetivamente, atingir uma imagem forjada de “boa sociedade” ao inventar o país por meio de referenciais teóricos apropriados para a interpelação do existente, como percebermos na conhecida descrição de Euclides da Cunha sobre a singularidade de um mundo que encontrou na teoria política o lugar da sua nacionalidade, sendo empurrado em ritmo acelerado para a “civilização” por meio da ação incisiva de sua intelectualidade criadora e por um Estado confessadamente demiurgo: não éramos inautênticos, mas sim singulares, e dessa conclusão derivariam nossas instituições políticas (Cunha, 1909).

Resta apenas percebemos como os problemas apontados nesse processo continuaram auxiliando a compreensão subseqüente, servindo inclusive de fonte para as ciências sociais institucionalizadas, o que conferiu um importante papel para os seus “clássicos” enquanto pressupostos necessários para a formulação de estratégias de intervenção presente, sem deslegitimar o percurso único pelo qual a imaginação nacional passou em prol de modelos “arbitrariamente” reproduzidos, polêmica ilustrada no debate entre Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos no início da década de 1960. Precisamente aqui se inscreve a exemplaridade de Linhagens do Pensamento Político Brasileiro, recente trabalho de Gildo Marçal Brandão (2007), momento inescapável à qualquer aproximação justa do pensamento político que aqui se deu.

Isso porque, a reflexão sobre a permanência de determinados “dissensos” – colocados e recolocados na agenda pública em diferentes contextos da história do país –, e suas visões de mundo correspondentes manifestas na prática de atores políticos efetivos, ao mesmo tempo em que expostas por autores criativos – ambos, quando não em simbiose, empenhados na “solução” dos problemas e concretização de um projeto particular de Brasil –, nos mostra, sobretudo, como o imaginário nacional incorporou ao seu arsenal interpretativo o que havia de mais aprimorado no pensamento político ocidental, interpelando a realidade imediata a partir de experiências refletidas e manipuladas dentro de uma tradição intelectual mais vasta, momento em que ensinamentos extraídos da literatura estrangeira estariam a serviço da justificação de afirmações sobre nossa (má)formação e correlata necessidade de (novos)arranjos institucionais adaptados ao “descompasso” brasileiro, índice da maturidade da reflexão nacional (Werneck Vianna, 2004).

Trata-se, dentro da proposta desenvolvida em Linhagens, de percebermos no olhar retrospectivo sobre a “teoria social” produzida no Brasil, e ao mesmo tempo produtora de “um” Brasil, nos dois últimos séculos como, inequivocamente, o pensamento nacional foi capaz de incorporar elementos “sofisticados” da tradição teórica ocidental, comprando o debate acerca da democracia liberal e seus reflexos institucionais para realidade do país, como no exemplo da disputa entre centralização e descentralização da organização política e administrativa, “dissenso” que ocupou o centro da agenda pública durante os principais momentos de formulação e reformulação das instituições no Império – a Assembléia Constituinte de 1823, a elaboração do Código de Processo e do Ato Adicional de 1834, no imediato Regresso Conservador –, assim como na construção da República em 1889 e sua primeira Constituição de 1891, sempre tentativas “revolucionárias” de acertar nosso passo com o moderno (Carvalho, 1999).

Com efeito, a distinção entre cidadãos ativos e passivos, presente na Constituição Francesa de 1791, e seus desdobramentos normativos diante das possibilidades e cobranças colocadas pelo movimento revolucionário francês para o mundo moderno – a imposição de novos imperativos morais, liberdade, igualdade e fraternidade, compondo o passaporte inescapável para a “civilização” –, reverberou com vigor no pensamento da elite política nacional – sem dúvida um segmento pouco representativo na sociedade brasileira como um todo[2] –, ainda que sua efetivação esbarrasse em obstáculos outros àqueles existentes no mundo europeu. Nesse sentido, Brandão nos mostra, por meio da incorporação dos “tipos” idealista orgânico e idealista constitucional, como tais idéias decantaram em prismas muito desiguais, cobrando adaptações por vezes inventivas que teriam, em anos recentes, se perdido na ciência política brasileira (Brandão, 2007).

A assimilação, ainda que instrumental, de momentos significativos do pensamento político ocidental perpassou a tensão entre correntes opostas sobre a relação entre federalismo e centralização, liberdade e despotismo, “civilização” e “barbárie”, ocasionando um rico, e talvez inconcluso, debate em solo nacional sobre o sentido e a direção da institucionalidade democrática. Polêmica essa que envolveu uma discussão sobre a estrutura do Estado e sua influência na sociedade, fazendo com que o imaginário nacional repensasse o andamento “moderno” do país, suas particularidades e as vicissitudes dos modelos políticos importados em função, sobretudo, da precedência da Sociologia sobre a Política, ou vice e versa, para o nosso encaixe nesse campo semântico específico (Werneck Vianna, 2004).

Dessa forma, o ferramental analítico desenvolvido pela pesquisa “genética” acerca do pensamento social e político brasileiro apresentado por Brandão em Linhagens nos permite a elaboração de algumas hipóteses de investigação capazes de jogar luz na relação entre a “constelação de idéias” que povoou o imaginário nacional passado, que ainda habita os exercícios interpretativos do presente, e seus problemas históricos específicos, seguramente evitando o erro de reduzir completamente as idéias ao seu contexto. Esse esclarecimento produz linhas de interpretação determinadas, a saber, a existência de aproximações e distanciamentos entre argumentos polares sobre o papel do Estado no funcionamento da democracia, e na própria feição da democracia a ser aqui sustentada – uma discordância recorrente em relação aos pressupostos individualistas que acompanhavam a democracia liberal –, argumentos tributários de momentos mais amplos da teoria política no Ocidente.

