quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – José Serra

“O PT, aliás, acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários dos grandes erros históricos de julgamento que cometeu. Nos dois primeiros casos, porque a eleição do primeiro presidente civil e as conquistas sociais e culturais da Constituição foram os fatores-chave que possibilitaram criar o clima que eventualmente conduziria o partido ao poder. Outros erros históricos seguiram-se àqueles. O partido também se opôs à estabilização da economia brasileira, denunciando com estridência o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas soube, posteriormente, colher seus bons frutos.”


(José Serra, governador de S. Paulo, no artigo “ Vida longa à Nova República”, publicado na revista VEJA, desta semana.)

Cautela suprema:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Todas as indicações são de que o Supremo Tribunal Federal não está com ânimo de decretar a intervenção no Distrito Federal, apesar da opinião do procurador-geral da República — interpretada pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, como a indicação de que existe uma “metástase institucional”, com o envolvimento de todos os setores do Executivo e do Legislativo nos escândalos.

O Supremo vai jogar com o tempo para ver se a classe política resolve de alguma maneira a questão de governabilidade do Distrito Federal, no pressuposto de que a intervenção é uma medida radical e de difícil aplicação.

A renúncia do governador interino Paulo Octávio, igualmente envolvido nos escândalos de corrupção que levaram à cadeia o governador eleito José Roberto Arruda, colocou na cadeira de governador o deputado distrital do PR Wilson Lima, o que é prenúncio de confusão.

Não apenas por ser um aliado de Arruda que dificilmente não será envolvido em denúncias nos próximos dias, mas porque não parece estar talhado para comandar uma coalizão partidária que dê estabilidade ao governo.

Comparam Lima ao ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que acabou destituído do cargo por receber um “mensalinho” do concessionário do restaurante da Câmara, um crime mixuruca à altura de seu autor.

Mas Severino Cavalcanti tinha uma vantagem sobre Wilson Lima: fora eleito pelo voto de seus companheiros para o cargo. Lima chegou ao governo no rastro de uma crise política que parece não ter fim, e não demonstra estar aparelhado para a função.

Apesar dos pesares, a vida do Distrito Federal ainda não foi afetada pela crise política.

Os serviços públicos estão funcionando dentro da normalidade, e a ordem pública está mantida, especialmente depois que o governador foi colocado na prisão e não poderá usar os órgãos oficiais para obstruir as investigações ou chantagear aliados e adversários.

Caso Wilson Lima demonstre uma maturidade que não se presume até o momento, consiga organizar um governo que minimamente mantenha em funcionamento o Distrito Federal, e não seja abatido por alguma denúncia, estará facilitado o trabalho do Supremo, que se reúne em março para decidir sobre o pedido de intervenção feito pelo procurador-geral da República.

A questão é que tanto ele quanto seu vice, Cabo Patrício, do PT, pretendem disputar um novo mandato na eleição de outubro, e têm que se desincompatibilizar nos primeiros dias de abril.

A não ser que Lima goste tanto do cargo que prefira ficar no governo até o fim do mandato de governador, sem concorrer à eleição.

Ou, quem sabe, num desfecho surpreendente, consiga montar um esquema político que o apoie para uma candidatura à reeleição como governador. Improvável, mas não impossível, que em política não existe.

Se houver, no entanto, a desistência dos dois políticos na cadeia de sucessão, o terceiro elo da cadeia, o Poder Judiciário, já se separou desse imbróglio através do aviso do presidente do Tribunal de Justiça, Níveo Gonçalves, que deu entrevista dizendo que não tem nada a ver com política e não aceitaria assumir o cargo de governador do Distrito Federal.

Aí teríamos um vazio institucional que poderia ser solucionado com uma eleição indireta pela própria Câmara Distrital, que poderia eleger um “interventor”.

O grave no caso do Distrito Federal é que a perspectiva de curto prazo não é de uma solução para a crise política, pois o favorito nas eleições para governador é Joaquim Roriz, o político que deu início a essa série interminável de escândalos em Brasília.

Ele é a fonte de poder que gerou José Roberto Arruda, Paulo Octávio e quase toda essa base parlamentar que atua, de acordo com o procurador-geral da República, com base nos elementos colhidos na investigação realizada na Operação Caixa de Pandora, como um “grupo que, por ser constituído pelas mais altas autoridades do Distrito Federal, instalou-se no próprio governo e utiliza as funções públicas para desviar e apropriar-se do dinheiro público (...)”.

O problema é que Roriz está livre para se candidatar ao governo de Brasília ou a qualquer outro cargo público. Foi governador nomeado entre 1988-1990; ganhou força política para se eleger diretamente no mandato de 1991-1994; e voltou ao governo para mais dois mandatos seguidos, depois da aprovação do sistema de reeleição, de 1999-2002 e 2003-2006.

Eleito senador, renunciou ao mandato para não ser cassado. Roriz foi acusado de quebra de decoro, e responderia ao Conselho de Ética do Senado, após a divulgação de conversas telefônicas em que combinava a divisão de R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do Banco Regional de Brasília Tarcísio Franklin de Moura, negócio que envolvia também o empresário Nenê Constantino, da Gol.

Como a investigação da Polícia Civil de Brasília não teve consequências, Roriz está livre para se candidatar, e aparece como o favorito na corrida ao governo do Distrito Federal.

A não ser que surjam novas acusações contra ele, o Supremo não pode decidir pela intervenção apenas para impedi-lo de voltar a governar o Distrito Federal pela quinta vez.

E temos a ameaça de têlo novamente de volta ao governo ou, hipótese menos improvável, que o deputado Wilson Lima revelese um político tão astuto quanto Roriz e monte um esquema de poder que permita que se candidate com chances de derrotálo em outubro.

A outra hipótese é que, decretada a intervenção, pelo Supremo, ou escolhido o novo governador em eleição indireta, o interventor, ou o eleito, tornese o nome forte da política de Brasília. Não são perspectivas animadoras

Dirceubrás: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - José Dirceu tem um blog -o "blog do Zé". Ele o define como "um espaço para a discussão do Brasil". Discutindo o Brasil como quem não quer nada, Dirceu escreveu o seguinte:

"Do ponto de vista econômico, faz sentido o governo defender a reincorporação, pela Eletrobrás, dos ativos da Eletronet, uma rede de 16 mil quilômetros de fibras óticas" etc. etc. etc.

Este é um assunto caro a Dirceu. Seu primeiro post sobre o tema é de março de 2007. Por coincidência, o mesmo mês em que o empresário Nelson Santos contratou seus serviços de consultoria. Ficamos sabendo disso só ontem, pela reportagem de Marcio Aith e Julio Wiziack.

Em 2005, Nelson Santos, dono da "offshore" Star Overseas, sediada nas Ilhas Virgens, havia comprado pelo valor simbólico de R$ 1 a participação em uma empresa à época falida -a Eletronet. Entre 2007 e 2009, o empresário pagou a Dirceu R$ 620 mil por consultorias. Se a Telebrás for reativada, como anuncia o governo, o mesmo bidu que desembolsou R$ 1 pela Eletronet pode sair dela com R$ 200 milhões. Diante disso, o que Santos gastou com Dirceu é fichinha -ou não?

O ex-ministro da Casa Civil de Lula diz que a consultoria versava sobre os "rumos da economia na América Latina". Sabemos que Dirceu não mente. Usou na vida várias máscaras, mas a palavra é uma só.

O homem de negócios e o revolucionário convivem numa boa na pessoa de Zé Dirceu. O capitalismo de Estado e os interesses privados nele se acomodam harmonicamente. Ele é o "bolchebusiness" perfeito. Não há contradições insolúveis no horizonte de um democrata que se mira em Cuba ou de um socialista que topa tudo por dinheiro.

Durante o congresso do PT, vários oradores usaram o microfone para inflamar os companheiros contra o fantasma do "modelo neoliberal". Ninguém lembrou de levantar a voz contra o "modelo neopatrimonialista".

Pelo contrário. De óculos escuros, o neopatrimonialismo em pessoa circulava sorridente entre petistas, posando para fotos como um verdadeiro popstar.

Internet aberta:: Melchiades Filho

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A revelação de que José Dirceu recebeu dinheiro da empresa que poderá se beneficiar caso a Telebrás seja reativada lança dúvidas sobre o plano federal de universalização da banda larga e sobre o modelo de "Estado executor" ensaiado pela Casa Civil no segundo mandato de Lula e defendido pela candidata Dilma Rousseff.

Com sede num paraíso fiscal do Caribe, a Star Overseas pagou R$ 1 pela participação na Eletronet, uma empresa falida cujo único ativo valioso (uma rede de 16 mil km de cabos de fibra ótica) estava na mão dos credores. Meses depois de a offshore ter contratado Dirceu, em 2007, o governo federal anunciou a intenção de transformar o cabeamento da Eletronet na "espinha dorsal" de uma nova rede nacional de acesso à internet, sob a tutela de uma estatal (Telebrás).

Não está claro, ainda, se e como a Star Overseas lucrará com essa remontagem do setor, que será anunciada no mês que vem pelo Palácio do Planalto. Mas a remuneração de Dirceu (R$ 620 mil em dois anos) indica que a offshore não esperava pouco. Advogados ouvidos pela Folha estimam em R$ 200 milhões.

Toda vez que as peripécias de Dirceu são flagradas, Lula diminui o papel do ex-ministro. Diz que ele é um franco-atirador que atua em causa própria -mesmo quando trata de alianças e doações eleitorais.

Desta vez, o Planalto terá de formular um discurso menos ligeiro e mais responsável e esclarecedor.

Primeiro, porque o caso Eletronet parece seguir o padrão dos escândalos da BrOi e da Varig -empresários com acesso ao governo Lula garantem uma bolada sem precisar investir muito (ou nada), graças a informações reservadas e/ou ao suporte jurídico da União.

Segundo, porque Dilma atuou diretamente no plano de banda larga. Ela diz que a rede da Eletronet é "patrimônio importante como o pré-sal". E foi o "apoio mais decisivo" à modelagem do projeto, escreveu Dirceu em março de 2007.

Alerj muda proposta para criar novo tribunal

DEU EM O GLOBO

Novo texto mantém obrigação de prefeitos informarem salários e de futuros conselheiros terem curso superior

Fábio Vasconcellos e Natanael Damasceno

Os deputados estaduais autores da proposta de emenda constitucional (PEC 60) que cria um novo tribunal de contas no Rio decidiram alterar o texto original da medida. Em tensa sessão plenária ontem à tarde na Alerj, os parlamentares voltaram a defender a aprovação da PEC, que deve ser votada na próxima terça-feira.

