domingo, 21 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Roberto Freire

Confrontada com a nova realidade imposta pelo regime militar as esquerdas ofereceram duas respostas: de um lado, os comunistas da tradição pecebista advogavam um processo sustentado na criação de uma ampla frente democrática que tinha no MDB o seu instrumento da articulação com o movimento de massas buscando isolar e derrotar o regime por meio do voto; de outro, posturas que representavam uma resposta violenta, a luta armada para derrubar o regime militar.

Essas duas concepções sobreviveram no período constituinte de 1987/88, e continuam, ainda hoje, a se enfrentar em torno da questão fundamental do processo democrático e do papel do Estado.


(Roberto Freire, em artigo “O intelectual democrata”, sexta-feira no jornal Brasil Econômico)

Vida longa à Nova República :: José Serra

DEU NA REVISTA VEJA

UM MARCO PARA O BRASIL
O comício das Diretas Já em São Paulo,em 1984, foi a senha de que a Nova República estava prestes a vir à luz

Nos 25 anos passados desde a redemocratização, a sociedade brasileira amadureceu, alcançou a estabilidade política e encontrou o rumo do crescimento

A Nova República completa 25 anos em março, mês em que Tancredo Neves deveria tomar posse na Presidência. Há razões para sustentar que se trata da fase da história do Brasil com o maior número de conquistas de indiscutível qualidade política e humana.

Em primeiro lugar, o país nunca havia conhecido um quarto de século ininterrupto de democracia de massas. É nítido o contraste com a oligárquica República Velha, de eleições a bico de pena, sacudida por intervenções nos estados, revoluções e instabilidade.

O período supera igualmente a fase democrática após a queda de Getúlio Vargas, em 1945. E não só pela duração – o regime da Constituição de 1946 foi desfeito em menos de vinte anos pelo golpe que derrubou João Goulart. A Nova República vai muito além na expansão sem precedentes da cidadania e na eliminação quase total das restrições ao direito de voto, com o eleitorado praticamente se confundindo com o universo da população adulta.

Longe de acarretar maior instabilidade, a ampliação da participação das massas populares coincide com um período de completa ausência de conspirações, golpes militares, quarteladas, intervenções preventivas e epílogos políticos trágicos ou temerários. Bem diferente do período anterior, que teve Aragarças e Jacareacanga, durante o governo de Juscelino Kubitschek; o movimento do marechal Lott, de 11 de novembro de 1955; o suicídio de Vargas, em 1954; e a renúncia de Jânio Quadros, em 1961.

Desde a Questão Militar do Império, passando pela primeira década da República, pela Revolta da Armada, pelo tenentismo, pela Revolução de 1924, pela de 1930, pela de 1932, pela insurreição comunista de 1935, pelo golpe de novembro de 1937 e pelo golpe de 1964, é a primeira vez que o fator militar desaparece da política brasileira, e a hipótese do golpe dos quartéis se torna na prática impensável.

Não se pode atribuir essa tranquilidade à ausência de fatores de desestabilização, que foram às vezes dramáticos: a doença e a morte inesperada do presidente eleito no momento mesmo da transição do regime militar para o civil, o processo de impeachment e afastamento de Collor.

Muito menos se pode alegar que tudo se deve a uma conjuntura econômico-social particularmente favorável. Ao contrário: boa parte dos últimos 25 anos se desenrolou sob o signo da aceleração da inflação, até atingir o limiar da hiperinflação, com o agravamento dos conflitos distributivos. Em seguida, houve a fase das grandes crises financeiras mundiais (1994-1995, 1997-1998, 2007-2008). Convém não esquecer a coincidência também com as décadas perdidas em matéria de crescimento econômico. Não faltaram reveses sérios que, em outras épocas, teriam abalado as instituições. Um dos maiores foi o fracasso do Plano Cruzado e dos inúmeros planos que se sucederam, alguns com medidas draconianas, como o confisco da poupança.

Não obstante tais obstáculos, a Nova República conseguiu completar com normalidade uma conquista que permaneceu fora do alcance dos regimes do passado. A alternância tranquila no poder de forças político-partidárias antagônicas provocava sempre a polarização e a radicalização da sociedade brasileira. São exemplos os períodos de 1954-1955 e, com consequências mais graves, entre 1961 e 1964. Neste quarto de século, a alternância passou a fazer parte das conquistas adquiridas: já ninguém mais contesta a legitimidade das vitórias eleitorais, do processo democrático e do natural desejo dos adversários vitoriosos de governar sem perturbações.

O resultado é ainda mais impressionante quando se observa que uma dessas alternâncias aparentemente mais contrastantes foi a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, encarado, a princípio, se não como força desestabilizadora, ao menos de comportamento radical e deliberadamente à margem na política nacional. Basta lembrar, como exemplo, a decisão do PT de punir seus deputados que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, e sua recusa em homologar a Constituição de 1988.

O PT, aliás, acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários dos grandes erros históricos de julgamento que cometeu. Nos dois primeiros casos, porque a eleição do primeiro presidente civil e as conquistas sociais e culturais da Constituição foram os fatores-chave que possibilitaram criar o clima que eventualmente conduziria o partido ao poder. Outros erros históricos seguiram-se àqueles. O partido também se opôs à estabilização da economia brasileira, denunciando com estridência o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas soube, posteriormente, colher seus bons frutos.

Este último exemplo, o da estabilização, é especialmente notável. Os governos militares, apesar dos 21 anos de poder discricionário em termos de elaboração de leis e normas, com elevado grau de repressão social e sindical, fracassaram por completo em liquidar a herança da inflação, acelerada na segunda metade dos anos 1950, mas que provinha do fim da II Guerra Mundial. Pior do que isso: agravaram em muito o problema ao criar a indexação da moeda, que tanto iria complicar o combate à inflação. Ao mesmo tempo, conduziram o país para a gravíssima crise da dívida externa a partir de 1981-1982, dando início a quase uma década e meia perdida no que respeita ao crescimento econômico.

O Brasil, que, segundo os estudos do professor Angus Maddison, havia sido por mais de um século, entre 1870 e 1980, o país de maior crescimento médio entre as dez maiores economias do mundo – EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, China, Índia, União Soviética, Brasil e México –, esqueceu a fórmula do crescimento e passou até a menosprezá-lo, como, aliás, ainda o fazem alguns.

Pois bem, o período de um quarto de século da Nova República, sem repressão nem poderes especiais, conseguiu finalmente derrubar a superinflação. Fez mais: resolveu o problema persistente da dívida externa herdada e até deu começo a uma retomada promissora do crescimento econômico, e à expansão do acesso das camadas de rendimentos modestos ao crédito e ao consumo, inclusive de bens duráveis.

Duas observações acautelatórias se impõem a esta altura. A primeira é que as conquistas da Segunda Redemocratização não foram o resultado de milagres instantâneos. Custaram esforços enormes e, com frequência, só se deram depois de muitas tentativas e erros. É por isso que o período tem de ser analisado na sua integridade, êxitos e fracassos juntos, já que estes são partes inseparáveis do processo de aprendizagem coletiva, para o qual contribuíram numerosos dirigentes e cidadãos numa linha de continuidade, não de negação e ruptura.

A segunda é que nenhuma conquista é definitiva, nenhum progresso é garantido e irreversível.
Assim como não somos escravos dos erros do passado, tampouco devemos crer que a eventual sabedoria dos acertos de ontem se repetirá invariavelmente hoje e amanhã. É necessário destacar tal aspecto porque a estabilidade, o crescimento e os ganhos de consumo, no que concerne ao panorama econômico-social, ainda não têm garantidas as condições de sustentabilidade no médio e no longo prazos.

Nosso dever é, por conseguinte, o de assumir com humildade e coragem a herança desses 25 anos, não para negar o passado, mas para superá-lo, a fim de fazer mais e melhor. Não é apenas por uma coincidência deste momento com o aniversário dos primeiros 25 anos da Nova República que devemos reclamar essa denominação, injustamente esquecida devido talvez às decepções dolorosas dos primeiros anos, quando a história nos surpreendeu com o desaparecimento prematuro de Tancredo Neves, o galope da superinflação e a renitência do patrimonialismo na vida pública brasileira. Mas o Brasil mudou para melhor.

A verdade é que os fatos alinhados acima, indiscutíveis na sua consistência e na sua imensa importância, atestam o discernimento e a sabedoria que deram perenidade à obra fundadora dos grandes responsáveis pela Nova República. E aqui evoco os nomes de alguns que já nos deixaram, além de Tancredo: Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Teotônio Vilela, José Richa, Mário Covas, Sobral Pinto, Raymundo Faoro e Celso Furtado.

O exemplo inspirador de Nelson Mandela está aí para nos mostrar que a grandeza do instante fundador não se esgota naquele momento da partida, mas continua a fazer diferença no futuro. As fases da história não podem ser arbitrariamente datadas a partir de um ou outro governante ao qual queiram alguns devotar um culto de exaltação. Elas só terão coerência se corresponderem a instantes decisivos de mudança institucional: a República, a Revolução de 1930, a Primeira Redemocratização, em 1945, o golpe de 1964, a Segunda Redemocratização ou Nova República. A razão não é difícil de compreender e já está presente em Maquiavel: os fundadores de uma nova ordem na base da virtude em grande parte determinam como haverão de viver os homens e mulheres de acordo com as leis e a Constituição criadas.

O Brasil de hoje tem a cara e o espírito dos fundadores da Nova República: senso de equilíbrio e proporção; moderação construtiva na edificação de novo pacto social e político; apego à democracia, à liberdade e à tolerância; paixão infatigável pela promoção dos pobres e excluídos, pela eliminação da pobreza e pela redução da desigualdade. É na fidelidade a esse legado que haveremos de manter e superar o que até aqui se tem feito e realizar mais e melhor para o crescimento integral do povo brasileiro.