Por um lado, podemos identificar no liberalismo atual uma continuidade entre autores – como Tavares Bastos, Raymundo Faoro e Simon Schwartzman[3] –, que mesmo guardadas as suas especificidades teóricas e contextuais, coincidem no diagnóstico comum sobre os problemas do país e sua solução possível, compondo um programa de pesquisa amplamente conhecido na defesa da democracia liberal e adoção de práticas próximas ao liberalismo econômico na consolidação do seu “projeto”: a “proposta de (des)construção de um Estado que rompa com sua tradição ‘ibérica’ e imponha o predomínio do mercado, ou da sociedade civil, e dos mecanismos de representação sobre os de cooptação, populismo e ‘delegação’” (Brandão, 2007, p. 33-34).

Por outro lado, encontramos argumentos contrários ao programa liberal acima mencionado, também inseridos numa corrente de idéias de longa duração na história brasileira, defendidos por autores dispersos em nossa formação e com graus significativos de influência sobre a dimensão estatal – como Visconde do Uruguai, Alberto Torres, Oliveira Vianna e Francisco Campos –, que compactuam de um programa de pesquisa comumente denominado conservador, franco em atribuir um papel distinto ao Estado no desenvolvimento da política brasileira, conferindo predominância à autoridade sobre a liberdade: a partir da imagem de um Brasil fragmentado, povoado por indivíduos atomizados, amorfo e inorgânico, o diagnóstico encontra uma sociedade desprovida de solidariedade que depende do Estado para manter-se unida. Nesse contexto, a liberdade não sobreviveria sem um Estado forte e tecnicamente qualificado, soberano ao localismo das “facções”, capaz de subordinar o interesse privado ao nacional, controlando os efeitos perniciosos do individualismo possessivo, próprios do funcionamento do mercado, ao adaptar a democracia ao contexto local (Brandão, 2007).

Fato é que transcorridos quase duzentos anos da “solução da independência”, ponto de partida para o debate em questão ao colocar a realidade do país e suas instituições imaginadas “fora do lugar” (Schwarz, 1977), podemos identificar aqui, sem dúvida um dos êxitos de Linhagens do Pensamento Político Brasileiro, o uso de uma terminologia comum a uma tradição teórica mais vasta, incorporada de maneira não ortodoxa pela elite política nacional na descrição da formação “particular” do povo brasileiro e na proposição de modelos normativos “adequados” ao contexto local. Através deles, a questão de ser a democracia liberal e seus mecanismos um artefato “exótico”, ou o caminho mais próximo para a instauração do modelo de sociabilidade anglo-saxônico tão admirado pelos intérpretes liberais[4] salta aos nossos olhos como o epicentro da polêmica que ocupou a intelectualidade nacional, particular por sua constante vocação pública, tanto no trato como na escolha dos temas.

Tal particularidade sobressai no exame dos temas que ocuparam a inteligência nacional, conformada segundo a íntima proximidade estabelecida com o público e as discussões acerca do interesse comum. Mesmo tendo que se adaptar a diferentes soluções institucionais ao longo da trajetória de modernização do país – como as Academias e as Universidades –, a organização da atividade intelectual no Brasil demonstrou um interessante padrão de continuidade[5]: ao passo em que a monarquia brasileira a adotou como parte constitutiva do seu poder, conferindo-lhe uma evidente dimensão pública e destaque para os “temas da política, da institucionalização dos mecanismos de poder e de ordenação do mundo público”, a república voltou-se “para a sociedade, para as relações mediadas pelo mercado e para os padrões de diferenciação social que operam na estrutura da ordem moderna”, sem, no entanto, extrair “a experiência dos publicistas, (...) cuja autonomia derivava de sua peculiar inscrição social, como membros de uma elite sem amarras no mundo mercantil (...) portadores de uma representação do país fortemente encapsulada por categorias e esquemas mentais do período anterior” (Carvalho, 2007, p. 20-21).

A permanência dessa vocação, apontada na organização da inteligência brasileira, nos ajuda a compreender igualmente o papel desempenhado pela atividade intelectual nas importantes transformações ocorridas no país: ao abrigar o discurso dos publicistas a organização republicana abriu a possibilidade para que o projeto de 1891 fosse compreendido a partir da perda da “grande obra do Estado centralizador” – como na mencionada formulação de Oliveira Vianna sobre os idealistas constitucionais (1920), recuperada por Brandão –, gerando uma crescente hostilidade dos intelectuais em relação aos direitos individuais e promovendo, por fim, a defesa de um Estado intervencionista que se consolidaria em 1930 – ou efetivamente apenas em 1937, segundo a interpretação associadas à modernização conservadora (Werneck Vianna, 2004) –, subordinando os interesses individuais a uma “razão nacional”, o que nos permite dizer que “o Estado Novo recuperou a política imperial de fazer da cultura um assunto de interesse público e (...) conferiu a [sociologia] papel destacado na construção de consenso em torno dos objetivos da modernização” (Carvalho, 2007, p. 25).

