segunda-feira, 15 de março de 2010

Reflexão do dia – José Serra

Assim, repudiemos a simples sugestão de que menos democracia pode, em certo sentido, implicar mais justiça social. Trata-se apenas de uma fantasia de espíritos totalitários. Povos levados a fazer essa escolha acabam ficando sem a democracia e sem a justiça.

(José Serra, no artigo, “Prisioneiros da democracia”, hoje, em O Estado de S. Paulo)

Prisioneiros da democracia:: José Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Brasil comemora hoje os 25 anos da Nova República. Isso quer dizer que celebra um quarto de século de estabilidade política e de plena vigência do Estado de Direito, o mais longo período da fase republicana com essas características. Na primeira década da restauração da normalidade institucional, a democracia de massas firmou-se e afirmou-se no bojo da nova Constituição. E isso se deu apesar da morte do presidente eleito Tancredo Neves, da superinflação, do sufoco externo e do impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1960.

A partir da estabilidade de preços conquistada pelo Plano Real, a credibilidade externa foi sendo reconquistada, nosso setor produtivo tornou-se mais competitivo interna e externamente, as fronteiras do comércio se expandiram e, acima de tudo, deflagrou-se um processo cumulativo de acesso das camadas mais pobres a um nível mínimo de bem-estar social. E essa mudança não caiu, como diria alguém, da árvore dos acontecimentos. Foi uma construção.

Durante muito tempo, a imagem do Brasil como o país do futuro foi para nós uma bênção e uma condenação. Se ela nos ajudava a manter a esperança de que um dia transformaríamos nosso extraordinário potencial em felicidade vivida, também nos condenava a certo conformismo, que empurrava, sempre para mais tarde, os esforços e sacrifícios necessários para a superação de limites. Durante um bom tempo, o gigante que um dia acordaria serviu mais à má poesia do que à boa política. E tivemos de dar o primeiro passo, aquele que, pode-se dizer agora, decorridos 25 anos, foi um ato de fato inaugural. E não que a fronteira tenha sido rompida sem oposições de todos os lados.

Certo convencionalismo pretende que a história dos povos se dê numa alternância mecânica de ruptura e acomodação; a primeira engendraria mudanças que acelerariam a história, conduzindo a um patamar superior de civilização; a segunda concentraria as forças da conservação ou mesmo do reacionarismo, sendo fonte de perpetuação de injustiças.

A nossa história de país livre não endossa esse mecanicismo. Sucedendo à monarquia constitucional, a República entrou em colapso em menos de 40 anos. Somente nos anos 90 tivemos o primeiro presidente ? Fernando Henrique Cardoso ? que, eleito pelo voto universal, transmitiu o poder a um presidente igualmente escolhido em eleições livres e que concluiu seu mandato. Em pouco mais de um século de República, o Brasil teve dois presidentes constitucionais depostos, um que se suicidou para evitar a deposição, um que renunciou e outro que foi afastado de acordo com as disposições da Constituição ? no período, o país experimentou duas ditaduras: a do Estado Novo e a militar.

Como se nota, experimentamos mais rupturas do que propriamente acomodação ? e boa parte delas não pode ser considerada um bem. Enquanto aquele futuro mítico nos aguardava, as irresoluções foram se acumulando. Quando o Brasil, na década de 80, se reencontrou com a democracia, era visto como uma das sociedades mais desiguais do planeta, com uma dívida externa inadministrável, uma economia desordenada e uma moeda que incorporara a inflação como um dado da paisagem.

A Nova República teve a coragem da conciliação sem, no entanto, ceder nem mesmo os anéis ao arbítrio. E isso só foi possível porque o povo brasileiro não se deixou iludir pela miragem de uma mudança por meio da força. Entre a democracia e a justiça social, escolhemos os dois. Nem aceitamos que a necessidade da ordem nos impedisse de ver as óbvias injustiças nem permitimos que, para corrigi-las, fossem solapadas as bases da liberdade. O povo ficou ao lado das lideranças que tiveram a clarividência de escolher a transição negociada. Aqueles eventos traumáticos que marcaram os 10 primeiros anos da Nova República não chegaram nem sequer a arranhar a Constituição. Ao contrário: curamos as dores decorrentes da democracia com mais democracia; seguimos Tocqueville e respondemos aos desafios da liberdade com mais liberdade.

Essa vitória da mudança gradual sobre as ilusões da ruptura não se fez sem lutas. Milhões de brasileiros foram para as ruas, em ordem e sem provocações, exigir o voto popular direto para a Presidência e para todos os cargos eletivos. O movimento das Diretas-Já não foi imediatamente vitorioso, mas mostrou sua legitimidade e levou setores que apoiavam o "antigo regime" a perceber que uma nova ordem estava nascendo: a ordem democrática.

Assistimos à Constituinte, às eleições diretas e à plena restauração da soberania popular. Esse tripé da consolidação democrática, com seus corolários ? alternância no poder e transição pacífica ?, são a base institucional que distingue o Brasil do presente daquele da fase da instabilidade. Foi a crença nesses valores que nos permitiu superar a ilusão de soluções radicais e imediatistas. A democracia, tornada um valor inegociável, permitiu que os sucessivos governos pudessem aprender com os erros de seus antecessores e os seus próprios, corrigindo-os, o que concorre para o aperfeiçoamento das políticas públicas.

Não foram erros pequenos nem triviais. Alguns foram monumentais, como o confisco da poupança e a tentação, de um cesarismo doidivanas, de acabar com a inflação "num só golpe", confiscando a poupança popular. A democracia que nos permitia errar de modo fragoroso também nos permitiu um acerto histórico: a implementação, nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique, do Plano Real. Ele nasce, sem dúvida, de uma engenharia econômica ímpar, de um rigor técnico até então desconhecido no Brasil nos planos de estabilização, mas acredito que uma das razões de seu sucesso nunca foi suficientemente considerada: ele foi amplamente negociado com a sociedade, com um razoável período de transição entre os dois regimes monetários. Mais uma vez, o gradualismo mostrava a sua sabedoria.

A inflação não morreu com um golpe. Ela morreria com inteligência e democracia.

O significativo avanço das condições sociais e a redução do nível de pobreza no Brasil, hoje exaltados em várias línguas, só se deram por conta de políticas que foram se aperfeiçoando ao longo de duas décadas, como a universalização do Funrural, os ganhos reais no salário mínimo e os programas de transferência de renda para famílias em situação de extrema pobreza. O atual governo resolveu reforçar essas políticas quando percebeu que "inovações" como o Fome Zero e o Primeiro Emprego fracassaram. Também é um dado da realidade que as balizas da estabilidade, cuja régua e compasso são o Plano Real, foram mantidas (mais no primeiro do que no segundo mandato).

