quinta-feira, 4 de março de 2010

Reflexão do dia – Tancredo Neves

Teremos que lançar os alicerces da Nova República. Primeiro o alicerce da Federação, a refazer-se autêntica, sem sentido conservador e localista. (...) A Nova República não se coadunará com qualquer experiência de presidentes todo-poderoso, impondo as vontades do centro e detendo o quase monopólio do poder decisório-legislativo.

Não haverá no Brasil uma República sadia e estável sem se refazer a realidade e a mística da cidadania como origem do poder político do Estado e condição maior da existência dos direitos e liberdades da pessoa humana.”


(Tancredo Neves, discurso de vitória, revista VEJA de 21 de novembro de 1984)

PMDB, fiel da balança:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Há sentimentos contraditórios no PMDB atualmente. No curto prazo, a mais recente pesquisa do Datafolha acendeu no partido um sinal de alerta, com a desconfiança de que possa perder a capacidade de se impor na coalizão. Por conta de achar que Dilma está forte o suficiente, o governo pode forçar a mão para indicar um vice a seu gosto, ao gosto de Lula, e não ao do PMDB. Um nome assim como o do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que se filiou ao partido por orientação de Lula. Seria um vice de Lula, não do PMDB.

Ao PMDB só interessa entrar na chapa oficial, e portanto assumir o risco de uma derrota da ministra Dilma Rousseff, se isso significar ser mais importante do que é hoje.

A equação é simples: mesmo que o PMDB não suba no palanque governista, estará representado no próximo governo, seja ele de Dilma ou de Serra.

Seja quem for vai ter que compor com o PMDB, que ocupará aqueles ministérios de sempre. Só que o PMDB agora quer mais que isso, não quer um governo do PT com o PMDB como um aliado como qualquer outro.

Quer um governo que seja do PT e do PMDB.

Tanto no que se refere à ocupação de espaço no Ministério e na máquina pública (que disso não abre mão), mas, sobretudo, na definição política e de rumos do governo.

O PMDB avalia que só vale correr o risco se houver uma recompensa que seja uma mudança do patamar de sua influência, que aliás já mudou no segundo governo Lula.

O PMDB avalia que hoje no governo Lula sua posição já é mais central do que jamais foi no governo de Fernando Henrique, onde sempre ocupou alguns ministérios, mas nunca tantos e com a densidade dos que ocupa hoje: Minas e Energia, Comunicações, Saúde, Agricultura, Integração Nacional.

Lula tratou o PMDB de uma maneira diferente, e, exatamente por isso, os caciques peemedebistas querem mais.

Querem ser governo mesmo, um governo onde os espaços sejam definidos antes, onde eles tenham uma garantia de atuação.

O problema grave é que nenhum dos dois lados confia no outro. Os dois lados sabem como é forte a natureza do outro.

Não é, e nunca será, uma relação de confiança. Por isso mesmo tudo, na concepção dos caciques do PMDB, tem que ser pactuado antes da campanha começar para valer, e com clareza.

A definição do vice virou, assim, a primeira queda de braço para ver quem terá realmente poder num eventual governo Dilma.

Se o PT conseguir que o PMDB escolha o vice de interesse do PT e de Lula, estará claro, antes mesmo de a campanha ter início, quem estará dando o rumo de um futuro governo.

Ao contrário, se o PMDB conseguir impor seu nome, que é o deputado Michel Temer, presidente da Câmara, estará deixando claro que terá um protagonismo nesse eventual futuro governo.

O PMDB sempre foi um partido dividido entre o grupo do Senado e o da Câmara, entre o grupo do deputado federal Michel Temer e o do senador Renan Calheiros.

Agora, mesmo com o Planalto jogando a isca de que o vice poderia ser um senador - Hélio Costa ou Edson Lobão, dois ministros do governo - houve uma inusitada aliança em torno do Temer.

Renan Calheiros foi fundamental para que o PMDB antecipasse a convenção e reelegesse Temer para a presidência do partido. Ele sabe que, mais importante que a briga interna dele com Temer, é a briga do PMDB com o PT.

Neste momento, os dois lados do PMDB juntaram forças, coisa que não acontecia há muito tempo, para garantir que o partido estará unido na hora de impor as condições ao novo governo.

Há dissidências, mas são minoritárias. Unido, o PMDB está valorizando seu peso nessa negociação. No entanto, não há no momento muita margem para negociar ameaçando ir para o PSDB, embora o governador José Serra já tenha feito vários acenos.

Há um grupo do PMDB, basicamente do Norte e Nordeste, que quer ir com Lula independentemente de qualquer coisa, e é um grupo muito forte.

O PMDB do Pará, do Jader Barbalho, por exemplo, tem mais força dentro da convenção do que o de São Paulo. O PMDB do Ceará é o terceiro maior diretório.

Entre os cinco maiores está também Goiás, onde a popularidade de Lula é muito grande. Existe no PMDB hoje uma avaliação de que Dilma ganha a eleição. Por isso estão preocupados, à medida que a candidatura da ministra vai crescendo, o peso político de Lula aumenta e o do PMDB diminui.

Esse é um jogo de paciência, mas o PMDB está acostumado a isso. Embora os pragmáticos considerem que é melhor uma parte menor no governo do que uma maior da oposição, a estratégia de estressar a relação pode dar errado.

Basta que nas negociações estaduais, dois ou três estados importantes não cheguem a um acordo com o PT. O deputado federal e ex-ministro, candidato ao Senado, Eunício Oliveira, comanda o Ceará, e está irritadíssimo com a intenção do PT de lançar também um candidato ao Senado, o ministro José Pimentel.

E partiu para uma composição com o governador Cid Gomes, do PSB, que apoia Tasso Jereissati, do PSDB, para o Senado.

No Rio de Janeiro, embora tenha conseguido tirar do páreo o candidato do PT ao governo, o governador Sérgio Cabral pode se ver na contingência de se afastar do apoio de Dilma se o projeto de divisão dos royalties do pré-sal prejudicar o estado.

O PMDB tem noção clara de que pode vir a ser o fiel da balança, no sentido de conter uma tendência mais à esquerda de um governo Dilma Rousseff, empurrado pela ala mais radical do PT.

Com o PT e sem Lula, o PMDB quer garantias de que terá espaço em um governo Dilma. E, mais que isso, está querendo assumir o papel de fiador do estado de direito.

A bossa da conquista:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nem Lula nem Fernando Henrique. Os responsáveis pelos avanços institucionais, econômicos e sociais do Brasil nestes 25 anos de retomada da democracia foram os fundadores da Nova República, cujo legado os governantes devem manter e superar em prol do desenvolvimento.

Esta será a tônica do discurso do governador de São Paulo, José Serra, quando assumir a condição de candidato a Presidência da República. Não por acaso, foi essa a linha adotada no pronunciamento de ontem no Congresso na solenidade em homenagem ao centenário de nascimento de Tancredo Neves.

Hoje Serra estará em Minas Gerais ao lado do governador Aécio Neves. O cerimonial só prevê discursos do governador e do vice-presidente José Alencar.

Se o protocolo for alterado e puder se pronunciar, José Serra optará por uma fala direta à população mineira para ressaltar a importância do papel do Estado na política nacional.

Independentemente de Aécio vir ou não a ser o vice, os tucanos vão se empenhar para alterar a ideia muito disseminada em Minas de que a vaga na chapa presidencial oferecida a Aécio Neves significa subalternidade de Minas a São Paulo.

Ao contrário, a disposição de Serra é dizer que os paulistas não pretendem ser antagonistas dos mineiros, inclusive porque têm muito a aprender com eles na política.

A comemoração do centenário de Tancredo em Belo Horizonte seria, na visão dos tucanos, uma oportunidade de Serra começar a se aproximar mais do eleitorado de Minas e tentar aplacar os ânimos que vêm sendo bastante acirrados por iniciativa dos correligionários do governador mineiro.

O editorial do jornal Estado de Minas de ontem, sob o título Minas a reboque, não!, vocaliza essas queixas. Acusa os dirigentes do PSDB de querer impor um papel subalterno ao Estado, "só para injetar ânimo e simpatia à chapa que insistem ser liderada pelo governador de São Paulo, José Serra".

Preocupados com a boataria de que Serra poderia desistir da candidatura à Presidência em decorrência do significativo crescimento da candidatura Dilma Rousseff nas pesquisas, os tucanos chegaram à conclusão de que nesta semana o governador precisaria fazer gestos que indicassem a confirmação, ou a desistência da candidatura, e pusessem fim às especulações.

O primeiro sinal foi dado na terça-feira, com o anúncio do afastamento de integrantes do governo que passariam a compor a equipe de campanha.

O segundo foi o discurso do Congresso, tido pelos correligionários como indicativo do tom a ser adotado na disputa com o PT, e o terceiro poderia ser dado hoje em Minas.

Havia esperança no PSDB de que Serra pudesse iniciar a abertura de um caminho que levasse Aécio ? hoje resistente ? a aceitar o lugar de vice na chapa tucana sem que pareça capitulação a um papel coadjuvante.

Contexto

O processo eleitoral está no seguinte pé: uma campanha liderada por um presidente forte com candidata fraca, contra um candidato forte de oposição sem campanha.

A questão a ser esclarecida no transcorrer da disputa é se vai prevalecer a competência da campanha ou a consistência dos candidatos como fator de convencimento do eleitorado.

Até agora tem prevalecido o quesito em que Lula é bamba, a agitação de palanque. A oposição argumenta que ele joga sozinho.

Mas joga porque, além das circunstâncias desigualmente favoráveis fornecidas pela combinação dos instrumentos de governo e total ausência de pudor no seu uso, seus adversários deixaram que jogasse.

Ativeram-se unicamente à própria estratégia de fazer tudo a seu tempo. É de se concordar que talvez não tivessem outro jeito, dada a falta de traquejo no ofício de se opor.

Isso, no entanto, não tira o mérito de Lula. Ele conseguiu antecipar o calendário. Deixou a agenda tão adequada à sua conveniência que, ao contrário de eleições passadas, quando antes de abril não se oficializava nada, exige-se o lançamento de candidatos três meses antes das convenções partidárias para a escolha de candidaturas.

Nesse aspecto, o presidente deu um baile no adversário, por ter conseguido atravessar o período em que a oposição foi franca favorita nas pesquisas, com pose de campeão.

Caso encerrado

Ou o DEM reivindica a vice na chapa do PSDB como forma de pressão sobre Aécio Neves aceitar ou resolveu esquecer o acordo firmado lá atrás com o tucanato. Uma terceira hipótese é que ande em busca de um assunto para se desviar de suas agruras.

Quando Gilberto Kassab foi escolhido vice de José Serra na Prefeitura de São Paulo, em 2004, o partido abriu mão da vaga na chapa presidencial em 2010 e assim ficaram combinadas ambas as partes.