As muitas marcações observadas na história do país sugerem, com efeito, a possibilidade de compreendermos nossa formação a partir do embate entre projetos políticos antagônicos, classificados em Linhagens como “famílias” liberais ou conservadoras a partir da discussão sobre os modos particulares de consolidação da América entre nós, tendo a institucionalidade democrática e os padrões de sociabilidade anglo-saxônicos como pontos de disputa. Seguramente, aqui se fez algo além da simples constatação da “falta”, mostrando uma inteligência capaz de articular com ardil conceitos e experiências de acordo com necessidades singulares, projeto exemplar de uma intelectualidade que nunca se eximiu do debate público e que obteve, com graus variados de sucesso, influência nas transformações observadas no cenário político brasileiro (Brandão, 2007).

Contudo, aquilo que ficou conhecido como via americana, em oposição a uma suposta tradição ibérica – salvo reconhecidas nuances interpretativas –, de implantação do liberalismo entre nós foi incapaz, ponto fraco de suas formulações, de tocar no efetivo enigma da situação social do Brasil: o problema da terra e a existência de um vasto domínio marcado por laços de dependência pessoal, contexto em que a inescapável condição da cidadania civil para a consolidação da democracia – passando inclusive pela universalização do sufrágio e autonomização dos interesses – seria inatingível (Werneck Vianna, 2004). De liberais conservadores a autoritários instrumentais, os modelos políticos que se sucederam não se propuseram a alterar essa condição fundamental para que a o liberalismo entre nós fosse além do “idealismo utópico” descrito por Oliveira Vianna no início do século XX em aberta insatisfação com a primeira constituição republicana (Brandão, 2007).

Ainda assim, mostrar, por meio do mapeamento de linhagens no pensamento político nacional como se estruturou uma “crítica” a democracia liberal no imaginário do país nos dois últimos séculos – especialmente dura no seio do pensamento conservador, mas não circunscrita exclusivamente a ele – a partir da descrição da singularidade do caso brasileiro, marcado por uma sociabilidade distante do individualismo anglo-saxônico e não afeita aos valores de mercado, carente ainda de intervenções políticas hábeis em conciliar ideais modernos ao contexto local, classificado amiúde e de maneira equivocada como o atraso, sugere como podemos recuperar na ciência política o exercício de produção da “boa teoria” talvez perdido em tempos recentes (Brandão, 2007). A construção de Oliveira Vianna na tentativa de reconciliar o Brasil real com o Brasil legal pode ser tomada como um paradigma desse movimento esquecido na reflexão nacional, o que manifesta a intenção modernizadora de nossa investida intelectual (Werneck Vianna, 2004).

O trabalho de Gildo Marçal Brandão vem, sem dúvida, cumprir a tarefa exemplar de reconstruir heuristicamente os passos do pensamento político no Brasil, permitindo que com isso recuperemos a tradição imaginativa que aqui se desenrolou, comprometida com o debate público e a construção da nação, evitando, ainda, a sedução pelo processo de produção teórica arbitrariamente “importado” que negligencia as particularidades do nosso mundo, em seus aspectos positivos e, por que não, negativos, capitulando em tempos recentes diante da “ilusão” do método.

Referências Bibliográficas:

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WERNECK VIANNA, Luiz. (2004), A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan.

[1] Mestre e doutorando em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e pesquisador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ). (dsousa@iuperj.br)
[2] O importante papel da elite política imperial na construção do Brasil independente, bem como a relação entre o êxito da revolução burguesa e a representatividade dessa elite, constitui um dos alicerces do argumento sobre a presença de um padrão de continuidade nos temas que habitaram reflexão política nacional. A descrição da composição social e econômica dessa elite e de suas transformações ao longo do Império demonstra, sem dúvida, particularidades que não podem ser ignoradas, principalmente com relação ao progressivo declínio de sua homogeneidade ideológica e de treinamento, fator central na sustentação do sistema político brasileiro no século XIX (Carvalho, 2006). Todavia, o elemento “esotérico” dessa intelectualidade, ponto de contestações sobre seu real alcance, pode ser diluído na aberta importância que suas formulações tiveram na construção do Estado nacional e subseqüente imaginação da nação.
[3] Conforme Brandão são significativos os trabalhos de Carvalho (1999), Mercadante (1972), Santos (1978) e Werneck Vianna (2004), para mencionar apenas alguns exemplos, no sentido de reconhecer a existência de tais linhagens intelectuais associadas a um programa liberal ou conservador de pesquisa.
[4] A adesão de um determinado conjunto de autores, freqüentemente agrupados sob o rótulo de liberais, ao modelo anglo-saxônico de sociabilidade pode, com efeito, esconder nuances na sua classificação ao longo do período histórico trabalhado, sem dúvida objeto de polêmica entre alguns intérpretes. Trata-se da possibilidade de matizarmos a dicotomia liberais/conservadores por meio de rótulos como conservadores liberais, liberais moderados ou ortodoxos, ou ainda autoritários instrumentais, encontrada em importantes estudos sobre o pensamento social e político no país (Carvalho, 2006; Santos, 1978; Werneck Vianna, 2004). Tal menção se justifica pela suposição nada pacífica de que liberais e conservadores discordariam apenas em relação aos meios com vistas à implantação do modelo anglo-saxão entre nós, finalidade essa que seria amplamente aceita por ambos, restando apenas a controvérsia sobre atingirmos a matriz por ela própria ou pela via autoritária. Contudo, a existência de visões de mundo inconciliáveis, contrapondo autores como Tavares Bastos e Oliveira Vianna, por exemplo, pode, segundo Brandão, ser tomada como ponto de partida para identificarmos a não aceitação geral da individualidade espontânea associada ao mercado (Brandão, 2007).
[5] Maria Alice Rezende de Carvalho trata dos temas sobre a organização dos intelectuais no Brasil identificando três eras organizacionais distintas: além das Academias e Universidades, a autora inclui as Organizações não-governamentais como mostra da tentativa contemporânea da inteligência nacional de se adaptar às exigências da nova ordem globalizada. Com isso, a autora defende a tese da permanência da vocação pública na atividade intelectual no país até os anos recentes, manifesta nas mutações organizacionais apontadas (Carvalho, 2007).

