sexta-feira, 19 de março de 2010

Reflexão do dia – Alberto Goldman

Que visão o senhor tem sobre o papel do Estado?

Goldman: Tem de ser forte para garantir o desenvolvimento, dar sustentação, infraestrutura, incentivo e apoio. Mobilizar todos os seus instrumentos para garantir o desenvolvimento, o melhor funcionamento para não deixar o mercado livre. O mercado livre é o campo onde as piranhas se comem. Os pequenos, os mais fraquinhos aqui é que são comidos. É (preciso) ter uma regulação do mercados. Não prendê-los demais, mas não deixar simplesmente que cada um faça o que deseja. Senão dá no que deu.


(Alberto Goldman, vice-governador de S. Paulo, na entrevista, hoje, no Valor Econômico)

TSE confunde::Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Passadas apenas 24 horas da divulgação de uma cartilha especialmente permissiva do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, sobre a participação de autoridades na campanha presidencial, o Tribunal Superior Eleitoral(TSE) veio confundir mais ainda as coisas com duas decisões distintas sobre o tema. O ministro Joelson Dias multou o presidente Lula por ter feito campanha antecipada da candidatura oficial da ministra Dilma Rousseff à sua sucessão, numa inauguração no Rio.

No mesmo dia, o plenário do TSE rejeitou outro pedido da oposição,desta vez relativo a uma inauguração em Minas. A votação a favor do governo foi apertada 4 a 3 , o que mostra que o Tribunal está tendo dificuldades para traçar uma linha entre o permitido e o proibido nas campanhas eleitorais, especialmente quando se trata de um presidente com a popularidade de Lula, que não se contém diante de limitações legais, cujo alcance luta para ampliar, e está disposto a tudo para eleger sua sucessora.

O valor da multa, R$ 5 mil, é irrisório,mas o que simboliza pode ser fundamental para recolocar uma perspectiva republicana à campanha deste ano, que está se desenrolando dentro critérios absolutamente inadequados ao objetivo declarado da legislação eleitoral de equilibrar as condições da disputa, impedindo que o peso da máquina pública favoreça um dos contendores.

A primeira decisão do TSE que coíbe o abuso do poder político na campanha presidencial foi dada pelo ministro-auxiliar Joelson Dias. O ministro concordou que se caracterizou campanha o presidente Lula ter interagido com a plateia num evento realizado em 29 de maio de 2009, no Rio de Janeiro, na inauguração de um complexo esportivo construído com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Com os gritos de apoio à ministra-chefe da Casa Civil, Lula, embora ressaltando, num tom entre o irônico e o debochado, que não poderia falar o nome que gritavam para não ser acusado de estar antecipando a campanha, afirmou que esperava que o ditado que diz que a voz do povo é a voz de Deus se concretizasse.

Estão ficando comuns nas manifestações petistas durante as inaugurações de obras os gritos de Brasil, urgente, Dilma presidente.

Mesmo que nem o presidente Lula nem a ministra Dilma digam algo, estará explícito o caráter político da reunião, embora a legislação eleitoral não possa impedir essas manifestações.

Mas quando o presidente interage com o público, de acordo com o ministro Joelson Dias, está caracterizada a antecipação.

São aspectos técnicos de um assunto político, que será agravado daqui por diante quando os candidatos terão que deixar os cargos públicos que exercem para disputar eleições.

O espírito dessa exigência legal, dessa obrigatoriedade de deixar os cargos públicos que os candidatos porventura exerçam, com a exceção dos chefes dos executivos federal, estadual e municipal, é justamente impedir que o abuso do poder interfira no resultado das eleições.

No outro julgamento,o de Minas Gerais, o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto,acabou sendo vencido, mas proferiu um voto histórico ao afirmar que governantes costumam confundir projeto de governo com projeto de poder.(...) O mandato venceu, mas o governante tenta a continuidade,fazendo o sucessor (...).

Foi a senadora Marina Silva,candidata do Partido Verde à Presidência da República, quem primeiro identificou no empenho do presidente Lula para eleger Dilma uma tentativa de continuar no poder, mesmo indiretamente.

O voto de Ayres Britto tocou na ferida e foi acompanhado por outros dois juízes,fazendo com que o julgamento ficasse empatado em 3 a 3.

Mas ontem o ministro Marcelo Ribeiro desempatou em favor do governo,alegando que uma campanha subliminar não é clara e não pode ser confirmada.

O ministro parece que vive em outro planeta, pois chegou a dizer que a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República não era do conhecimento geral na ocasião da inauguração no interior de Minas.