A nova redação deverá manter a obrigação de prefeitos e vereadores informarem seus salários ao futuro tribunal, bem como a necessidade de os sete conselheiros com cargos vitalícios do novo órgão terem curso superior.

Apesar da mudança, o presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB) voltou a afirmar que a Casa vai aprovar a criação de um novo tribunal.

Ele fez um longo discurso em defesa da PEC, que considera uma forma de sanear as suspeitas de corrupção que pesam contra o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Picciani culpou um procurador da Alerj pela a exclusão do artigo que obriga os gestores a informarem os salários e a acaba com a necessidade de curso superior.

— Lamentavelmente, não soube disso, só soube agora, (o procurador) nos convenceu que era um dispositivo constitucional, mas o dispositivo era uma balela — criticou o presidente da Alerj, que acrescentou — O mais importante é livrar o estado do bando de canalhas que age no TCE. O que me fez extinguir o antigo conselho dos municípios (em 1990), me faz querer dividir o TCE.

Deputado diz que artigo polêmico é lantejoula Na segunda-feira, contudo, a deputado Cidinha Campos (PDT), uma das autoras da PEC, havia defendido, em nota, a retirada dos dois pontos sob a alegação de que eles seriam indispensáveis para manter a constitucionalidade da proposta.

Ontem, os parlamentares classificaram os pontos como divergências técnicas. O deputado André Corrêa (PPS) — outro autor da PEC — comparou os artigos a lantejoulas, que foram usadas por críticos da proposta para debater a medida: — Aproveitaram-se de uma tecnicidade jurídica, de uma bobagem que o Supremo Tribunal Federal já derrubou para politizar uma lantejoula, um artifício hipócrita.

Além de Cidinha e Corrêa, outros dois autores da PEC — Marcelo Freixo (PSOL), Paulo Ramos (PDT) — criticaram a decisão da bancada do PT, que anunciou que votará contra a proposta. Freixo cobrou dos opositores da medida alternativas para acabar as denúncias de corrupção no TCE. Gilberto Palmares (PT), que assinou o texto original da PEC mas retirou a assinatura anteontem, alegou que a criação de um novo órgão não acabará com o problema.

— A forma como esse projeto está tramitando, da forma como ele foi redigido, ele não vai auxiliar naquilo que todos querem, que é impedir que maus conselheiros do Tribunal de Contas achaquem prefeitos no exercício de seu mandato — defendeu Palmares.

Enquanto a PEC tramita na Alerj, o presidente do TCE, José Maurício Nolasco, anunciou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso a proposta seja aprovada: — Essa PEC caminha em direção contrária ao estado gerencial moderno que é mais enxuto e menos burocrático.

É uma brincadeira com o dinheiro público, um trem da alegria

Ainda o plebiscito:: Marcos Coimbra

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Goste-se ou não de Lula, é preciso reconhecer que o que ele está propondo é um novo modelo de eleição, que só é possível agora. Hoje, depois de oito anos de PT no governo, pode-se fazer a comparação entre ele e o PSDB, não em torno de nomes ou pessoas, mas do que cada “lado” representa

À medida que a eleição presidencial vai se aproximando, fica mais claro o projeto de Lula para vencê-la. A menos de oito meses de sua realização, é mais fácil (talvez até para o próprio presidente) entender aonde ele quer chegar.

A ideia de fazer da eleição de 2010 um plebiscito foi explicitada por Lula ainda em 2007, quando anunciou que queria que nela o eleitorado comparasse seu governo ao de Fernando Henrique. Quem achasse que seus oito anos foram melhores, que votasse na candidatura governista. Quem preferisse os de seu antecessor, na oposição.

A bipolaridade que é premissa desse projeto não foi inventada por Lula. De um lado, é assim que o sistema partidário brasileiro se estruturou nos últimos anos. De outro, o processo político concreto que vivemos sinalizou desde muito cedo que as eleições de 2010 repetiriam o padrão.

A todos sempre pareceu que o cenário mais provável seria uma nova confrontação PT-PSDB, apenas havendo dúvida se logo no primeiro turno ou no segundo. A candidatura situacionista esteve em disputa, pois Ciro Gomes reunia intenções de voto suficientes para permanecer como alternativa aos nomes do PT, nenhum com boa largada nas pesquisas. Mas as perspectivas de crescimento de quem quer que fosse o candidato do PT eram maiores.

Tampouco surgiu opção ao PSDB no campo oposicionista. Dos partidos que remanesceram com ele, o DEM seria o único que poderia pensar em um nome, mas nunca se movimentou nessa direção e hoje nem poderia mais pensar no assunto. Seria, portanto, tucana a candidatura, e apenas uma. Quanto a quem, tudo apontava para Serra, mesmo enquanto Aécio permaneceu na disputa.

Para Lula, o fato de as oposições só terem um nome sugeria uma decisão em primeiro turno, que se tornou mais possível quando Marina, depois de provocar algum alvoroço no lançamento de sua candidatura, estacionou nas pesquisas. Não seria muito diferente com qualquer nome tucano, mas Serra facilitava o confronto plebiscitário. Se Aécio fosse candidato, seria mais complicado propor a comparação com FHC, pois o governador de São Paulo integrou o governo passado e foi adversário do próprio Lula em 2002.

Mas qual seria o conteúdo do plebiscito? Ninguém melhor que Lula sabia que não seria apenas uma briga de números, a respeito de indicadores de desempenho governamental. Nem no Brasil, nem em qualquer lugar do mundo se vencem eleições assim.

Outra coisa que o plebiscito não poderia ser seria uma escolha entre Lula e FHC, para que os eleitores dissessem de quem gostam mais. A resposta a essa pergunta já é conhecida e o vencedor é o atual presidente. Não bastassem as comparações da aprovação de ambos, várias pesquisas pediram às pessoas que fizessem a comparação direta: Lula sempre ficou na frente, com larga vantagem.

O relevante, contudo, é que essa escolha não conduz ao voto em Dilma, pois é perfeitamente possível que alguém prefira Lula e ache que Serra é melhor candidato. Não é esse plebiscito, portanto, que o presidente busca.

Goste-se ou não de Lula, é preciso reconhecer que o que ele está propondo é um novo modelo de eleição, que só é possível agora. Hoje, depois de oito anos de PT no governo, pode-se fazer a comparação entre ele e o PSDB, não em torno de nomes ou pessoas, mas do que cada “lado” representa. De fazer um balanço das coisas em que cada um acertou e errou quando teve a oportunidade de liderar uma coalizão para governar e pôr em prática suas propostas e sua visão para o Brasil.

Usando as palavras que ele usaria, o plebiscito que Lula quer não é entre ele e FHC, mas entre o que “nós” (o PT) somos e fazemos e o que “eles” (o PSDB) são e fazem. Se acontecer como ele pensa, seria a primeira eleição genuinamente partidária de nossa história política, em vez das disputas personalistas que sempre tivemos.

Não importa quem vença. O importante é que teremos, de um lado, um bom e legítimo candidato do PSDB (paulista, ex-intelectual, integrante do governo FHC) e, de outro, uma boa e legítima candidata do PT (técnica do setor público, ex-militante de esquerda, integrante do governo Lula). Sem a combinação de ilusão e medo (como a que deu a vitória a Collor), sem mágicas (como a do Real, que elegeu Fernando Henrique), sem carismas (como o de Lula).

Não era isso que queríamos, uma política onde os partidos são mais importantes que as pessoas?

Um basta ao vexame:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A reunião entre a cúpula do PT de São Paulo e o deputado Ciro Gomes (PSB), prevista para hoje, não é simplesmente mais um encontro político eletivo, destinado a criar fatos da campanha governista à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou ao governo do Estado. Do ponto de vista do Partido dos Trabalhadores, trata-se agora de iniciar um movimento para definir o quadro de disputa estadual. O PT paulista tem usado termos fortes para definir a situação em que se vê. Acha que está passando por um "vexame" em São Paulo. Humilhação e inquietação são também palavras do novo vocabulário dos dirigentes partidários.

O partido se diz absolutamente solidário com o projeto nacional do presidente Lula, a eleição de Dilma Rousseff a presidente da República. Aceitou, neste pacote, depois de muito relutar, a estratégia de afastar Ciro Gomes da disputa nacional transferindo-o para a disputa do governo de São Paulo, com a mudança do domicílio eleitoral, saindo do Estado que o levou à política, o Ceará. Ao aceitar a precedência do projeto nacional, o PT recolheu os planos de candidatura própria, para a qual tinha três ou quatro opções, e submeteu-se à orientação do presidente, que pediu prazo até março para Ciro se definir.

O que há de diferente, na reação mais incisiva de agora, é que o PT de São Paulo está se sentindo manipulado também por Ciro Gomes. Segundo avaliação do partido a ser levada ao encontro de hoje, todos já sabem que o político cearense não quer ir para a disputa em São Paulo e provavelmente não irá mesmo. Faz parte, porém, da estratégia do PSB, manter sua candidatura presidencial como uma espécie de espada sobre a cabeça do presidente Lula e do PT.

Os cenários que se formam para o PSB não exigem uma definição agora. Ciro não quer São Paulo. Inclusive com o passar dos dias conseguiu iniciar seu processo de incompatibilização com o eleitorado e com os aliados. Falou mal demais de São Paulo e do PT, contabilizam estes últimos. Vê sua candidatura presidencial minguar a cada pesquisa e é real o risco de distanciar-se demais dos primeiros colocados. Vai ficando óbvio que gostaria mesmo era de ser o candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff.

Tanto Ciro quanto o PSB, analisam seus apoiadores, trabalham com a idéia de que a aliança do PT com o PMDB não vai dar certo. A relação de riscos é grande. Acham que podem surgir problemas com Michel Temer, o presidente do PMDB mais cotado para se indicado pelo partido para ser o vice. Não se explicitam que problemas são esses, mas contam com eles. Outro risco é não haver possibilidade de aliança dos dois partidos em Estados importantes para a campanha, que colocariam em risco a eleição de Dilma, como Minas Gerais, por exemplo. Conjecturam, ainda, os petistas, que se as pesquisas mostrarem que as intenções de voto em Dilma estão muito perto dos índices de José Serra, o seu adversário que detem o primeiro lugar, o valor do PMDB vai cair muito. Em algum momento, assim, Lula buscaria o vice no PSB, ele mesmo, Ciro Gomes.