Candidatura de Dilma deve crescer mais, dizem analistas

Agência Estado

Anne Warth

SÃO PAULO - A virtual candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República está em ritmo ascendente e deve continuar a crescer, avaliam cientistas políticos consultados pela Agência Estado. Para eles, a pesquisa Ibope/Diário do Comércio encomendada pela Associação Comercial de São Paulo indica que a petista ainda não atingiu um teto e ainda deve ser beneficiada pelos altos índices de aprovação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No levantamento, Dilma aparece com 25% das intenções de voto, atrás do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), com 36%.

"Ainda acho que Dilma está aquém do que deveria estar, diante da superexposição a que está sendo submetida. Seria até estranho se ela não crescesse. É um resultado mais do que esperado", afirmou o cientista político Humberto Dantas, conselheiro do Movimento Voto Consciente.

Para o analista de pesquisa eleitoral Sidney Kuntz, a ministra deve se beneficiar também do fato de que 34% dos entrevistados na pesquisa querem a total continuidade do governo e 29% almejam pequenas mudanças com continuidade. Dantas corrobora a opinião, destacando que 78% dos consultados confiam no presidente Lula.

"Na hora em que a campanha começar e o presidente aparecer pedindo votos para Dilma, as intenções de voto devem aumentar ainda mais." Na avaliação de Kuntz, a pesquisa indica que o timing de José Serra está no limite, ou seja, ele tem que dizer se é ou não candidato. "Se a vantagem entre ele e Dilma continuar a cair, vai ficar difícil para o tucano iniciar uma campanha com competitividade", reiterou.

Kuntz disse também que Serra já foi candidato à Presidência e é mais conhecido do que Dilma, e caso não haja uma definição do candidato tucano a vantagem da petista poderá se acentuar nas próximas pesquisas. "Além de entrar no cenário, Serra não poderá perder tempo para indicar o seu vice."

Dantas ponderou que Dilma e Serra estão em situações opostas. Enquanto a petista precisa se expor porque não é tão conhecida pelo eleitor, Serra tem a vantagem de já ter concorrido ao cargo. "Serra não precisa aparecer, ele já lidera as intenções de voto", afirmou. Porém, para o cientista político, a dificuldade do PSDB será emplacar um discurso convincente como oposição tendo em vista os altos índices de aprovação de Lula e de seu governo.

O conselheiro do Movimento Voto Consciente questionou também a linha de campanha indicada pelo Instituto Teotônio Vilela, do PSDB. "Herança maldita é bom caminho quando inteligível. Nesse caso, falar sobre o déficit das contas externas é muito complicado para o cidadão comum, que tem emprego e consegue comprar seus bens. Essa herança maldita é de inteligibilidade difícil e acho que não vai colar", opinou.

Na avaliação dele, o desejo de continuidade do eleitor mostra um cenário eleitoral no qual os tucanos irão enfrentar uma campanha dificílima.

Serra reconhece que governo do DF perdeu legitimidade

Agência Estado

Governador evitou se posicionar em relação a uma possível intervenção do governo federal no DF

Carolina Freitas

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), reconheceu nesta quinta-feira, 18, que a administração de seu aliado José Roberto Arruda (ex-DEM), governador licenciado do Distrito Federal (DF), perdeu a legitimidade.

Arruda está preso desde a quinta-feira passada, dia 11, depois de suposta participação em esquema de suborno, conhecido como mensalão do DEM. Serra evitou, no entanto, tomar partido a respeito de uma possível intervenção do governo federal na administração do DF.

"Intervenção sempre é complicada, é uma situação bastante delicada. Isso tem de ser bem pesado", disse, após inaugurar um restaurante popular na Zona Norte da capital paulista.

"De um lado, são governos e a própria Assembleia Legislativa sem legitimidade. De outro, a intervenção implica em uma assunção de toda a administração de Brasília. E traz limitações legais, como a paralisação de emendas constitucionais", afirmou.

Renúncia

O governador em exercício do DF, Paulo Octávio (DEM), deve anunciar ainda hoje sua renúncia do cargo. No final da manhã desta quinta-feira, Octávio se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar do tema.

Nesse encontro, o governador admitiu ao presidente que avalia a possibilidade de renunciar. Octávio está desde a quinta-feira passada (11) articulando a sobrevivência política dele e, ao mesmo tempo, tentando viabilizar um governo de coalizão que ajude o Supremo Tribunal Federal (STF) a não decretar a intervenção no DF.