O crescimento, o desenvolvimento e o bem-estar não são manifestações divinas. Não estão garantidos por alguma ordem superior, a que estamos necessariamente destinados. Existem em função das escolhas que fazemos. Sou muito otimista sobre as possibilidades do Brasil. Se, antes, parecíamos condenados a ter um futuro inalcançável, hoje já se pode dizer que temos até um passado bastante virtuoso. Mas é preciso cercar as margens de erro para que continuemos num ciclo virtuoso. Dados recentes divulgados pelo IBGE demonstram que voltamos a ter um déficit externo preocupante e que a taxa de investimento está bem abaixo do desejável ? especialmente no caso do setor público ? para assegurar no futuro a expansão necessária da economia e do consumo. Afinal, os desafios que o Brasil tem pela frente ainda são imensos.

Com a Nova República, o Brasil fez a sua escolha pela democracia e pelo Estado de Direito. É essa a experiência que temos de levar adiante, sem experimentalismos e invencionices institucionais. Porque foi ela que nos ensinou as virtudes da responsabilidade ? inclusive a fiscal. Fazemos, sim, a nossa história; fazemos as nossas escolhas, mas elas só são virtuosas dentro de um desenho institucional estável.

Sejamos todos cativos da democracia. É a única prisão que presta seu tributo à liberdade.

Assim, repudiemos a simples sugestão de que menos democracia pode, em certo sentido, implicar mais justiça social. Trata-se apenas de uma fantasia de espíritos totalitários. Povos levados a fazer essa escolha acabam ficando sem a democracia e sem a justiça.

Governador de São Paulo

Tancredo Neves:: Ronaldo Costa Couto:

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mudou o Brasil. Liderou a reconquista pacífica da democracia, morreu por ela. Foi o melhor presidente que o Brasil não teve

1984, campanha presidencial. Tancredo precisava desvencilhar-se de boataria sobre sua saúde, um veneno para a candidatura. Fazer exames e escancará-los? Nem pensar! Sentia-se bem, mas era cismado com câncer, que já levara dois de seus 11 irmãos. Resposta a jornalistas, em São Paulo: "Estou com uma saúde irritante".

No final de 1983, despachávamos no Palácio da Liberdade quando chegou a notícia de que Flávio Marcílio, presidente da Câmara dos Deputados, tinha a doença. Lamentou, abateu-se. Ficou de pé, apertou o abdômen com a mão direita, quase um hábito, e disse: "Esse "bichinho" pode estar dentro da gente sem sabermos". Não estava, saber-se-á depois.

Realizava-se na política. Aos 74 anos, acordava com o sol, ia até tarde da noite. Todos os dias. Era um sufoco acompanhar seu ritmo. Mas delicioso privilégio conviver, trabalhar e aprender com Tancredo. É uma de minhas raras admirações que o tempo não levou.

Estrategista, pensava grande, via longe. Não radicalizava, fugia de decisões emocionais, errava pouco. Sabia antecipar-se, sabia esperar. Confiava, desconfiando. Conhecia os homens, suas manhas e artimanhas.

Dizia-se apenas um servidor público. Íntegro, patriota, culto, bom orador, escrevia bem. Amava o direito, conhecia economia política. Hábil negociador e operador político. Pilha de simpatia, argúcia, astúcia. Do adversário Zezinho Bonifácio: "O Tancredo é um político capaz de tirar as meias sem tirar os sapatos".

Dominava os principais temas domésticos e internacionais. Lia os grandes jornais brasileiros e o francês "Le Monde". Gostava de rádio e televisão, inclusive de algumas novelas. Leitor fiel dos clássicos, entusiasta de música clássica.

Não esquecia seu pequeno mundo. Perto da morte, a alma sangrando, o corpo conectado a tubos e equipamentos indispensáveis, várias vezes rasgado, as entranhas feridas e devassadas, lembrou-se de que o padre Lopes, velho amigo, perdera a paróquia num distrito de São João del-Rei.

Chamou o neto Aécio: "Temos de ajudá-lo. Mande ver o que está acontecendo. Quero notícias". Não fumava, pouco bebia. Bom de garfo, adorava almoçar e jantar sem pressa, uma taça de vinho junto.

Nunca o vi gripado. Perguntei qual era o segredo. "Acordo cedo e tomo banho frio, de chuveiro. Aconselho, é só acostumar. Molhe primeiro os pulsos e entre." Tomava uma aspirina por dia.

Parecia não ter medo. Quase não se estressava, apesar da trabalheira, das pressões de governar, das maratonas de campanha, das manobras golpistas que enfrentou. Deitava e logo dormia.

Como conseguia? "Ah, meu filho, sempre faço a minha parte o melhor que posso. O resto é com Deus e Nele a gente pode confiar."

Divertido, sutilmente irônico, espirituoso. Um deputado autocandidato a secretário de Estado não parava de plantar notas. Tancredo, governador eleito, mudo. Mais notas, mais silêncio. Posse chegando, pede audiência: "Doutor Tancredo, o que que eu faço?

Tá todo mundo perguntando se vou ser secretário". Tancredo: "Diga que eu te convidei e você não aceitou". Comigo, no início da campanha presidencial, meio de agosto de 1984: "Agora é construir alianças e conseguir os votos, um olho no PDS e outro no PFA". "PFA, doutor Tancredo?!" "Sim, Partido das Forças Armadas."

Oito semanas depois da mágica vitória, a hospitalização em Brasília. O desastroso, tumultuado e espetacularizado tratamento, o sofrimento medonho. Trinta e oito dias de martírio do corpo e do espírito. A absurdamente concorrida cirurgia da noite de 14 para 15 de março de 1985, finalizada a menos de nove horas da investidura do vice José Sarney, que presidirá a consolidação da democracia.

A falsa notícia de Diverticulite de Meckel e a previsão de alta e posse para a semana seguinte. A infecção, a dor implacável. A segunda cirurgia e a nova ilusão de melhoria. Até pose para fotos. A brutal hemorragia interna, a transferência às pressas para São Paulo. "Eu não merecia isso", diz a Aécio.

Mais cinco cirurgias, a septicemia e o fim da agonia em 21 de abril de 1985. Sua morte fez o Brasil chorar e pôs nas ruas a maior multidão que São Paulo já havia visto. Espanto no Brasil inteiro, frustração colossal, muitas sombras e suspeitas.

Mudou o Brasil. Liderou a reconquista pacífica da democracia, morreu por ela. Fez e faz muita falta. Sim, Tancredo Neves foi o melhor presidente que o Brasil não teve. Uma de minhas lembranças dessa rasteira da história é um desenho de Millôr Fernandes. O Brasil como enorme floresta e, estendida no chão, uma árvore gigantesca, a mais alta de todas: Tancredo.

Ronaldo Costa Couto, escritor, doutor em história pela Sorbonne, foi amigo e assessor de Tancredo Neves, ministro do Interior e ministro-chefe da Casa Civil (governo Sarney). É autor, entre outras obras, de "Tancredo Vivo" e "História Indiscreta da Ditadura e da Abertura".