Se o vaticínio não se cumprir e o presidente conseguir segurar o PMDB na vice, restaria ao PSB fazer um bom desempenho eleitoral para negociar com Dilma tanto o segundo turno como a composição do futuro governo, se ela for eleita. Portanto, a candidatura presidencial de Ciro, hoje, não é vista mais como uma teimosia pessoal mas como algo útil ao PSB.

O PT paulista, porém, acha demasiado incluir a sucessão estadual neste saco de gatos. Acredita que Ciro não quer mesmo candidatar-se a governador e, portanto, não é por alí que o presidente Lula o tirará da disputa presidencial. É preciso definir logo o que fazer no Estado.

Antonio Palocci, a primeira opção do presidente depois de Ciro, já retirou-se oficialmente da disputa. Depois disso, o nome da vez já foi Doutor Hélio e, em seguida, Aloizio Mercadante. Este já disse que prefere disputar o Senado novamente. Dia sim, dia não, alguém do pequeno grupo Mensagem faz voltar às cogitações o nome do ministro da Educação, Fernando Haddad, mas ele não tem apoio no partido, não é candidato considerado natural e sua defesa restringe-se à corporação educacional, que é forte no PT. Voltou à roda, com força, o nome de Emídio de Souza, prefeito de Osasco, que figurou em primeiro lugar na relação de candidatos antes da invenção Ciro Gomes.

Mercadante ainda não disse com todas as letras que não será candidato, tem tempo para isso. Emídio pode ser o nome do PT mas, como precisa desincompatibilizar-se, a opção por sua candidatura exige definição este mês.

"Não vamos dar ultimato. Mas não vamos esperar indefinidamente, março é o nosso limite", traduz um dos líderes da disputa em São Paulo.

O raciocínio principal continua sendo o que comandou a reação ao Ciro já em outubro, quando transferiu seu domicílio eleitoral: em 1994, José Dirceu teve 14% dos votos; em 1998, Marta Suplicy teve 21%; em 2002, José Genoíno teve 28%; e em 2006, Mercadante teve 32%, apesar do Mensalão e do escândalo dos aloprados, muitos deles alojados em sua campanha, pegos quando tentavam forjar dossiê contra adversários. A perspectiva, agora, aponta a conclusão, é conseguir mais votos do que isto, uma força que deixa sem sentido ficar fora da eleição em São Paulo.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Aécio reduz jornada de servidor em MG

DEU EM O GLOBO

Motivo, porém, é que governo terá nova sede, mais longe

BELO HORIZONTE. O governo de Minas promete economizar R$ 92 milhões anuais com a transferência de sua sede para a Cidade Administrativa, complexo de prédios em Belo Horizonte com inauguração prevista para a semana que vem. Mas permitirá que os servidores lotados no local tenham jornada de trabalho 25% menor. O governador Aécio Neves (PSDB) assinou ontem decreto que regulamenta a redução da jornada do funcionalismo, a título de facilitar a adaptação e o transporte para a área, a 18 quilômetros do Centro da capital.

A medida vale para funcionários efetivos e comissionados que trabalham 40 horas semanais.

A permanência diária em serviço cairá de oito para seis horas. Até 16.322 trabalhadores serão contemplados pelo decreto, que vale para este ano e será aplicado de forma gradual. O cronograma prevê a transferência das repartições até outubro.

A redução de jornada foi autorizada por lei aprovada na Assembleia e sancionada em janeiro pelo governador. O texto suscitou críticas da oposição, que alertou para a possibilidade de a produtividade cair e classificou o benefício de eleitoreiro.

A secretária de Estado de Planejamento, Renata Vilhena, disse que o número de servidores afetados representa 5,2% do total do estado, parcela insuficiente para prejudicar o cumprimento de metas e comprometer a prestação de serviços. Segundo ela, o decreto vale até dezembro e o governo não aventa a possibilidade de prorrogação: — Foi uma reivindicação que tivemos e uma preocupação do governador. Muitas pessoas têm de se adaptar, principalmente quem tem filhos na escola. (É) para diminuir qualquer dificuldade que o servidor tenha.

Aécio deve inaugurar o empreendimento no dia 4 de março, centenário de nascimento do avô, o ex-presidente Tancredo Neves. O presidente Lula é aguardado. Projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a obra durou 25 meses. Os contratos com empreiteiras somaram R$ 948 milhões

Serra: petistas também foram cassados

DEU EM O GLOBO

Para tucano, só oposição oportunista usaria Kassab para prejudicá-lo

Wagner Gomes e Adriana Vasconcelos

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disse que só uma oposição oportunista poderia usar a cassação do prefeito Gilberto Kassab (DEM) para prejudicar a sua eventual candidatura ao Planalto nas próximas eleições. O governador afirmou que uma atitude como essa seria ridícula, principalmente se viesse do PT.

— Isso seria ridículo até porque foram cassados, entre aspas, um montão de petistas também — afirmou Serra.

Diante das notícias negativas em São Paulo e a redução da vantagem de Serra em relação à ministra Dilma Rousseff nas pesquisas, a oposição está apreensiva.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), acertou com o governador paulista a retomada de viagens pelo país a partir de março e, principalmente, a intensificação de articulações políticas para consolidação de palanques estaduais.

A expectativa da cúpula tucana é que a nova postura de Serra afaste de uma vez por todas rumores de que ele poderia alterar seus planos e desistir da disputa presidencial, optando pela reeleição ao governo de São Paulo, que tende a ser muito mais tranquila.

Recados recebidos pelo governador paulista nos últimos dias reforçam que ele não pode titubear neste momento.

A primeira providência de Serra deve ser uma conversa ainda esta semana com o governador de Minas, Aécio Neves. Embora Aécio continue sendo apontado como o nome ideal para compor a chapa de Serra, o assunto não deve ser abordado neste momento.

A avaliação da cúpula tucana é que Serra precisa estreitar relações com Aécio, e traçar uma estratégia conjunta para se contrapor ao avanço de Dilma.

Vereadores petistas tiveram cassação suspensa Ontem, foi a primeira vez que Serra apareceu ao lado do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, desde a decisão da Justiça Eleitoral, no domingo, de cassar o mandato do prefeito, da vice Alda Marco Antônio e de oito vereadores por captação ilícita de recursos. Kassab disse que os dois não conversaram sobre a cassação, que acabou sendo suspensa um dia depois.

— Eu e Serra não conseguimos conversar sobre o assunto, mas os dois partidos têm uma aliança consolidada que não será prejudicada.

Existe uma questão técnica, o juiz entende que não poderia haver determinado tipo de doação. Essa questão não tem vinculação partidária — disse Kassab.

A cassação de Kassab foi suspensa segunda-feira até que o Tribunal Regional Eleitoral decida sobre o caso. Ontem, cinco vereadores petistas tiveram a cassação suspensa: Antônio Donato, Arselino Tatto, Juliana Cardoso, José Américo Dias e Ítalo Cardoso

'Aloprado' volta ao PT com aval de Marinho

DEU EM O GLOBO

Ex-assessor de Mercadante, Lacerda participou da tentativa de comprar falso dossiê contra tucanos em 2006

Tatiana Farah

SÃO PAULO. Chamado de “aloprado” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-dirigente do PT e ex-assessor do senador Aloizio Mercadante Hamilton Lacerda voltou a se filiar ao partido. Envolvido no caso do dossiê contra os tucanos em 2006, Lacerda havia se desfiliado. Seu retorno, acolhido pelo diretório petista de São Caetano, no ABC Paulista, com a bênção do prefeito de São Bernardo, o ex-ministro Luiz Marinho, caiu como uma bomba no colo dos dirigentes nacionais do PT ontem. A direção nacional petista diz que quer barrar a refiliação de Lacerda.

Em 2006, durante o escândalo do chamado “dossiê dos aloprados”, Lacerda entregou ao diretório nacional sua carta de desfiliação.

Agora, está de volta. O que irritou os petistas em São Paulo foi saber da filiação de Lacerda pela imprensa do ABC (o assunto foi notícia no jornal “Diário do Grande ABC”, de Santo André). Dirigentes ouvidos pelo GLOBO sequer sabiam que estava em curso, desde janeiro, a aproximação do ex-assessor de Mercadante com o partido.

— Não é assunto local, mas nacional. A volta do Hamilton traz à tona um assunto que o PT quer esquecer: o dossiê de 2006, que afundou a campanha de Mercadante em São Paulo e levou as eleições presidenciais para o segundo turno — afirma um dirigente petista que pediu para não ser identificado.

Lacerda consta como réu no processo que tramita em Mato Grosso e apura o caso da venda do dossiê. O nome retirado do caso foi o de Mercadante. Lacerda foi flagrado pelas câmeras com uma bolsa, entrando no Hotel Ibis, onde estavam hospedados Gedimar Passos e Valdebran Padilha, presos em 2006 com mais de R$ 1,7 milhão — dinheiro que, segundo a PF, seria usado para pagar um dossiê contra políticos tucanos. Segundo a PF, ele carregava na bolsa o dinheiro que seria usado para a compra dos documentos de Luiz Antonio Vedoin, dono da Planam, beneficiada com venda irregular de ambulâncias.

Então coordenador da campanha de Mercadante ao governo paulista, Lacerda deixou o trabalho na eleição e o PT. Admitiu, em nota, ter conversado com a revista “IstoÉ” sobre o dossiê, mas negou ter participado do crime ou carregado o dinheiro.

Nos bastidores, afirma-se que sequer o presidente Lula, que é de São Bernardo e tem em Marinho um de seus fieis companheiros, sabia da volta de Lacerda.

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, teria sido surpreendido, assim como o coordenador da corrente CNB (Construindo um Novo Brasil), Francisco Rocha, o Rochinha: — Soube hoje pela matéria que saiu no ABC e estou fazendo uns telefonemas para saber o que aconteceu — disse.

— A volta do Hamilton causou constrangimento nacional.

O PT do ABC não calculou a repercussão do caso. Agora não aparece quem articulou essa volta — reclamou uma liderança petista ouvida pelo GLOBO.

Marinho não quis falar sobre o caso. Anteontem, afirmou: — O PT está aberto para recepcionar homens e mulheres de bem que querem estar no partido e concordem com o estatuto.

Hamilton Lacerda é uma das lideranças, até porque não responde a nenhum processo.

Não tem por que estar fora do partido — disse Marinho.

O GLOBO procurou Lacerda, mas ele não foi encontrado.

Mercadante, segundo assessores, passou o dia fazendo exames médicos.