Isso antes dos escândalos do DEM.

UNIVERSIDADE DE S. PAULO - Gildo Marçal Brandão


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

Gildo Marçal Brandão: itinerário(s)
19 de março, 14h00
Anfiteatro de História - USP
(Av. Lineu Prestes, 338 – Cidade Universitária)


I ° momento (14h00 - 14h45)

Abertura

Leitura das notas da aula preparada por Gildo Marçal Brandão para o concurso para
Professor Titular

Comentário de um representante da banca

II ° momento (14h45 – 15h00)

Vídeo sobre Gildo Marçal Brandão

III ° momento (15h00 – 16h00)

Depoimentos

IV ° momento (16h00 – 16h30)

Manifestações de alguns dos presentes na homenagem.

Participantes

Bernardo Ricupero (USP)

Brasílio Sallum Jr. (USP)

Denis Bernardes (UFPE)

Elide Rugai Bastos (UNICAMP)

Francisco Weffort (USP/IEPES)

Gabriel Cohn (USP)

Gabriela Nunes Ferreira (UNIFESP)

Lucas Coelho Brandão (USP)

Luiz Eduardo Soares (UERJ)

Marco Aurélio Nogueira (UNESP)

Maria Alice Rezende de Carvalho (PUC-Rio/ANPOCS)


Maria Hermínia Tavares de Almeida (USP)

Otávio Velho (UFRJ)

Renato Lessa (UFF)

Rossana Rocha Reis (USP)

Vera Alves Cepêda (UFSCAR)

No Congresso, governador de SP eleva o tom contra o PT

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na cerimônia em homenagem ao centenário de Tancredo Neves, no Congresso, José Serra elevou o tom e destacou o radicalismo petista. "O PT acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários da eleição do primeiro presidente civil. E soube colher bons frutos de mudanças e práticas como o Plano Real, o Proer e a Lei Fiscal", discursou.

Serra critica PT e reivindica bandeira social para tucanos

Em discurso no Congresso, tucano diz que partido de Lula foi um dos principais beneficiários das mudanças implementadas no País na era FHC

Ana Paula Scinocca


BRASÍLIA – Provável concorrente do PSDB à Presidência, o governador de São Paulo, José Serra, aproveitou cerimônia em homenagem ao centenário de nascimento do presidente Tancredo Neves, ontem no Congresso, para, em discurso de candidato, resgatar para a oposição a bandeira do desenvolvimento social e esvaziar a tese de que o PT seria o principal responsável pelos avanços do País. No discurso, Serra lembrou o radicalismo do PT e disse que o partido de Lula foi um dos principais beneficiários das mudanças implementadas principalmente nos dois governos tucanos.

"O PT acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários da eleição do primeiro presidente civil e das conquistas sociais e culturais da Constituição e soube, posteriormente, ao longo de seus períodos de governo, colher bons frutos de mudanças institucionais e práticas, como o Plano Real, o Proer (extinto programa de estímulo ao sistema financeiro nacional) e a Lei de Responsabilidade Fiscal", afirmou ao mencionar programas criados ou consolidados na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso. O governador não citou os nomes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem de Fernando Henrique.

Ao fazer um histórico da Nova República, Serra disse que a vitória do partido do presidente Lula, em 2002, foi uma das alternâncias de poder "mais contrastantes" no País, embora, disse ele, o PT tenha sido "encarado, a princípio, se não como força desestabilizadora, ao menos de comportamento radical e deliberadamente à margem da política nacional".

O governador, novamente sem citar o nome de Fernando Henrique, disse que o País conseguiu grandes avanços nos últimos anos e ressaltou a derrubada da superinflação e o "problema persistente da dívida externa herdada". Destacou também o começo de uma "retomada promissora do crescimento econômico", além da "expansão do acesso das camadas de rendimentos modestos ao crédito e ao consumo, inclusive de bens duráveis".

HERANÇA

Serra disse que os futuros governantes do País devem "assumir com humildade e coragem" a herança dos 25 anos de democracia no País. "Não para negar o passado, mas para superá-lo, a fim de fazer mais e melhor." Para Serra, embora o País tenha avançado, a estabilidade econômica não é garantia de um futuro de autossustentação para o Brasil. "Assim como não somos escravos dos erros do passado, tampouco devemos crer que a eventual sabedoria dos acertos de ontem se repetirá invariavelmente hoje e amanhã. A estabilidade, o crescimento e os ganhos de consumo ainda não têm garantidas as condições de sustentabilidade no médio e no longo prazos."

Ele disse que o Brasil de hoje tem a cara e o espírito dos fundadores da Nova República. "Senso de equilíbrio e proporção; moderação construtiva na edificação de novo pacto social e político; apego à democracia, à liberdade e à tolerância; paixão infatigável pela promoção dos pobres e excluídos, pela eliminação da pobreza e pela redução das desigualdades." Além de Serra, a cerimônia reuniu também o governador de Minas, Aécio Neves, neto de Tancredo.

TRECHOS DO DISCURSO DE JOSÉ SERRA

ELOGIOS

"Sr. presidente José Sarney, a quem agradeço a oportunidade de voltar a esta tribuna, depois dos anos que passei aqui, no Senado, a quem cumprimento pelo discurso hoje feito, um verdadeiro documento histórico, e a quem cumprimento, também, pelo papel que teve no processo de transição do Brasil à democracia - se V. Exa. me permite, o seu grande momento na vida pública. Cumprimento também o deputado Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados, nosso companheiro há muitas décadas, e o meu queridíssimo amigo e governador Aécio Neves. Tive a oportunidade de conhecer o Aécio precisamente quando ele era secretário particular do presidente Tancredo Neves, há algumas décadas, de quem ele veio a se tornar o grande herdeiro político, não só dos ensinamentos, mas também de toda a experiência daquele seu avô."

NOVA REPÚBLICA

"Esta Nova República, da qual Tancredo Neves foi um dos principiais, se não o principal fundador, completa neste mês de março 25 anos, precisamente quando Tancredo deveria tomar posse, no dia 15 de março. Eu tenho afirmado que este período, estes 25 anos tratam da História do Brasil como, na verdade, o período em que conteve o maior número de conquistas de indiscutível qualidade política e de qualidade humana. Em primeiro lugar, o País nunca havia conhecido um quarto de século ininterrupto de democracia de massas."

INFLAÇÃO

"A Nova República teve seus dissabores. Ao contrário da fase recente de estabilidade, boa parte dos últimos 25 anos se desenrolou sob o signo da superinflação, com agravamento dos conflitos distributivos a eles associados. E não faltaram, depois, grandes crises financeiras mundiais: 1994 -1995, 1997-1998 e 2007-2008, a maior desde 1929. Ficamos, ainda, muitos anos sem crescimento econômico sustentado. Não faltaram reveses sérios, que, em outras épocas, teriam abalado as instituições. Lembro-me da frustração do Plano Cruzado e dos numerosos planos que se sucederam, alguns com medidas draconianas, como o confisco da poupança."

ALTERNÂNCIA DE PODER

"Não obstante tudo isso, a Nova República, fundada por Tancredo, conseguiu completar com normalidade uma conquista que permaneceu fora do alcance dos regimes do passado: a alternância tranquila no Poder de forças político-partidárias antagônicas, que, no passado, provocava sempre a polarização e a radicalização na sociedade brasileira, como aconteceu, por exemplo, em 1954-1955, e, com consequências mais graves, de 1961 a 1964. Mas, neste último quarto de século, a alternância passou a fazer parte das conquistas adquiridas. Já ninguém mais contesta a legitimidade das vitórias eleitorais e do natural desejo dos adversários vitoriosos de governar sem perturbações."

PT

"O PT, aliás, acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários da eleição do primeiro presidente civil e das conquistas sociais e culturais da nova Constituição, e soube, posteriormente, ao longo de seus períodos de governo, colher bons frutos de mudanças institucionais e práticas como o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal."

DÍVIDA


"Pois bem, o período de um quarto de século da Nova República, sem repressão, sem poderes especiais, conseguiu finalmente derrubar a superinflação. Fez mais: resolveu o problema persistente da dívida externa, herdado, e até deu começo a uma retomada promissora do crescimento econômico e à expansão do acesso das camadas de rendimento modesto ao crédito e ao consumo, inclusive de bens duráveis. Mas duas observações acautelatórias se impõem a esta altura.

A primeira é que as conquistas da segunda redemocratização não foram resultado de milagres instantâneos, custaram esforços enormes e, com frequência, só se deram depois de muitas tentativas e erros. É por isso que o período tem de ser analisado na sua integridade, êxitos e fracassos juntos, já que esses são partes inseparáveis do processo de aprendizagem coletiva, para o qual contribuíram numerosos dirigentes e cidadãos numa linha de continuidade, não de negação e de ruptura. Por exemplo, o Plano Real não teria acontecido não fossem as experiências com os planos anteriores.

A segunda reflexão acautelatória é que nenhuma conquista é definitiva, nenhum progresso no Brasil e no mundo é garantido e irreversível. Assim como não somos escravos dos erros do passado, tampouco devemos crer que a eventual sabedoria dos acertos de ontem e de hoje se repetirá invariavelmente hoje e amanhã."

Tancredo Neves, homem do Brasil:: Mauro Santayana

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Tancredo Neves faria 100 anos hoje. Ao relembrar aqueles meses, dias e horas, dois sentimentos me abalam o espírito: a brevidade da vida e a escassez de homens de Estado. Atribui-se ao chanceler Oswaldo Aranha a constatação de que o Brasil “é um deserto de homens e de ideias”. Foi uma injustiça do bravo gaúcho – companheiro de Tancredo no segundo governo Vargas – para com muitos de seus contemporâneos, e a ele mesmo, invulgar servidor do Estado. Mas há situações históricas em que os grandes homens não deixam muitos seguidores. Naqueles anos finais do regime de exceção, a personalidade de Tancredo começou a destacar-se no horizonte. Ele não estava só: a oposição republicana contava com alguns veteranos combatentes, entre eles Franco Montoro, Ulysses Guimarães, Miguel Arraes, Barbosa Lima Sobrinho, Leonel Brizola.

Embora os houvesse, os olhos mais atentos se dirigiam ao mineiro, porque às convicções democráticas e virtudes pessoais se reuniam as circunstâncias. Ele vivera o passado não como testemunha, e sim como militante político. Mesmo durante a noite de chumbo do regime militar, ele, como exigia a situação, manteve-se atuante na resistência, tanto mais efetiva, quanto mais discreta. Dominava, com paciência montanhesa, a angústia diante do regime de opressão, que censurava a imprensa, prendia, torturava e matava. Mas essa paciência, que ele parecia pastorear pelos corredores do Congresso, ocultava esforço incansável para a manutenção da esperança entre seus companheiros do Congresso e personalidades importantes da sociedade.