Atuação nos bastidores para extinguir um regime

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Em um dos momentos mais tensos da história do país, há 25 anos, quando Tancredo Neves convalescia e discutia-se a sucessão, articulação de dois generais garantiu o fim da ditadura

Edson Luiz


Há 25 anos, o Brasil começou um capítulo de sua história, com o nascimento da Nova República e a posse, em 15 de março de 1985, do primeiro presidente civil desde João Goulart deposto pelos militares em 1964. Com a convalescência de Tancredo Neves, eleito para o Palácio do Planalto pelo Colégio Eleitoral, o seu vice, o hoje senador José Sarney (PMDB-AP), assumiu o poder. Mas o que pouco revela a história é que dois generais também foram os principais responsáveis pelo processo de redemocratização, além de políticos como Tancredo, Sarney, Ulysses Guimarães, Pedro Simon e Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Coube aos generais Leônidas Pires Gonçalves e Ivan de Souza Mendes negociar com seus colegas militares a transição pacífica e garantir a extinção do regime de exceção no país.

A sucessão de Tancredo começou em uma sala do quarto andar do Hospital de Base de Brasília, na noite de 14 de março de 1985. O presidente eleito fora internado com infecção generalizada. No local, Simon, Sarney, Fernando Henrique, Ulysses e Leônidas (1)aguardavam notícias sobre o estado de saúde de Tancredo. Leônidas foi avisado da gravidade da situação por Ivan: Ele me ligou informando que as coisas não estavam bem, lembra o general que ficou encarregado de dar a notícia para vários políticos, incluindo Sarney. No hospital, todos aguardavam informações sobre Tancredo, que sempre eram trazidas pelo seu sobrinho, o hoje senador Francisco Dornelles (PP-RJ). Quando os médicos decidiram pela cirurgia, iniciou-se o debate sobre a sucessão. Uma ala defendia que Ulysses assumisse o cargo, por ser o presidente da Câmara. Outro grupo queria Sarney, por ser o vice-presidente eleito.

Com a Constituição na mão, o general Leônidas disse que o vice eleito deveria assumir, conta Simon. O senador ainda tentou contestar, mas foi impedido por Ulysses, que, levantando o braço, confirmou: É o Sarney que assume. A partir daí, a história começava a ser modificada, depois de 20 anos de regime militar(2). Alguns dos que estavam na reunião, incluindo Leônidas, seguiram para a casa de João Leitão de Abreu, então chefe da Casa Civil do presidente João Baptista Figueiredo, para negociar a transição. Figueiredo já havia conversado com Tancredo, em encontros articulados por Ivan (3)e Leônidas, mas como Sarney mantinha distância, o chefe do Executivo se recusou a dar posse ao sucessor de Tancredo e saiu pela portas dos fundos do Palácio do Planalto.

Maluf

A noite do dia 14 de março (de 1985) foi bem nervosa, diz o cientista político David Fleischer. Segundo ele, havia diversas alternativas para que Tancredo fosse substituído. Uma delas era a posse de Ulysses, mas o mandato seria provisório e haveria a necessidade de convocação de nova eleição também indireta , o que poderia dar a vitória ao deputado Paulo Maluf, que já havia sido derrotado por Tancredo no Colégio Eleitoral. Outro meio seria empossar o presidente no Hospital de Base, hipótese vetada pelos médicos. Sarney acabou interino até a morte de Tancredo, em 21 de abril. Às 3h do dia 15 de março daquele ano, Leônidas telefonou para Sarney avisando que ele seria empossado.

1 - Modernização

Gaúcho de Cruz Alta, o general Leônidas Gonçalves teve grande relevância na modernização do Exército quando foi ministro da pasta os comandos só foram criados com o surgimento do Ministério da Defesa e é considerado um dos oficiais-generais da ala moderada das Forças Armadas. Chefiou várias unidades pelo Brasil, destacando o Comando Militar da Amazônia (CMA), e integrou o extinto Estado Maior das Forças Armadas (Emfa) no governo de Humberto Castello Branco, após o golpe militar de 1964.

2 - Anos de chumbo

Por 20 anos, o Brasil viveu sob o regime dos militares, depois que um golpe depôs o então presidente João Goulart. O sistema durou de 31 de março de 1964 até 15 de março de 1985, quando José Sarney tomou posse como presidente do país, com a doença de Tancredo Neves, eleito pelo colégio eleitoral. O regime, que começou com Castello Branco e terminou com João Figueiredo, foi recheado de violência e repressão. Vários militantes de esquerda foram torturados ou mortos pelos militares e pelos órgãos de segurança oficiais.

3 - Araguaia

O general Ivan de Souza Mendes morreu em 18 de fevereiro deste ano, de infecção generalizada, em um hospital do Rio. O militar, que pertencia ao Alto Comando do Exército na transição entre a ditadura e a redemocratização, também teve participação no golpe militar de 31 de março de 1964. Depois, chegou a comandar as tropas que combatiam guerrilheiros no Araguaia, já na fase final dos confrontos, no início da década de 1970. No governo Sarney, tirou os antigos arapongas do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), que usavam o órgão politicamente.

Temor dos militares

A cúpula da Nova República tinha uma certa preocupação com a área militar antes da posse de Tancredo, mas havia sinais de que as Forças Armadas queriam uma transição pacífica. A senha dada pelo Alto Comando foi a transferência de alguns comandantes para outras regiões fora de Brasília, conta Fleischer, referindo-se ao acordo com os generais. Os remanejamentos ocorriam mesmo quando os oficiais não tinham terminado o tempo previsto para ficar na capital da República. Outro fator que facilitou o processo foi a amizade de Leônidas com Tancredo, surgida em Belo Horizonte, onde o general comandou a 4ª Brigada de Infantaria. Depois, foi com políticos do PMDB paranaense e gaúcho, como José Richa, ex-senador, e o então deputado e Affonso Camargo.

Na reserva há 20 anos, Leônidas reconhece que ele e Ivan Mendes tiveram papel importante na história. O general confirma que conversou com seus colegas de farda sobre a transição, garantindo a tranquilidade naquele momento. Prestamos um bom serviço ao país naquela oportunidade, disse o general ao Correio. Tenho lembrança de cada detalhe. Parece que foi ontem, afirma o oficial, que depois se tornou ministro do Exército na gestão de Sarney, enquanto que Ivan Mendes chefiou o Serviço Nacional de Informações (SNI), extinto no governo seguinte de Fernando Collor de Mello.

PPS e PMN lançam Robalinho ao Senado

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Uma candidatura para fortalecer a campanha do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) ao governo do Estado e a do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), à Presidência da República. É dessa forma que o médico Guilherme Robalinho, ex-secretário de Saúde no governo Jarbas, prefere se apresentar diante do lançamento do seu nome ao Senado pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN), hoje à tarde.