Explorar cassação é "ridículo", diz Serra

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para o governador, só "oposição oportunista" exploraria perda do mandato de Gilberto Kassab, revertida após recurso

Aliados do tucano, que tentam não amplificar o caso, temem contaminação política do episódio com o prefeito, seu apadrinhado

Da Reportagem Local


O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disse ontem não acreditar que a oposição irá usar a polêmica envolvendo a cassação do prefeito Gilberto Kassab (DEM) para afetar sua possível candidatura à Presidência da República.

Para o governador, a exploração do fato, principalmente se viesse do PT, seria ridícula.

"Seria ridículo usarem, até porque foram cassados, entre aspas, um montão de petistas também", disse Serra, após inaugurar uma escola técnica e referindo-se à cassação de vereadores do PT. Para o tucano, só uma "oposição oportunista" exploraria esse assunto.Serra chegou ao evento acompanhado do secretário de Desenvolvimento e ex-governador paulista, Geraldo Alckmin. Kassab já estava no local.

Após responder aos jornalistas, Serra foi visitar a escola, enquanto Kassab concedia entrevista. O prefeito foi embora antes de o governador retornar.

"O governador José Serra tem uma biografia que poucos têm na vida pública brasileira, uma extraordinária folha de serviços prestados à nação", afirmou Kassab. "Ele dispensa qualquer outra avaliação que não seja sua própria biografia."

Entre tucanos e democratas, a orientação é a de evitar contaminação política da decisão de primeira instância sobre o prefeito, restringindo o problema ao campo técnico.

Segundo aliados de Serra, há uma preocupação sobre a possível exploração do episódio.

Tucanos afirmam que Kassab não afrontou a lei. Mesmo assim a controvérsia preocupa serristas, já que o governador é uma espécie de padrinho político do prefeito. Além disso, os tucanos não querem amplificar o caso, especialmente no momento que o DEM enfrenta uma crise no Distrito Federal.

Na semana passada, o juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Aloísio Silveira, cassou o mandato de Kassab por suposto recebimento de doações ilegais na campanha de 2008.O próprio juiz concedeu efeito suspensivo. Kassab ficará no cargo até o Tribunal Regional Eleitoral julgar o caso.

Ontem, a Justiça Eleitoral suspendeu a execução da cassação dos mandatos dos vereadores petistas Arselino Tatto, Antonio Donato, José Américo e Juliana Cardoso.

Serra reforça agenda com Alckmin

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com DEM enfraquecido, tucanos vão juntos a inaugurações e eventos, dando tom da provável dobradinha em SP

Julia Duailibi, Silvia Amorim

No momento em que o DEM, principal aliado dos tucanos, se enfraqueceu no quadro político nacional, o governador de São Paulo, José Serra, e o secretário de Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, intensificam a agenda comum e participam de inaugurações e eventos juntos, dando o tom da dobradinha que deve ser feita em São Paulo. Embora a definição do cenário eleitoral do PSDB no Estado ainda dependa de decisão de Serra sobre a candidatura presidencial, o ex-governador se fortaleceu na disputa interna após a crise política envolvendo os aliados, que veem com desconfiança o nome de Alckmin na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes.

Serra tem convidado Alckmin para participar de eventos, até dos que não fazem parte de sua pasta. No começo do mês, em Registro, interior paulista, Alckmin já entrava no carro para voltar a São Paulo, quando foi convidado por Serra a esticar a viagem e seguirem juntos para outras duas cidades, Iguape e Itu, onde não havia agenda do secretário. Neste ano, estiveram juntos em 14 eventos, inaugurações e encontros com empresários. No fim de 2009, foram dois eventos públicos e três reuniões internas.

Anteontem receberam o embaixador americano, Thomas Shannon, na sede do governo paulista. Ontem a dupla entregou uma escola técnica no Jaraguá, zona norte da capital, onde, em tom ensaiado, posaram para fotos com crianças. Serra chegou a pedir a Alckmin que integrasse as imagens com ele.

Apesar das aparições, a relação dos dois não é de proximidade. Longe de ser um dos principais colaboradores do governador, Alckmin assumiu o Desenvolvimento numa tentativa de Serra de costurar a união no partido. Em 2008, o ex-governador disputou a prefeitura paulistana contrariando Serra, que apoiou Gilberto Kassab (DEM).
A crise do DEM no Distrito Federal e o pedido de cassação de Kassab enfraqueceram o poder de veto dos aliados, que veem Alckmin com restrições e articulam apoio ao secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira.

Mas a posição de liderança de Alckmin nas pesquisas fez dele uma peça importante no caminho de Serra. Caso se decida a disputar a Presidência, terá de dedicar mais tempo a regiões onde o desempenho do PSDB é frágil, como o Nordeste. O apoio ao ex-governador deixa a questão paulista encaminhada.

Na agenda Serra-Alckmin, é comum que sigam juntos em helicóptero, como ocorreu em Sorocaba há 20 dias, ou no mesmo carro. Além de elogios à gestão de Alckmin na secretaria, Serra tem lembrado quando discursa os feitos do ex-governador. Em Iguape, neste mês, destacou conquista da administração do auxiliar. "A mortalidade infantil aqui despencou, não é Geraldo? Você lembra que já foi na sua gestão, os índices foram caindo."

As referências a Alckmin não ficam restritas a eventos dos quais o secretário participa. Na maioria das vezes em que Serra fala do nível recorde de investimentos do seu governo, cita Alckmin. "Nunca poderíamos estar fazendo o governo que fizemos não fosse a herança sadia, em matéria financeira, que recebemos do Geraldo Alckmin." Num evento no interior do Estado, no início do ano, ele destacou a relação de longa data que tem com o ex-governador desde a Constituinte.

Cabral amplia aliança para isolar Garotinho

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Coligação terá PT, PSB e PC do B, ex-adversários da eleição de 2006

Luciana Nunes Leal

RIO - Na tentativa de isolar o ex-aliado Anthony Garotinho, que pretende disputar o governo do Rio pelo PR, o governador Sérgio Cabral (PMDB) negocia a formação de uma chapa muito mais ampla que a de 2006, quando foi eleito para o primeiro mandato. Adversários do peemedebista no primeiro turno da eleição passada, PT, PSB e PC do B estarão na aliança pela reeleição de Cabral. O governador tenta atrair ainda o PDT e deverá manter a parceria anterior com PP e PTB.

Cabral também tem a seu lado outro ex-adversário, o prefeito Eduardo Paes, que disputou o governo em 2006 pelo PSDB, mas migrou para o PMDB no ano seguinte. Paes é hoje um dos mais próximos aliados do governador e terá papel importante na campanha da capital.

No plano nacional, a ação do governador é para se firmar como o principal aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da pré-candidata à Presidência Dilma Rousseff. No carnaval, Cabral expôs sua contrariedade com o fato de Dilma ter se aproximado de Garotinho, que também apoia a ministra, e chamou a atenção para os riscos do palanque duplo no Rio.

A intenção de Cabral é reproduzir no Estado a disputa nacional entre o PT de Dilma e o PSDB do governador José Serra. Os aliados do tucano insistem em que o principal adversário será o deputado Fernando Gabeira (PV), que disputará o governo em coligação com o PSDB, o DEM e o PPS.

"Vamos montar um palanque muito mais forte nesta eleição. Haverá no Rio a mesma polarização nacional. Em eleições presidenciais, as disputas estaduais ficam em segundo plano. Cabral está conseguindo trazer praticamente todos os partidos que estão com Lula e Dilma", diz o vice-governador Luiz Fernando Pezão (PMDB).

As duas vagas de candidatos ao Senado estão reservadas para o PMDB, com o presidente a Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, e para o PT, que vai decidir entre a ex-governadora Benedita da Silva e o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias.

No PMDB do Rio, ainda há expectativa da desistência de Garotinho, hipótese rebatida pelo ex-governador e pré-candidato do PR. "Isso é desespero do Cabral. O problema para ele é que o interior e a Baixada Fluminense estão comigo e a capital está com Gabeira. O que sobra para o Cabral? Eu não troco votos com o Gabeira e sim com o Cabral", diz Garotinho.

O PMDB ofereceu uma suplência de Senado para o PDT, mas os pedetistas ainda estão divididos sobre o futuro no Rio. Entre os partidos da base de Lula que enfrentaram Cabral em 2006, apenas o PRB não está em negociação com o PMDB.

Gramsci, eu o vi assim::Giorgio Baratta*

Baratta e M.A.Nogueira
DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Tradução: Luiz Sérgio Henriques

Em julho de 2009, pedimos a Giorgio Baratta, um dos fundadores e ativo participante da International Gramsci Society, e naquele momento já irremediavelmente doente, um depoimento que nos contasse seu particular “caminho até Gramsci”; um caminho diferente, em muitos e substanciais pontos, daquele que trilhamos os comunistas de extração togliattiana ou de algum modo influenciados pelo antigo PCI e, muito particularmente, pelo eurocomunismo. Giorgio prontamente nos enviou o texto abaixo, que não sabemos se é inteiramente inédito e que, por certo, não é recentíssimo. Seja como for, sua publicação na Itália, se aconteceu, terá sido bastante restrita, de modo que aqui, pela primeira vez, o documento conhece uma difusão mais ampla. Esta também é uma sentida homenagem à memória de Giorgio Baratta — alguém a quem consideramos, desde o primeiro momento e até o fim, um amigo constante deste sítio e, sobretudo, um grande amigo do Brasil (Luiz Sérgio Henriques).

A descoberta

O meu Gramsci nasceu na Alemanha.

Professor visitante da acolhedora universidade de Onasbrück na primavera de 1984, fui convidado a participar de uma “Universidade do Povo” (a Volksuni) que se realizaria em fevereiro de 1985, numa grande fábrica de Hamburgo, a Kampnagelfabrik, em torno daquilo que muitos anos antes, num horizonte antistaliniano, Peter Weiss havia chamado “a linha Rosa Luxemburg-Antonio Gramsci”.

O convite era atraente e insistente. Na verdade, era muito pouco versado em Gramsci, autor então muito esquecido na Itália, mas que, percebia, estava conquistando popularidade em muitas partes do mundo. Na minha formação, apesar da leitura esporádica dos seus textos, Gramsci nunca havia entrado. Politicamente, eu era um filho de 1968, e sobre a cultura política desse período estava então dando um curso na Alemanha. Nos anos setenta Gramsci estava indiciado por togliattismo, pecado grave para uma esquerda maoísta e guevarista. Hoje, está claro para mim que muitos fermentos, ideias, lutas generosas, mas carentes de luz, daquela época, se beneficiariam de um debate sério com a inteligência sóbria e rigorosa, mas ao mesmo tempo rica de imaginação produtiva, de Gramsci. Nós então não o sabíamos, e jogamos fora a criança com a água suja. Disto, e da importância que Gramsci poderia ter para a cultura fin de siècle, não tinha em 1984 nenhuma consciência; talvez só uma vaga sensação.