Homem da região do garimpo, sabia que todos os dias são de cata, de olhos atentos no fundo da bateia, de mãos seguras no tateio dos grãos esquivos entre os seixos inúteis, a argila pegajosa e os cristais de brilho falso. Ele desprezava os agravos recebidos, como se desdenham os cascalhos opacos, como ocorria nas manifestações públicas de seus adversários. Constatava, com pragmatismo, que as vaias fazem parte da dieta do homem público. Recordo-me que, quando não estava exercendo cargos executivos, e não o submetiam as razões de segurança, recusava, com delicadeza, o oferecimento para usar as salas especiais de espera nos aeroportos. Um dia explicou-me que já havia muitas razões para que as pessoas comuns se sentissem discriminadas, e ele não queria ostentar o mesquinho privilégio.

Poucos homens públicos conheciam, quanto ele, tão bem a história política brasileira. Sentia-se orgulhoso de que os mineiros nela tivessem o destaque conhecido. Referia-se a homens do Império e da Primeira República como se os tivesse conhecido na intimidade. Reconhecia-lhes os defeitos humanos, ao mesmo tempo em que lhes registrava as qualidades. Para ele, o maior equívoco da Independência (e o debitava menos ao príncipe e mais à própria sociedade brasileira daquele tempo) fora a manutenção da escravatura. Além de oprobriosa, a escravidão dificultaria o desenvolvimento da economia industrial, que só ocorreria quando os cativos se transformassem em assalariados.

A associação política de Tancredo com Getulio é dos casos mais emblemáticos da crônica política nacional. Tancredo nunca ocultou sua profunda admiração pelo presidente. Ele atribuía o forte nacionalismo de Vargas, entre outras razões, à história atribulada do Rio Grande do Sul, em seus entreveros com os vizinhos meridionais. A fronteira, ele costumava dizer, ao mesmo tempo em que favorece os pequenos desvios do contrabando, torna mais nítido o sentimento de pátria. Confrontar-se com o inimigo é o mais forte estímulo ao patriotismo. Por isso, tinha profunda admiração pelos pernambucanos, alagoanos e paraibanos, que expulsaram os holandeses do território brasileiro.

A outra forte marca de sua personalidade era a da justiça para com os que trabalham. Logo no início de seu governo, em Minas, metalúrgicos de Barão de Cocais fizeram uma marcha de protesto sobre Belo Horizonte, reclamando melhores salários. Tancredo mandou convidá-los para realizar a manifestação, em segurança, nos jardins do Palácio da Liberdade. E lhes manifestou solidariedade. Não era mero gesto político. Com o ato, o governador deu seu recado aos patrões, para que negociassem logo com os grevistas.

Homenagem emociona ao relembrar a história

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

A deputada Rita Camata, musa da Constituinte, foi às lágrimas ao recordar o passado

Denise Rothenburgd

A homenagem ao centenário de Tancredo Neves emocionou o plenário. A deputada Rita Camata (PSDB-ES), musa do Congresso Constituinte no governo de José Sarney, foi às lágrimas ao ver a cantora Fafá de Belém abrir a sessão solene do Congresso em homenagem aos 100 anos de Tancredo Neves(1) cantando o Hino Nacional — uma cena que ficou marcada na lembrança de todos na campanha pelas Diretas. Depois, a interpretação de Fafá marcaria ainda a eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral e a tristeza pela morte precoce do presidente que não chegou a assumir o governo para completar o trabalho pelo retorno da democracia.

“Há homens que dão a vida por um país: Tancredo deu mais, ele deu a morte, afirmou o presidente do Senado, José Sarney, o vice de Tancredo, a quem coube a obrigação de concluir a transição da ditadura militar para o regime democrático. Sarney contou ainda detalhes daquela noite em que Tancredo foi internado, na véspera da posse, implorando aos médicos que lhe dessem mais algumas horas, que ele precisava tomar posse porque sabia que João Figueiredo não empossaria Sarney. “Ele foi um mártir”, resumiu o senador. Mais cedo, Sarney foi anfitrião da inauguração do busto de Tancredo no Salão Nobre do Senado.

Plenário lotado

Na plateia, com o plenário lotado por autoridades dos mais diversos matizes da política, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) acompanhou a cerimônia de pé. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Mário Veloso e o senador Marco Maciel (DEM-PE) chegaram cedo e conseguiram um lugar. No meio dos convidados que vieram de Minas, uma senhora chamava a atenção: era dona Antônia, que foi secretária de Tancredo. “Não tenho muita coisa para contar. Só sei que os tempos são outros”, desconversava, discreta e elegante.

Os políticos do PT eram presentes. Afinal, temiam, como foi lembrado, a menção à decisão de votar contra Tancredo no colégio eleitoral. O único que defendeu o partido na tribuna foi o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que citou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como sua candidata. Cada político saiu do plenário com um exemplar do livro editado pelo Senado com os discursos do ex-presidente Tancredo. É de lá que todos agora buscam inspiração para conciliar interesses antagônicos. Os tucanos, principalmente, terão de se aplicar nessas lições em busca da unidade, que se mostra cada vez mais distante.

Defensor das instituições

De 1934 a 1985, Tancredo Neves fez de quase tudo. Só não foi prefeito de sua terra natal, São João del-Rei. Vereador, deputado, secretário de estado, diretor de banco, ministro, senador, governador e presidente eleito do país, esse cidadão de profundas convicções liberais — leitor de Alexis de Tocqueville — cultivou o extremo apreço pelas instituições. Conservador, defensor da negociação, do diálogo, da conciliação e do respeito às instituições, estudou na cartilha da democracia liberal. Eleito pelo Colégio Eleitoral, faleceu em 21 de abril de 1985, devido a complicações decorrentes de uma diverticulite aguda.

Serra convida e Aécio diz 'não'

DEU EM O GLOBO

Em encontro na madrugada de ontem, em Brasília, o governador tucano José Serra convidou o colega Aécio Neves para ser vice em sua chapa presidencial, mas o mineiro recusou: "Não cogito."

Aécio recusa convite de Serra para ser seu vice

ELEIÇÕES 2010

Tucanos combinaram, porém, atuação conjunta na campanha

Gerson Camarotti, Adriana Vasconcelos e Maria Lima

Ogovernador tucano de Minas, Aécio Neves, foi convidado pelo governador José Serra e recusou ser vice na chapa presidencial encabeçada pelo colega paulista. O encontro dos dois, mantido em sigilo, ocorreu na madrugada de ontem, num hotel de Brasília, e suas consequências foram sentidas na sessão solene de ontem, no Congresso, em homenagem ao centenário de nascimento do ex-presidente Tancredo Neves. O PSDB pretendia transformar a sessão de ontem num evento político para afastar qualquer dúvida sobre a candidatura presidencial de Serra, mas acabou surtindo um efeito contrário ao expor o racha enfrentado pelo partido nos bastidores.

A conversa na madrugada de ontem, porém, foi boa, segundo assessores de Aécio e Serra. O paulista fez a sondagem para o mineiro integrar a chapa de forma bem cuidadosa, deixando espaço para a negativa, o que ocorreu. Combinaram então as formas de apoio, como atuarão juntos. Aécio comentou com assessores que achou Serra muito bem, animado e decidido.

Foi a primeira vez que Serra tocou no assunto vice com Aécio. Assessores do paulista disseram acreditar que ainda ficou aberta a porta para conversa sobre a vice-presidência mais adiante, em maio ou junho.

Já no evento de ontem, que ocorreu no plenário do Senado, Serra e Aécio Neves ficaram distantes. Ao final do dia, os tucanos classificavam o evento como um espécie de "anticlímax" no caminho de consolidar o nome de Serra para a sucessão do presidente Lula, só aumentando as dúvidas e incertezas no partido. Os dirigentes e líderes evitaram entrevistas sobre o assunto.

Serra chegou atrasado à cerimônia e perdeu a inauguração do busto de Tancredo Neves no Salão Negro do Senado, e se recusou a falar de eleição. Sem concorrência, Aécio virou a atração principal da solenidade em memória de seu avô e foi saudado pela cúpula peemedebista como o grande sucessor de Tancredo, a quem o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), se referiu como "o maior político do país desta fase contemporânea da História".

Em entrevista, Aécio repetiu várias vezes que não seria vice:

- Não cogito essa possibilidade. Não cogito - disse, na chegada, repetindo, depois, na saída uma frase dita pelo avô: - Não adianta empurrar, empurrado eu não vou.

Insistentemente perguntado, Serra não cedeu:

- Não vim aqui para tratar de política eleitoral. Por enquanto, eu continuo concentrado no meu trabalho de governador de São Paulo.

Ao sair do Congresso, ele foi abordado por uma equipe do programa humorístico CQC, que ofereceu a ele um saco de pipocas e perguntou:

- Governador, o senhor vai mesmo ser candidato a presidente da República ou vai pipocar?

- Na hora vocês vão saber... - respondeu Serra rindo, sem pegar o saco de pipocas.

Diante da insistência se não iria pipocar, Serra disse:

- Não, eu vou comer a pipoca - disse, tirando um punhado de pipocas e comendo uma.

Depois, foi embora com o deputado Jutahy Junior (PSDB-BA), partindo para São Paulo no meio da tarde, enquanto Aécio ficou reunido com líderes tucanos no Senado. Com quem conversou, Serra deixou claro que não dará uma declaração de candidatura até abril. Mas deixou entre seus interlocutores a impressão de que é candidatíssimo.

- O Serra vai começar a se movimentar como candidato, sem anunciar que é candidato. No rápido encontro que ele teve com Aécio no Senado, deixou claro que é candidato. Depois do discurso dele em homenagem ao Tancredo, alguém tem alguma dúvida de que ele é candidato? - disse Jutahy Junior.

Diante do clima de crise manifestado pelas bancadas do PSDB no Congresso, Aécio Neves pediu "um pouco de serenidade" ao partido. Aécio lembrou que no momento em que anunciou a retirada de sua candidatura, fez um gesto de "despreendimento e de busca da construção da unidade partidária". Ao ser perguntando se não teme ser responsável por uma derrota do PSDB caso negasse ser vice na chapa de Serra, o mineiro foi enfático:

- Cada um de nós é responsável por aquilo que faz, e eu certamente serei responsável pelos meus atos políticos e, neste momento, a forma de eu ajudar a candidatura do meu partido é estando em Minas.

Para fazer gestos na tentativa de acalmar aliados, Serra irá hoje para a cerimônia de inauguração da Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, a nova sede do governo mineiro.

Ainda esta semana irá a Goiás, para a festa de aniversário do senador Marconi Perilo (PSDB-GO), e ao Rio Grande do Sul, na Festa da Uva. Mas, depois do encontro de anteontem, foi cancelando jantar que teria com Aécio, ontem, em Belo Horizonte.