Vou para ajudar num processo. Acredito que Serra será candidato à Presidência e Jarbas, ao governo. Não entramos nisso para dividir, mas para somar, destacou Robalinho, que será candidato na mesma frente do PSDB do senador Sérgio Guerra e do DEM, de Marco Maciel ambos candidatos à reeleição.

Não vou ser contra ninguém. Mas temos (o PPS e o PMN) um posicionamento político próprio e precisamos colocá-lo para postulação, continuou Robalinho, destacando as vantagens da democracia e da possibilidade da população escolher entre os nomes da oposição.

Sem dar maiores esclarecimentos sobre essa diferença dentro do campo da oposição, Robalinho apenas reforçou a necessidade de resgatar o início das mudanças no Brasil e em Pernambuco. As coisas não começaram apenas agora, como alguns pensam. Fez questão também de ressaltar os feitos do governo Jarbas (1999-2006) e os avanços dados por José Serra quando ministro da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Cadê o Lafepe (Laboratório Farmacêutico de Pernambuco), restaurado por Jarbas, com Serra ministro?, questionou em seguida, adiantando um pouco do que será o seu discurso.

Robalinho também criticou os sindicatos que manipulam os fundos de pensão, os dirigentes de cooperativas que saem milionários e defendeu os empresários que realmente realizam.

O lançamento da candidatura vai acontecer às 17 horas, no auditório da Associação Comercial de Pernambuco, no Bairro do Recife.

Quem ameaça voltar:: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

Que partidos! Que eleitores! De fato, depende de decisões da Justiça o futuro da sucessão do governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, preso há pouco mais de 30 dias em uma cela da Polícia Federal sob a acusação de chefiar a sofisticada organização criminosa responsável pelo desvio de dinheiro público e suborno de deputados.

Nove em 10 políticos do Distrito Federal apostam que Arruda será cassado se não renunciar antes ao mandato. Divergem quanto à identidade do seu algoz a Justiça ou a Câmara Legislativa. Amanhã, o Tribunal de Justiça julgará ação impetrada pelo Ministério Público que pede a cassação do mandato de Arruda por infidelidade partidária.

Para não ser expulso, Arruda desligou-se do DEM alegando motivos pessoais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que o mandato pertence ao partido e não a quem o exerce. Se quiser abandonar o partido pelo qual foi eleito e mesmo assim preservar o mandato, cabe ao político provar que o partido mudou de rumo. Ou que ele foi vítima de perseguição.

O DEM esqueceu de pedir de volta o mandato de Arruda, dono de segredos capazes de embaraçar muita gente. No caso, a lei confere poder ao Ministério Público para cobrar o mandato do infiel. Assim foi feito. A defesa de Arruda tentará convencer os juízes que seu cliente foi perseguido pelo DEM. Arruda aposta na isenção de alguns juízes que lhe devem favores.

Se a defesa vencer, dificilmente Arruda sobreviverá ao processo de impeachment a que responde na Câmara Legislativa. A maioria dos 24 deputados chegou a um consenso: ou cassa o mandato de Arruda ou o governo decreta intervenção federal em Brasília. Quem disse que a intervenção interessa aos deputados? Ou a empresários que financiaram o mensalão do DEM?

O ex-governador Joaquim Roriz desfila feliz pela cidade e protagoniza comerciais do seu partido, o PSC, se declarando chocado com a roubalheira promovida por Arruda, seu ex-pupilo. É candidato a governar o Distrito Federal pela quinta vez. Na última sexta-feira, convidou o deputado federal Jofran Frejat (PR) para ser seu vice. Mas o destino de Roriz a Durval Barbosa pertence.

Durval foi o autor dos vídeos responsáveis pela hecatombe política que arrasou Brasília. Ajudou Arruda a montar seu Caixa 2 de campanha a partir da empresa estatal que ele, Durval, dirigiu no último governo Roriz. O Ministério Público pressiona Durval para que conte tudo o que sabe sobre seu ex-chefe. Durval sabe muito. Se não contar, adeus à delação premiada. Se contar, tchau e benção, Roriz.

Em breve, o TSE decidirá se Roriz beneficiou-se da Companhia de Água de Brasília para se eleger senador em 2006. Se decidir que sim, o dano a Roriz será de natureza apenas moral, mas relevante. Roriz renunciou há dois anos ao mandato de Senador para não ser cassado. Metera a mão em dinheiro do Banco Regional de Brasília. Substituiu-o Gim Argelo (PTB).

Esse, sim, é quem acabaria cassado. O mandato iria para o segundo candidato ao Senado mais votado em 2006 Agnelo Queiroz, ex-ministro dos Esportes de Lula. Agnelo disputa com o deputado Geraldo Magela a indicação do PT à vaga de Arruda. Lula prefere Agnelo. Ocorre que no meio do caminho de Agnelo tem um vídeo. E a suspeita de enriquecimento ilícito.

A convite de Durval, no ano passado, Agnelo assistiu a exibição dos vídeos que depois se tornariam públicos. Calou-se. Durval filmou Agnelo durante a sessão. E embora somente ele e Agnelo saibam sobre o que conversaram, não há, no momento, no Distrito Federal, vídeo desconhecido mais discutido do que esse. Agnelo suplica por sua divulgação para provar que é inocente.

Magela vai para cima dele e diz que o PT não pode correr o risco de escolher um candidato passível de ser detonado por um vídeo ou pelo Ministério Público durante a campanha. Só falta a assepsia política de Brasília culminar com a volta de Roriz.

Engrossando o coro:: Fábio Wanderley Reis

DEU NO VALOR ECONÔMICO


Não há como deixar de ecoar o clamor que se levantou contra as declarações do presidente Luís Inácio Lula da Silva a propósito dos presos políticos em Cuba e da morte de Orlando Zapata em greve de fome. Certamente não cabe aceitar a mistificação frequente em que a categoria " crime político " serve para nobilitar a violência criminosa de quem quer que tenha uma ideia na cabeça sobre as mudanças " revolucionárias " a trazer a um país. De minha parte, reitero a adesão à definição de crime político da professora Janaína Paschoal, da USP, de que aqui falei há algum tempo a propósito do caso Cesare Battisti ( " crime político deve ser entendido como ato de manifestação de pensamento, indevidamente criminalizado como intuito de perseguição " ), em que o crime surge, de fato, na atuação do regime autoritário ou antidemocrático que realiza a perseguição. Em vez disso, a posição de Lula (apesar de possivelmente causada pela mera incapacidade de situar-se sofisticadamente diante do dilema a que foi exposto com a infeliz visita a Cuba, antes que pelo esquerdismo que lhe andou sendo atribuído - o que não traz melhor lustre à coisa) elimina a distinção entre regimes democráticos ou antidemocráticos, em que os direitos liberais são garantidos ou atropelados, e iguala a condição dos submetidos à coerção estatal num caso e noutro.