José Serra é governador de São Paulo e provável candidato do PSDB à Presidência da República

O lulismo e o petismo:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O Partido dos Trabalhadores chega aos 30 anos ainda com o peso da crise do mensalão de 2005, marcado pela acusação do procurador-geral da República de ter organizado “uma quadrilha” para comprar votos dentro do Congresso Nacional em apoio ao governo Lula. Nada menos que 40 pessoas, entre elas os principais dirigentes do partido, estão arroladas como réus no processo que tramita no Supremo Tribunal Federal.

A candidatura da ministra Dilma Rousseff, saída da cartola de Lula, tem essa origem, segundo um dos principais líderes petistas, o ex-ministro da Justiça e candidato ao governo do Rio Grande do Sul Tarso Genro.

O vazio político criado dentro do PT após a crise do mensalão teria aberto, para Genro, o caminho para uma decisão unilateral de Lula, sem que o partido tivesse condições de reagir.

Outra liderança histórica petista, Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula e um de seus principais interlocutores, admitiu em entrevista recente que a principal perda do partido desde a sua fundação foi ter adquirido “o vício da corrupção”, fato explicitado no escândalo do mensalão.

O que se viu no Congresso petista foi uma tentativa infrutífera de exorcizar esse fantasma, a começar pelo exministro José Dirceu, acusado de ser o chefe da quadrilha no processo do STF e que, prestes a reassumir um cargo no Diretório Nacional do partido e na campanha eleitoral da candidata oficial, disse que, para ele, o mensalão não é corrupção, mas financiamento eleitoral com caixa dois.

O próprio presidente Lula referiu-se ao episódio dizendo que os que queriam acabar com “a raça” do PT em 2005 estão, eles sim, acabados, numa citação indireta ao ex-presidente do DEM Jorge Bornhausen.

O fato é que, a partir desse episódio, o PT perdeu espaço político no governo para o surgimento do fenômeno do “lulismo”, devido ao protagonismo pessoal do presidente Lula, que conseguiu se distanciar do escândalo ora afirmando que fora traído, ora insinuando que o mensalão simplesmente não existiu.

Na entrevista publicada no “Estadão” na sexta-feira, Lula chegou ao ridículo extremo de dizer que, quando deixar o governo, pretende investigar pessoalmente “algumas coisas que eu não sei e que me pareceram muito estranhas ao longo de todo o processo”.

Perguntado sobre quem o traiu, Lula saiu-se com um enigma: “Quando eu deixar a Presidência, eu posso falar”.

É o caso de perguntar por que não utiliza todos os órgãos de informação e mais a Polícia Federal para investigar um caso tão grave, se acredita que há “coisas estranhas” no processo.

O fato é que o PT hoje, depois do mensalão e subordinado ao “lulismo”, é cada vez mais um partido igual aos outros.

O cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), diz que o PT de hoje é, em alguns sentidos, mais parecido com as siglas que criticava e combatia: “Tornou-se um partido mais profissionalizado (vide o perfil daqueles que participam de seus encontros nacionais) e mais focado no pragmatismo em nome do sucesso eleitoral (vide a ampliação do arco de alianças a partidos notoriamente conservadores)”.

Para Paulo Roberto, se essa trajetória foi fundamental “para sacramentar vitórias no plano nacional, ao conseguir eleitores centristas que historicamente não votavam no partido, ela também cobrou um preço: o da percepção, por parcelas mais à esquerda, de uma tendência (em curso, ainda não totalmente consumada) à indiferenciação do PT em relação às demais siglas”.

Para ele, a radicalização ou não dessa tendência à indiferenciação dependerá, em grande medida, do resultado de Dilma em 2010. “Em caso de vitória, e obrigados o governo e o partido a assegurarem a governabilidade, nada sugere que o PT se afastará dessa linha de lançar pontes ao centro e de diálogo com partidos e segmentos do eleitorado para muito além daqueles que apoiaram o PT em seus primeiros anos”.

Já o cientista político Hamilton Garcia de Lima, professor do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado da Universidade do Norte Fluminense, a disjuntiva petismo x lulismo só será útil para o entendimento da dinâmica interna do PT “se não cair na tentação simplista de uma dicotomia que ignore a relação carnal siamesa entre ambos os setores, relação essa que está na base da conquista do poder pelo partido”.

Diante das vitórias conquistadas desde então, diz ele, “é pouco provável esperar o fim da parceria histórica a partir de uma iniciativa da esquerda”.

Hamilton Garcia acha que Lula está “fadado a brilhar sobre o cenário político nacional, quer como líder inconteste da oposição, quer como líder natural da situação”, e por isso não tem interesse em alterar o status de um partido “que parece ter encontrado seu ponto de equilíbrio no desempenho do papel clássico de um partido trabalhista”.

Garcia faz uma ironia dizendo que o cenário de “uma Dilma vitoriosa e pretendente ao papel de um Leonel Brizola dos anos 1960 pode não ser impossível, mas parece improvável diante de um Vargas, digo Lula, ainda vivo”.

O cientista político também não vê possibilidade de recuo petista do que chama de “pactos escusos e sombrios costurados no pântano da política nacional”.

O professor Paulo Roberto Figueira acha que “quanto mais depender desses setores do eleitorado e quanto mais caminhar em direção ao centro — ou seja, quanto mais indiferenciarse —, mais o PT pagará o preço de depender de líderes carismáticos como Lula, seja como candidato, seja como “transferidor de prestígio para seus apoiados”.

Com Aécio, Serra quer sinalizar candidatura

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra, vai fazer uma visita ao colega mineiro, Aécio Neves, ainda nesta semana. O objetivo é mostrar que fará gestos para não deixar dúvida de que será o candidato do PSDB a presidente. Diversas alas do partido concordam que os prejuízos para Serra por causa da superexposição de Dilma Rousseff (PT) vão se manter até maio, o que tornaria inútil apressar o lançamento do candidato.

Encontro com Aécio sinalizará candidatura

Serra espera apenas desembarque do mineiro hoje, após férias no exterior, para acertar visita esta semana

Christiane Samarco

BRASÍLIA - O governador de São Paulo, José Serra, espera apenas o desembarque do colega mineiro Aécio Neves, que retorna hoje de férias no exterior, para marcar a visita que pretende lhe fazer ainda esta semana. Além de selar as costuras políticas no segundo maior colégio eleitoral do País, o encontro dos dois é tático. Serra quer mostrar que fará gestos cada vez mais firmes para não deixar dúvida de que é o candidato do PSDB à Presidência, mesmo sem assumir a candidatura.

Independentemente da movimentação de Serra e do anúncio oficial, que setores do partido apostam que se dará em meados de março, "no máximo", as várias alas do PSDB concordam em um ponto: o inferno astral do candidato tucano se arrastará maio adentro. Isso porque, até lá, a "superexposição" da candidata petista e ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, será acentuada pelos programas partidários do PT e dos partidos aliados do Planalto, em rede nacional de rádio e televisão. É diante desse quadro que serristas do grupo mais próximo ao governador, como o deputado Jutahy Júnior (BA), sustentam a tese de que apressar o lançamento de Serra é inútil.

"Antecipar a campanha é só ampliar o período de travessia do deserto", diz Jutahy, convencido de que o tucano amargará desvantagem durante toda essa fase em que a disputa se dá entre uma ministra que viaja o País inteiro ao lado de um presidente popular e um governador de Estado. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), concorda que o jogo só começará a ficar equilibrado quando o enfrentamento for entre dois candidatos.

"O que a gente precisa, até lá, é ter nervos de aço. E temos de nos mexer muito no Congresso e nos Estados, com uma forte atuação parlamentar e muita articulação", sugere o senador, animado com os resultados da última pesquisa Ibope. O levantamento divulgado semana passada colocou o tucano 11 pontos porcentuais à frente da petista, no cenário em que Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV) também são candidatos. Apontou, também para uma vitória do PSDB em segundo turno, com o placar de 47% a 33% sobre Dilma. "Os números são bons. Confirmam uma situação real, que não é brilhante, mas é segura", analisa Guerra.

"COMERCIAIS"

O PT, assim como o PSDB, tem o programa de 10 minutos do horário partidário a ser exibido em rede nacional de rádio e TV, além de quatro dias de comerciais a ser veiculados até junho. A lei prevê dez inserções de 30 segundos em cada dia. Um comercial os petistas já usaram, para comemorar os 30 anos de fundação do partido. Restam, portanto, três inserções marcadas para 6, 8 e 11 de maio.

Com esse calendário, os tucanos mais otimistas buscam consolo na aposta de que, até lá, Dilma não deve crescer nas pesquisas. Acreditam que quem vai ganhar fôlego agora é Ciro, que apresentou sua candidatura no programa do PSB de quinta-feira passada e ainda terá inserções até o início de março. No ano passado, Ciro ganhou entre 6 e 8 pontos porcentuais nas pesquisas, por conta do programa e dos comerciais.

O tucanato aposta ainda que a propaganda do DEM, entre 18 e 25 de maio, vai "demolir a Dilma" e destacar Serra. Em seguida, na primeira quinzena de junho, o PPS exibirá seu programa, com elogios ao governo de São Paulo, do qual participa. A última etapa da propaganda partidária virá em junho, com o PSDB encerrando a temporada no dia 29. "A exposição final é do Serra", comemora o dirigente do PSDB responsável pela programação perante a Justiça Eleitoral.