O mal-estar no PSDB pode ser resumido na frase de um importante senador tucano, no fim do dia ontem:

- Vamos deixar Serra sofrer mais um pouco para ver se ele desiste logo, e Aécio assuma isso.

Editorial reflete resistência mineira

A resistência dos mineiros à forma como o PSDB conduziu a escolha foi traduzida em editorial na primeira página de ontem do jornal "O Estado de Minas", cujo título era: "Minas a reboque, não!". O texto diz: "Indignação. É com esse sentimento que os mineiros repelem a arrogância de lideranças políticas que, temerosas do fracasso a que foram levados por seus próprios erros de avaliação, pretendem dispor do sucesso e do reconhecimento nacional construído pelo governador Aécio Neves. Pior. Fazem parecer obrigação do líder mineiro, a quem há pouco negaram espaço e voz, cumprir papel secundário, apenas para injetar ânimo e simpatia à chapa que insistem ser liderada pelo governador de São Paulo, José Serra, competente e líder das pesquisas de intenção de votos até então". O jornal cita dois supostos erros dos tucanos: a falta de debates para a escolha do candidato, como as prévias defendidas inicialmente por Aécio, e a demora na definição, o que estaria atrapalhando a busca de alianças. E pede ainda que Aécio rejeite ser vice na chapa de Serra, ou o "papel subalterno que lhe oferecem".

Defesa da gestão do PSDB

DEU EM O GLOBO

Serra discursa como candidato; Aécio diz não temer incompreensões

BRASÍLIA. Mesmo sem o acordo para a chapa presidencial, os governadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) se uniram ontem, nos discursos em homenagem ao centenário de Tancredo Neves, para defender os governos do PSDB e ressaltar que foi essa herança que proporcionou ao presidente Lula obter a aprovação que tem hoje. Serra citou o PT e tentou passar uma postura de candidato em seu discurso, que centrou muito mais no quadro histórico e político do Brasil nos 25 anos pós-redemocratização. Aécio frisou o espírito conciliador do avô.

Sem citar o governo Fernando Henrique Cardoso, Serra elogiou as conquistas da gestão tucana como a estabilidade econômica. Ele disse que o PT encarnava um comportamento "radical e deliberadamente à margem da política", e que foi um dos principais beneficiários da redemocratização "ao saber colher bons frutos" de medidas como o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas, com discurso de candidato, ponderou que nem tudo está totalmente resolvido:

- É necessário ter isso presente, porque a estabilidade, o crescimento, os ganhos de consumo ainda não têm garantidas as condições de sustentabilidade no médio e longo prazos. Nosso dever é, por conseguinte, o de assumir com humildade a coragem e a herança desses 25 anos (não) para negar o passado, mas para superá-lo, a fim de fazer mais e fazer melhor.

Mesmo de forma polida, Serra não perdeu a oportunidade de alfinetar Lula: .

- Fases da História não podem ser arbitrariamente datadas a partir de um ou outro governante ao qual queiram alguns devotar um culto de exaltação.

Na mesma linha, Aécio ressaltou as conquistas dos últimos 25 anos, frisando que não foram obra de um só homem, ou de um só governo:

- É preciso valorizar os avanços que se iniciaram com Itamar (Franco), passaram por Fernando Henrique e continuaram com Lula, até porque o governo Lula é consequência do governo Fernando Henrique. Se não houvesse o real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo Lula seria diferente.

Aécio aproveitou o discurso para fazer um desabafo sobre a pressão para ser o vice de Serra. Lembrou que as grandes decisões são sempre solitárias, mas não se pode temer as incompreensões pela decisão tomada:

- Precisamos resistir às pressões que nos afastam do que acreditamos. Acostumar os olhos à luz e à sombra da política, para enxergarmos com clareza os interesses menores que se travestem de interesse coletivo. Não podemos temer a incompreensão.

PT foi contra a Lei Fiscal

DEU EM O GLOBO

Sancionada em maio de 2000 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada para que os administradores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário passassem a ter limites de despesas e tivessem que prestar contas de como gastam o dinheiro público. À época, parlamentares petistas e do PCdoB votaram contra a lei, entre eles agora ex-ministros do governo Lula, como Agnelo Queiroz, Aldo Rebelo, Eduardo Campos, Ricardo Berzoini e Antonio Palocci, os senadores Aloizio Mercadante e Eduardo Suplicy, o atual governador da Bahia, Jacques Wagner, a pré-candidata do PV à Presidência, Marina Silva, que em 2000 ainda fazia parte da bancada do PT, e o atual presidente nacional do partido, José Eduardo Dutra.

Dutra, que era senador na época, explicou porque a bancada do PT na Câmara havia votado contra a lei. "O pagamento de juros é intocável, não obedece a qualquer limite. Os gastos com educação, pessoal ou saúde não podem ser majorados sem aumento de arrecadação, mas os juros são sagrados" disse Dutra, em fevereiro de 2000, antes de a lei ser aprovada pelo Senado.

Em 2005, cinco anos depois de a lei ter sido sancionada, Palocci, então ministro da Fazenda, declarou: "Quero fazer uma autocrítica porque naquele momento a minha bancada falhou. Naqueles idos de 2000, nós não demos apoio à lei. Essa foi uma falha da nossa bancada e eu me incluo nessa falha. Eu fazia parte daquela bancada e os registros devem ser feitos de forma honesta".

No ano passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que, durante seu governo, enfrentou a oposição implacável dos congressistas do PT contra todos os projetos do governo.

A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê também que os governantes não poderiam, no período de 180 dias antes das eleições, iniciar obras, contratar funcionários, aumentar salários ou criar novas despesas na forma de restos a pagar. Pela lei, os gastos com pessoal não podiam ultrapassar 50% da receita para a União e 60% para estados e municípios.

Serra avisa ao PSDB que é candidato

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra, confirmou à cúpula do PSDB que é candidato à Presidência. O tucano deixou clara a disposição de concorrer em jantar com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e em conversas com senadores. Na aproximação com Aécio, nome que Serra quer como vice, o tucano paulista participa hoje da inauguração do novo complexo administrativo de Minas Gerais.

Serra diz que é candidato e convida Aécio para ser vice

Governador avisa ao partido que disputará Presidência e tenta convencer mineiro

Em jantar, Aécio repete que tentará Senado; em discurso em Brasília, paulista sai em defesa de legado de FHC e afirma ser preciso fazer mais

Catia Seabra
Da Reportagem Local
Valdo Cruz
Da Sucursal De Brasília

Em conversas desde a noite de terça-feira, o governador de São Paulo, José Serra, admitiu à cúpula do PSDB que é candidato à Presidência da República. Serra -que até já discute a data para o anúncio oficial da candidatura- deixou clara sua disposição de concorrer num jantar na noite de anteontem com o governador de Minas e vice de seus sonhos, Aécio Neves.No encontro, Serra agiu como candidato ao convidar pela primeira vez de forma direta Aécio para ser companheiro de chapa. Mais uma vez, o mineiro disse não, mas o paulista não desistiu de convencê-lo.

Aécio afirmou ontem a interlocutores que não tem mais dúvida da candidatura Serra. "Pode esquecer. O Serra é o candidato", comentou, depois da sessão solene do Senado em homenagem ao centenário de seu avô, Tancredo Neves.

Na conversa, que invadiu a madrugada de ontem e contou com a presença do presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), Aécio desencorajou Serra a insistir em seu nome para a vice. Alegando que poderia contribuir mais para o partido concorrendo ao Senado, argumentou que seria prejudicial à campanha criar falsa expectativa.

Aécio se comprometeu ainda a obter a vitória do PSDB em Minas e defendeu o nome de Tasso Jereissatti (CE) para vice. Horas depois, numa conversa com os senadores do partido, repetiu seus argumentos. E apelou: "Por favor, não insistam no meu nome para a vice".

Serra também demonstrou a intenção de concorrer em diferentes conversas ontem, durante sua passagem por Brasília. Sentado a seu lado, um senador lhe disse que a bancada do PSDB está à espera de sua definição. "Sou candidato. Só espero a data ideal para o anúncio", respondeu Serra, segundo esse senador.

Em outra conversa, o tucano reconheceu a hipótese de lançar sua candidatura antes do prazo fatal para o anúncio, 2 de abril. Como a data-limite de desincompatibilização coincide com a Semana Santa, a decisão não teria impacto se formalizada em pleno feriado. Até lá, ele se valerá da exposição como governador de São Paulo.

Sinais e discurso

O roteiro cumprido em Brasília atende a pedido de PSDB, DEM e PPS para que Serra dê sinais claros de que será candidato, ainda que não anuncie.

Aliados do governador admitem que o espaço para um eventual recuo é pequeno, mas ressalvam que ele pode reavaliar a candidatura caso não consiga ter Aécio na vice ou se Dilma Rousseff (PT) ultrapassá-lo em pesquisas antes do prazo de desincompatibilização.

Além das conversas internas, o discurso público do governador de São Paulo já toca explicitamente num dos temas centrais da campanha: a comparação entre os governos do PT e do PSDB. Em seu pronunciamento na sessão de homenagem a Tancredo, ele criticou o rótulo de "herança maldita" usado pelo PT para rechaçar um possível retorno tucano ao Palácio do Planalto.

"O PT acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários da eleição do primeiro presidente civil e das conquistas sociais e culturais da Constituição e soube, posteriormente, colher bons frutos de mudanças institucionais e práticas, como o Plano Real, o Proer [programa de ajuda a bancos de FHC] e a Lei de Responsabilidade Fiscal", disse, repetindo trechos de artigo seu na revista "Veja".

Ele enalteceu conquistas do governo FHC sem, no entanto, fazer críticas à gestão de Lula. Disse que não se deve negar o passado, e sim "superá-lo, a fim de fazer mais e melhor".

Na volta a São Paulo, ainda que demonstrando certa impaciência e desconforto diante da avalanche de perguntas sobre quando definirá se será candidato, Serra deu uma rara declaração: "Eu nunca afastei a possibilidade de vir a ser candidato, coisa que declarei há mais tempo. Existe a possibilidade de eu ser candidato? Existe sim. Ela não foi afastada", disse, após participar de inauguração na unidade neonatal do hospital de Sapopemba (zona leste).

Colaboraram a Sucursal de Brasília e a Reportagem Local

PT, PSDB e mimetismo:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Os dois partidos procuram imitar os sucessos uns dos outros; em discurso, ontem, Serra elogia a continuidade

José Serra está mais do que nunca assediado por seu partido e aliados, para quem o governador deveria lançar sua candidatura hoje mesmo, em mais outra homenagem ao centenário de Tancredo Neves. Sabe-se lá o que Serra dirá hoje em Minas, mas, na homenagem do Congresso a Tancredo, ontem, fez uma espécie de "discurso de união nacional".