Lugo cobra do Brasil extradição de supostos terroristas

Agência Estado

Ativistas de esquerda estariam envolvidos em atos de terrorismo e sequestro comum no país vizinho

SÃO PAULO - O Paraguai pretende aumentar a pressão para que o governo brasileiro extradite três ativistas de esquerda que estariam envolvidos em atos de terrorismo e sequestro comum no país vizinho: Anuncio Marti Mendez, Juan Arrom e Victor Colman. Eles integram o Exército do Povo do Paraguai (EPP), grupo que teria ligação com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e que o governo de Fernando Lugo considera terroristas e sequestradores. Estão no Brasil desde 2004, na condição de refugiados políticos.

O EPP esteve envolvido em crimes que causaram grande comoção no Paraguai nos últimos anos. Entre eles está os sequestros de Maria Edith de Debernardi Bordon - libertada em fevereiro de 2002 após 64 dias de cativeiro, em troca de um resgate de U$ 300 mil - e do fazendeiro Fidel Zavala, que terminou em janeiro deste ano depois de 94 dias, em troca de US$ 550 mil, e o assassinato de Cecília Cubas, filha do ex-presidente Raul Cubas, em 2005. Todas as ações foram reivindicadas pelo EPP. Os libertados têm contado que ficaram presos em tocas embaixo da terra, o que é muito semelhante à forma como as Farc escondem seus prisioneiros. O governo Lugo oferece recompensa de cerca de 500 milhões de guaranis (US$ 107 mil) para quem ajudar na captura dos membros do EPP.

Eles receberam do Brasil o status de refugiados políticos depois do sequestro de Maria Edith. Alegaram que estavam sendo perseguidos pelo governo de lá, e que haviam sido sequestrados e torturados pela polícia paraguaia. Lugo, no entanto, diz que agora o Paraguai vive em plena democracia e que os três terroristas terão direito a um julgamento justo e imparcial. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.

Dirceu terá 'papel oficial' na campanha de Dilma

DEU EM O GLOBO

Cassado e sob investigação do STF por causa do mensalão do PT, o ex-deputado José Dirceu foi um dos mais assediados no congresso do partido, aberto ontem, e disse que vai ter função formal na campanha da candidata petista ao Planalto, Dilma Rousseff. “Agora serei do Diretório Nacional (do PT). Vou ter um papel oficial na campanha da Dilma”, disse ele.

Dirceu: Terei papel oficial na campanha da Dilma

Deputado cassado vira estrela no congresso do PT e faz releitura de escândalos: Mensalão para mim não é corrupção

Maria Lima, Gerson Camarotti e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Alijado oficialmente da vida pública desde dezembro de 2005, quando seu mandato de deputado foi cassado pela acusação de ser mentor do maior escândalo de corrupção do governo Lula, o ex-ministro José Dirceu desfilou ontem no 4° Congresso Nacional do PT reabilitado. Ele está prestes a assumir uma função de articulação na campanha da presidenciável petista, Dilma Rousseff.

Disse que estará nos palanques do PT este ano porque não está na clandestinidade.

— Antes não era do Diretório Nacional. Agora serei. Vou ter um papel oficial na campanha da Dilma, mas ainda não sei o que é — afirmou.

Bronzeado e mais magro, Dirceu foi o mais requisitado ontem de manhã, enquanto Dilma e outros petistas participavam de seminário sobre questões internacionais.

Ele posou para fotos com militantes, conversou com dirigentes petistas.

Perguntada se Dirceu seria bem-vindo ao seu palanque, Dilma afirmou: — Ele é um dirigente do partido e, como tal, será considerado.

Sem dúvida (será bem-vindo).

Todos os dirigentes do PT, todos os militantes do PT serão bem-vindos, até porque deles eu dependo para me eleger.

A busca de Dirceu pelos holofotes e o aviso de que estará presente nos palanques de Dilma causou desconforto entre alguns petistas e integrantes do governo, que preferem atuação mais discreta do ex-ministro.

Mas Dirceu, à vontade, contou que só ano passado visitou 70 vezes os estados para resolver pendências do partido.

— Vou subir nos palanques e não vou tirar votos da Dilma não. Não vou ficar na clandestinidade.

Já fiquei dez anos na clandestinidade. Nunca fui de bastidor. Sempre tive uma atuação pública, sempre fui eleito. Se me convidarem e houver demanda, estarei sempre à disposição — disse Dirceu, afirmando que não há nada contra ele: — Em tudo o que fui julgado, já fui absolvido. Mensalão para mim não é corrupção, é financiamento de campanha com caixa 2.

Berzoini defende ação de Dirceu

O deputado Ricardo Berzoini, que está deixando a presidência do PT, também defendeu a presença de Dirceu no partido e na campanha eleitoral. Na avaliação dele, houve uma mudança na opinião pública, e Dirceu não trará inconvenientes eleitorais.

— Se analisarmos tudo o que ocorreu de 2005 para cá, veremos que houve um processamento da opinião pública.

As pessoas já separam o que é político do que jurídico.

De nossa parte, não há nenhum constrangimento.

Dirceu disse que se considera reabilitado pelo afeto e solidariedade dos companheiros, mas reconhece que o fantasma do mensalão só estará sepultado quando for julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), onde responde a processo como o chefe da “quadrilha” do escândalo.

— Ainda não está sepultado.

Quero ser julgado logo. Onde fui julgado, fui absolvido. Não há nada contra mim. Não sei por que ser condenado.

Dilma chegou ao encontro acompanhada do ex-senador José Eduardo Dutra, que assume hoje o comando nacional do PT. Chamou a atenção sua blusa azul piscina, que destoou de toda a decoração em vermelho, do chão ao teto, com milhares de estrelas espalhadas pelo Centro de Convenções Ulysses Guimarães.