Para ter mais conforto na "travessia do deserto", Serra quer investir especialmente em São Paulo, considerado o "motor" da campanha presidencial. O tucanato reconhece que as chuvas ainda atrapalham muito, prejudicando não só a agenda de inaugurações como as intenções de voto na corrida sucessória. Ainda assim, o cronograma de entrega das obras de maior visibilidade, como o Rodoanel, está mantido para março. A programação inclui também duas estações intermediárias da linha 4 do metrô, nas Avenidas Paulista e Faria Lima.

Haverá ainda entregas semanais de novas estações de tratamento de esgoto e escolas técnicas, além de uma nova faculdade de tecnologia a cada mês. E estradas vicinais São Paulo afora. "Se Serra tivesse assumido a candidatura, seria multado, questionado, e não poderia mais inaugurar obras no Estado, porque diriam que é palanque público", insiste Jutahy, em defesa da tese de que o anúncio oficial da candidatura se tornou "secundário".

Serra quer neutralizar discurso social do PT com pacote para baixa renda

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governo paulista expandirá investimento em programas de microcrédito, de moradia popular e de escolas técnicas

Julia Duailibi

Na corrida pela conquista do eleitor de baixa renda, maior parte do eleitorado e fiel da balança na disputa presidencial, as principais vitrines sociais do governo do tucano José Serra serão encorpadas e servirão de arma na campanha eleitoral deste ano. A ideia no PSDB é usar iniciativas de cunho popular no Estado para neutralizar o discurso social do governo e do PT, principalmente na campanha eleitoral no rádio e na TV.

A contabilidade tucana para este ano prevê a expansão do programa de microcrédito, o anúncio da liberação dos créditos da Nota Fiscal Paulista numa frequência maior, a duplicação dos Ambulatórios Médicos de Especialidades e até a abertura de restaurantes populares em comunidades carentes. Tudo casado com uma maratona de inaugurações, antes do prazo para a desincompatibilização de quem ocupa cargos no Executivo, em 3 de abril.

A ação dos tucanos ocorre no momento em que o governo federal prepara uma série de eventos para relacionar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a projetos sociais. Até abril, a petista terá o nome vinculado, por patrocínio do governo, aos lançamentos do PAC 2, do Plano Nacional de Banda Larga e do projeto de Consolidação das Leis Sociais, que Lula quer deixar como legado na área.

As vitrines tucanas não só municiarão o futuro candidato no debate eleitoral, como devem ilustrar e balizar o programa de governo do partido. Somam-se a elas outras iniciativas de Serra que o PSDB aposta que terão repercussão nacional, como o recente anúncio do novo salário mínimo regional, de R$ 560. Depois de debates internos entre integrantes da equipe econômica de Serra, o governo resolveu mudar o critério de reajuste para conceder neste ano um aumento acima do que estava previsto.

Na semana passada, Serra ensaiou agenda de campanha e inaugurou na Brasilândia, zona norte da capital paulista, um dos restaurantes Bom Prato, que vendem almoços a R$ 1. Mas a ida do governador ao local teve um componente diferente. Aquele foi o primeiro modelo inaugurado em uma comunidade carente - as 30 unidades anteriores foram abertas em locais de passagem, como ruas de comércio popular e estações do Metrô. A orientação agora é que este novo modelo seja levado para outras comunidades até o final da gestão - as próximas serão Paraisópolis e Heliópolis, a maior favela da capital paulista.

Beneficiado por esses programas, o eleitor que ganha até dois salários mínimos corresponde a mais da metade do eleitorado. Pesquisa Ibope, feita entre 6 e 9 de fevereiro, mostra que a maior parte dos eleitores (34%) quer que o próximo presidente dê "total continuidade ao governo atual". De acordo com os dados, 79% dos que ganham até um salário mínimo consideram o governo Lula bom ou ótimo, o que explica a resistência de parte do tucanos em criticar a atual gestão. Os números vão além. Expõem a necessidade de um discurso para esse perfil de eleitor.

"Neste ano, o PSDB vai precisar desconstruir o que Lula diz. Vai ter que defender o que foi feito durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, comparar os candidatos e mostrar o que tem sido feito em São Paulo", afirmou o cientista político Rubens Figueiredo.

CRÉDITO

Na esteira do governo federal, que aumentou a oferta de crédito impulsionando o consumo das famílias, que este ano deve crescer 6,1%, o governo tucano engordou o programa de empréstimos populares. De olho na classes de renda mais baixa, resolveu aumentar em 30% os recursos para empréstimos do Banco do Povo Paulista, que chegam a R$ 120 milhões neste ano, o maior valor desde que foi criado em 1998.Os contratos variam de R$ 200 a R$ 7.500 e têm como alvo pequenos trabalhadores autônomos.

Agora em 2010, os mutirões anuais de crédito passam a ser semestrais. Até a divulgação conta com a ajuda do Palácio dos Bandeirantes. "Um grande entrave era a pouca divulgação ou a ausência dela. Antes ficava a cargo das prefeituras, mas desde o ano passado ficou centralizada", disse Antonio Mendonça, diretor executivo do Banco do Povo, ao falar da nova campanha no rádio e na TV que deve ir ao ar em março - a última foi no final do ano passado.

Serra também pediu um estudo da Secretaria da Fazenda para alterar o prazo de resgate dos créditos que o consumidor acumula com a Nota Fiscal Paulista. A ideia é que no segundo semestre se anuncie a mudança no resgate, que passaria de semestral para trimestral.

SAÚDE

Amparado por pesquisas que mostram a saúde com um dos pontos mais frágeis da gestão Lula, o PSDB avalia que o discurso social do partido deve rememorar a atuação de Serra no Ministério da Saúde, durante a gestão FHC - as pesquisas mostram que o eleitor se recorda e avalia positivamente a passagem do governador pela pasta.

Ao lado da Lei Antifumo, a aposta dos tucanos para a área são os Ambulatórios Médicos de Especialidades para consultas e exames médicos. Trabalha-se para a inauguração de 20 novos ambulatórios no ano. Isso corresponde à mesma quantidade de unidades criadas desde 2007, começo da gestão.

A produção de moradias populares também será recorde neste ano, na comparação com os três primeiros anos de gestão do tucano. A previsão é investir R$ 2,2 bilhões, quase o total de R$ 2,4 bilhões aplicados nos anos anteriores. Também pretende-se inaugurar 42.585 unidades e intervenções habitacionais - mais da metade do que foi entregue no ano passado.

O pé no acelerador também passa pelo ensino técnico, onde, diferentemente de outros casos, tucanos pretendem tomar a frente das comparações. O governo de Serra diz que deve ultrapassar a meta de entregar 52 novas faculdades de tecnologia neste ano - já foram abertas 49. Em quatro anos de governo, serão investidos R$ 3,2 bilhões, mas somente em 2010 o valor aplicado alcança R$ 1 bilhão.

Lula, Dilma e a "xepa":: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Esqueça as propostas supostamente radicais apresentadas no Congresso do PT. Esqueça, aliás, o próprio Congresso. Não passa de "uma feira de produtos ideológicos", em que "as pessoas compram o que querem e vendem o que querem". Não, não é a avaliação de algum subintelectual de direita, para roubar a expressão de Dilma Rousseff/Marco Aurélio Garcia, mas da pessoa que mais entende de PT, por ter sido seu idealizador, por ser seu líder de toda a vida e por ser a única figura verdadeiramente popular de um partido que se pretende popular.

Sim, é de Luiz Inácio Lula da Silva que estou falando. As aspas do primeiro parágrafo correspondem a frases suas em entrevista publicada sexta-feira pelo "Estadão".

Alguma chance de as propostas da feira, digo, do PT, serem incorporadas por um governo Dilma? Zero, sempre segundo Lula: "Não há nenhum crime ou equívoco no fato de um partido ter um programa mais progressista do que o governo. (...) O partido, muitas vezes, defende princípios e coisas que o governo não pode defender".

O governo Dilma será mais do mesmo, deixa claríssimo o presidente que inventou a candidata: "Quero crer que a sabedoria do PT é tão grande que o partido não vai jogar fora a experiência acumulada de ter um governo aprovado por 72% na opinião pública depois de sete anos no poder. Isso é riqueza que nem o mais nervoso trotskista seria capaz de perder".

Nem trotskista nem petista de qualquer coloração. As declarações de Lula, de um meridiano sentido comum, mostram que, menos do que uma "feira", o Congresso do PT é a "xepa", o fim de feira em que o pessoal se diverte, lançando uma pilha de teses a que nem os próprios autores prestam atenção porque sabem que o espetáculo é Lula e que Dilma pouco ou nada comprará da "feira".

Dilma, o PT e o "depois"::Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O PT fala uma língua, a sua candidata à Presidência fala outra. Faz sentido. Dilma Rousseff louva sua história de resistência à ditadura militar, mas trata de garantir o alegre apoio dos banqueiros e grandes empresários, que se deram bem no governo petista. E o partido se empenha em manter viva a fé das bases sindicais, estudantis, agrárias, todas devidamente dóceis ao poder na era Lula.

No seu quarto congresso, aos 30 anos, o PT aprovou o apoio integral ao programa de direitos humanos, ao imposto sobre grandes fortunas, à maior liberdade para as invasões do MST, à jornada de 40 horas semanais e ao fim do "monopólio" dos meios de comunicação, cultura e entretenimento.

Dilma não abriu a boca sobre nenhum deles no seu discurso. Seguiu a máxima de Lula, de unir "a cabeça e a emoção", e falou de Minas, onde nasceu, do Rio Grande do Sul, onde se fixou, de filha, genro, o futuro neto (ou neta), de companheiros que caíram na resistência à ditadura. E expôs o seu delicado equilíbrio ao se comprometer com os pequenos e os grandes produtores rurais -sempre eleitos como cruéis inimigos pelas bases petistas.