O episódio nos põe diante do pior Lula, aquele que, na crise maior de seus dois mandatos, o turbilhão provocado pelas denúncias sobre o "mensalão " em 2005, vimos inseguro e emudecido ao longo de vários meses, incapaz de qualquer ato de liderança consistente e consequente. Esse Lula, ou essa face de Lula, é a razão de que me pareça impróprio,como tenho manifestado às vezes, contar com nosso presidente como o agente consciente de um processo de construção institucional eventualmente bem sucedido. Felizmente, isso não impede de reconhecer, contra o ânimo de alguns, o que vêm tendo de grandemente positivo para o país o acesso de Lula à Presidência da República e o fato de que ele se encaminhe para o fim de seu segundo mandato não apenas em condições de normalidade institucional, mas contando igualmente com grande apoio e popularidade - e, tudo somado, o fato inegável do bom governo realizado. Os benefícios produzidos se referem não só ao plano institucional, com o aspecto (banal, afortunadamente, visto na perspectiva de agora) do novo patamar que nossa democracia alcança após o " teste " lulista e o aprendizado que esse teste propicia; dá-se também que, à parte as disputas sobre a quem se deve a iniciativa decisiva quanto a este ou aquele programa, o experimento Lula-presidente terminou por transformar de vez nossa questão social em tema efetivo do jogo político-eleitoral e por impor atenção para a desigualdade e as políticas destinadas a enfrentá-la.

Naturalmente,a manifestação relativa a Cuba se enquadra na área de política externa,onde outra manifestação em termos inaceitáveis ocorreu meses atrás, a propósito das eleições no Irã, com a tola tradução em termos futebolísticos dos confrontos que as cercaram. Neste caso, porém,descontada a leitura em si das eleições, é importante ponderar que há muito a ser dito em favor da posição geral de ampliar tanto quanto possível a disposição de recorrer à negociação, posição que o Brasil tem sustentado e que tem sido avaliada internacionalmente de maneira favorável por analistas respeitáveis.

De toda maneira, ponderados com realismo, e especialmente com os olhos postos nas asperezas e dificuldades de nossa história política recente,os resultados de Lula são com certeza muito melhores que a encomenda.Alargada a perspectiva, e bem pesadas as coisas, não faria sentido pretender que, ao cabo de uma longuíssima história de desigualdade e exclusão e da operação de um sistema educacional vastamente deficiente,o migrante nordestino que chega a torneiro mecânico em São Paulo e acaba por realizar a proeza de esbarrar na Presidência da República fosse um primor de sofisticação intelectual. Demo-nos por contentes como fato de que o simbolismo e o carisma que o revestem e suas habilidades pessoais tenham podido representar ajuda importante em alguns avanços rápidos no processo político e social positivo do pós-1985, e reconheçamos que, afinal, os aspectos negativos do contexto longamente construído não podem deixar de condicionar mesmo o que haja de melhor nos avanços que se realizem. O paralelo mais óbvio e revelador a respeito é talvez o de Barack Obama nos Estados Unidos.Combinando o background racial justamente com especial sofisticação intelectual, as características pessoais de Obama são elas próprias claro indício de avanços de crucial importância na democratização da sociedade americana. Mas o lado feio do país, com o nacionalismo militarista e as projeções políticas do peculiar fundamentalismo religioso que o marca e da " guerra cultural " correlata, não deixa de produzir um presidente de discurso certamente nunca tosco, mas frequentemente de coerência precária e discutível fidelidade ao candidato brotado da democratização.

FábioWanderley Reis é cientista político e professor emérito da UniversidadeFederal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Fatos, versões e bravatas:: Pedro S. Malan

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Não tenho dúvidas de que o Brasil evoluiu positivamente ao longo dos últimos 15 anos. No governo Fernando Henrique, mudanças que hoje temos de reconhecer como muito favoráveis, tais como a consolidação do sistema financeiro - que se revelou muito mais sólido que o de outros países - ou a Lei de Responsabilidade Fiscal, representaram claros avanços para a economia. Da mesma forma, no governo Lula, conquistas sociais como a significativa elevação do salário mínimo ou a dimensão alcançada pelo Bolsa-Família, bem como a expressiva melhora de emprego formal e do crédito, constituíram exemplos de nosso progresso." O texto acima é de autoria do atual ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, na apresentação do belo livro Brasil Pós-Crise: Agenda para a Próxima Década, organizado por Fabio Giambiagi e Octavio de Barros.

Na mesma linha, vale lembrar o que escreveu, mais de sete anos atrás, o então coordenador do grupo de transição do já eleito presidente Lula, Antônio Palocci, no seu Relatório Final, apresentado formalmente a Lula e aos ministros já escolhidos, no final de 2002. "A instabilidade atual questiona os próprios avanços que se obtiveram com a estabilidade da moeda (...) e um marco institucional fortalecido pela responsabilidade fiscal. Estes foram progressos a serem creditados em boa parte ao governo que ora se encerra, conquistados com os esforços de todos os brasileiros. Não fazemos tábula rasa dos últimos oito anos, e não partilhamos da visão daqueles que acham que tudo deva ser reinventado."

Anos mais tarde (2007), em seu livro Sobre Formigas e Cigarras, do qual a citação acima foi extraída, Palocci nota, corretamente, que "os ganhos obtidos pelo Brasil a partir de 2003 se assentaram sobre avanços realizados em governos anteriores, que deram contribuições importantes para a estabilidade da economia (ao longo dos últimos 25 anos) como (...) a criação do Tesouro Nacional e o fim da conta-movimento do Banco do Brasil (...), a abertura da economia, estimulando ganhos de produtividade na economia nacional (...), o lançamento do real (...), a negociação das dívidas dos Estados, a resolução dos problemas dos bancos estaduais (e federais) e a instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal. Fazer tábula rasa destas contribuições seria atentar contra a própria história do País".

O respeito aos fatos, claramente expresso por Bernardo e Palocci, se contasse com o respaldo das vozes mais sensatas de seu partido e do movimento lulista, representaria um avanço considerável em direção a um debate público mais sério e de melhor qualidade sobre o País e seu futuro. Um debate voltado para "o que fazer" com vista a assegurar a gradual consolidação do muito que já alcançamos como país e, principalmente, como - e com que tipo de lideranças - avançar mais, e melhor, no processo de mudança e de continuidade que nos trouxe até aqui.

Para tal seria fundamental evitar o lamentável maniqueísmo expresso no falso dilema do "nós" contra "eles", em que eles, os outros, seriam toda e qualquer pessoa tida como não entusiasta defensora do lulo-petismo (ou do culto à personalidade de Lula). Sempre definidos de forma variada, conforme a audiência e as conveniências do momento: os ricos, a imprensa, as elites, os que são contra os pobres, os que são contra investir no social, os que se opõem à tentativa de nos transformar num País birracial, os que não querem um País altivo e soberano, os neoliberais, os antidesenvolvimentistas.