O que devia responder a Uli Schreiber, o organizador da Volksuni? Hamburgo é belíssima, fantástico é o espaço da Kampnagelfabrik. Uli queria me envolver ativamente na parte italiana das manifestações culturais e artísticas daquele seu projeto, apoiado também por Argument e por Wolf Haug.

Aceitei. E me vi não só proferindo uma conferência bem concorrida sobre a questão Norte e Sul no pensamento de Gramsci, mas ajudando a organizar espetáculos musicais de Giovanna Marini, Paolo Ciarchi e Ivan della Mea, e, com a ajuda direta da minha filha Martina, o curso prático de cozinha italiana (com espaguetes à carbonara, penne all’arrabiata, escalopinhos ao limão).

Passei o verão de 1984 lendo apaixonadamente Gramsci. Naquele período estava a rever de modo crítico os anos setenta, aquele grande movimento sem cabeça, seu extremismo infantil, mas também as idealidades positivas, a riqueza humana, os impulsos múltiplos de nova cultura política que ele havia produzido. Atropelado pelos seus erros, bem como pelas catástrofes dos anos de chumbo e da droga, derrotado politicamente de modo definitivo pela marcha antioperária dos colarinhos brancos da Fiat em 1980, do “movimento” se corria o risco, agora, até mesmo do cancelamento de toda e qualquer memória viva, para usar uma fecunda expressão de Franco Fortini.

Passado e presente. A leitura de Gramsci tornou-se como uma bússola para procurar o fio perdido entre o ontem, o hoje e o amanhã. Ler Gramsci para ler a realidade. Existe um aspecto importante a ser considerado. Em 1975 fora publicada a edição crítica dos Cadernos do cárcere, organizada por Valentino Gerratana. A primeira edição, dita temática, ou melhor, antológica, dos Cadernos, promovida por Togliatti depois da Segunda Guerra Mundial, provocara a grande fortuna de Gramsci, sobretudo, embora não só, na Itália; ela obedecia a critérios de método, a percursos disciplinares, a escolhas político-culturais de marca essencialmente humanista e historicista, obviamente não mais aceitáveis em 1968, muito menos nos anos oitenta. Muitos, que estudaram o Gramsci de Togliatti, mesmo tão meritório, e que não se converteram à edição crítica, não encontrariam mais a via mestra que conduz aos Cadernos: estes são, e como tal devem ser estudados, um não livro, uma sequência de notas e apontamentos, pequenos e grandes, terminados e menos do que isso, numa única (textos B) ou dupla redação (textos A e C), nos quais a política, a filosofia, a história, a ciência, a literatura, a moral, o pamphlet, as crônicas de costume, tudo se encontra entrelaçado como num reticulado — hoje diríamos um hipertexto, que se pode ler de modo circular, buscando as remissões internas, as analogias, os desenvolvimentos, e que mostra uma tensão dialética fortíssima entre gênese e estrutura, entre provisório e definitivo, entre filosofia e jornalismo, entre substância teórica e impulsos práticos.

Ler a edição crítica dos Cadernos é difícil, é preciso ter paciência e perseverança. É como aprender a nadar num rio que corre. É preciso gradativamente entrar naquilo que Gramsci chama de “ritmo do pensamento”, isto é, naquele fluxo cadenciado de elementos heterogêneos, “abstratos e concretos, pensamentos e imagens, cultura alta e divulgação”, que, através do “nosso” trabalho sobre eles, recompõem-se num organismo vivo. Togliatti tinha razão: Gramsci não pertence aos filósofos, é “de todos”. Mas, certamente, não dos preguiçosos e amantes de facilidades, como nos tornamos todos nós na condição de público amestrado pelos meios de comunicação; e sim de um “todo” em formação, através de um processo capilar de educação permanente. O mais fascinante nos Cadernos é precisamente este convite que lhe apresentam — a você, leitor — para intervir, para compreender, mas também complementar, para analisar, mas também perseguir e prosseguir um sentido das coisas, que, socraticamente, nunca está inteiramente já definido. Como se sobre uma fala viva — um diálogo — devesse continuar o trabalho monológico da escrita.

Teria algumas ideias, alguns conselhos a dar sobre como aprender a nadar, mas não penso que este é o lugar para falar disso. Aqui desejo só narrar uma experiência, algumas experiências, sobre os “lugares” de Gramsci. Que são, antes de mais nada, os lugares do meu encontro com ele; em seguida, sobretudo os “seus lugares” e, por fim, os daqueles de quem me aproximei através de Gramsci, todos por ele contaminados pelo desejo de aprender, sem, definitivamente, delegar nada a ninguém.

Creio que as condições carcerárias, tão difíceis e penosas, foram para o ativíssimo dirigente político uma condição que tornou indispensável um enorme esforço de recolhimento em si mesmo e de férrea autodisciplina, para voltar ao estudo meditativo e metódico (e à escrita teórica, com aquela “pena que arranha”) abandonado muitos anos antes, quando decidiu deixar a universidade por diferentes razões, de força maior e por escolha própria, exatamente como um dos muitos estudantes que hoje, sobretudo na Itália, se perdem pelo caminho. Nas Cartas do cárcere, Gramsci escreve que pela primeira vez, na companhia dos companheiros de detenção, confinados e delinquentes comuns — um dos quais, ele escreve, marcado por um crime horrível, tinha os olhos dulcíssimos — aprendeu a compreender o povo meridional. Sofrimentos e degradação física fazem-se acompanhar de curiosidade intelectual, alimentam a criatividade. Por ausência de bibliotecas bem organizadas, o prisioneiro estudioso foi obrigado a lançar mão de fontes aleatórias, que iam desde a leitura às vezes deliberada ou, ao contrário, às vezes casual, de livros e revistas que lhe caíam nas mãos — estimulando meditações, lembranças, emoções intelectuais, imaginações vividas em perfeita solidão — até a reelaboração da experiência concreta do cárcere, que lhe desvendava aspectos contraditórios, mas riquíssimos, do mundo “grande e terrível, e complicado”.

Tendo dito que o meu Gramsci nasceu na Alemanha, quero acrescentar que, depois da “Universidade do Povo” de Hamburgo (não “universidade popular”, sobre a qual Gramsci tinha muitas dúvidas), que me levara a um verão de estudos apaixonados, veio a experiência do círculo “Grazia Deledda”, de Wolfsburg, exatamente no dia do 50º. aniversário da morte de Gramsci, em 27 de abril de 1987. É um círculo de sardos emigrados na Wolfsburg da Wolkswagen, os quais queriam festejar a memória do seu conterrâneo, que, vários anos antes, havia emigrado para a Turim da Fiat. Muitos emigrados sardos nos ofereciam a carne da ovelha. Para tantos deles, Gramsci era pouco mais do que um nome capaz de reatar um fio de símbolos, de memórias, de esperanças, de raiva, de lutas: um fio que me fez cair na rede de uma necessidade da qual a gente sabe que não vai se livrar mais: a necessidade de estudar, fazer, agir por alguma coisa que, no fundo, não sei o que é; a nostalgia — os brasileiros dizem “saudade” — de um mundo diverso, iluminado por aquilo que Gramsci chamava “o progresso intelectual de massa, e não só de escassos grupos de intelectuais”. Gramsci estudava apaixonadamente o folclore e, ao mesmo tempo, o combatia em nome de uma cultura superior, lutava pela unificação política e cultural da humanidade e, no entanto, dizia à irmã Teresina: “Deixe que os seus filhos suguem todo o sardismo que quiserem”. Por isso, seu pensamento é gênese e projeto de uma síntese, a ser refeita e buscada, entre verdade e senso comum, entre ciência e consciência social, entre racionalidade e paixão.

Encontrando estudiosos ingleses e americanos, como Perry Anderson, Tom Nairn, Joseph Buttigieg e Frank Rosengarten, compreendi que no mundo anglo-saxão havia personalidades que retomavam abertamente uma tradição gramsciana popular (um popular gramscism) então negligenciada na Itália, onde a hegemonia togliattiana comportara uma inflexão mais aristocraticamente intelectual e politicista no modo de ler Gramsci. “Popular” não significa “populista”, ao contrário: norte-americanos, como o palestino de origem Said e o negro Cornell West, ingleses como Jacques Martin ou Stuart Hall, de origem jamaicana, embora acentuando fortemente a função de Gramsci para a retomada de uma luta hegemônica baseada na dialética entre povo e cultura, entre massas e intelectuais, levavam Gramsci aos mais elevados e complexos níveis do discurso filosófico contemporâneo e, portanto, ao debate com Althusser e Foucault, com Habermas e Derrida, etc. Por isso, era necessário reconsiderar Gramsci à luz do pensamento crítico do século XX mais penetrante: circulavam nomes como os de Benjamin e de Brecht.

Amigos americanos me falaram do reverendo Herbert Daughtry, assistente de Jesse Jackson, que na Igreja do Senhor de Brooklin pregava contra Reagan em nome da “coalizão arco-íris”, a qual tinha Antonio Gramsci entre suas fontes principais. Era preciso ir, diziam-me, naquela igreja e verificar como o nome de Gramsci podia aparecer numa cerimônia religiosa que se apresentava como um happening, com estupendos spirituals cantados por um coro de mulheres negras.

Era tudo verdade. Quis a fortuna que, falando da minha experiência de Wolfsburg e das notícias de Brooklin com o diretor-geral da RAI 3, surgisse de modo inteiramente imprevisto para mim a proposta de fazer um filme-ensaio sobre Gramsci com um diretor famoso, Gianni Amico, que Caetano Veloso definiu como “o mais brasileiro dos brasileiros”, e era muito próximo tanto de Glauber Rocha quanto de Nelson Pereira dos Santos. Amico é o autor de um filme extraordinário, Trópicos, e de muitos filmes e documentários de alto nível, grande especialista de jazz e de música brasileira. Foi esta a oportunidade de um ano não só de trabalho para o filme, mas de descobertas contínuas e de novas amizades, de estudo e de organização: em resumo, de uma tentativa, talvez marginal, mas para mim preciosa, de “nova cultura”.