Ou melhor, um discurso sobre como os governos pós-1985 tiveram um vetor, a redemocratização, a "Nova República". Experiências e aprendizados desse período teriam se sedimentado num contínuo de melhorias sociais e econômicas que parecem independer de governos específicos -pelo menos os governos não são nomeados. Houve um "processo", como FHC e tucanos sempre gostaram de dizer.

As resultantes mais positivas desses vetores democráticos são destacadas por Serra. Apesar da crítica oblíqua ao PT, Serra acaba por elogiar o desempenho do governo Lula.

Tal como Lula, na prática, rendeu homenagem a FHC ao adotar as linhas básicas da política econômica do governo FHC 2. As duas forças antagônicas e dominantes da política brasileira desde 1994, PSDB e PT, procuram se mimetizar.

Na definição de dicionário, mimetismo é uma adaptação por meio da qual um organismo passa a ter características que o confundem com um representante de outra espécie.

"O período de um quarto de século da Nova República (...) conseguiu derrubar a superinflação [FHC]. Resolveu o problema persistente da dívida externa [Lula], herdado, e até deu começo a uma retomada promissora do crescimento econômico e à expansão do acesso das camadas de rendimentos modestos ao crédito e ao consumo [Lula], inclusive de bens duráveis", disse Serra.

Alhures, Serra lembra a adesão do PT ao projeto de estabilidade fiscal, iniciado por FHC, e a reconciliação do partido de Lula com a Constituição de 1988. Os petistas se negaram a subscrever a Carta, defendendo-a, porém, quando o PSDB tentou reformá-la de modo "neoliberal". O próprio Serra disse um dia que considerava a Constituição populista e estatizante demais para seu gosto.

Como convém em cerimônias, Serra não dispara tiros de canhão no concerto. Passa, assim, uma visão algo açucarada da Nova República. A começar pelo emprego do termo "Nova República", desmoralizado já ao final do seu primeiro governo.

A gestão de José Sarney foi caótica e inepta, com a colaboração do PMDB, que então abrigava os futuros tucanos. Foi um governo de fisiologia grossa, que refundou as bases da oligarquia das regiões pobres por meio da doação de TVs. Foi o governo do estelionato do Plano Cruzado, mantido mesmo quando inviável para dar a vitória eleitoral ao PMDB. Foi governo de hiperinflação, moratória e coisas ainda piores.

A democracia nunca durou tanto no país como nos anos pós-1985. É verdade. Mas apenas em 2002 um presidente eleito passou a faixa a um sucessor. Tal coisa ocorrera pela última vez em 1960, de JK para Jânio Quadros. Melhor do que antes. Mas a mudança ainda é lenta. FHC começou a pacificar o país, pela "direita"; Lula o fez "pela esquerda". Não houve de fato ruptura. Serra parece gostar da ideia. Dilma também.

Os erros solitários de um candidato:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A pesquisa Datafolha do último fim de semana, que já registra o empate técnico entre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), candidato a presidente em 2002 e agora, e a ministra Dilma Rousseff (PT), nunca antes candidata, não é o resultado de uma estratégia equivocada de Serra - que no ano passado era o favorito à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, mas de uma total ausência de estratégia. Serra considerou seu favoritismo nas pesquisas como um fato dado, sem possibilidade de reversão. Errou. Contra, aliás, a opinião de uma boa parte dos seus aliados, de que deveria entrar em campo na disputa sucessória - oficialmente - ainda no final do ano passado, quando as pesquisas já apontavam uma subida sustentada de Dilma nas pesquisas.

O fato de Serra poder errar solitariamente como candidato não de um, mas de dois partidos - PSDB e DEM estão juntos nessa desde a eleição do próprio Serra para a prefeitura de São Paulo, em 2004 -, é um sério indicativo das limitações partidárias de sua candidatura. O PSDB é um partido de quadros, mas os quadros são cada vez mais escassos e não são substituídos por novas lideranças, nem por uma ligação mais orgânica com setores da sociedade dos quais é representante.

A tendência, em partidos de coesão frouxa, é que a unidade aconteça apenas em ocasiões eleitorais em que haja uma inegável chance de um líder do partido arrebatar o poder pelo voto. Serra era esse líder no ano passado. A contradição desse tipo de aglomeração partidária é que uma perspectiva clara de poder consegue comprometer o partido por inteiro, mas o espaço para decisões coletivas em relação a uma candidatura é sempre restrito. O candidato tem uma espécie de poder presidencialista sobre sua campanha e o exerce como se fosse o síndico do partido: toma as decisões por delegação. Se é bem sucedido, obtém apoios e mantém uma certa coesão em torno de seu nome. Quando decresce nas intenções de voto, todavia, corre o risco de ser o síndico de uma massa inorgânica e ficar isolado na disputa. O governador de São Paulo se arrisca ao isolamento, antes mesmo de resolver assumir oficialmente a sua candidatura, se não conseguir reverter as pesquisas.

Essa não é uma situação inusitada no PSDB. Nas eleições de 1989, as primeiras diretas para presidente depois de um período de ditadura, o partido praticamente obrigou o então senador Mário Covas a se candidatar a presidente, como uma missão para tornar o recém-criado PSDB conhecido do eleitor. Como não deslanchou, Covas terminou as eleições praticamente sozinho. Em compensação, munido de sua delegação presidencialista, conseguiu passar por cima das resistências dos demais líderes tucanos e apoiou o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo turno eleitoral, contra as pretensões de Fernando Collor de Mello, do PRN, partido de ocasião que o elegeu presidente.

Nas eleições de 2002, o candidato José Serra atropelou o outro pretendente do PSDB à Presidência - o senador Tasso Jereissati (CE), hoje uma possibilidade para compor a chapa de Serra como vice - e saiu candidato à sucessão do tucano Fernando Henrique Cardoso. Quando ficou claro que sua candidatura não deslanchava, um movimento no interior do partido ganhou o próprio mercado financeiro, que começou a especular em torno de sua substituição como candidato. O país sofreu um "efeito Serra" na economia antes mesmo de se intensificar o "efeito Lula" que levou o dólar às alturas, frente ao real. Especulou-se ativamente com a derrota do candidato tucano antes mesmo de se iniciar oficialmente o processo eleitoral. Serra não foi substituído, mas sua candidatura não decolou. Foi derrotado pelo PT de Luiz Inácio Lula da Silva depois de percorrer o caminho que Geraldo Alckmin faria também nas eleições seguintes, as de 2006: teve nas mãos uma "delegação presidencialista" na campanha eleitoral, com enorme autonomia em relação ao partido na definição de estratégias política e, nas vésperas da derrota, amargou o isolamento. Quando se configura a derrota, ocorre, via de regra, o descolamento das eleições estaduais do partido em relação ao candidato presidencial. Os candidatos nos Estados preservam seus redutos, a despeito dos interesses da candidatura presidencial.

Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, as condições para a vitória se localizaram fora do partido: o Plano Real, engendrado por um núcleo tucano de economistas e posteriormente com paternidade assumida pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso; e a continuidade de um governo que havia estabilizado a economia. O projeto de poder foi solidificado porque ganhou organicidade quando coincidiu com o de um setor da sociedade que emergia, na esteira de uma proposta liberal de organização econômica assumida pelo plano lançado no governo Itamar Franco e aprofundado nos dois governos de FHC. Nas duas eleições seguintes, que levaram e reconduziram Lula ao poder, os interesses dos grupos sociais que estabeleceram relações orgânicas com o PSDB e seu aliado, o DEM, foram definidos mais por oposição ao projeto político do PT do que propriamente por relações umbilicais com os dois partidos. A organicidade foi estabelecida de fora para dentro.

O problema da falta de coesão interna é que o partido consegue se manter como representante ideológico de setores sociais só quando se configura como a antítese de projetos de poder dos setores que a eles se opõem. Assim, precisa ter candidatos altamente competitivos porque, dividido, tem fracas possibilidades de construir candidaturas e lideranças novas. E, nos intervalos eleitorais, tem que suprir a ausência de organicidade por um discurso agressivo, quase ofensivo, que o possa manter como a antítese do poder vigente, aquele que polariza com um outro projeto de poder.

A dificuldade de formulação de programas alternativos a um que está no poder decorre das limitações de um partido com elos internos frouxos. Por "delegação presidencialista" ao candidato nacional, a proposta doutrinária acaba se originando na campanha do postulante à Presidência, não é uma formulação partidária. Assim, a doutrina acaba servindo muito pouco à coesão interna e à elaboração orgânica de um programa como representante vo dos interesses de determinados grupos sociais. Daí, volta a prevalecer o bate-boca como instrumento de campanha, em substituição ao debate programático.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

"PT foi um dos principais beneficiários da Nova República", diz José Serra

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raquel Ulhôa, de Brasília

Na sessão solene em comemoração ao centenário de Tancredo Neves, transformada pelo PSDB em festa tucana, o governador de São Paulo, José Serra, atribuiu a chegada do PT ao poder a uma das conquistas políticas e democráticas da Nova República, que completa 25 anos: a alternância tranquila no poder de forças político-partidárias antagônicas, pondo fim à polarização e à radicalização na sociedade brasileira. Assim como o governador de Minas, Aécio Neves, neto de Tancredo, Serra defendeu medidas adotadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a partir das quais o PT soube "colher bons frutos", segundo ele.

"Já ninguém mais contesta a legitimidade das vitórias eleitorais e do natural desejo dos adversários vitoriosos de governar sem perturbações. O resultado é ainda mais impressionante quando se observa que uma dessas alternâncias aparentemente mais contrastantes foi a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, que encarnava, a principio, se não uma força desestabilizadora, ao menos um comportamento radical e deliberadamente à margem da política nacional."

Serra completou seu raciocínio afirmando que o PT foi "um dos principais beneficiários da eleição do primeiro presidente civil e das conquistas sociais e culturais da nova Constituição, e soube, posteriormente, ao longo de seus períodos de governo, colher bons frutos de mudanças institucionais e práticas como o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal".

Serra, que chegou a coordenar o programa de governo de Tancredo, classificou os 25 anos da Nova República como o período das maiores conquistas de qualidade política e humana - um período ininterrupto de democracia de massas. Citou a expansão da cidadania, das liberdades civis e políticas, o fim das restrições ao direito de voto, a ampliação da participação das massas populares, a ausência de conspirações e golpes militares e a derrubada da superinflação.

Apesar das conquistas, o governador paulista enfatizou a necessidade de duas "observações acautelatórias". Primeiro, que as conquistas da segunda redemocratização custaram esforços enormes e o período tem de ser analisado no todo, "na sua integridade, êxitos e fracassos juntos, já que esses são partes inseparáveis do processo de aprendizagem coletiva, para o qual contribuíram numerosos dirigentes e cidadãos numa linha de continuidade, não de negação e de ruptura". Como exemplo, citou que o Plano Real não teria acontecido sem as experiências de planos anteriores.