Vago, simples e genérico assim. Em suma, uma ressentida e frequentemente raivosa "retórica da divisão", como se fôssemos um país partido em dois. Uma aposta em decisões tomadas por meio de confrontos de natureza plebiscitária, com jargões, palavras de ordem e a versão oficial adotada como verdade, independentemente da análise de dados e fatos.

A ideia de que no mundo da política o que importa é a versão, e não o fato, tem ampla disseminação entre nós. A aceitação dessa "máxima" tem implicações nada triviais para o debate público, em particular durante períodos eleitorais, nos quais, como nas guerras, a verdade figura sempre entre as primeiras vítimas.

Pois veja o eventual leitor: se o que realmente importa não são tanto os fatos, mas as versões sobre eles, por vezes muito distintas e conflitantes, segue-se que as versões que tendem a predominar - pelo menos no prazo relevante para o calendário eleitoral - são aquelas mais constantemente repetidas, aquelas mais bem financiadas por esquemas profissionais dos departamentos de agitação, propaganda e marquetagem política. Afinal, todos aprenderam com Goebbels que uma versão, se mil vezes repetida com convicção e eloquência, pode acabar assumindo foros de verdade; pelo menos para aqueles - que podem ser maioria - sem muito tempo ou condições de se debruçar sobre as evidências, os fatos e as distintas interpretações possíveis deles. O problema é particularmente preocupante quando as versões "mil vezes repetidas" estão respaldadas, direta ou indiretamente, pela ampla utilização, sem quaisquer peias, de cargos e recursos públicos, em campanhas eleitorais explícitas, iniciadas com anos de antecedência, sob o olhar complacente daqueles que preferem dar menos importância aos fatos e às leis do que às versões e às bravatas.

Há quem diga que tudo isso é apenas efeito do calor da hora, expressão das vastas emoções que fazem parte natural de processos eleitorais em sociedades de massa. Para estes, passadas as eleições, e qualquer que seja o seu resultado, o País continuaria - à nossa pragmática maneira - a avançar em seus complexos processos de continuidade e mudança. Bravatas seriam o que são; bravatas simplesmente, e nada mais. Será?

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da fazenda no governo FHC (publicado em 14.3.2010)

Uma nova microeconomia no Brasil:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Vamos completar neste anoo mais longo período de estabilidade econômica de nossa história recente. A continuidade de uma política econômica correta por quatro mandatos presidenciais consecutivos é certamente a força principal por trás dessa conquista.

Não pretendo adicionar aqui mais uma reflexão sobre os benefícios dessa feliz ocorrência. Quero dividir com o leitor do Valor algumas observações da equipe de economistas da Quest sobre o comportamento do consumo do brasileiro nesse quadro de estabilidade. Nesses números podemos identificar os benefícios concretos - para o cidadão - desse longo período de racionalidade econômica

Escolhi o mercado de automóveis nos últimos anos como base para minhas observações. Mas vários outros segmentos de consumo apresentam o mesmo quadro positivo. O principal motivo dessa escolha é que nele encontramos a convergência de vários fenômenos micro econômicos -tornados possíveis pelo longo período de estabilidade que vivemos -agindo simultaneamente de forma virtuosa.

O Brasil é hoje o quinto maior mercado de automóveis no mundo,suplantando recentemente a poderosa e rica Alemanha. Sei que os mais pessimistas vão tentar minimizar esse fato. Afinal a Alemanha tem apenas pouco mais de oitenta milhões de habitantes e vive hoje uma crise gravíssima. Vejamos o que pode ser contraposto a esse argumento.

Em primeiro lugar a diferença de tamanho entre os dois mercados é menor do que a desproporção entre as rendas per capita dos dois países. Em segundo lugar os contratos de financiamento na Alemanha são realizados no fortíssimo euro - ainda a segunda mais sólida moeda do mundo -enquanto que no Brasil é o emergente real que é usado. Por isso a diferença nos juros dos contratos é quase abissal, o que faz com que os números brasileiros sejam ainda mais extraordinários. Finalmente a taxa de crescimento do mercado de automóveis no Brasil nos próximos anos deve ser - no mínimo - duas vezes a da Alemanha.

As razões para esse dinamismo tão forte são várias. As mais importantes segundo a pesquisa da Quest foram: o crescimento continuado da oferta de crédito em função da confiança dos bancos na economia e na moeda, a estabilidade de médio prazo na taxa de câmbio, o crescimento das importações de veículos e o aumento real da massa salarial.

Na pesquisa usou-se um automóvel popular de valor de venda equivalente aR$ 25 mil. Em julho de 2000, para se comprar esse carro, eram necessários mais de 140 salários mínimos; em janeiro de 2010 apenas 54,com uma queda no período de 61%.

No caso da prestação de um financiamento padrão para a compra a prazo desse mesmo veículo - segundo as condições correntes de juros e prazos divulgadas mensalmente pelo Banco Central - a redução foi ainda maior.Em julho de 2000 uma prestação equivalia a 6,8 salários mínimos; em dezembro deste ano a apenas 2. Uma redução de mais de 70%.

Os economistas da Quest quantificaram a participação de cada um dos fatores citados acima nessa impressionante redução dos custos na compra de um carro. E chegaram a conclusões interessantíssimas. Na redução do valor das prestações, 39% pode ser explicada pelo aumento real do salário mínimo, 36% pela queda no valor real do automóvel e 25 % pela melhora nas condições de financiamento causado por juros mais baixos e prazo de financiamento maior.

O primeiro fator identificado na pesquisa - o aumento real do salário mínimo - foi o resultado da política salarial adotada pelo governo Lula. Não tem - portanto - origem nos efeitos criados pelo longo período de estabilidade que estamos vivendo. Mas os outros dois fatores- queda do preço real do automóvel e melhora nas condições de financiamento - são resultados diretos dessa micro economia mais eficiente de hoje.

No caso da queda dos preços dos automóveis, os dois fatores principais foram a estabilidade da taxa de câmbio e o aumento das importações. A taxa de câmbio estável e com credibilidade permitiu investimentos privados na criação de redes nacionais de venda de veículos importados e aumento de suas vendas. Mesmo com as importações concentradas nos segmentos de maior valor, a concorrência de veículos produzidos no exterior evitou que a maior demanda interna permitisse aos fabricantes brasileiros usar seu poder de preços para aumentar suas margens de lucros ou do aparecimento do tão tradicional ágio. Os preços dos carros de maior valor, ancorados pela concorrência das importações, acabaram por funcionar como um limite superior para os carros populares.

Pó outro lado, a elevada proteção tarifária na importação de veículos permitiu que as empresas brasileiras pudessem trabalhar com custos de produção mais elevados - reflexos do chamado Custo Brasil - sem que o consumidor ficasse desprotegido contra abusos e exageros. Entendo que trabalhamos hoje com uma combinação eficiente de proteção tarifária para a indústria nacional e defesa do interesse do consumidor.