Como previsto, o "happening" foi para lançar o futuro, mas festejou principalmente o presente: Lula foi a grande estrela nos discursos, nos filmes, nas fotos, nos aplausos. Aliás, registre-se que as estrelas que haviam sumido em 2006 estão de volta. Com toda a força.

A dúvida é quanto ao depois. Na campanha, fala-se o que convém. No governo, faz-se o que se quer e o que se pode. Se Dilma for presidente, ela vai seguir o que o PT prega ou o que a candidata hoje diz? A resposta está nas alianças que fizer e também na sua biografia, nas suas crenças, nos seus traumas, na sua personalidade. Lula não se arvora "de esquerda" e foi muito hábil ao equilibrar interesses e fazer prevalecer os seus. Mas não custa lembrar:

Dilma não é Lula.

Indicada pré-candidata do PT, Dilma prega Estado forte

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ministra rejeita "aventuras" na economia e faz promessas na área social

Indicada ontem como pré-candidata do PT à Presidência, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) defendeu o fortalecimento do Estado em seu discurso. Ela enfatizou a determinação de "continuar valorizando o servidor público" e "reconstituindo o Estado" e rebateu as críticas de que o PT inchou a máquina pública. Por outro lado, Dilma afirmou que a preservação da estabilidade econômica, do equilíbrio fiscal, o controle da inflação e do câmbio flutuante será a base das ações de seu governo. "Temos rumo, experiência e impulso para seguir o caminho iniciado por Lula. Não haverá retrocesso nem aventuras. Mas podemos avançar muito mais. E muito mais rapidamente", disse ela. Boa parte das promessas se concentrou na área social. "As crianças e os mais jovens devem ser, sim, protegidos pelo Estado, desde a infância até a vida adulta".

Pré-candidata, Dilma defende Estado forte e rejeita ""aventuras""

Em discurso no 4.º Congresso do PT, ministra garantiu que tudo será feito para manter estabilidade econômica

Vera Rosa, Clarissa Oliveira, Wilson Tosta e Lisandra Paraguassú


BRASÍLIA - Aclamada ontem como pré-candidata do PT à Presidência, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, encarnou o pós-Lula e ensaiou o discurso de sua campanha. No encerramento do 4.° Congresso Nacional do PT, preparado para sacramentar sua candidatura e aprovar as diretrizes do programa de governo, Dilma pregou o fortalecimento do Estado, mas fez questão de defender com todas as letras a preservação da estabilidade econômica, com manutenção do equilíbrio fiscal, controle da inflação e câmbio flutuante.

"Não haverá retrocesso nem aventuras", avisou a ministra no ato político que também comemorou os 30 anos do PT. "Mas podemos avançar muito mais e muito mais rapidamente." Atrás dela, um painel com sua foto ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva exibia a inscrição "Com Dilma, pelo caminho que Lula nos ensinou".

Vestida de vermelho, a cor do PT, a chefe da Casa Civil falou por uma hora em um salão decorado com estrelas, logo após Lula apresentá-la como herdeira para a plateia, assumindo o papel de avalista da candidatura. "Eleger a Dilma é a coisa mais importante do meu governo", disse. "Eleger a Dilma não é secundário para o presidente da República: é a coisa prioritária na minha vida neste ano."

Lula não escondeu a emoção ao apresentar a ministra. Contou que a conheceu quando ela foi secretária de Energia do Rio Grande do Sul no governo de Olívio Dutra (1999-2002), fato que muitos petistas não sabiam. Depois, teceu elogios à sua capacidade de trabalho, dedicação e solidariedade nos momentos difíceis, como na crise do mensalão, que, no seu diagnóstico, não passou de um "golpe" contra o Palácio do Planalto.

O presidente recomendou à candidata que esteja pronta para responder aos ataques da oposição na campanha. "Vão dizer que a Dilma vai ser estatizante. Se prepare", afirmou, olhando para a ministra. "Isso não é ruim, não. Isso é bom." Logo depois, porém, emendou:

"Claro que você não vai querer estatizar borracharia, bar, pizzaria, cervejaria. Mas aquilo que for estratégico, não estiver funcionando e precisar colocar para funcionar, a gente não tem que ter medo de tomar decisões importantes para o nosso país."

Em meio a promessas de continuar investimentos sociais iniciados no governo Lula, Dilma encontrou espaço para críticas à oposição. E foi com elas que arrancou os primeiros aplausos. "Não praticamos casuísmos. Basta ver a reação firme e categórica do presidente ao frustrar as tentativas de mudar a Constituição para que pudesse disputar um terceiro mandato. Não mudamos, como se fez no passado, as regras do jogo no meio da partida", insistiu.

Ao citar os poetas Carlos Drummond de Andrade, mineiro, e Mário Quintana, gaúcho, e relembrar seu passado de combate à ditadura, ela afirmou que nunca esperou ser candidata, mas disse estar preparada para o desafio.

Na tentativa de tranquilizar quem viu viés estatizante nas diretrizes de sua plataforma, Dilma garantiu que tudo será feito para manter a estabilidade. Enfatizou, no entanto, a determinação de "continuar valorizando o servidor público" e "reconstituindo o Estado" e rebateu as críticas de que o governo petista inchou a máquina pública. "Alguns ideólogos chegavam a dizer que quase tudo seria resolvido pelo mercado", comentou, atacando a defesa da privatização, feita por tucanos.

O discurso de Dilma, lido em dois teleprompters, demorou para empolgar os petistas. Com menos espontaneidade que Lula, ela se revelou um tanto dura ao falar e seguiu praticamente à risca o pronunciamento escrito dias antes, com a colaboração do ex-prefeito Belo Horizonte Fernando Pimentel, do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e do coordenador do programa de governo, Marco Aurélio Garcia.

"Quem duvidar do vigor da democracia em nosso país, que leia, escute ou veja o que dizem livremente as vozes oposicionistas. Mas isso não nos perturba. Preferimos as vozes dessas oposições, ainda quando mentirosas, injustas e caluniosas, ao silêncio das ditaduras", afirmou.

Ex-guerrilheira, a ministra se emocionou ao citar três companheiros mortos na luta armada. Eram Carlos Alberto Soares de Freitas, desaparecido em 1971; Maria Auxiliadora Lara Barcelos, exilada que se matou em 1976, em Berlim; e Iara Iavelberg, morta em 1971.

Dilma também foi acompanhada no Congresso do PT pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), cotado para vice na chapa. O comando do partido só foi à festa depois que Temer e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), pediram a Lula sua interferência para resolver impasses em Estados onde os dois partidos disputam a cabeça de chapa.

"Acho que foi boa a presença do PMDB aqui", disse ela. "O Brasil precisa de um governo de coalizão. Não acho bom para o País governo de um partido só."

'O PT virou um partido de caciques'

DEU EM O GLOBO

Fundador do PT diz que o lulismo destruiu o partido e desvirtuou suas metas

ENTREVISTA: Plínio Sampaio

O jurista e professor Plínio de Arruda Sampaio completa 80 anos em julho. Autor dos primeiros documentos da história do PT, Plínio deixou o partido em 2005, depois de sentir que, internamente, a minoria de esquerda não “chegaria à maioria”. É um dos principais nomes do PSOL e faz campanha como pré-candidato a presidente da República pelo partido.

É apoiado por uma lista de intelectuais que faria inveja a qualquer universidade. Com saudade do PT que ajudou a fundar, Plínio afirma que o petismo deu lugar ao lulismo, e que o partido já se desviava de sua rota desde a primeira campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989. “Tenho orgulho de ter fundado o PT. Não assinei a ata de fundação, mas, a pedido do Lula, fiz a primeira proposta de estatuto do partido”.

Tatiana Farah
SÃO PAULO


O GLOBO: Analistas dizem que a posição de concessão caracteriza o presidente Lula. O lulismo venceu o petismo?

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO: Totalmente. O lulismo destruiu o petismo. Quem não destruiu, sugou. O “petista petista” está traumatizado. Se eu pudesse, empacotava o manifesto de lançamento do partido e mandava para eles. Falava: o PT propôs isso, e, em 30 anos, desviou-se. É um belo documento, dos explorados contra os exploradores, apresenta um socialismo democrático.Desviou-se para ser esse partido de caciques.

O senhor saiu do PT em 2005, depois do mensalão.

PLÍNIO: Não saí por causa do mensalão. Disputei a presidência do PT no meio do mensalão, contra Berzoini. Saí porque, numa democracia, a minoria pode virar maioria; mas constatei que, do jeito que está o PT, ninguém vence a direção.

Quem recebe quer pagar o favor com o voto’

Qual sonho o PT abandonou?

PLÍNIO: Essas coisas não são de uma vez: o sujeito não é honesto hoje e amanhã fica desonesto. O sujeito concede. O começo do desvio foi uma análise equivocada da eleição de 1989, quando perdemos por 2%. Em 1994, a análise era a de que “perdemos porque nosso discurso é radical e não fazemos alianças que não sejam de esquerda. Temos de nos entender com todo o empresariado do capital e precisamos rebaixar o programa”.

Que papel o mensalão tem nesse processo?

PLÍNIO: Ele é consequência. A política burguesa não se faz sem caixa dois. Só que, no PT, não souberam fazer isso. Alguns se corromperam pessoalmente, outros se corromperam só politicamente; e a reação a isso foi péssima, cínica: “Fiz porque todos fazem”. É inaceitável.

Quando vê o trabalho do governo Lula, pensa que, num governo de direita, seria igual?