— Estou guardando o vermelho para sábado — respondeu a ministra, quando disseram que o azul era a cor dos tucanos

Entre companheiros

DEU EM O GLOBO

No primeiro dia do congresso do PT, Dilma se reúne a portas fechadas com aliados estrangeiros

Maria Lima e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Em sua primeira aparição no 4° Congresso Nacional do PT, ontem, a ministra da Casa Civil e presidenciável do PT, Dilma Rousseff, defendeu os pilares da atual política externa do Brasil, principalmente a maior aproximação com os países vizinhos e com nações da África e da Ásia. Discurso apropriado para os mais de 130 delegados de partidos de esquerda do mundo inteiro, inclusive os comunistas e socialistas de Cuba, China, Coreia do Norte, Bolívia e Venezuela, entre outros.

No encontro fechado para a imprensa, tanto Dilma como o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, defenderam o fortalecimento da política externa de Lula.

— A política externa brasileira tem que tender mais para os vizinhos da América Latina e também para África e Ásia, mantendo a parceria que a gente já tem com os outros blocos dos Estados Unidos e da Europa — disse Dilma.

No seminário organizado pelo secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, participaram ainda representantes de partidos de esquerda, ou alinhados, de Alemanha, Arábia Saudita, Camarões, Angola, Egito, El Salvador, Equador, Espanha e Estados Unidos.

Uma das representantes da Venezuela transmitiu a Dilma o apoio do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

Dilma foi ovacionada pelos delegados e representantes de mais de 30 países. Na saída, disse que ficou “comovida” com o tratamento recebido no primeiro dia do encontro do PT. Sorridente, disse que sua estratégia como ministra será mantida até a desincompatibilização, no fim de março, quando assumirá totalmente a condição de candidata.

Por enquanto, disse, não muda nada: — Até lá, vou manter o mesmo tipo de atividade que mantenho. Estou a um mês da desincompatibilização.

No sábado, serei pré-candidata.

A lei diz que tem que haver uma convenção e que ela se dê num prazo limite (no fim de junho).

Um delegado do México quis saber se a ministra tinha se decepcionado com o governo de Barack Obama nos EUA. De acordo com um parlamentar, Dilma afirmou que ainda era cedo para esse tipo de avaliação e destacou o papel importante do presidente americano para a América Latina e o mundo.

Coordenador de campanha de Dilma, Marco Aurélio Garcia reagiu às críticas da oposição e da mídia à política de Lula e às propostas do PT para o programa de governo. Numa referência ao ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, Marco Aurélio foi aplaudido quando disse que a mídia achava natural um chanceler brasileiro ser obrigado a tirar os sapatos para entrar nos EUA.

— Há certos críticos que em certos momentos fazem menções e avaliam que nossas políticas são condescendentes com nossos vizinhos da América Latina. Dizem que ficamos nos aproximando desse índio da Bolívia, do cura do Paraguai e do louco da Venezuela — disse Marco Aurélio no encontro fechado, segundo um petista.

Em entrevistas, o secretário também defendeu os textos a serem aprovados no encontro e negou que sejam de sua autoria as teses mais radicais do partido: — É um programa que lembra os tempos atuais, não tem nada aí que seja uma ruptura com o que o governo Lula realizou. Estamos olhando para o futuro. A imprensa inventa as coisas para depois desconstruir. Prefiro a imprensa dizendo mentiras do que a imprensa calada — disse Marco Aurélio, acrescentando: — A Dilma já é muito conhecida no exterior. Com o tempo, ela vai virar “a cara”.

PT se divide sobre distribuição de cargos

DEU EM O GLOBO

Grupo majoritário do partido debate a entrada de dirigentes paulistas na Executiva Nacional

Soraya Aggege

BRASÍLIA. A luta interna voltou a assombrar o PT e ameaça a sonhada coesão partidária para as eleições de 2010. Recomposto nas últimas eleições internas, o Campo Majoritário, com 60% do poder, está dividido por causa da distribuição de cargos na Executiva Nacional — o grupo que, de fato, decide no partido — e ameaça até retirar os postos das correntes minoritárias, que já tinham sido definidos.

Parte da CNB (Construindo um Novo Brasil), principal corrente do Campo, ligada ao presidente Lula, quer barrar a entrada de dirigentes paulistas na Executiva indicados pelos grupos Novos Rumos e PTLM.

O novo Diretório Nacional, que toma posse neste sábado, com 81 membros, está formado por 37% de paulistas. A CNB quer “nacionalizar” a direção.

As discussões sobre a divisão do poder interno seguiam até a noite de ontem.

Caso não haja acordo, a composição da executiva poderá ser prorrogada para março.

— Não se trata de uma briga com os dirigentes paulistas, mas o fato é que tem ocorrido uma distorção na representação nacional. Há um exagero da representação paulista e isso não podemos deixar ocorrer — disse o atual tesoureiro do PT, o gaúcho Paulo Ferreira.

O PT paulista reage a esse movimento.

— Nós tivemos 5% dos votos para a chapa (Campo Majoritário), fomos decisivos, fizemos um acordo com a CNB para termos uma vaga na executiva e agora queremos ser reconhecidos.