Por que negá-lo? Na House of the Lord Church, de Brooklin, tendo ficado a um canto enquanto Gianni Amico filmava, uma deliciosa menina negra veio pegar-me nas mãos convidando-me para participar mais ativamente da cerimônia religiosa: e vieram-me lágrimas aos olhos. Havia muito tempo que não chorava.

2. Particular e universal

O mais interessante, creio, entre os autores que “usam” hoje criativamente o pensamento de Gramsci nas próprias pesquisas é o palestino-americano Edward Said, o grande estudioso de literatura comparada da Columbia University, autor de Orientalismo e de Cultura e imperialismo, o dirigente que iniciou em Washington as primeiras tratativas oficiais com Kissinger para o reconhecimento da Palestina.

Said sublinhou que, diante de uma tradição marxista que privilegiou a dimensão histórico-evolutiva nos processos sociais, Gramsci, “historicista absoluto”, como definia a si mesmo, introduziu no estudo da sociedade e da história um fortíssimo “senso do espaço” e do “território”. A “questão meridional”, isto é, da “hegemonia”, tanto na Itália como no mundo, da “cidade” sobre o “campo”, ou seja, do “Norte” sobre o “Sul” (que não muda, se se apresenta em termos exatamente invertidos, como no Brasil); a antítese entre Oriente e Ocidente, como entre duas modalidades diferentes da relação entre desenvolvimento econômico, sociedade civil e Estado; a América como “prolongamento orgânico” da Europa; o nexo orgânico, mas extremamente diferenciado, entre especificidades locais e contexto universal no qual cada uma delas se insere (“toda história particular vive só no quadro da história mundial”) — esta profunda atenção à geografia política e cultural torna Gramsci o pensador do século XX que, talvez mais do que qualquer outro, teve consciência da dimensão-mundo dos fatos humanos (ou da “mundialização”, como hoje se diz).

O “sardo sem complicações psicológicas” — como, entre o sério e o irônico, escreveu sobre si do cárcere à mulher russa na distante Moscou — conquistou a cidadania honorária do planeta Terra.

Aos vinte anos, abandonou a luz sublime do desmedido céu da sua infância. Chegou no “continente”, ainda com o grito “ao mar, os continentais” atravessado na garganta. A escola da classe operária turinense é que o fez superar aquele primitivo “sardismo” e alcançar uma consciência ao mesmo tempo nacional-popular e internacionalista na sua projeção, com o pensamento e a ação, para uma “cidade futura” e uma “ordem nova”.

A posição de dirigente político levou-o ao observatório privilegiado, em anos ainda riquíssimos de fermentação científica, artística e intelectual, de algumas grandes capitais: Roma, Moscou, Viena.

Pequeno e corcunda, com a face grande e sorridente e a longa cabeleira que ondeia sobre a testa, “há muitos anos habituado a pensar que existe uma impossibilidade absoluta, quase fatal”, de poder “ser amado”, descobriu a alegria da paixão amorosa e da paternidade no Oriente socialista. Mas os compromissos políticos foram absorventes. E já em Viena, em 1924, dirigente da Internacional, distante de um amor apenas esboçado e só fragmentário, sente-se como “um ponto de interrogação no infinito espaço”. Haveria de chegar o momento, no recinto atormentado da cela de prisão, em que o ponto de interrogação se transformaria num ponto final, sem nenhuma continuação possível. Ele escreveria: “O tempo me parece algo corpóreo, uma vez que o espaço não mais existe para mim”. No entanto, narrando sua transferência ferroviária para o cárcere de Civitavecchia, ele escreveria a Giulia que “o vasto mundo tinha continuado a existir com seus prados, seus bosques, a gente comum, os bandos de rapazes, certas árvores, certos jardins...”.

Um vasto mundo se interpusera entre ele e seus filhos moscovitas, em relação aos quais ele se sentia como um “holandês voador” (não sabiam que o pai estava no cárcere, não conheciam sua língua, um dos dois jamais o encontrou). Os laços de Gramsci com a família sarda eram muito frágeis; do cárcere, não trocou jamais uma carta com o pai, ex-preso, já cancelado do seu horizonte de vida; a morte da mãe — “o seu afeto mais puro” — lhe foi escondida por muito tempo. Tanto o Partido Comunista da Itália quanto a Internacional — com cuja linha viria a se aprofundar um sulco de divergência cada vez mais insanável — condenaram-no ao isolamento político.

Talvez não seja um acaso que, nos Cadernos, Gramsci cite, de Darwin, A viagem de um naturalista em torno do mundo. Para ele, que, quando jovem, assimilara o “método por área” ou “espacial” do seu mestre Bartoli, tão atento à “distribuição geográfica dos fenômenos linguísticos”, a oportunidade para uma extraordinária viagem intelectual — ou intelectual-emocional, como sublinhou Edoardo Sanguineti — “em torno do mundo” e dos seus fenômenos. A metáfora hipertextual da “navegação” talvez seja apropriada para qualificar tanto o modo que devemos seguir para penetrar progressivamente nos meandros dos Cadernos, como, antes ainda, a modalidade seguida pelo próprio Gramsci para se aproximar de territórios do mundo e do saber bastante distantes entre si, mas todos reunidos pela qualidade desta navegação: como se, da “pequena barca do seu engenho”, um Ulisses metafórico do século XX tivesse conseguido lançar uma “rede” que recolhia tesouros, monumentos, documentos, vestígios das muitas terras encontradas na viagem.

3. Crítica ao americanismo

Como Kafka, no início do século XX, Gramsci viu a “América” como um terreno avançado de contradições e de lutas, de alienações e de utopias.

Como Chaplin, em Tempos modernos, Gramsci viu crescer com o operário das grandes fábricas fordistas “um novo tipo de homem”, que Taylor sonhara reduzido a “gorila amestrado”.

Como Brecht, no entanto, Gramsci sabia — e também o sabiam, ele diz, os industriais americanos — que “um homem é um homem”, ou seja, que, “infelizmente, um homem permanece um homem”: o fato de que não lhe seja dado pensar dentro do trabalho na cadeia produtiva favorece o surgimento, nele, de um “curso de pensamentos pouco conformistas”.

Como Benjamin, Gramsci considerava a taylorização do trabalho intelectual, o ocaso do humanismo, do homo faber, da aura, o conúbio entre arte e tecnologia, como uma nova Atlântida, cujo pensamento laico e socialista se devia criativamente apropriar, projetando — com o comunismo — um grandioso e progressivo processo de unificação do gênero humano.

Homem de inflexíveis princípios e de vastíssimos horizontes, Gramsci era um intelectual sóbrio, sereno, irônico, desconfiado das abstrações ideológicas, amante do particular, do detalhe, do pouco mas concreto, capaz de destilar de audazes empreendimentos teóricos formulações provisórias e fragmentárias, necessitadas de desenvolvimento.

Nunca foi à América. No entanto, em torno do “fenômeno americano” condensou suas mais inovadoras antecipações, antecipadoras de processos econômicos, políticos e culturais, que, para o bem e para o mal, ainda e sempre atormentam a humanidade na nova passagem “de um século a outro”.

“Com o peso implacável da sua produção econômica”, desta sua “revolução passiva”, a América estava criando “com rapidez inaudita um tipo novo de trabalhador e de homem”, arrastando a Europa e o mundo para “uma transformação da forma de civilização existente e o nascimento forçado de uma nova civilização”.

O que é melhor, o bom velho ou o mau novo? A Europa — diz Gramsci — “quer fazer a omelete sem quebrar os ovos”: ter “todos os benefícios” do american way of life e do fordismo, “mas conservando o seu exército de parasitas”, fósseis do “pessoal estatal e dos intelectuais, do clero e da propriedade fundiária, do comércio de rapina e dos oficiais do exército, o qual foi inicialmente profissional e depois passou a basear-se no recrutamento, mas é ainda profissional no nível do oficialato”.

O modelo “democrático” americano era — segundo Gramsci — decididamente superior, no quadro do modo de produção capitalista, ao “autoritário”, que havia se afirmado na Itália e se delineava tanto na Alemanha quanto em outros países europeus. A ausência, numa certa medida, dos intelectuais tradicionais permitira a formação maciça com base industrial de todas as superestruturas modernas: a “hegemonia” — na América — “nasce da fábrica”.

Gramsci não era nem pró nem contra a América, segundo um esquema usual na Europa. “O antiamericanismo, mais do que estúpido, é cômico”, dizia, porque a América é só o “prolongamento orgânico” da civilização europeia e, cedo ou tarde, deverá ajustar contas com a herança europeia e a complexidade das questões superestruturais inerentes à sua história. Por outro lado, a Europa assimilará o americanismo como elemento caracterizador não só de uma grande área geográfica, mas sim do novo corpo e da nova alma do capitalismo, em cujo contexto seria então a Europa quem se apresentaria como “prolongamento orgânico” da América estadunidense. E hoje isso se torna a cada dia ainda mais verdadeiro, depois do colapso do “socialismo real”. Superado o fordismo, como modo de produção e de vida, surge cada vez mais absorvente o americanismo, como modo de sentir e de consentir em relação às escolhas do poder econômico e militar dominante no mundo.

4. O tempo e o espaço

“Toda a história é testemunha do presente.” Se esta reflexão nos Cadernos traz luz, ganha mais evidência a confissão numa das Cartas — depois de três anos de cárcere — de que “o tempo me parece algo corpóreo, uma vez que o espaço não mais existe para mim”. A busca apaixonada e capilar do sentido do passado era, pois, um modo, não destituído de desespero e, no entanto, racional e produtivo, de reatar os fios que ligam a cela estreita ao vasto mundo que continua a existir...

“Parece-me — escrevia Gramsci de Viena para a amada Giulia — que me tornei um ponto de interrogação no espaço imenso.”

Quem atravessou as estradas, o bosque e o campo de Ghilarza até Santolossurgiu revive imediatamente uma imagem, ao ouvir estas palavras, que associam a metáfora à realidade, ao conceito do “mundo grande e terrível”, a uma emoção intelectual, que nos conduz à geografia e à história de todos os dias, em todos os tempos e em todos os espaços.

Este movimento, verdadeiramente leopardiano, de sentir o próprio e minúsculo eu como um simples elo na grande cadeia das gerações e das populações da humanidade é o fluxo de ideias e de emoções que ainda emana de Gramsci. É um fluxo — disse Sanguineti — que, pela complexidade do esboço, faz apreciar mais ainda a hölderliniana heilige Nüchternheit (a sacra sobriedade) que a escrita de Gramsci comunica.

Por isto, os seus lugares também são os nossos.