PLÍNIO: Não tem diferença substancial, mas tem uma diferença importante. Você tem 70 milhões de brasileiros em situação melhor. Uns 20 milhões, porque a renda aumentou, com acesso aos eletrodomésticos. E tem 50 milhões de pessoas que pelo menos estão recebendo R$ 100 por mês. Essas pessoas estão satisfeitas; e isso explica os 80% de aprovação do Lula. É a cultura do favor: esse que recebeu atribui a um favor do Lula e quer pagar esse favor, com o quê? Com o voto. É um assistencialismo muito bem colocado. E, para a burguesia, é uma mão na roda: a população tranquila e ela mamando à vontade.

Na questão agrária, como foi o governo?

PLÍNIO: Um descalabro, uma coisa perigosa. A perpetuação da pobreza no Brasil começa no campo e reforça-se na educação. Lula fez clara opção pelo agronegócio. Fiz o plano de reforma agrária do governo, que não foi cumprido. Cortaram pela metade, para 500 mil. Aí maquiam, inventam que titulação de terra é reforma agrária. Título de terra é questão jurídica, não política de Estado.

Não tem saudade do PT?

PLÍNIO: Como não? Tenho enorme saudade. Foi o primeiro partido que o povo construiu. O povo levou 500 anos para conseguir um grau de paciência e articulação que permitiu fazer um partido. No começo do PT, era uma delícia. Acabou.

Mantém amigos no PT, mesmo José Dirceu?

PLÍNIO: Sim, sempre separei as coisas. Eu e José Dirceu somos antípodas. Sempre um esteve de um lado e o outro, de outro. Menos na questão do vice do Lula em 89, em que nos unimos para boicotar o Gabeira. Nós dissemos: eleição é coisa séria, não vamos colocar o Gabeira (diz, rindo).

O professor Helio Bicudo disse que, num segundo turno, votaria em José Serra. E o senhor?

PLÍNIO: Quero votar em mim.Mas, se estiverem os dois (Dilma e Serra), voto nulo.

Lula intervém e Temer vai a congresso

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Peemedebista cotado para vice ameaçava não aparecer devido a dificuldades em alianças entre PT e PMDB nos Estados

Presidente do PMDB decidiu comparecer após Lula dizer que entrará pessoalmente nas negociações estaduais para resolver indefinições

Da Sucursal de Brasília

A presença do PMDB e do próprio presidente do partido e da Câmara, Michel Temer (SP) -cotado para vice na chapa do PT-, no pré-lançamento da candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, só foi decidida na última hora e precisou da intervenção do presidente Lula.

Até o último momento, Temer dizia que não tinha a intenção de comparecer. Ele e a cúpula peemedebista alegavam dificuldades diante da indefinição de alianças entre PT e PMDB em alguns Estados, como Minas Gerais, Bahia e Pará. Além disso, havia o temor de serem vaiados.

No final, Temer acabou sendo aplaudido, com vaias residuais, mas dois outros peemedebistas não apareceram: o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, recém-filiado e também cotado para vice de Dilma, e o presidente do Senado, José Sarney (AP), um dos líderes nacionais do PMDB e que passou 2009 às voltas com suspeitas e acusações.

No final do evento, Dilma disse que achou boa a "presença deles". "Acho que o Brasil precisa de governo de coalizão. Sem um governo de coalizão, um partido pode achar que vai governar sozinho. Não acho desejável para o Brasil que haja um governo de um só partido."

A ida do PMDB só foi acertada na noite de anteontem, quando Temer e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), foram ao Palácio da Alvorada conversar com o presidente Lula.

Lá, ficou acertado que o presidente entrará pessoalmente nas negociações para resolver ou promover acerto de procedimentos em Estados onde PT e PMDB divergem sobre as candidaturas ao governo.

Entre os peemedebistas presentes, estava o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), que em 2007 foi acusado de negociar cargos no governo em troca de parecer favorável ao projeto de prorrogação da CPMF (o "imposto" do cheque).

Também compareceram, e foram anunciados para a mesa principal, os ministros Edson Lobão (Minas e Energia) e Hélio Costa (Comunicações) -este um dos que vive um confronto com o PT em Minas.

Os peemedebistas chegaram a aventar a possibilidade de os ministros e líderes do partido irem ao congresso petista, mas não Temer. Ele acabou decidindo ir, subiu ao palco logo depois do presidente Lula e sentou ao lado de Dilma.

Antes do encontro com Lula, os peemedebistas tentaram se reunir na sexta com Dilma para tratar da ida ao congresso e tentar encaminhar soluções para os palanques estaduais. O encontro não aconteceu porque Dilma alegou que precisava finalizar o discurso a ser lido ontem no evento.

Após conversa com Lula, os petistas informaram ontem pela manhã, com ar de alívio, que os peemedebistas, Temer à frente, não só confirmaram presença como já haviam chegado ao congresso.

PT deve dizer "não" a PMDB, afirma Singer

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Cientista político defende que partido do presidente Lula oriente suas alianças pelo programa, não pelo pragmatismo

Ex-porta-voz da Presidência diz poder haver convergência entre adeptos do "lulismo" -base social que elegeu o petista em 2006- e o PT

Ana Flor


Num momento em que a simples menção ao PMDB no documento petista sobre políticas de alianças provocou intenso debate no congresso do partido que terminou ontem -e que resolveu não citar a sigla como principal aliada na campanha-, o cientista político André Singer vai além: defende que o PT tenha coragem de dizer "não" ao PMDB. Singer, que foi secretário de Imprensa e porta-voz da Presidência no primeiro mandato de Lula, afirma que o "baixo teor programático do PMDB é danoso para o sistema partidário brasileiro" e que o PT ganharia mais se desse preferência a uma aliança com o PSB.

FOLHA - O PT ainda é um partido de massas e de trabalhadores?

ANDRÉ SINGER - Continua sendo, mas já com as mudanças que eram previsíveis, de acordo com a trajetória dos grandes partidos socialistas das democracias ocidentais. O PT teve uma trajetória de sucesso eleitoral relativamente rápida. Isso faz com que o peso no partido dos que têm mandato comece a crescer. Essa trajetória faz com que o grau de participação, a chamada militância, vá diminuindo ao longo do tempo. Não é mais a militância da primeira década.

FOLHA - O que fez a influência de Lula crescer tanto no partido?

SINGER - O principal fator é o que eu tenho chamado de lulismo. É um fenômeno novo. Não é o resultado, ao meu ver, de um realinhamento eleitoral. A base social que elegeu Lula em 2006 é diferente da que o elegeu em 2002. Essa nova base social são os eleitores de baixíssima renda, foram o resultado de políticas de governo do primeiro mandato. Esse primeiro mandato significou uma mudança tão importante na estrutura eleitoral do país que deu ao presidente uma base que é relativamente autônoma do partido.

FOLHA - É uma base diferente daquela que sustenta o PT?

SINGER - O PT tem uma base eleitoral ampla, mas é uma base historicamente de classe média. O lulismo trouxe essa novidade de estar ancorado nessa base de baixo. Isso faz com que a adesão seja mais a uma figura que tem grande visibilidade do que a uma instituição, a um partido. Eu acho que é possível que haja uma convergência entre essa base social e o PT.

FOLHA - Se essa adesão ao projeto se confirmar, garantiria, então, a eleição da escolhida do presidente?

SINGER - É a minha percepção. É mais uma adesão de projeto do que carismática.

FOLHA - Quais os efeitos, para o PT, de uma aliança com o PMDB?

SINGER - O PMDB tem se caracterizado por ser um partido de baixo teor programático, o que é danoso para o sistema partidário brasileiro. Faz com que a política fique parecendo algo que diz respeito aos interesses dos políticos.

FOLHA - Então é ruim para o PT?

SINGER - A opção preferencial pelo PMDB fortalece esse aspecto negativo. Ela é compreensível do ponto de vista pragmático. Na minha opinião, o PT deveria arcar com um certo risco de procurar primeiro os partidos que estão mais próximos a ele no campo de esquerda e de centro-esquerda. No caso, o PSB, que tem como pré-candidato Ciro Gomes. O PSB ainda é um partido ideologicamente mais próximo do PT. Eu também poderia me referir ao PDT, ao PC do B. O PT deveria retomar uma prática de que suas alianças fossem orientadas pelo programa.

FOLHA - O PT decidiu não correr o risco por ter uma candidata eleitoralmente fraca?

SINGER - Eu acho que o problema é de outra natureza. Acho que o pragmatismo é uma força extraordinária em partidos eleitorais. Todo partido tende a ser fortemente pragmático.

FOLHA - Mas se o candidato fosse alguém mais conhecido do eleitor, seria diferente?

SINGER - Eu não sei. Uma vez estabelecidos os critérios pragmáticos, como o tempo na TV e essa relativa capilaridade eleitoral [do PMDB], sempre será um elemento fortemente levado em consideração. O que está em jogo é pragmatismo versus opção programática.

FOLHA - O fato de Lula ter escolhido a candidata enfraquece o PT?

SINGER - Essa é uma condição que está relacionada com a grande influência de uma liderança carismática, que tem os votos. Sem dúvida, ela significa que o partido é fortemente influenciado por essa liderança.

FOLHA - O lulismo pode engolir o PT?

SINGER - A questão se vai haver essa convergência ou não vai depender de em que medida esses eleitores que a meu ver aderiram ao lulismo irão pouco a pouco votar no PT. Nas eleições de 2006 os estudos mostram que isso não aconteceu. A base social do PT continua sendo a base social tradicional, mais forte no Sudeste e no Sul do que no interior do Norte e Nordeste. Dá para ver essa diferença entre lulismo e petismo.