Já a parcela da queda no valor das prestações de um carro financiado relativas às condições de financiamento também está diretamente relacionada à longa estabilidade de nossa economia. Em um clima de maior confiança os bancos alongaram os prazos de seus contratos e reduziram os juros cobrados dos consumidores. Isso fica claro quando analisamos os dados compilados pelo Banco Central, principalmente depois de 2006.

Foi essa combinação de fatores micro e crescimento econômico que permitiram o setor automobilístico brasileiro superar o alemão. Mas outros dados da pesquisa da Quest chamam a atenção. Quando comparamos a evolução dos preços dos veículos nacionais com o do setor de serviços esse ganho de eficiência chama ainda mais a atenção. Entre julho de 2000 e janeiro de2010 a tarifa de ônibus aumentou 70% mais do que o preço de um carro popular. O mesmo comportamento ocorreu com as mensalidades escolares(60% a mais) e energia elétrica residencial (também 60% a mais) e outros serviços.

Essas diferenças reforçam minha observação sobre o importante papel que as importações tiveram na queda dos preços dos automóveis e outros bens de consumo duráveis durante os últimos anos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

Mudança do clima e interesses:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Não é razoável que os críticos do clima sejam pessoas cujos interesses são ameaçados por políticas contra o efeito estufa

Nos últimosmeses, apareceram críticas aos cientistas do clima que deixaram a opinião pública confusa. Principalmente pelo fato de um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, órgão das Nações Unidas, sobre o degelo do Himalaia ter-se baseado em fonte pouco confiável, "críticos do aquecimento global" aumentaram a força de seu ataque às políticas que já estão em prática ou que estão sendo propostas para evitar o aquecimento global.

Sobre esse tema, o jornal "Valor" publicou no dia 11 um excelente artigo de Jeffrey D. Sachs. O economista da Universidade Columbia fez uma análise de "economia política" do problema. Os críticos do clima, diz ele, fazem parte do mesmo grupo liderado ou apoiado pelo "Wall Street Journal" que vem procurando impedir que as políticas públicas limitem os danos causados por atividades econômicas à saúde da população e à sustentabilidade do clima.

Suas palavras: "Os atuais ativistas contra ações de enfrentamento às mudanças climáticas são, em muitos casos, apoiados pelos mesmos grupos de pressão, indivíduos e organizações que tomaram partido da indústria de cigarros, empenhados em desacreditar as evidências científicas entre fumar e câncer de pulmão. Mais tarde, negaram as evidências científicas de que os óxidos de enxofre resultantes da queima do carvão em usinas de eletricidade estavam causando "chuvas ácidas"".

"Então, quando se descobriu que certas substâncias químicas chamadas clorofluorcarbonetos (CFCs) eram causa de redução do ozônio na atmosfera, os mesmos grupos também lançaram uma campanha nefasta para desacreditar essas evidências científicas. E, a partir da década de 1980, esse mesmo grupo passou a combater a luta contra as alterações climáticas."

Naturalmente, os interessados podem argumentar que o que interessa são os argumentos científicos. Sem dúvida, mas o fato é que os argumentos científicos e as comprovações empíricas a respeito do aquecimento global vêm se acumulando há muitos anos, de forma que ninguém está escapando da discussão principal. É preciso, porém, compreender os interesses que estão ou podem estar por trás. Quando países tão diferentes como os EUA e a Índia resistem à pressão mundial para que reduzam sua emissão de gases de efeito estufa, isso, além de indicar que essas políticas apresentam custos, indica também que existem necessariamente grupos que não querem incorrer nesses custos. Por outro lado, sempre haverá cientistas da melhor qualidade que negarão o aquecimento global por uma razão muito simples. Apesar de todo o avanço das ciências naturais, elas não são capazes de nos oferecer uma verdade definitiva sobre o tema.

Entre as ciências substantivas, apenas a física e a astronomia são relativamente precisas. Nas demais, principalmente nas ciências sociais (como a crise recente demonstrou de forma dramática em relação à economia), mas também nas ciências relacionadas com a vida, as perguntas não respondidas são muitas. É razoável, portanto, que sobre um tema tão complexo como o do aquecimento global alguns cientistas divirjam da maioria.

Razoável e necessário porque a crítica é uma forma de controle sobre a produção de conhecimento científico. Não é razoável, porém, que os críticos do clima não sejam simplesmente cientistas discordantes, mas a eles se somem, provavelmente sem que tenham sido convidados, políticos e homens de negócio cujos interesses estão ameaçados por uma política de controle do efeito estufa.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da FGV, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

Chávez quer restringir internet e TV a cabo

DEU EM O GLOBO

Presidente venezuelano processará site que divulgou falsos rumores sobre seus aliados e critica rede mundial

CARACAS. Após censurar canais de televisão abertos e a cabo e fechar 34 rádios em 2009 - sendo que mais 29 correm o risco de perder a concessão pública este ano -, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, defendeu no fim de semana a restrição à internet. No sábado à noite, ele pediu à Procuradoria Geral do país e ao presidente da Comissão de Telecomunicações da Venezuela, Diosdado Cabello, que tomassem medidas judiciais contra o portal Noticiero Digital, que teria divulgado informação falsa. Ele pediu, também, mais controle sobre a internet e disse que a divulgação da falsa notícia era "um crime".

- A internet não pode ser algo livre onde qualquer coisa pode ser feita ou dita - disse Chávez, num discurso televisivo, referindo-se a textos veiculados no site, segundo os quais dois de seus aliados políticos teriam sido assassinados. - Não, cada país tem que poder ter suas regras e normas.

Site vê ameaça à liberdade de expressão

Referindo-se a canais de TV a cabo, Chávez disse:

- Eles não podem transmitir o que querem, envenenando a mente de tantas pessoas. Regulação, regulação, leis!

O Noticiero Digital, um popular canal de notícias e comentários críticos na Venezuela, acusou ontem o presidente venezuelano de estender sua perseguição contra a mídia independente. "Esta acusação constitui uma grave ameaça à liberdade de expressão", disse um comunicado no site.

A direção do portal, porém, reconheceu que os textos mencionados por Chávez continham "rumores falsos" e anunciou que está "tomando medidas para que este tipo de situação não volte a ocorrer". Os textos foram retirados do ar horas depois de serem veiculados.

Nas últimas semanas, Chávez e seus aliados criticaram duramente as redes sociais, como Twitter e Facebook, que disseram ser usadas por rivais para difamar funcionários públicos e enganar a população.

Correa defende lei de comunicação

DEU EM O GLOBO

Projeto no Equador prevê multas e até cassação de concessões de TVs

Erika Lüters Gamboa e Luciano Riquelme
De El Mercúrio

SANTIAGO. De acordo com pesquisas de opinião, o presidente do Equador, Rafael Correa, conta com a aprovação de 68% da população. Alguns especialistas atribuem essa alta popularidade ao seu desempenho na mídia. O presidente, porém, não mantém uma boa relação com a imprensa do país, que já classificou de "corrupta", "medíocre" e "má intencionada".