A segunda é que nenhuma conquista é definitiva e irreversível. De acordo com o governador, a estabilidade, o crescimento e os ganhos de consumo "não têm garantidas as condições de sustentabilidade no médio e longo prazos.

Aécio também citou as conquistas dos 25 anos da Nova República e dedicou-se especialmente a falar do avô Tancredo, cuja característica mais marcante, disse, era a busca da conciliação. Pressionado a assumir a Vice-Presidência na chapa de Serra, Aécio desabafou: "No exercício do poder nunca estamos sozinhos. Mas somos sempre sós. As grandes decisões são sempre solitárias. Indelegáveis...Precisamos resistir às pressões que nos afastam daquilo que acreditamos. Precisamos acostumar os olhos à luz e à sombra da política, para enxergarmos com clareza os interesses menores que se travestem de interesse coletivo...Não podemos temer a incompreensão, quando agimos de acordo com a nossa consciência e responsabilidade."

Agora, com ou sem Aécio de vice, campanha de Serra tem que começar:: Jarbas de Holanda

Os dados do Datafolha divulgado no ultimo domingo atropelaram o cronograma que o governador paulista José Serra insistia em manter para a formalização da sua candidatura presidencial, retardando-a para abril com base no cálculo de que até lá a vantagem sobre Dilma Rousseff, mesmo que decrescendo, seria preservada com índices de clara superioridade nos dois turnos da disputa do Palácio do Planalto. Números básicos da pesquisa: redução dessa vantagem de 14 para 4 pontos percentuais; aumento da rejeição a Serra de 6%, de 19 para 21%, contra o de 2% relativo a Dilma; na projeção do 2º turno, queda da superioridade de 15 pontos (49 a 34% que ele tinha em dezembro, para apenas 4 (45 a 41%) no final de fevereiro; diminuição da diferença pró-Serra no Sudeste de 41 a 19% para 38 a 24%, de par com a ampliação da vantagem de Dilma no Nordeste – de 31 a 28% para 36 a 22%. Tudo isso com o pano de fundo da manutenção e até do reforço da popularidade do presidente Lula – de
72 para 73%;

O principal efeito do novo cenário pré-eleitoral (combinado com o desgaste do DEM decorrente do mensalão de Brasília), cuja projeção aponta para possível liderança da candidata lulista em próximas pesquisas, está sendo a intensificação, em um grau elevadíssimo, das pressões dos dirigentes do PSDB e dos aliados DEM e PPS para que o mineiro Aécio Neves aceite tornar-se o candidato a vice de Serra. Ao que este segue resistindo, com improvável mudança de postura. Até por causa da necessidade imperativa que diz ter de preservar o controle da política mineira, posto em xeque pela prioridade que o presidente Lula passou a atribuir a uma vitória de sua candidata no estado. Para o que, ajudado por esse novo cenário, está montando um palanque nacionalmente relevante senão decisiva, e para sinalizar coesão dos tucanos às diversas forças políticas e sociais. Tentando a todo custo levar o líder mineiro a aceitar os apelos que lhe são feitos. Mas tendo já que combinar tal empenho com a necessidade imperiosa de desencadeamento da campanha de Serra, à espera do vice ideal ou com a complicada busca de nome alternativo, provavelmente do Nordeste e do próprio PSDB ou do DEM.

“A ascensão de Dilma” – Trecho de editorial do Estado de S. Paulo, com este título, de ontem: “Além da desarticulação e dos problemas internos do PSDB, aos quais se somam as atribulações do DEM, é evidente, pelo menos até agora, que Serra só tem a oferecer ao eleitor a credencial da sua competência. Não é pouco, decerto. Afinal, Serra terá de começar a divulgar as suas idéias a respeito do futuro do País, consolidadas num programa de governo, ao passo que Dilma não tem de se dar a esse trabalho. Para ela, basta dizer que continuará fazendo tudo o que o governo Lula faz. Não bastasse, Serra precisa resolver os dilemas que tolhem sua candidatura e que o impedem de arregaçar as mangas e entrar de cabeça na campanha eleitoral. Pois o fato é que, para grande parte dos eleitores, até agora Dilma está sem adversários na corrida eleitoral”

Omissão do PSDB e crescimento de Dilma – Trecho de editorial do Valor, também de ontem: “Os resultados da pesquisa Datafolha refletem não apenas as ações do PT (submetido à vontade Lula) e de Dilma Rousseff, mas a ação correspondente de seus principais adversários, Serra e o PSDB. Os aliados dos governadores de São Paulo cobram dele uma definição desde o único oposicionista para a disputa do cargo de governador, em torno do peemedebista Hélio Costa e com o sacrifício da alternativa petista de Fernando Pimentel ou de Patrus Ananias.

Para Aécio Neves, tal risco só poderá ser enfrentado com dedicação central dele à campanha de seu candidato ao governo, Antonio Anastasia, e à própria, para o Senado. Complemen-
tando com o argumento de que assim terá condições, também, de dar o melhor apoio possível à candidatura de Serra. Argumento a que as executivas dos três partidos de oposição respondem procurando demonstrar a essencialidade da presença de Aécio como vice para uma vitória em Minas, considerada fim do ano passado. Antes, a falta de clareza de Serra no cenário eleitoral era revelada pelo fato de existir um outro postulante à legenda para a Presidência, Aécio Neves, o governador de Minas. Aécio retirou-se da disputa - então, a pretexto de evitar confronto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Serra se manteve apenas como “provável” adversário do PT. Não assumiu a sua postulação, embora, no momento anterior, tivesse mostrado agressividade suficiente para tirar um correligionário da disputa. Um dos resultados disso é que se submete a permanentes especulações de que pode sair da disputa”.

Jarbas de Holanda é jornalista

PAC: dilemas políticos e o debate eleitoral :: Rafael Cortez e Felipe Salto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O total programado para 2007/2010, segundo a Casa Civil, era R$ 638 bilhões, mas só 40,3% foram concluídos

A disputa pela sucessão de governos com elevada aprovação cria um ambiente político favorável para uma campanha eleitoral por parte da candidatura governista, em torno dos riscos eleitorais da oposição no poder. Um governo bem avaliado tem todas as condições de buscar o voto por meio da criação de um ambiente de incerteza fruto da alternância de poder. O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal deve ser objeto de disputa política em torno da eleição. Governo e oposição sistematicamente manifestam-se publicamente, trocando acusações em torno da eficiência do programa.

Este artigo tem o objetivo de fazer uma avaliação do PAC à luz dos propósitos iniciais do governo. Teria o PAC, de fato, intensificado o crescimento? Em outros termos, um programa de investimentos, de fato, aumentou o ritmo do crescimento da formação bruta de capital fixo - variável fundamental para o potencial de crescimento da economia?

Do ponto de vista eleitoral, a lógica de uma candidatura da situação bem avaliada pelos eleitores é jogar com as incertezas políticas proporcionadas pela alternância do poder. Trata-se daquilo que a literatura chamou de "voto retrospectivo". A lógica do argumento é que eleitores não teriam nenhum incentivo para confiar em políticos em época eleitoral, pois não haveria garantia que os compromissos de campanha seriam efetivamente colocados em prática. Os eleitores sabem que políticos precisam de votos e não medem esforços em termos de promessas de campanha. Nessa perspectiva, o comportamento racional dos eleitores seria olhar o desempenho governamental como proxy do comportamento real dos políticos.

O governo federal tem utilizado essa estratégia. O balanço de três anos do PAC abriu mais uma oportunidade para o governo mostrar seu "planejamento" e insinuar que a oposição iria acabar com o programa uma vez no governo. A oposição, por sua vez, não tem uma voz única em relação à manutenção ou não do PAC, mas o teor é de descontinuidade. O debate político se dá em torno de representações sobre a suposta eficiência na gestão de investimentos. A campanha política terá muito marketing eleitoral. A discussão abaixo busca retirar a "cortina de fumaça" decorrente do período eleitoral.

Os resultados do balanço de três anos do PAC confirmam um quadro de baixa eficiência do programa. O total programado para o período de 2007 a 2010, segundo o documento disponibilizado pela Casa Civil, era R$ 638 bilhões, dos quais foram concluídos apenas 40,3% ou R$ 256,9 bilhões até dezembro de 2009. Mais do que isso, a abertura do total pago evidencia o quadro de patamares, ainda tímidos, no campo dos investimentos que couberam ao governo federal, mesmo considerando o crescimento dos dispêndios ano a ano.

Os R$ 403,8 bilhões são desagregados em: empréstimos para pessoa física no âmbito do "Minha Casa, Minha Vida" e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), com R$ 137,5 bilhões; estatais, R$ 126,3 bilhões; setor privado, R$ 88,8 bilhões; orçamento geral da União, R$ 35 bilhões; Estados e municípios, R$ 11,1 bilhões; e empréstimos ao setor público, R$ 5,1 bilhões.

Evidente que o sucesso do "Minha Casa, Minha Vida" deve ser exaltado, mas a inclusão dos empréstimos concedidos a pessoa física e, mais grave, do SBPE, no PAC, não tem qualquer justificativa. Ademais, quando focamos no total executado do PAC, na parcela de investimentos que está nas mãos do governo federal, vemos que ainda é muito baixa. O total representa apenas 8,7% em relação aos pagamentos integrais.

Nesse sentido, as estatais continuam a sustentar o PAC, seguidas pela parcela do setor privado, sem mencionar os empréstimos a pessoa física do "Minha Casa, Minha Vida", que inflaram os números de pagamentos, totalizando 63,3% do total planejado ou R$ 403,8 bilhões. Quando se observa os gastos com investimentos do governo central (incluindo PAC), que ficaram em 1,09% do PIB, em 2009, ante 0,94% do PIB em 2008, nota-se que, mesmo com taxas elevadas, entre 2008 e 2009, para a execução financeira da parcela do governo no PAC, da ordem de 45%, a base é muito baixa (R$ 11,3 bilhões para R$ 16,4 bilhões no período) e o PAC, portanto, tem sido pouco eficiente para conduzir a um novo padrão de qualidade do gasto público no Brasil.

Em resumo, se houve avanços, concentram-se nas estatais, que já eram comumente grandes investidoras, antes do PAC e que ampliando o total investido, ainda que a um ritmo também não tão expressivo, de 1,4% do PIB para 1,9% do PIB entre 2008 e 2009, por exemplo. Contudo, para que algo de efetivamente novo acontecesse, a partir do PAC, seria necessário avançar no campo dos investimentos do governo, o que não tem ocorrido e que só será possível via redução de gastos correntes, que permita avançar em gastos bons, sem perder de vista o equilíbrio fiscal, via sistema de metas para o primário, quiçá para o nominal.