Jarbas tenta atrair mais “rebeldes” do PMDB

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Favorável a uma aliança com o PSDB, o PMDB estadual ignora a decisão da maioria nacional – pró-Dilma – abre dissidência e vai atrás de novos apoios a Serra, encarando o risco de isolamento

Sérgio Montenegro Filho

Se depender dos peemedebistas pernambucanos, as decisões tomadas pela direção nacional do partido – eleita no dia 6 deste mês – a respeito da participação da legenda na sucessão presidencial não terão o menor efeito por essas bandas. Visto como o principal foco de rebeldia dentro do PMDB, o diretório estadual da sigla praticamente boicotou o encontro nacional realizado antes do Carnaval, em Brasília. E está pronto para ignorar o resultado da convenção de junho, que deverá oficializar a aliança com o PT e o apoio à candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Em Pernambuco, os peemedebistas estão, mais do que nunca, fechados com o tucano José Serra. E o líder maior do partido, senador Jarbas Vasconcelos, adianta sua disposição de comandar um movimento pelo País afora, juntamente com outros dissidentes, com o objetivo de angariar apoio para Serra. Entre os “rebeldes” declarados, além dos pernambucanos, estão os diretórios estaduais de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Mas, segundo Jarbas, a expectativa é de atrair mais focos para o palanque tucano em outros Estados, a exemplo do Rio Grande do Sul.

O diretório pernambucano foi um dos mais prejudicados com a rebeldia. No encontro realizado antes do Carnaval para renovação do comando, o PMDB estadual perdeu a representação na Executiva Nacional – instância máxima da sigla – e ainda viu reduzida a sua participação no diretório nacional, colegiado responsável por votar as grandes questões partidárias. “Não tememos essas represálias. Continuaremos a seguir Jarbas Vasconcelos no apoio a José Serra. Eu mesmo não fui ao encontro nacional por solidariedade a Jarbas, mas não proibi ninguém daqui de participar”, afirma o ex-deputado Dorany Sampaio, fundador e presidente do PMDB no Estado há duas décadas.

Embora firmes no combate à aliança com o PT, os “rebeldes” não representam 10% dos filiados do PMDB nacional. E ainda correm o risco de nova divisão, caso o governador paranaense Roberto Requião mantenha, na convenção partidária de junho, sua intenção de se lançar candidato à Presidência da República. Enquanto isso, a maioria esmagadora do partido parece não se incomodar com a pecha de “adesista” e as frequentes críticas ao fisiologismo generalizado dos seus parlamentares e governantes.

GUARDA-CHUVA

O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – que só ganharia a letra “P” em 1980 – foi fundado em 1966, com a instituição do bipartidarismo pela ditadura militar. Servia de abrigo oficial para todos os segmentos políticos de oposição ao regime, que iam da esquerda armada à igreja progressista. Na época, essas correntes tinham como adversário comum a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que dava sustentação ao governo dos generais.

Na opinião de alguns especialistas – e mesmo de ex-fundadores do antigo MDB – o partido perdeu sua finalidade exatamente após a redemocratização de 1985, e deveria ter sido revisto naquela época. “O PMDB acabou. Hoje, é só uma sigla usada para abrigar interesses pessoais, obter mandatos, cargos e benesses do governo”, sustenta um dos fundadores, o ex-deputado constituinte Egídio Ferreira Lima, que no final dos anos 80 migrou para o recém-criado PSDB.

Pesquisador do Núcleo de Estudos Políticos e Partidários da Universidade Federal de Pernambuco, o professor Hely Ferreira reforça a tese. Diz que, encerrado o episódio do golpe militar, o PMDB não conseguiu se livrar do estigma de grande “guarda-chuva” político, onde cabem gregos e troianos. A sigla continua tão fragmentada quanto antes, e essa falta de unidade, segundo Ferreira, foi a responsável por impedir que o partido, embora um dos maiores do País, elegesse um candidato próprio à Presidência da República pelo voto direto. “A imagem fisiologista do PMDB se criou a partir daí. O partido nunca chegou diretamente ao poder, mas também nunca saiu da sua sombra. Vive de ocupar cargos e receber benesses dos governantes, que precisam da sua força numérica para garantir a governabilidade”, explica o professor.

O presidente Dorany Sampaio, por sua vez, rechaça a tese de que o partido perdeu seu objetivo após a distensão política. Para ele, trata-se de uma generalização perigosa. “Estou no partido desde 1966, e admito que no passado já houve outras adesões, como nos governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso. Mas aquela frente ampla de combate à ditadura, que ajudou a fundar o MDB, permanece na legenda, ainda que em minoria”, garante.

Nabuco e a governabilidade:: Celso Lafer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Joaquim Nabuco, cujo centenário de falecimento ocorreu em janeiro, é uma das grandes figuras do Brasil. A sua ação política em prol da abolição e a sua reflexão sobre o papel constitutivo da escravidão na História nacional e a importância de reconstruir o País, desconstruindo o seu legado, dele fazem não só um paradigma de homem público, mas um intérprete maior do Brasil.

Um Estadista do Império, a admirável biografia que escreveu sobre seu pai, o senador Nabuco de Araújo, é, pelo cuidado documental, pelo apuro analítico e pela incomparável qualidade da escrita, o livro que continua sendo, na bibliografia brasileira, o que oferece o melhor acesso ao entendimento das instituições políticas do Brasil de dom Pedro II. Minha Formação é, nas letras brasileiras, um dos pontos mais altos da narrativa autobiográfica.

Joaquim Nabuco foi o qualificado advogado do Brasil no contencioso territorial com a Inglaterra a propósito dos limites da Guiana Inglesa, submetido à arbitragem do rei da Itália, e o seu memorial é um exemplo de exposição, com clareza e abrangência, de fatos complicados. Foi um grande diplomata, que, como nosso primeiro embaixador em Washington na época da ascensão inicial dos EUA no mundo, mostrou como um agente diplomático pode abrir caminhos para seu país mesclando capacidade de formulação, competência política, presença social, irradiação intelectual e sagaz trato com a imprensa. Nabuco também foi um importante parceiro de Machado de Assis na consolidação da Academia Brasileira de Letras, que, como instituição cultural voltada para valorizar o papel dos intelectuais na sociedade brasileira, precisou, para isso, reunir, no seu momento inaugural, monarquistas e republicanos num espaço comum de cortesia e civilidade.

A esses tantos méritos cabe acrescentar que Joaquim Nabuco foi, até no calor dos embates, um grande e superior analista da política, capaz, com sua palavra, de associar movimento e ordem na sua reflexão. Antecipa, com argúcia, no seu livro Balmaceda (1895), o tema da governabilidade democrática, ao examinar a crise, no Chile, da conflitiva Presidência Balmaceda, que levou a uma guerra civil e culminou no suicídio do presidente.

O pano de fundo de Balmaceda - republicado em 2008 pela Cosac Naify, com um prefácio do estudioso chileno Jorge Edwards e um posfácio de José Almino de Alencar - insere-se no âmbito da crítica política de Nabuco aos anos iniciais da República brasileira. Em 1890, escrevendo sobre Porque continuo a ser monarquista, dizia: "A República dos países latinos da América é um governo no qual é essencial desistir da liberdade para obter a ordem." E vaticinou que a República no Brasil "há de ser fatalmente uma forma inferior de despotismo desde que não pode ser uma forma superior de anarquia".

Floriano Peixoto, na Presidência, confirmou os temores de Nabuco. Qualificou a gestão do Marechal de Ferro de tirania jacobina, fruto de uma combinação entre Robespierre e o dr. Francia, do Paraguai, que, com ódio ao modo do caudilho Rosas, da Argentina, instigou a degola na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul e, para conter a Revolta da Armada e se manter no poder, teve de recorrer, paradoxalmente para um nacionalista, à intervenção de esquadras estrangeiras.

Em Balmaceda, Nabuco, para discutir a capacidade de governar e a qualidade do juízo político, contrapõe o espírito de reforma ao espírito sistemático, científico e radical, que gera a intransigência da convicta infalibilidade. Aponta que Balmaceda fazia parte da família dos radicais, agravado pelo fato de ser um "teorista cru". Por isso empreendeu a ditadura e fez irromper no Chile o germe do militarismo político. Em nossos países, dizia Nabuco, "a nação se mantém em menoridade permanente". Daí, como aponta Fernando Henrique Cardoso no elucidativo prefácio à edição chilena de 2000 de Balmaceda, a recorrente atualidade dos fenômenos de instabilidade política analisados por Nabuco: populismo do Executivo, inação do Legislativo, fragmentação do sistema partidário, estrutura oligárquica do poder, militarismo.

Nabuco, no tecer reflexivo da narrativa de uma grande crise política, vai além da crítica a Balmaceda, na qual subjaz a crítica a Floriano. Antecipa o que veio a ser o debate reforma x revolução, para o qual a História do século 20 deu as suas respostas. Esclarece, como reformista, o desafio da governabilidade democrática, que é o de levar adiante políticas públicas consistentes, que permitam avaliar os governantes pelo resultado da sua administração, comparando o "estado em que receberam o país e o estado em que o deixaram". Ilumina os riscos do hiato entre aspirações e consequências, muito relevante para a análise dos "refundacionistas" latino-americanos, que veem em Balmaceda um antecipador das suas propostas.

Nabuco realça, no post-scriptum do seu livro, que o Brasil, com a República, começou a fazer parte de um sistema político mais vasto: o latino-americano, pois deixou de ser, com a derrocada da monarquia, em cuja evolução democrática ele acreditava, o institucionalmente diferente na região - um Império unitário de fala portuguesa em meio a múltiplas Repúblicas hispânicas. Por isso "o observador brasileiro para ter ideia exata da direção que levamos é obrigado a estudar a marcha do Continente, a auscultar o murmúrio, a pulsação continental".