5. O Mestre, o Chefe de Partido, o Filósofo Democrático

Battista Santhià (nascido em Santhià, na atual “Padania”), o protagonista das lutas operárias e, com Gramsci, do movimento conselhista do biênio vermelho, durante uma longa conversação travada com Gianni Amico e comigo para o filme-ensaio Gramsci, l’ho visto così, exclamou com decisão: “Gramsci era um chefe que sabia escutar”.

Muitas vezes os seus companheiros ficavam até mesmo com a boca seca, porque haviam falado demais (ele perguntava e queria saber de tudo); e ele não tinha mais tempo. Santhià, operário especializado, que foi no pós-guerra, durante o breve período da cogestão empresa-sindicato, diretor-geral de pessoal da Fiat, insistiu muito na unidade substancial, em Gramsci, do dirigente conselhista, do chefe de partido e, depois, do filósofo democrático na época carcerária. É um discurso complexo e controvertido, do qual quero sublinhar aqui só um aspecto, que ficou em mim como um sinal indelével do encontro com Santhià: a centralidade de Gramsci como mestre educador, o que se reflete em todo o seu percurso de vida e de ação: o de um “educador educado”, que, como sabemos, concebia a “luta hegemônica” como uma enorme, viva exercitação nos níveis mais diversos: local, regional, nacional, internacional.

* Giorgio Baratta, morreu em 20 de janeiro de 2010

PPS cobra do Ministério Público investigação nas consultorias de José Dirceu

DEU NO PORTAL DO PPS

Freire: Estado Forte do PT é para beneficiar e enriquecer amigos do governo.


O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, defendeu nesta terça-feira (23) que o Ministério Público investigue a fundo as consultorias que o deputado cassado José Dirceu (PT-SP) vem prestando a empresas privadas com negócios com o governo. Para ele, essa ação é de fundamental importância para impedir "a mais nova negociata petista", que tem como personagens centrais uma obscura empresa das Ilhas Virgens Britânicas, a Telebrás e o chefe da quadrilha do mensalão.

Reportagem da Folha de S. Paulo revela que o ex-ministro recebeu ao menos R$ 620 mil do principal grupo empresarial que será beneficiado caso a Telebrás seja reativada, como promete o governo, para comandar a implantação do Plano Nacional de Banda Larga. O dinheiro foi pago entre 2007 e 2009 pelo empresário Nelson dos Santos, dono da Star Overseas, que adquiriu por R$ 1 a empresa Eletronet, dona de 16 mil quilômetros cabos de fibra óptica ligando 18 Estados. Nos planos do governo, a reativação da Telebrás será feita justamente por meio da estrutura da Eletronet, uma empresa que estava falida antes do interesse de Santos e Dirceu pelo negócio.

"O Ministério Público precisa investigar isso, até porque José Dirceu tem contra si uma folha corrida, não um currículo. Onde ele aparece é preciso que se tenha maior precoupação com a moralidade pública. Por isso o Ministério Público, que vem tendo um papel importante nesse escândalo que envolve o governo do Distrito Federal, deve estar mais atento. É necessário não ficar vigilante apenas em relação ao governo de Brasília, mas também a negócios escusos que estão sendo feitos à sombra do governo federal", cobrou Feire.

O centro de toda essa ilegalidade que tem como operador o ex-ministro José Dirceu é, na opinião do presidente do PPS, o presidente Lula. "Como disse o ex-ministro Paulo Brossard, o centro da ilegalidade do Brasil é o presidente da República. Isso aí está evidente, pois quem está falando da Telebrás é o governo Lula, que quer restaurá-la em nome de um estado forte. Na verdade estamos descobrindo que vai restaurar para privilegiar e enriquecer amigos e lobistas".

Freire lembra que este não é o primerio caso suspeito envolvendo o governo Lula e empresas privadas. Ele citou os casos da fusão da Oi com a Brasil Telecom e a sociedade entre a Telemar e a Gamecorp, empresa do filho do presidente Lula (leia mais abaixo). "Isso desnuda a bandeira do Estado forte levantada pela candidata Dilma e o PT. Eles não estão com nenhum discurso ideológico, mas querem é a privatização do estado em benefício dos amigos do governo. O que estamos assistindo é uma grande negociata e a sociedade precisa reagir", finalizou Freire.

MAIS NEGÓCIOS SUSPEITOS

Lulinha e Telemar

Fábio Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Lula, abancanhou uma bolada de R$ 5 milhões ao fechar contrato, em 2004, com a Telemar. A concessionária de serviço público se tornou sócia da Gamecorp, empresa de Lulinha especializada na produção de joguinhos eletrônicos. Além do aporte inicial, a Telemar (que hoje se chama Oi e comprou a Brasil Telecom com dinheiro público - leia aqui ) vem gastando anualmente quase R$ 5 milhões com patrocínio e produção de programas de TV da Gamecorp, que compra espaço nas emissoras para exibir seus produtos. Saiba mais aqui e aqui.

Dilma e Varig

O candidata a presidente pelo PT, Dilma Rousseff, também se envolveu diretamente em assuntos da iniciativa privada e usou o poder que detém no governo, como ministra da Casa Civil, para pressionar a Anac a aprovar a venda da Varig e da VarigLog ao fundo americano Matlin Patterson e a três sócios brasileiros. A denúncia foi feita pela ex-diretora da Anac (Agência Nacional da Aviação Civil) Denise Abreu em depoimento à Comissão de Infra-Estrutura do Senado. Saiba mais

No mesmo caso da Varig apareceu outra figura conhecida no mundo dos "negócios" petistas. Trata-se do advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, que teria recebido US$ 5 milhões da VarigLog. Saiba mais

Zé Dirceu e as consultorias

Reportagem da revista Veja mostra que (leia aqui), mesmo depois de cassada, o ex-deputado José Dirceu não só manteve estreita relação com o governo Lula como usou dessa influência para enriquecer. A publicação estimou que, em 2007, ele faturava R$ 150 mil por mês com suas "consultorias". Entre os clientes estariam a TAM, a Telemar. No caso da Telemar, hoje Oi, o "serviço" de Dirceu foi frutífero, pois a empresa recebeu R$ 4,4 bilhões do BNDES. Saiba mais

Governo corre para esvaziar denúncia de lobby de Dirceu

DEU EM O GLOBO

O governo agiu rápido diante das denúncias de que o ex-ministro José Dirceu teria feito lobby em favor de uma empresa privada que poderia ser beneficiada no Plano Nacional de Banda Larga, uma das prioridades da atual gestão. O empresário Nelson dos Santos, da Star Overseas, sócio da Eletronet, dona de uma rede de fibras ópticas, afirmou que pagou a Dirceu R$ 620 mil entre 2007 e 2009. Essa rede, hoje pertencente a subsidiárias da Eletrobrás, poderia ser usada pela Telebrás, que, reativada, expandiria a banda larga no país. Com declarações da cúpula do governo sobre a reativação da Telebrás, as ações já subiram 248% este ano. A oposição quer abrir CPI para investigar a denúncia.

Operação abafa no governo

Planalto busca esvaziar denúncia sobre lobby corporativo de Dirceu

Gustavo Paul e Mônica Tavares

BRASÍLIA, SÃO PAULO e CANCÚN - Quatro dias depois do lançamento da pré-candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República pelo PT, o Palácio do Planalto se movimentou ontem para esvaziar a denúncia de que o exministro José Dirceu fez lobby para beneficiar interesses privados no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).

Sob monitoramento direto da Casa Civil, o governo evitou politizar o tema e acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para rebater juridicamente a suspeita de que a decisão de utilizar no programa a rede de fibra óptica administrada pela Eletronet foi influenciada por Dirceu. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em viagem ao México, declarou: — Se você entrar no site da AGU, você vai ver a resposta da AGU. Não procedem as informações.

Dilma também desqualificou a suposta influência do ex-ministro. Para reforçar o caráter técnico da defesa oficial, foram convocados ainda os dois principais nomes do PNBL: o assessor especial da Presidência e coordenador do plano, Cezar Alvarez, e o secretário de Logística do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna.

De acordo com a edição de ontem do jornal “Folha de S.Paulo”, Dirceu teria recebido, entre 2007 e 2009, R$ 620 mil do empresário Nelson dos Santos, dono da Star Overseas. A empresa, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, passou a deter cerca de 25% da Eletronet em 2005.

Santos teria pago em 2005 o valor simbólico de R$ 1 para adquirir essa participação da Contem Canada e, se a Eletronet fosse incorporada pela Telebrás para participar da PNBL, ele poderia ganhar, estimaram fontes do jornal, R$ 200 milhões com o negócio.

A denúncia lembra ainda que em novembro de 2007, oito meses depois da contratação de Dirceu, o governo anunciou que iria usar a Eletronet como instrumento de inclusão digital.

Alvarez e Santanna — ambos petistas de longa carreira — garantiram que o programa não vai beneficiar o grupo Star Overseas. Para eles, é uma leitura equivocada, sem respaldo técnico.

Santanna argumentou que a premissa de que Dirceu seria lobista não se sustenta, pois o governo não utilizará a empresa Eletronet no PNBL.

Criada em 1999, a empresa administra 16 mil quilômetros de linhas de fibras ópticas de quatro subsidiárias da Eletrobrás (Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul). Em 2003, diante da frustração do negócio e do grande endividamento, a Lightpar (braço do governo na empresa) pediu a autofalência da Eletronet.

Santanna argumenta que a empresa se transformou em “ massa falida”, gerida por um síndico até o pagamento dos débitos trabalhistas, fiscais e com os credores. A ideia do governo é usar no PNBL os 16 mil quilômetros de redes pertencentes à Eletrobrás, que “não têm nenhuma relação econômica com a Eletronet”.

— O senhor Nelson dos Santos, citado como comprador dos direitos da conta, é dono de uma dívida ou dos direitos da massa falida. Na verdade, são obrigações de pagar aos credores, sob controle do síndico — disse.

Cezar Alvarez lembrou que a decisão de usar a Eletronet para expandir o uso da informática é anterior a 2007.

Segundo ele, desde 2004, quando foi lançado o programa “Computador para Todos”, inicialmente chamado “PC Conectado”, já se falava na utilização das fibras da Eletronet.

AGU diz que sócios não têm direitos

Alvarez lembrou ainda que, desde 2006, as subsidiárias da Eletrobrás tentam retomar o controle dessas redes.

A ação, que corre no Tribunal de Justiça do Rio, transformou-se numa disputa entre a massa falida da Eletronet e os credores privados contra as quatro subsidiárias da Eletrobrás.