Isso é o mínimo — disse o deputado federal Carlos Zaratini, da Novos Rumos, corrente basicamente paulista

Sindicalistas querem garantir vaga na Executiva Os sindicalistas, que se contentavam com a Secretaria Sindical, agora também querem uma vaga específica na Executiva.

Sobram nomes e faltam cargos. Nem os cargos que já tinham sido definidos para petistas paulistas, como a tesouraria para o sindicalista João Vaccari Neto, da própria CNB, e a manutenção do atual secretáriogeral, deputado federal José Eduardo Cardozo, estão mais garantidos.

Os cargos da esquerda, minoritários no PT, e que já tinham tido sua representação assegurada, também foram colocados em xeque ontem.

— Não há mais garantia alguma, nada está fechado. Nosso argumento é que seria legítima a continuidade do nosso trabalho junto aos movimentos sociais.

Vamos conversar— disse o paulista Renato Simões, da Militância Socialista A Executiva Nacional é formada por 18 membros, incluindo os vogais, além do presidente e das lideranças do partido na Câmara e no Senado. O Campo Majoritário indicou 11 dos nomes, boa parte paulistas. Entre os cargos do Campo, os mais cobiçados são a Tesouraria e a Secretaria de Comunicações, ambas estratégicas no ano eleitoral. Disputam as Comunicações o deputado estadual de São Paulo Rui Falcão, da Novos Rumos, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o gaúcho João Motta e o deputado André Vargas (PT-PR).

Ontem à noite, a corrente Novos Rumos sugeriu uma emenda ao texto sobre Tática Eleitoral, que será aprovado hoje, para que fique clara a preferência do PT pela manutenção da aliança com os partidos que dão sustentação ao governo Lula, especialmente o PMDB. A citação ao principal aliado é um agrado providencial neste momento em que o PMDB pede mais atenção do PT e do presidente Lula.

Fernando de Barros e Silva: Esquerda festiva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Bem ao lado da entrada principal do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, onde se realiza o 4º Congresso Nacional do PT, há um imenso banner, em que se lê: "Por um verdadeiro governo do PT: 1. 40 horas e estabilidade no emprego; 2. petróleo 100% estatal; 3. fim do superavit primário; 4. retirada das tropas do Haiti; 5. candidatos próprios a governador".

Parece coisa para assustar criancinha. E é. Quem assina o cartaz é a corrente "O Trabalho", residual no partido. Seu candidato obteve 1% na eleição interna em 2009. Basta cruzar a porta para constatar que o "verdadeiro PT" está em outra.

O ambiente dessa esquerda que chegou ao poder parece, mais do que nunca, festivo. A começar pela decoração: o carpete vermelho (menos socialista do que hollywoodiano) contrasta com painéis, flâmulas feitas de retalhos penduradas pelo teto, bonecos de pano coloridos, representando em tamanho real tipos brasileiros.

Na área das "mulheres do PT", criou-se um espaço recreativo em torno de uma mesa redonda, onde as pessoas eram convidadas a pintar e bordar -literalmente.

Visualmente, o congresso do PT parece evocar as festas juninas, o São João de raízes nordestinas, o Brasil do interior, em contraponto à folia litorânea do Carnaval. A estética nacional-popular soa como homenagem involuntária a Lula.

Afora os bonecos de pano, José Dirceu, bastante magro, era a figura mais disponível no primeiro dia do congresso. Onde havia um bolinho de gente, lá estava ele, concedendo mais uma entrevista "da planície".

Para aliviar a tensão de 1.350 delegados, o PT contratou a empresa "Novo Ser: Massagem Terapêutica", que espalhou cadeiras pelo ambiente, prometendo à clientela "uma vida mais suave".

Como ainda não existe bolsa-massagem, os preços variam de R$ 10 a R$ 30.

O PT que aclamará amanhã Dilma Rousseff busca sobreviver ao lulismo. Mas, mesmo a contragosto, sabe que ainda depende quase exclusivamente de Lula para ser feliz.

Ibope mostra disputa polarizada

DEU EM O GLOBO

Serra hoje teria vantagem de 11 pontos sobre Dilma, que vem crescendo

SÃO PAULO. Uma nova pesquisa eleitoral feita pelo Ibope — por encomenda do “Diário de Comércio”, jornal da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) — mostra o governador José Serra (PSDB-SP) 11 pontos à frente da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, do PT. Serra teria hoje 36% dos votos, e Dilma, 25%, num cenário de disputa com o deputado do PSB Ciro Gomes (11%) e a senadora do PV, Marina Silva (8%). Quando Ciro sai de cena, Serra e Dilma sobem, com 41% e 28%, respectivamente, e Marina oscila para 10%, dentro da margem de erro, que é de dois pontos percentuais.

— A presença de Ciro é como uma garantia da existência de um segundo turno. Sem ele, aumenta a probabilidade de a eleição se resolver no 1° turno — afirma Marcia Cavallari, diretora executiva do Ibope Inteligência.

Para um eventual segundo turno, se as eleições fossem hoje, Serra ganharia de Dilma por 47 pontos a 33. Foram ouvidos 2.002 eleitores em 144 municípios de todo o país. Registrada na Justiça Eleitoral sob o protocolo 3196/2010, a pesquisa foi realizada de 6 a 9 de fevereiro.

Em comparação com a pesquisa Ibope/CNI, de dezembro do ano passado, a ministra Dilma cresceu 8 pontos percentuais. Dilma registrava 17%; Ciro, 13%; e Marina, 6%. O governador tucano oscilou para baixo, indo de 38% para os atuais 36%.