Neste auscultar destaca, além dos riscos do desgoverno, a falta de "consciência do Direito, da Liberdade e da Lei". É um registro sobre "nuestra América" que não perdeu atualidade e é relevante na identificação do interesse nacional no contexto diplomático da nossa fundamental inserção regional. Não custa lembrar, a propósito dos direitos humanos e da cláusula democrática, que, como pontua Nabuco, os despotismos "defendem-se nas trevas, com o dinheiro, com o terror, com o silêncio".


Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

As igrejas e o espelho de Alice:: José de Souza Martins

DEU EM O ESTDO DE S. PAULO / Aliás

Parece ingênuo a Campanha da Fraternidade ir contra o dinheiro, mas a ingenuidade derrubou a Bastilha

Não resisto à tentação de invocar duas interpretações opostas do dinheiro, mas complementares, para, à luz delas, desenvolver minha compreensão do documento e do tema da Campanha da Fraternidade de 2010, "Economia e Vida". A primeira interpretação é a que ouvi de um caboclo simples, no sertão do Mato Grosso, nos anos 70. Na nossa conversa, disse-me que "o dinheiro é a Besta-Fera", numa alusão à célebre entidade do Livro do Apocalipse e à narrativa do fim dos tempos. No seu fundamentalismo simples, explicou-me que bastava somar o valor das notas do nosso papel-dinheiro em circulação na época, o cruzeiro: 500, 100, 50, 10, 5 e 1. O resultado era 666, o número da Besta. O poder da Besta, dizia ele, é o poder de fazer o contrário do que Deus faz. A Besta é o antagônico, o avesso. Essa é uma ideia difundida na nossa cultura popular e preâmbulo seguro para a recepção da mensagem da Campanha da Fraternidade.

Do outro lado do mundo, nos anos 20, sir Dennis Robertson, professor de economia na Universidade Cambridge, publicava um precioso livro sobre o dinheiro, traduzido para o português com o título de A Moeda. Robertson era especialista em escrever com clareza sobre assuntos complicados como esse. No livro, adotou o critério didático de abrir cada capítulo com uma epígrafe tirada de um dos dois livros de Lewis Carroll - Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho. São obras-primas da literatura do absurdo, densas e complexas. Ao atravessar o espelho, Alice se vê aprisionada no mundo dos avessos, que as epígrafes de Robertson sugerem ser o mundo regido pela mesma lógica que rege o mundo do dinheiro. Quanto mais Alice caminha, mais longe fica de aonde quer chegar. Isso já nos diz tudo.

A Campanha da Fraternidade deste ano tem como mote "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" (Mateus, 6:24). Infelizmente, um dos disseminados efeitos da lógica dos avessos é justamente o da realidade de se poder servir a Deus e ao dinheiro, pois é ela a realidade dos duplos, da unidade dos contrários, que é o motor do mundo contemporâneo. Na falta de alternativa, alguns o fazem sem temor nem tremor. Nesse sentido, a proposição das cinco igrejas que se reúnem no Conic - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, responsável pelo documento ecumênico que será analisado e estudado em 50 mil comunidades, é uma proposição de certo modo aquém da encíclica de Bento XVI, Caritas in Veritate.

Na encíclica, o papa vai diretamente ao ponto, que é o da alienação do homem moderno, que pensa ser uma coisa sendo outra, agindo, portanto, como duplo, sem saber que duplo é. O papa cita o famoso ensaio de Karl Marx sobre a alienação, dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, alienação que constitui o traço fundamental e irremediável da modernidade.

Nessa invocação, ele evita o economicismo e o materialismo das esquerdas religiosas que sucumbiram às simplificações do que Georg Lukács definia como marxismo vulgar. Na perspectiva da catolicidade das igrejas, incluídas as ortodoxas e protestantes, que, nesse sentido, também são católicas, isto é, universais, as vítimas da degradação materialista da economia não são apenas os pobres, mas são todos. Por aí, compreendo a pobreza, portanto, não apenas nem simplesmente como pobreza econômica, de não ter o que comer e os meios para produzir o que comer, mas fundamentalmente como pobreza de esperança, o que para muitos inclui a pobreza de fé.

Nesse sentido, o documento do Conic pode parecer, à primeira vista, e assim já vem sendo tratado pelos críticos, um documento ingênuo. Aquelas ideias não têm a menor condição de se efetivarem em face do poder de alienação da economia moderna e, mais do que o poder, o fascínio que a própria alienação representa. Nisso está o que o caboclo do Mato Grosso vê como diabólico e o erudito Dennis Robertson vê como absurdo. De fato, o documento da Campanha da Fraternidade deste ano é um documento ingênuo por representar uma insurgência contra um poder aparentemente invencível. Mas com tanta gente falando gratuita e ingenuamente bem desse poder, no mundo inteiro, todos os dias do ano, não é demais que haja quem, como o Conic e nele a CNBB, no minúsculo fragmento de uma quaresma, dele fale devida e legitimamente mal.

Essa ingenuidade é um dos poderosos ingredientes do mundo dos avessos. Ela constitui um daqueles resíduos do poder de que nos fala Henri Lefebvre, expressão das contradições da ordem dominada pelo afã do lucro e pela coisificação do homem pela trama das relações econômicas que faz, como diz Marx, com que a coisa pareça gente e atue como gente e o homem pareça coisa e como coisa tenha que viver o drama de sua coisificação. Essa ingenuidade vem explodindo em todos os cantos desde a Revolução Industrial e ganhou força política, no século 18, no que o historiador inglês Edward Thompson, em famoso estudo, chamou de economia moral da multidão. Aludia ele à reação irracional, porque contra a lógica dos preços, dos moradores do bairro de Santo Antônio, em Paris, contra o preço do pão. Sua reação se alastrou, a Bastilha foi derrubada. Foram eles que, com sua ingênua concepção de economia, abriram as portas para as novas ideias políticas que se consumaram na Revolução Francesa.

Os estudos sobre economia moral disseminaram-se para compreender as irracionalidades políticas na Ásia pobre e convulsionada das últimas décadas. Vai ficando claro que a economia moral é, na verdade, o miolo de um movimento social que chegou à América Latina nos anos 80, sobretudo por via religiosa. O documento do Conic é uma das expressões desse movimento a seu modo inovador. Não por acaso há nele ecos do ideário do Fórum Social Mundial, do MST, das pastorais sociais da Igreja Católica e, portanto, de setores que se tornaram decisivos na ascensão política do PT e de Lula. Não obstante, bem lido, o documento é uma crítica ao PT e ao governo Lula, que, como Alice, atravessou o espelho e se perdeu no caminho de ida.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Entre outros livros, autor de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

A grande transformação social:: Yoshiaki Nakano

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

As causas maiores não foram os programas sociais, mas as mudanças demográficas, com queda na taxa de natalidade

MUITO TEM sido escrito sobre a chamada nova classe média brasileira, e particularmente importantes são as pesquisas pioneiras de Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas. Realmente seus estudos revelam que o Brasil assiste a uma mega-ascensão de famílias pobres para a classe C, que tem renda mensal de R$ 1.115 a R$ 4.808. Desde o Plano Real essa classe passou de 32% da população para 52% hoje. Portanto, a classe média brasileira é enorme e composta de mais de 90 milhões de pessoas.

Neste artigo, quero chamar a atenção para as consequências sobre a dinâmica da economia brasileira e a mudança na pauta política que essa classe emergente está trazendo.

O relevante é entender que as causas maiores dessa grande transformação não foram os programas sociais do governo (Bolsa Família, aumento do salário mínimo e outras formas de transferência de renda), que sem dúvida têm sua contribuição significativa, mas, sim, as mudanças demográficas que ocorreram a rigor em meados da década de 80, quando tivemos uma forte queda na taxa de natalidade. Vinte anos depois, a população jovem que busca emprego começou a se reduzir, mudando totalmente a dinâmica do mercado de trabalho.

De fato, a população brasileira de jovens de 15 a 24 anos atingiu um pico de 35,1 milhões de pessoas em 2004 e começou a declinar a partir de então, tendo atingido 33,9 milhões em 2009. Com isso, a "oferta ilimitada de trabalho" chegou ao fim, e os novos empregos, para serem preenchidos, passaram a oferecer salários mais altos. Esse aumento de emprego vem acompanhado de maior produtividade, sem gerar pressão inflacionária, e também demanda melhor qualificação técnica, isto é, educação com qualidade, que é outra grande transformação que ocorre no Brasil.

As consequências para a dinâmica da economia brasileira são óbvias: passamos a ter endogenamente um mecanismo de crescimento que se retroalimenta, típico das economias capitalistas desenvolvidas. O salário real aumenta e amplia o mercado, que, por sua vez, estimula aumento de investimento e criação de novos empregos, que, acompanhados de incremento de produtividade, podem se sustentar por longo prazo.

A consequência política dessa megatransformação é a mudança da agenda eleitoral. O maior temor que uma nova classe tem é perder as suas conquistas: emprego e acesso a bens de consumo, que lhes dão novo status social. Por isso é conservadora. Não será mais a subclasse social de pobres contra a situação que vai decidir as eleições majoritárias no Brasil. Discurso contra não ganhará mais eleições. Introduziu-se na agenda eleitoral a política macroeconômica voltada para crescimento, criando empregos, sem esquecer a estabilidade. A conjugação dessa dinâmica eleitoral, associada a um mecanismo endógeno de expansão do mercado doméstico, levará a economia brasileira a um crescimento sustentado de longo prazo. As barreiras a esse processo, como as atuais políticas monetária e cambial, terão pelo menos 90 milhões de brasileiros, que, tendo acesso à educação, ganharão consciência política e terão voz decisiva pelo menos nas eleições, e a deste ano será decisiva para o Brasil entrar numa nova era.