As estratégias eleitorais devem concentrar esforços na tentativa de evidenciar, pelo lado da situação, os pontos positivos do PAC, mostrando que houve avanços e que de fato o crescimento econômico foi impulsionado essencialmente pelo programa. Já a oposição adotará a tática de trazer os dados efetivos de execução e conclusão de obras, bem como da participação do governo, diretamente, tentando mostrar que o PAC não passou de slogan.

Os números mostram que há espaço para a oposição questionar a eficiência da política do governo para o aumento dos investimentos do setor público. O efeito eleitoral do PAC na construção da agenda não deve ser tão eficiente para o governo, tal como o tema da privatização em 2006.

A questão fundamental do ponto de vista político é que o tema central da campanha em 2010 deve ser as estratégias de crescimento. O aumento dos investimentos públicos é chave neste debate. Enquanto a situação lançará mão do próprio PAC e colocará como central a necessidade de que seja continuado, a oposição mostrará que é preciso atacar outros pontos, como o avanço desmedido dos gastos correntes, para que um espaço efetivo seja aberto ao crescimento dos investimentos.

Rafael Cortez é doutor em Ciência Política pela USP e cientista político da Tendências Consultoria

Felipe Salto é economista pela FGV-EESP e analista de finanças públicas da Tendências Consultoria

Bolsa Família ecumênico:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O Bolsa Família é o grande baú de votos da candidatura Lula (pela interposta pessoa de Dilma Rousseff), certo? Errado, prova o Datafolha, na pesquisa publicada ontem.

É verdade que Dilma leva ponderáveis 40% dos votos entre os pesquisados que recebem o Bolsa Família. Mas os três outros candidatos principais ficam com uma fatia ainda maior (43%), distribuída entre José Serra (25%), Ciro Gomes (10%) e Marina Silva (8%).

Pode até acontecer de haver uma mudança à medida que mais eleitores, inclusive entre os beneficiados pelo esquema assistencialista, identifiquem Dilma como a candidata de Lula, que, por sua vez, já é identificado como o pai do Bolsa Família, por mais que os tucanos se esforcem para dizer que foram eles que inventaram o programa.

Mas a pesquisa mostra também que a maioria dos pesquisados (55%) acha que Serra dará continuidade ao programa, o que, indiretamente, é avalizado pelo próprio Lula quando diz, como o fez na Anfavea, que "não existe possibilidade" de seu sucessor mudar o que está sendo feito. Referia-se à política econômica, mas é óbvio que, nos programas sociais, tal possibilidade é realmente inexistente.

O que está definindo o quadro eleitoral, por enquanto, é, repito, o "feel good factor", esse sentir-se bem tão disseminado, que permeia não apenas os 12 milhões de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família mas uma fatia bem maior da população/eleitorado.

De todo modo, a pesquisa (tanto a geral como a específica com a turma do Bolsa Família) desmente a irrelevância da candidatura Ciro Gomes. Com ele fora do páreo, a vantagem de Serra sobe para 7 pontos, fora da margem de erro, em vez dos 4 no cenário com Ciro. Entre os beneficiados pelo Bolsa Família, tira-se Ciro e Serra sobe 5 pontos, ao passo que Dilma apenas oscila na margem de erro (1 ponto).

Lula cobra fonte para aumentar Bolsa Família

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula cobrou da oposição que indique fontes de recursos para pôr em prática o projeto que dá prêmios a crianças incluídas no Bolsa Família. "Tudo aprovado em benefício do povo é bom. Agora, digam de onde vai vir o dinheiro", disse.

Lula: "Agora digam de onde virá o dinheiro"

ELEIÇÕES 2010: Tucanos saem em defesa de proposta já aprovada no Senado e negam que seja eleitoreira

Presidente afirma que oposição deve apontar fonte de recurso para aumento do Bolsa Família previsto em projeto de Tasso


Chico de Gois

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo partido foi contra a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal no governo Fernando Henrique, cobrou ontem do PSDB que aponte uma fonte de recursos para pôr em prática o projeto do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). A proposta do tucano prevê aumento do benefício do Bolsa Família para famílias cujas crianças tenham um bom desempenho escolar.

O projeto foi aprovado anteontem, em caráter terminativo, na Comissão de Educação do Senado, e agora vai ser discutido na Câmara. Lula provocou a oposição dizendo que, se todo o mal que ela quiser causar ao seu governo redundar em mais benefícios sociais, ele estará feliz. E voltou a responsabilizar os opositores por não aprovarem a prorrogação da CPMF para a saúde.

- Se todo o mal que o meu governo puder causar é os meus adversários tentarem aprovar mais políticas sociais, ótimo. Se eles tivessem feito isso há mais tempo, a gente poderia estar melhor - afirmou o presidente, em entrevista após solenidade de lançamento do novo portal do governo federal: - Eles poderiam ter contribuído para melhorar a saúde se não tivessem derrubado a CPMF. Poderiam ter feito isso. Mas a mesquinharia tomou conta da política. Então eles acharam que iriam prejudicar o governo derrubando a CPMF.

Para Lula, Bolsa Família não é para premiar mérito

Para o presidente Lula, o Bolsa Família não é um benefício de mérito, no sentido de premiar quem se sai melhor na escola, mas, sim, um benefício que serve para tirar as pessoas da miséria.

- O Bolsa Família é um programa para garantir as proteínas e calorias necessárias para o povo mais pobre deste país - afirmou.

Mesmo assim, Lula avaliou que a proposta de Tasso pode ser boa, desde que se aponte de onde virá a verba.

- Eu não vi a decisão deles ainda, mas só espero que eles tenham colocado de onde vai tirar o dinheiro. Todo gasto proposto tem de ter uma fonte de receita. Mas tudo o que for aprovado em benefício do povo é bom. Agora, digam de onde virá o dinheiro.

O senador tucano rebateu as declarações de Lula:

- O projeto sempre teve ligação com a educação. Não há desenvolvimento sem educação. O projeto não traz um custo exagerado. O presidente gasta bilhões com a Venezuela, com a Bolívia, Equador e não pode gastar com educação? Esse não é o Lula que conheci - disse Tasso.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), também saiu em defesa do projeto de seu colega e aproveitou para tentar puxar a paternidade do Bolsa Família para o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso:

- O projeto do senador Tasso visa a dar aperfeiçoamento ao Bolsa Família, que é a síntese de um bom projeto do presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele (o projeto do senador tucano) premia os melhores alunos. O presidente fala que não tem orçamento? Mas dinheiro para dar para Cuba, para inchar a máquina pública, para isso tem.

Outro senador tucano, Álvaro Dias (PR), afirmou que o projeto não é eleitoreiro, já que entraria em vigor somente em 2011 - quando novo presidente da República estará eleito:

- Tem que ter dotação no Orçamento do ano que vem, não é uma medida eleitoreira. A filosofia do programa foi desvirtuada pelo governo Lula. Queremos transformar o Bolsa Família no Bolsa Escola - afirmou Dias.

O ex-prefeito do Rio Cesar Maia, embora seja um crítico do governo Lula, escreveu em seu ex-blog, criticando o projeto de Tasso: "Vincular valores do Bolsa Família ao aproveitamento do aluno na escola, suas notas e avaliações, é um grave equívoco conceitual. Essa é tarefa da escola".

Compra de imóvel infla os números do PAC

DEU EM O GLOBO

Os contratos de financiamento da Caixa Econômica Federal e demais bancos para a compra da casa própria com recursos da poupança são a mais nova arma do governo para inflar os resultados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com os R$ 137,5 bilhões desses empréstimos incluídos na conta, mais do que dobrou o total do que foi "realizado" pelo governo.

Crédito a imóveis "engorda" PAC

ACELERAÇÃO ELEITORAL

Governo inclui financiamento a casas novas e usadas como "obra" no balanço do programa

Gustavo Paul

Mais da metade das ações que o governo considera como concluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) entre 2007 e 2009 não é composta de obras com impacto na melhoria da infraestrutura e da competividade da economia nacional. Desde outubro do ano passado, os números do PAC - bandeira eleitoral da pré-candidata do PT à Presidência, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff - foram inchados. Passaram a incluir os contratos de compra de imóveis novos e usados e até os empréstimos para reforma. No último balanço do programa, divulgado no início de fevereiro, os financiamentos imobiliários contratados pela Caixa Econômica Federal e pelos demais bancos responderam por 54% das ações listadas como concluídas.

Com isso, ao incluir os contratos de financiamento imobiliário, o valor das obras listadas como concluídas mais do que dobra. Dos R$256,9 bilhões de ações programadas e apresentadas como entregues pelo governo em fevereiro, R$137,5 bilhões eram referentes a operações de crédito a imóveis. Os investimentos do PAC somam R$637,5 bilhões até o fim deste ano.

- Esses números distorcem o resultado do PAC. A grande ação do programa está sendo o financiamento habitacional, na proporção de 50% aproximadamente para novos e usados. Até que ponto o financiamento de imóveis usados, por exemplo, acelera o crescimento econômico? A conclusão é que os mutuários são os grandes agentes do PAC ao pagar, com juros, os seus empréstimos - contesta o economista Gil Castelo Branco, coordenador do site Contas Abertas, de acompanhamento das finanças públicas, que tem levantamento apontando o mesmo cenário.

Habitação popular foi só 0,01% do total

O valor dos financiamentos de imóveis contabilizados no PAC é maior que a soma das obras de logística (rodovias, portos, ferrovias) e energia (geração, transmissão, petróleo) somadas. O PAC executou até agora R$4,2 bilhões na área de transportes, o que representa 16% do total, e R$72,4 bilhões no setor de energia, 28% das ações concluídas. A construção de casas novas em programas de habitação popular, porém, representou apenas R$36,6 milhões (0,01% do total), de acordo com o balanço de fevereiro

. Para especialistas, ao incluir o financiamento habitacional no PAC, o governo está apenas aumentando seus números, sem criar nada de novo. É obrigação do sistema financeiro público e privado emprestar, por exemplo, 60% dos depósitos em caderneta de poupança para a compra de imóveis, novos e usados.

- Financiar a compra de imóveis usados não gera obra alguma, e a maior parte desses financiamentos se restringe a operações de compra e venda - lembra um ex-integrante da área habitacional do governo.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy, alerta, porém, para a politização da discussão em torno dos resultados do PAC. Segundo ele, o importante é que o governo encontre mecanismos que resolvam eventuais problemas na condução do programa. A quantificação das obras, afirma, é irrelevante para a indústria.

- Em período eleitoral, o governo procura mostrar que fez bastante, a oposição questiona, e isso não leva a nada - diz Godoy.