Em dezembro passado, com a intervenção da AGU, as quatro estatais conseguiram o direito de posse da rede de fibra óptica, por decisão do desembargador Sidney Hartung. Esta lhes concedeu o acesso desde que não interrompam as atividades da massa falida da Eletronet, que ainda administra a transmissão de dados de clientes privados e das próprias estatais da Eletrobrás. Com esse aval, o Planalto deu início à recriação da Telebrás, que deverá incorporar essa rede — e não a Eletronet — e dar início ao PNBL.

Em nota, a AGU garante que a retomada do patrimônio, por via judicial, “não gerou direitos aos sócios da Eletronet ou qualquer outro grupo empresarial privado”. Ao mesmo tempo, afirma que a reativação da Telebrás não irá gerar “receitas ou direitos de crédito” para a massa falida da Eletronet, seus sócios, credores, ou qualquer grupo empresarial com interesses na referida massa falida.

A rigor, a decisão pode ainda parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas, se isso ocorrer, os credores — entre eles a japonesa Furukawa e a francesa Alcatel-Lucent — podem demorar ainda mais para receber seus créditos, principal meta dos recursos jurídicos.

Se o STJ decidir que a Eletronet é uma empresa pública, os credores terão de receber integralmente o que lhes é devido, algo que nunca acontece nos processos de falência. Como a Furukawa, a Alcatel-Lucent reclama uma dívida de R$ 300 milhões da Eletronet. Juntas, as duas multinacionais concentram 80% dos passivos da empresa.

Consultoria não tratou de banda larga, diz José Dirceu

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O ex-ministro José Dirceu (PT) disse que a consultoria que deu a Nelson dos Santos, dono de parte da Eletronet, não tratou do plano de banda larga do governo.

A Eletronet detém a rede de fibras ópticas que pode ser usada pela "nova" Telebrás. A Advocacia-Geral da União descartou que a retomada da rede gere "direitos aos sócios da Eletronet". A oposição quer instalar CPI.

A Oi negocia a compra da dívida da Eletronet para explorar a sua rede.

Dirceu e governo negam benefício a grupo privado

Da Redação
Da Sucursal De Brasília

O ex-ministro José Dirceu disse em evento do PT em São Paulo que a consultoria prestada a Nelson dos Santos, dono de parte da Eletronet, não tratou da empresa.Dirceu disse que não mencionou, durante o período em que prestou serviços ao empresário, o plano de banda larga do governo (PNBL).

"[Quando era ministro], já tinha uma discussão porque a Eletronet já estava com os problemas que têm hoje. E a orientação é a mesma, que o país precisava ter acesso às fibras ópticas e precisava de um plano de banda larga. Que o governo tinha que cumprir um papel. Isso foi evoluindo no governo, inclusive depois que eu saí", disse.

Segundo ele, a consultoria se referia ao mapeamento de cenários de investimento na América Latina. Dirceu afirmou que não considera que seu trabalho como consultor de empresas o coloque em "terreno delicado". "Não dou consultoria para nada que se relacione com o governo. Não há perigo", afirmou.

Disse ainda que sua posição sobre o futuro da Eletronet não coincide com interesses privados. "Sempre defendi que a rede da Eletronet fique com o governo." Em seu blog, escreveu que os conflitos serão decididos na Justiça e que é uma disputa "sobre a qual nem eu nem qualquer cidadão tem condições de interferir".

Ele atacou reportagem de ontem na Folha, que revelou pagamento de R$ 620 mil por consultoria feita a Santos e negou a possibilidade de o empresário receber R$ 200 milhões com a reativação da Telebrás.

"Existe oposição ao Plano Nacional de Banda Larga por parte da Folha. Oposição política e ideológica a várias propostas que o governo faz, como ao PNBL, porque entende que essas propostas têm um caráter que o país não deve ter."

Questionado sobre onde ele identificava essa oposição, respondeu: "Evidentemente existe interesse das telefônicas, das TVs abertas, porque do que estamos falando? De um mercado de bilhões e bilhões de reais. Vamos supor que se crie a Telebrás. Se as empresas do governo passam a trabalhar com a Telebrás, [isso] sai das empresas de telefonia. É disso que se trata a discussão."

Posição do governo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, questionado ontem no México, disse que as informações sobre o caso não procedem e remeteu o assunto para a AGU (Advocacia-Geral da União). O órgão, por sua vez, disse que o uso de fibras ópticas estatais no PNBL não beneficiará os sócios da Eletronet. A AGU também afirmou que a caução apresentada pela Eletrobrás para obter na Justiça a posse da rede na massa falida da Eletronet não beneficia os sócios.

"A caução atenderá exclusivamente a eventuais direitos de credores da Eletronet, e não dos seus sócios", afirmou a AGU.

Oposição quer CPI; Dilma nega lobby de Dirceu

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Da Sucursal De Brasília
Da Agência Folha, Em Cuiabá

A oposição defendeu ontem a criação de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) no Congresso para investigar a reativação da Telebrás. Líder do DEM no Senado, José Agripino (RN) disse que, "confirmada essa informação, é um escândalo de um megatráfico de influência".

O líder democrata na Câmara, deputado Paulo Bornhausen (SC), afirmou que as informações publicadas são o "elo perdido entre as especulações de existência de interesses escusos por trás da reativação e fatos concretos, como a supervalorização das ações em 35.000% em sete anos".

A criação da comissão recebeu ainda o apoio do líder da bancada do PSDB na Câmara, João Almeida (BA). "Não faz sentido criar mais uma estatal. A nuvem que está por trás disso começou a aparecer."

O deputado Fernando Ferro (PE), líder da bancada do PT na Câmara, reagiu: "A oposição deveria se preocupar em se defender em sua área. Vide o DF".

"A questão da impunidade, o esquema do mensalão continua no governo federal. Sob outras formas, mas com as mesmas pessoas", afirmou Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Como se trata de uma investigação conjunta entre Câmara e Senado, a CPMI pode furar a fila e ser criada mesmo que já haja comissões em curso ou à espera de instalação nas Casas.São necessárias 171 assinaturas de deputados e 27 de senadores. Na Câmara, porém, a oposição tem só 128 nomes e dependeria de dissidentes governistas. No Senado, PSDB e DEM têm juntos 28 cadeiras.

Dilma

A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata do PT à Presidência, disse ontem em Cuiabá que "jamais houve possibilidade" de uma ação de lobby envolvendo a Telebrás.

Segundo ela, não houve nenhuma "negociação administrativa" com empresas ou credores e todo o trâmite se deu por meio de "um processo judicial, durante três anos".

Questionada sobre possível lobby de Dirceu no governo, Dilma disse que "não entendia" a pergunta, uma vez que "jamais houve essa possibilidade".

"Ganhamos a Eletronet na Justiça. Essa empresa na reportagem, ao que tudo indica, não é sequer credora nossa", disse.

Firma de cliente de Dirceu pode ter ajuda oficial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo pode assumir as dívidas da Eletronet, empresa falida que tem a Eletrobrás como acionista e é controlada pelo empresário Nelson dos Santos - cliente de consultaria do ex-ministro José Dirceu. Em dezembro, a Justiça do Rio deu ao governo o direito de utilizar as fibras ópticas da Eletronet. Os credores pediram que a União cumpra decisão anterior de depositar uma caução de R$ 270 milhões. Na visão dos credores, o fato de o governo ter anunciado que usará a empresa no plano de banda larga prova que a empresa é estatal. A oposição defendeu a abertura de CPI sobre a recuperação da Telebrás e o suposto envolvimento de Dirceu, que negou haver irregularidade.

Governo deve assumir dívida da Eletronet, de ex-cliente de Dirceu

União afirma ter depositado caução de R$ 270 milhões para usar fibras ópticas, mas credores dizem que não

Renato Cruz

O governo deve assumir as dívidas da Eletronet, empresa falida que tem a Eletrobrás como acionista e é controlada pelo empresário Nelson dos Santos, que teve negócios com o ex-ministro José Dirceu. Em dezembro, a Justiça Estadual do Rio de Janeiro deu ao governo o direito de utilizar as fibras ópticas da Eletronet. A Advocacia-Geral da União informou que foi depositada uma caução de R$ 270 milhões, em títulos públicos, respeitando uma decisão judicial de junho de 2008.

Os credores da Eletronet, no entanto, afirmam que esse depósito, que seria usado para abater a dívida da companhia, ainda não foi feito. Os advogados dos credores enviaram recentemente uma petição à Justiça solicitando que as redes ópticas só fossem liberadas após a caução.

Segundo Domingos Refinetti, advogado da Furukawa, ainda não houve resposta à petição. "Solicitamos também que, assim que for feita a caução, que seja feito um rateio entre os credores", disse Refinetti. Se isso acontecer, a dívida da operadora acabará sendo assumida pelo governo, que planeja usar a rede da Eletronet no Plano Nacional de Banda Larga, que prevê a reativação da Telebrás.

Santos comprou da empresa americana AES uma participação de 51% na Eletronet, por R$ 1. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, uma empresa de Nelson dos Santos pagou R$ 620 mil ao ex-ministro José Dirceu, por serviços de consultoria, entre 2007 e 2009. O empresário não quis comentar o assunto. Sua assessoria de imprensa confirmou o pagamento, mas negou que ele esteja relacionado à Eletronet. Segundo a assessoria, Dirceu prestou serviços a uma empresa de investimentos em energia que pertence a Nelson dos Santos.

"A solução para a Eletronet não passa pelo governo", argumentou a assessoria. Nelson dos Santos é conhecido no mercado de energia, sendo o responsável pela negociação das dívidas da AES (antiga controladora da Eletronet) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Na visão dos credores, o fato de o governo ter anunciado que usará a infraestrutura da empresa na banda larga é uma prova de que a empresa é uma estatal. A dívida da Eletronet é estimada em R$ 800 milhões, e os principais credores são a Furukawa e a Alcatel Lucent, que forneceram os cabos e os equipamentos de rede à Eletronet.

Segundo Refinetti, está sendo feita também uma perícia, para reavaliar os ativos da empresa. "Acreditamos que esse valor ficará entre R$ 300 milhões e R$ 350 milhões", disse, indicando que a União deve desembolsar um valor maior que os R$ 270 milhões da caução.

A Eletronet tem uma rede 16 mil quilômetros, presente em 18 Estados. O Plano Nacional de Banda Larga, em elaboração pelo governo, é cercado de polêmica. Além da Eletronet, as informações sobre a reativação da Telebrás, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva mas ainda não oficializada, causou grande especulação com as ações da empresa.