- Claramente, na América Latina e, em particular, no Equador, os meios de comunicação são um poder real. O que é equilíbrio de poder para a imprensa? Ela julga, condena, reivindica e destrói, mas com que direito? O poder informativo é imenso e por mais ético que seja, o que não é o caso da maioria da imprensa no Equador, deve haver um contraponto - disse Correa ao jornal chileno "El Mercurio".

No momento, a Assembleia Nacional, de maioria governamental, debate uma nova lei de comunicação, que tem despertado grande polêmica. Se for aprovada, entre as medidas previstas estão sanções contra jornalistas e meios de comunicação, que vão de advertências até a cassação da licença de funcionamento, passando por multas.

- Essa regulação tem que ter embasamento constitucional, respeitando a liberdade de expressão - disse Correa, que no sábado criticou um relatório do Departamento de Estado dos EUA citando casos de abusos aos direitos humanos e à liberdade de expressão no Equador.

A imprensa não é o único setor com o qual o presidente tem embates. Grupos indígenas, que foram seus aliados no início do governo, têm confrontado Correa. Segundo o presidente, só uma confederação nativa, a Conales, se opõe ao seu governo.

- A postura de certos dirigentes indígenas não é reivindicatória, é agenda política. Eles querem ganhar espaço político e como não o conseguiram nas eleições, tentam agir contra o governo - afirmou.

A Conales, que garante representar 35% da população equatoriana, rechaça um projeto de lei defendido por Correa para o manejo de água, advertindo que ele vai permitir a privatização das fontes hídricas do país.

Há dois anos, houve o ataque colombiano a um acampamento de rebeldes das FARC no Equador. Correa faz exigências para que as relações se normalizem.

- Queremos saber como foi esse bombardeio. Foram usadas bombas americanas. Há rumores de que houve a participação de um terceiro país. Também queremos os arquivos dos computadores do local, por uma suposta informação contida neles de que apoiaríamos a guerrilha.

"Zapata não era um preso político e sim um delinquente"

O presidente faz eco ao governo cubano sobre a morte do dissidente Orlando Zapata, após uma greve de fome de 85 dias.

- O próprio Raul Castro me informou que Zapata não era um preso político e sim um delinquente, acusado de vários delitos. Está sendo feita uma grande propaganda com a morte de um dissidente preso.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi criticado por não responder a dissidentes que pediam sua intervenção pela vida de Zapata. Correa diz que se manifestaria, mas sob condições.

- Justiça parcial não é justiça. Devemos interceder por todos, mas assim como falamos sobre os supostos presos políticos em Cuba, por que não falamos dos cinco presos em Miami? - disse, referindo-se a cubanos presos há 12 anos nos EUA, acusados de se infiltrar em grupos cubano-americanos.

"El Mercurio" integra o Grupo de Diários América (GDA)

Gafe na chegada de Lula a Israel

DEU EM O GLOBO

O cancelamento de uma homenagem ao fundador do movimento sionista criou um mal-estar diplomático na visita do presidente Lula a Israel. A Chancelaria Israelense pediu explicação à embaixada.

Incidente diplomático na chegada

TEL AVIV. Nem bem desembarcou em Israel e o presidente brasileiro já se deparou com um mal-estar diplomático com os israelenses. Lula riscou do cronograma da visita de 36 horas ao país a realização de uma cerimônia em homenagem a Theodor Herzl, o jornalista austro-húngaro fundador do movimento sionista, que levou à criação do Estado de Israel. No evento, marcado para terça-feira, Lula depositaria uma coroa de flores no túmulo de Herzl.

Segundo a rádio israelense Arutz 7, o organizador do evento, Hagai Merom, chamou a decisão de Lula de "insulto" e afirmou que a visita ao local faz parte das "regras de cerimônia e amizade entre países".

A embaixadora Dorit Shavit, diretora-geral para América Latina do Ministério das Relações Exteriores, tentou diminuir a intensidade do incidente. Ela afirmou acreditar que Lula recusou visitar o túmulo porque não sabe quem é Herzl e não porque tenha algo contra o sionismo.

- Na minha avaliação, ele decidiu não ir porque não sabe a importância de Herzl para nós. Ainda temos esperança que ele mude idéia.

Shavit contou que a Chancelaria pediu explicações ao embaixador Pedro Motta Pinto Coelho, que tentou acalmar os israelenses. Fontes do Itamaraty informaram que a decisão foi tomada apenas porque a agenda estava lotada. Nesse mesmo dia, Lula vai ao Museu do Holocausto, almoçará com autoridades e viajará à Cisjordânia, para se reunir com o presidente palestino, Mahmoud Abbas.

- Depois do "piripaque" que ele teve em janeiro, estamos tentando dar mais tempo para ele descansar - disse um funcionário do Itamaraty.

Mas a recusa está sendo interpretada, por alguns, como sinal de que o presidente não simpatiza com o movimento que criou Israel. O sionismo é criticado principalmente por países árabes. (D.K.)

França dá nova virada à esquerda

RIO - Pesquisas de boca de urna na França indicam uma derrota do partido do presidente Nicolas Sarkozy nas eleições regionais realizadas neste domingo no país, informa O GLOBO em reportagem publicada nesta segunda-feira. Com 81% dos votos apurados, a UMP, de direita, tinha 26,7% dos votos, contra 30% dos votos do seu maior rival, o Partido Socialista.

Outras legendas de esquerda, como o Europa-Ecologia, e a Frente de Esquerda, com respectivamente 12,3% e 6,2% dos votos, contribuíram para a derrota da direita. A Frente Nacional, de ultradireita e política anti-islâmica, de Jean Marie Le Pen, deveria ficar com 11% dos votos. O segundo turno das eleições será realizado no próximo dia 21.

Em meio a boatos sobre sua separação, Sarkozy votou acompanhado da primeira-dama, Carla Bruni. Mais de 44 milhões de franceses estavam habilitados a votar para eleger 1.880 deputados provinciais das 26 regiões da França - com a esquerda devendo conquistar 22 regiões. O índice de abstenção, porém, foi de 52%, considerado um recorde para eleições regionais. O pleito é considerado o último teste de Sarkozy antes de tentar concorrer à reeleição em 2012.

Mesmo assim, Sarkozy vinha minimizando a importância das eleições regionais, afirmando que o resultado não teria impacto em suas reformas. Mas a vitória dos socialistas pode dar força ao partido após anos sem conseguir constituir uma oposição forte. Os índices obtidos pela UMP, que controlava apenas duas das 26 regiões (Córsega e Alsácia) supõem um resultado historicamente baixo para uma maioria no poder.
fontes: agências de noticias