A inclusão dos financiamentos habitacionais é uma estratégia nova do governo e serviu para tornar seu resultado mais vistoso. No sétimo balanço quadrimestral do PAC, divulgado em maio de 2009, os financiamentos habitacionais não constavam do total de ações concluídas.

O resultado de então apontava a conclusão de apenas 15,1% do total de obras, de acordo com o volume de recursos gastos, que somavam R$62,9 bilhões. O mesmo levantamento, porém, citava em outro trecho a existência de um volume total de R$76,8 bilhões em financiamentos habitacionais.

Na prestação de contas seguinte, porém, o volume de obras concluídas deu um salto, chegando a 32,9% do total do dinheiro aplicado, ou seja, R$208,9 bilhões. Tamanha eficiência gerencial deve-se à inclusão dos então R$113,8 bilhões em contratos de financiamento habitacional fechados. Já então eles representavam mais da metade do que o PAC anunciava entregar.

Principal cartão de visitas do governo federal e plataforma eleitoral para Dilma - gerente e "mãe" do plano -, o PAC tem tido seus dados alterados constantemente. Como O GLOBO publicou em fevereiro de 2009, por exemplo, o segundo ano do plano foi marcado pela inclusão de R$142 bilhões em ações, entre obras já em andamento e os investimentos da Petrobras na exploração da camada do pré-sal.

Atrasadas, mas com selo de "adequadas"

Já em outubro, chamava a atenção a insistência da Casa Civil em manter no PAC ações que não andaram nada desde seu anúncio, em janeiro de 2007, e que provavelmente ficarão emperradas por um bom tempo, como as obras dos aeroportos de Macapá, Vitória e Brasília. O governo também mantém desde 2007 o critério de qualificar como adequada a situação de obras que, ainda que saiam, tiveram o cronograma atrasado em relação à previsão inicial do PAC.

Questionada, a Casa Civil não respondeu sobre a inclusão dos contratos habitacionais no balanço do PAC até o fechamento desta edição. Em 2007, ao ser lançado, o governo já adiantava que iria incluir os contratos de financiamento como parte do programa, mas o volume era bem menor: R$74,5 bilhões até 2010, dos quais R$32,5 bilhões em financiamento a pessoa física e R$42 bilhões do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

Durante os seis primeiros balanços esses dados foram citados, num volume crescente, mas não foram adicionados ao cômputo geral de obras realizadas. No segundo balanço do PAC (agosto de 2007), somavam-se R$15,7 bilhões de contratos; no primeiro ano (fevereiro de 2008), alcançaram R$32,1 bilhões e, ao completar dois anos (fevereiro de 2009), chegaram a R$68,7 bilhões.

Em 3 anos, só 20% dos recursos do PAC para saneamento foram usados

DEU EM O GLOBO

ACELERAÇÃO ELEITORAL

Governo admite morosidade, mas nega falta de recursos

De 101 obras, 23% nem saíram do papel, segundo relatório de instituto
Aguinaldo Novo, Wagner Gomes, Luiza Damé e Cristiane Jungblut

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Relatório divulgado ontem pela ONG Instituto Trata Brasil mostra que apenas 20% dos recursos contratados para obras de saneamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram efetivamente investidos nos últimos três anos. A Região Sul tem o menor percentual (8,4%), enquanto Nordeste e Centro-Oeste ficaram pouco acima da média nacional (22,8% e 20,9%, respectivamente). Das 101 obras acompanhadas pela entidade, 44% ainda não atingiram 20% da sua execução física e 23% nem saíram do papel.

Com contrato assinado em 30 de junho de 2008, no valor de R$14,56 milhões, ainda não começaram as obras para o "esgotamento sanitário ETE Capivari, Ana Clara e B.Retiro", em Duque de Caxias. Outro projeto paralisado é o da rede de coleta de esgoto nas bacias dos rios Mutondo e Coelho, em São Gonçalo, um contrato de R$6 milhões, assinado em setembro de 2007.

- Nesse ritmo, precisaremos de sete PACs para resolver o problema do saneamento. Não adiantar falar em PAC 2 se os vícios do PAC 1 não forem corrigidos - disse o presidente da entidade, Raul Pinho.

O relatório "De Olho no PAC" analisou 101 contratos de redes coletoras e estações de tratamento de esgoto em municípios com mais de 500 mil habitantes, no total de R$2,8 bilhões. O Trata Brasil propôs criar fontes regulares de recursos para a execução das obras, sem depender do descontingenciamento de verbas pela área econômica, e criticou o lançamento de projetos com viés político.

Entraves legais atrasam as obras, diz governo

O Ministério das Cidades reconheceu ontem que há morosidade na execução das obras de esgotamento sanitário no país, mas contestou a análise dos dados feita pelo Instituto Trata Brasil. Segundo o ministério, foram executados 26% dos R$10,4 bilhões previstos no PAC para 527 obras de tratamento de esgoto espalhadas pelo país. A previsão do último balanço do PAC é que 67% das obras serão concluídas até o fim deste ano, o que corresponde a 40% dos recursos destinados ao setor.

- Não temos nenhuma indicação de que essa previsão não será cumprida - disse Manoel Renato Machado Filho, diretor de Desenvolvimento e Cooperação Técnica da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades.

Segundo ele, as obras maiores serão concluídas depois de dezembro de 2010. O diretor disse ainda que os dados usados pelo Trata Brasil são do próprio ministério e da Caixa, mas que o instituto considerou somente 101 obras de redes coletoras e estações de tratamento de esgoto em municípios com mais de 500 mil habitantes. Machado disse também que não há carência de recursos federais para obras de esgoto sanitário, mas dificuldades técnicas para desenvolver os projetos, inclusive falta de engenheiros especializados.

- Não negamos que há morosidade, mas é inerente a todo o processo. As obras estão aquém do desejado, diagnosticamos os entraves e estamos atuando para resolvê-los - disse Machado.

Segundo ele, o Ministério das Cidades, depois de negociação com o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU), mudou algumas regras do setor para acelerar o processo de aprovação dos projetos.

Com relação à lista de entraves apontados pelo Trata Brasil, o diretor disse que todos foram diagnosticados pelo ministério e estão sendo solucionados, mas alguns esbarram na legislação e nas exigências dos órgãos de controle. Com relação à crítica de viés político, o diretor disse que o Ministério das Cidades "só libera recursos para obras que atendam aos requisitos legais estabelecidos".

São Paulo investiu mais que a União, diz oposição

A oposição considera que o levantamento Trata Brasil sobre 101 obras de saneamento dentro do PAC, verificando uma baixa execução, é a prova de que o governo está usando politicamente o plano. Para parlamentares do DEM e do PSDB, o governo infla os números ao incluir nos balanços os chamados restos a pagar de Orçamentos de anos anteriores, aumentando o volume de recursos efetivamente gastos. O programa prevê investimentos públicos e privados.

Já os governistas reforçam o discurso de que o PAC está funcionando e de que o objetivo da oposição é desgastar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que é a gerente do PAC e pré-candidata do PT à Presidência.

O ex-líder do PSDB na Câmara José Aníbal (SP) disse que em 2009 o governo de São Paulo - sob comando de José Serra, provável candidato tucano à Presidência - investiu mais que a União:

- São Paulo investiu R$18,5 bilhões, e a União investiu R$9,9 bilhões do Orçamento Geral da União, do PAC. Se há uma herança que nos preocupa, é o desinvestimento desse governo.

Segundo o último balanço do PAC, em 2009 foram pagos R$16,4 bilhões, sendo R$9,1 bilhões do Orçamento do ano e mais R$7,3 bilhões dos restos a pagar. No Orçamento de 2009, o PAC estava fixado em R$22,5 bilhões, dos quais apenas R$9,1 bilhões foram efetivamente pagos. Já o líder do PT na Câmara, deputado Fernando Ferro (PE), defendeu o ritmo do programa:

- Há uma exploração política. É uma das maneiras de atingir a ministra Dilma.

Lula critica emenda para aposentados

DEU EM O GLOBO

Para presidente, destinação de recursos para pagar benefícios maiores é "farra do boi"

Chico de Gois

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou ontem uma "farra do boi" a aprovação na semana passada, pela Câmara dos Deputados, de uma emenda que destina parte dos recursos do Fundo Social do pré-sal à Previdência. O objetivo é pagar benefícios maiores a aposentados e pensionistas do INSS que recebem acima do salário mínimo. Este grupo, hoje, recebe reajuste menor do que o do piso. Para Lula, a ação foi eleitoreira e, caso se torne um hábito, pode arranhar a imagem do Brasil de país sério.

- É um apelo que faço aos políticos brasileiros: não é porque estamos em época eleitoral que se vai praticar a farra do boi neste país. As pessoas não podem achar que banalizando decisões elas vão ganhar votos - disse o presidente.

A emenda - que, aprovada sob aplausos por 356 parlamentares, registrou apenas a um voto contra, do tucano Arnaldo Madeira (SP) - desloca 5% dos recursos do Fundo Social que caberão ao combate à pobreza à recomposição das aposentadorias acima do salário mínimo. Este ano, por exemplo, enquanto aqueles que recebem o piso ganharam 9,2% de aumento, os beneficiários acima deste patamar tiveram 6%. Igualar os índices é um mecanismo que o governo nunca aceitou e que tenta evitar em votações no Congresso.

Governistas tentarão mudar texto no Senado

Para o presidente, o eleitorado não acredita mais em promessas desse tipo. Além disso, na sua avaliação, a estabilidade econômica do país é resultado de "um trabalho sério", que contou com a participação do Congresso Nacional, do Executivo e do Judiciário.

- É importante a gente continuar assim. Porque, se a gente começar a dar sinais de que a farra do boi começou, a gente vai perder a imagem de um país sério. Isso não é bom nem para o Congresso, nem para o Poder Executivo, nem para os brasileiros - afirmou.

Após a aprovação da emenda, a liderança do governo avisou que, por considerar o texto absurdo, tentará mudá-lo no Senado, e, se a ofensiva fracassar, o presidente o vetaria. Lula, ontem, agiu com cautela.

- Vamos esperar chegar na minha mesa. O presidente da República só se pronuncia na hora em que o processo chegar nas minhas mãos.

Além da Previdência, o Fundo Social terá seus recursos aplicados, conforme o texto original do relator, no combate à pobreza e nas áreas de Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia e na mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Também foi aprovado o uso dos recursos para estimular o desenvolvimento regional. A matéria já seguiu para o Senado.

A regra geral é que sejam gastos apenas os dividendos do Fundo, mas ele abre uma brecha para que o Poder Executivo possa apresentar proposta de uso de um percentual do principal depositado, apenas na "etapa inicial de formação da poupança do Fundo". Para lançar mão de parte do principal, o Poder Executivo terá que apresentar projeto de lei ou mesmo medida provisória nesse sentido.