Yoshiaki Nakano, 65, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

As muitas caras de Da Vinci: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

A curiosidade de Da Vinci não tinha limites, assim como sua audácia e sua inventividade

Leonardo da Vinci, artista genial e inventor visionário de armas e máquinas de guerra, atravessou os séculos envolto em admiração e mistério, em parte por sua genialidade e em parte por suas idiossincrasias. A última das lendas surgidas em torno dele é a recentíssima hipótese de que a sua obra-prima, a "Mona Lisa", seja um autorretrato.

Tudo é possível, se se leva em conta que, no final do século 15, em Florença, quando a Inquisição queimava na fogueira os suspeitos de terem parte com o Diabo, ele, Da Vinci, dissecava cadáveres para descobrir como funcionava o organismo humano. Seccionava parte por parte, órgão por órgão e, quando começavam a apodrecer, metia-os em sacos e, na calada da noite, os jogava no rio que cortava a cidade. Quase ninguém sabia, é claro, mas com o tempo os fatos se transformaram em histórias fantásticas e suspeitas maldosas.

Se sua curiosidade não tinha limites, tampouco os tinham sua audácia experimental e sua inventividade: intuiu novas possibilidades na arte de pintar, que os recursos técnicos da época tornavam inviáveis. Por isso, decidiu inovar na execução do afresco "Batalha de Anghiari", pintado no Palazzo Vecchio, de Florença, que se apagou inteiramente.

Nem por isso foi menos audacioso ao pintar "A Ceia", no refeitório de Santa Maria della Grazie, em Milão, cujas cores começaram a sumir antes que terminasse de pintá-la. Essa obra intrigava a todos pela gesticulação enigmática dos personagens representados.

Como se não bastasse, o best-seller "Código Da Vinci" atribui ao pintor secretas intenções, como a de pôr no rosto de são João Batista, que ali aparece ao lado de Jesus, feições femininas que seriam as de Maria Madalena, dada como mulher do Cristo, fato que a igreja teria ocultado durante séculos.

Não obstante todo o mistério que envolve a figura de Da Vinci, até certo ponto inventado por outros, mas também estimulado por ele, a nova lenda acerca da "Mona Lisa" não parece convincente, em face das informações pertinentes acerca do quadro e de Lisa, a retratada, que tinha 15 anos ao casar-se com Bartolomeo del Giocondo, viúvo, 19 anos mais velho que ela. Foi quando lhe morreu a filhinha de quatro anos que o marido, para consolá-la, pediu a Da Vinci que lhe fizesse o retrato. Este, que se negara a retratar os nobres da época, não apenas aceitou o convite como fez desse retrato uma obra-prima. Só que teria dado ao casal uma cópia do quadro, não o original, que guardou consigo.

Pois bem, apesar desses dados históricos, uma equipe do Comitê Nacional Italiano para a Herança Cultural pediu a autoridades francesas para abrir o túmulo do artista, em Amboise, na França. Segundo o antropólogo Giorgio Gruppioni, pretendem encontrar o crânio de Da Vinci para reconstituir-lhe o rosto e compará-lo ao de "Mona Lisa". O difícil, quase impossível, a meu ver, é encontrar o crânio do pintor.

Pelo seguinte. Da Vinci morreu na França, para onde se mudara a convite de rei Francisco 1º, levando consigo algumas obras-primas, inclusive a "Mona Lisa". Foi sepultado a 12 de agosto de 1519, no claustro da igreja Saint-Florentin d'Amboise, demolida em 1802, por ordem de um tal Roger Ducoc, nomeado senador por Napoleão. Mandou derreter os esquifes de chumbo, para vender o metal, e jogar fora as ossadas.

Acredita-se que o jardineiro de Ducoc, por iniciativa própria, tenha sepultado os restos de Leonardo num canto do castelo e que, em 1874, foram transferidos para uma pequena capela do castelo de Amboise. Mas nenhuma certeza há de que os ossos ali sepultados sejam dele. O exame de DNA acabará com a dúvida.

Tal iniciativa, partindo de um órgão oficial, causa surpresa e só se explica pela necessidade de alimentar a lenda que envolve esse homem incomum. Todos conhecem um suposto autorretrato de Da Vinci, que se encontra a três por dois estampado em livros e revistas de arte, e que não é, seguramente, um autorretrato dele. Basta compará-lo com o "Retrato de Leonardo", pintado em 1510, por Francesco Melzi, que, ao contrário daquele, mostra-nos um homem de feições sensíveis, olhar inteligente e iluminado. Nada tem que nos lembre a "Mona Lisa", muito menos o sorriso.

Há ainda, no afresco "Escola de Atenas", de Rafael, a figura de Platão, que teria as feições de Da Vinci. Francesco, seu discípulo, viveu com ele desde os 15 anos e herdou todas as obras científicas e artísticas do mestre, inclusive a "Mona Lisa", que cedeu a Francisco 1º. Dizem que era seu amante. Não há por que duvidar do retrato pintado por ele.

Lula privilegia em reajuste a elite do funcionalismo público

DEU EM O GLOBO

Inchaço da máquina não chega à Saúde, que teve aumento de 0,5% de pessoal

Desde o primeiro ano do governo Lula, as categorias da elite do funcionalismo estão entre as principais beneficiadas com grande s aumentos salariais. Funcionários das áreas jurídica e financeira, como procuradores do Banco Central, analistas de finanças e planejamento e auditores fiscais, além dos servidores do Itamaraty, da Polícia Federal e da Abin, receberam reajustes que variaram de 157% a 281%, informa Regina Alvarez. O governo também tornou mais cara a máquina pública. Ao mesmo tempo em que o Executivo elevou em 13% o número de servidores nos últimos sete anos, a despesa com cada funcionário federal da ativa subiu em média 60%, mostra Gustavo Paul. Mas, enquanto na Presidência da República o efetivo mais que dobrou, na Saúde o aumento de pessoal foi um dos menores, apenas 0,5%. Na Educação, o número de servidores subiu 19,2%.

Estado forte, mas também inchado e caro

Diferentemente do que disse Dilma, número de funcionários na Presidência quase dobrou, enquanto na Saúde subiu só 0,5%

Gustavo Paul

BRASÍLIA. Empenhado em fortalecer a presença do Estado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não só engordou a máquina pública como a tornou bem mais cara. Ao mesmo tempo em que o Executivo elevou em 13% o número de servidores nos últimos sete anos, a despesa com cada funcionário federal da ativa aumentou mais: 60%, já descontada a inflação do período. Mas, diferentemente do que disse ontem a ministra Dilma Rousseff, ao ser lançada pelo PT como pré-candidata à Presidência, o aumento não foi geral nem priorizou áreas como Saúde, Educação e Segurança.

Enquanto na Presidência da República, que reúne várias secretarias de governo, o número de funcionários mais que dobrou, na Saúde o aumento de pessoal foi um dos menores.

Em 2002, eram 3.147 funcionários na Presidência. Agora somam 7.906 (150% a mais). Na Advocacia Geral da União, o aumento do número de funcionários foi de 431%. Na Saúde, o aumento foi mínimo: o setor tinha 103.634 funcionários em 2002 e agora tem 104.160 — aumento de 0,5%. Na Educação, o aumento do número de servidores foi de 19,2%.

Em dezembro de 2002, a máquina do Executivo federal gastava em média R$ 4.256 per capita com funcionários (valor corrigido pelo IPCA) e passou a gastar R$ 6.811 em outubro de 2009, último dado disponível.

Como mostrou Regina Alvarez, na coluna Panorama Econômico de domingo passado, o total de servidores na administração direta passou de 485.741, em 2002, para 549.011 em 2009: aumento de 63.270. Nas estatais o aumento de pessoal foi maior: quase 31%, passando de 339,1 mil para 443,8 mil no período.

Aumento nominal chega a 200%

Os servidores públicos também tiveram nos últimos anos recuperação salarial invejável.

Um terceiro secretário do Ministério das Relações Exteriores, cargo inicial da carreira de diplomata, por exemplo, teve aumento nominal de 200%, que saltou de R$ 4.127 (sem correção) em 2002 para R$ 12.413 em 2009. Alguns setores, porém, tiveram variação real inferior desde 2002. A despesa per capita com militares da ativa foi elevada em só 5% em sete anos.

Para dar conta da expansão salarial, o contribuinte tem de abrir a carteira. O gasto com funcionalismo civil na ativa cresceu 59,6%, passando de R$ 33,942 bilhões (corrigido pelo IPCA) em 2002 para R$ 54,181 bilhões em outubro de 2009.

Em 2002, folha de pagamento e encargos consumiam 4,93% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas do país). Em 2009, chegou a 5,11% do PIB. É uma despesa permanente, e deve aumentar, já que os ajustes serão escalonados até 2011.

A professora Margarida Gutierrez, do Instituto Coppead de Administração da UFRJ, lembra que o governo acomodou os ajustes no aumento da carga tributária e da arrecadação.

— Os próximos governos terão de pagar a conta. Para manter salários, ou cortam outras despesas, ou aumentam a carga tributária — afirma Margarida.

Nelson Marconi, professor da FGV-SP e PUC-SP, especialista em administração, destaca que um aumento de 60% acima da inflação não tem justificativa. É o que diz também o professor José Pastore, especialista em trabalho. Para ele, o aumento salarial do setor público não veio necessariamente acompanhado de aumento de produtividade, como no setor privado: — Para o governo federal, choque de gestão é aumento da máquina e não aumentar a produtividade.