— A pesquisa de agora mostra o crescimento de Dilma e a estabilização de Serra e de Marina.

Mostra também que a ministra já tem um nível de conhecimento bom entre o eleitorado — explica Marcia, para quem o potencial de crescimento dos candidatos é alto: — Ninguém está no teto. Serra tem potencial de voto de 64% e Dilma, de 49%.

Seja qual for o resultado, a expectativa da maioria dos entrevistados em relação ao novo governo é de continuidade. Segundo a pesquisa Ibope, 34% dos entrevistados afirmaram que desejariam que o novo presidente desse total continuidade ao governo atual, 29% que “fizesse poucas mudanças e desse continuidade para muita coisa” e 25% desejariam que o novo governo “mantivesse só alguns programas, mas mudasse muita coisa”.

Já 10% gostariam que “mudasse totalmente o governo do país”.

— Esses números não mostram que os eleitores queiram uma continuidade de governo, mas os avanços. O que o eleitor diz é que não quer perder os avanços. É um sinal de maturidade do eleitorado — diz Marcia.

José Serra participou ontem da inauguração de um restaurante popular na Vila Brasilândia, Zona Norte da capital, e de uma escola em Heliópolis, na região Sul.

Serra: beijos e conversa sobre futebol O tucano não quis falar com os jornalistas sobre uma possível antecipação do lançamento de sua candidatura, mas fez questão de tirar fotos com clientes, distribuir beijos e puxar conversa sobre futebol. Na inauguração do Bom Prato, com preço da refeição a R$ 1, ele não comeu tudo, mas elogiou a qualidade da comida.

— Achei o almoço ótimo. Eu não comi tudo porque tenho um outro almoço agora. Não dá para almoçar duas vezes no dia — disse Serra.

O governador chegou em um horário de grande movimentação no restaurante, por volta das 12h20m, fez um breve discurso e percorreu as mesas cumprimentando os clientes.

Em seguida, furou a fila do bandejão e sentou ao lado de populares, acompanhado do prefeito Gilberto Kassab (DEM), que comeu toda a comida do prato.

Todos os olhos na economia americana:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Somente ao fim da primeira metade do ano é que poderemos ter um quadro mais claro nos Estados Unidos

Estamos completando o segundo mês do ano e os mercados financeiros continuam pisando em ovos. Até os analistas confiantes em um cenário mais positivo estão com suas barbas de molho. Embora sejam cada vez mais sólidos os sinais de recuperação no mundo emergente, os receios de uma recidiva nos países do rico G3 têm temperado o otimismo dos que acreditam nessa nova divisão do mundo.

O chamado descolamento ficou ainda mais forte depois da crise fiscal que tomou conta da Europa. Até agora o motivo principal para sustentar a tese do mundo que cresce a duas velocidades era a dinâmica diferenciada do consumo entre os dois blocos. Nas nações emergentes, ainda há um espaço enorme para acomodar novos consumidores ao mercado; já no mundo rico, a estagnação da renda e do emprego, ao lado dos excessos do endividamento dos últimos anos, cria um quadro sombrio para a nova década.

A crise fiscal da Grécia chamou a atenção para o gigantesco obstáculo a ser enfrentado pelas nações ricas para voltar a crescer a taxas elevadas. A combinação do esforço fiscal para superar a crise bancária com a perda de arrecadação durante a recessão que se seguiu fez com que o endividamento dos países do G3 atingisse níveis perigosos. A necessidade de reduzir esse endividamento ao longo da próxima década vai exigir um aumento significativo da poupança pública, o que limitará o crescimento econômico.

Os mercados temem que não haja condições políticas para que os governos desses países façam o arrocho fiscal necessário para reduzir o endividamento. Os custos sociais de um ajuste da natureza e da intensidade que serão exigidas para satisfazer as expectativas dos investidores em títulos públicos serão certamente superiores ao que imaginam os lideres políticos dessas nações. Nos países mais frágeis e de menor coesão social, poderemos ter momentos de muita tensão pela frente.

Sabemos hoje que a consolidação de um mundo emergente, que se expande a uma velocidade muito maior do que as economias ricas, pressupõe que não ocorra nessas economias uma nova crise de crescimento. E o medo desse novo mergulho na recessão não está afastado, principalmente em relação à Europa. Por isso a recuperação da economia americana passou a ser ainda mais importante para as economias do mundo emergente. Se ela voltar a crescer de forma sustentável -algo como 2,5% ao ano neste início de década-, é provável que a fraqueza europeia e japonesa possa ser revertida. Nesse caso, o mundo emergente terá condição de continuar a crescer a taxas elevadas.

Por isso, todos os olhos estão focados nos dados econômicos que são divulgados quase que diariamente nos EUA. Tenho uma visão positiva -que divido com a equipe de economistas da Quest- em relação a essa questão. Os gastos dos consumidores americanos estão sendo superiores às expectativas mais pessimistas, e as empresas de maior porte têm apresentado resultados bem acima dos esperados pelos analistas. Ainda existem importantes segmentos do tecido produtivo americano que não estão funcionando normalmente, mas há sinais de que podem começar a melhorar a partir do verão no hemisfério Norte.

Em minha opinião, somente ao fim da primeira metade do ano é que poderemos ter um quadro mais claro nos EUA. Até lá os mercados continuarão divididos entre canarinhos e urubus.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).