A desinformação de uns tantos,mesmo que fossem a maioria, não pode ser alegada como prova de que não se pode confirmar que estava sendo feita uma campanha eleitoral antecipada.

Se o presidente é eventualmente um político mais esperto que os outros e sabe usar de subterfúgios para burlar a lei,caberia aos juízes contê-lo dentro das normas legais.

Nesse sentido, a cartilha da AGU ensinando às autoridades as brechas para superar a legislação é um desserviço à democracia, pois faz uma interpretação excessivamente flexível das exigências legais, como se tudo fosse permitido.

Afirmar que a ministra Dilma Rousseff poderá frequentar os palanques que o presidente Lula montar para inaugurações de obras entre abril e junho, antes das convenções que oficialmente vão declará-la candidata, é legitimar uma farsa.

A simples presença da candidata oficial nas inaugurações, mesmo que ela fique feito um dois de paus no palanque sem abrir a boca, configuraria uma quebra do espírito da legislação eleitoral.

Além disso, o advogado-geral da União teria a obrigação de alertar que o presidente Lula e seus ministros estão proibidos de até mesmo sugerir que a candidata Dilma Rousseff, que a esta altura estará recebendo salários do PT, é a continuidade do projeto do presidente Lula.

A legislação eleitoral é muito frouxa e abre brechas para que líderes políticos ousados como Lula testem seus limites permanentemente.

O Tribunal Superior Eleitoral, pelo visto, não tem uma visão coesa sobre o que é permitido e o que é proibido, e essa indecisão poderá causar sérios problemas institucionais durante a campanha presidencial.

Leite derramado:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governo, quando quer e se empenha, ganha sempre ou perde por pouco. Quando perde de lavada, como aconteceu com a emenda que redistribui os royalties do petróleo (369 a 72), significa que não quis o bastante nem se empenhou o suficiente.

É esta a exata impressão que tem o governo do Rio de Janeiro, que foi dormir confiante da promessa feita pelo presidente Luiz Inácio da Silva ? " deixa comigo, Serginho" ? e acordou com a possibilidade de perder 70% das receitas do Estado.

O governador Sérgio Cabral não brigará com Lula por causa disso. Mas pode ser que, dependendo ao andar da carruagem, se torne eleitoralmente inviável para ele festejar excessivamente a candidatura presidencial de Dilma Rousseff no Rio.

Oficialmente, governador e adjacências acreditam na justificativa de que o Congresso é soberano e na promessa do veto presidencial à emenda Ibsen Pinheiro.

Na vida real ficou com a sensação de que lhe retiraram a escada e Cabral ficou pendurado no pincel. Lula conseguiu o que lhe interessava, mudança do modelo de concessão para partilha e criação de nova estatal, deixando o Rio entregue à falta de articulação.

Se a situação de Cabral é constrangedora, a de Lula pode ficar desconfortável no terceiro colégio eleitoral do País, sendo que o primeiro e o segundo (São Paulo e Minas) estão nas mãos da oposição. No Palácio Guanabara não foi bem visto o telefonema dado pelo chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, depois da votação para garantir que Lula vetará a emenda.

Um gesto mais bem recebido, correspondente à fidelidade que Cabral dedica a Lula, teria sido uma ligação pessoal do presidente, propondo algo a mais que o veto presumido.

Se a Câmara deu votos para aprovar a emenda, pode perfeitamente dar votos para derrubar o veto.

Hoje o governo do Rio gostaria que o Palácio do Planalto fizesse duas coisas: retirasse a urgência constitucional para a votação do ponto relativo à partilha dos royalties e trabalhasse pelo adiamento da votação no Senado para depois das eleições.

Agora não há clima para se discutir nem negociar nada com racionalidade.

A pedido do governador Sérgio Cabral, o senador Francisco Dornelles entrou no jogo com a missão de desarmar a bomba por enquanto.

Articula-se também com o presidente do Senado, José Sarney, a procrastinação da entrada do assunto em pauta.

Lula até agora não deu sinal algum de que fará algo além da promessa do veto. Ao contrário.

Ontem mesmo disse que esse tema é "problema do Congresso".

O risco de o eleitorado se voltar contra o governador Sérgio Cabral, por ter se fiado só na palavra do presidente, é grande.

Na proporção direta da tentativa de neutralizar o potencial malefício mobilizando a população "em defesa do Rio". Saiu na frente, antes que na oposição atribua a ele a responsabilidade de ter levado o assunto para o campo da amizade com Lula.

Antes que o eleitorado perceba que a emenda Ibsen Pinheiro só prosperou porque o governador e o presidente permitiram.

Ibsen é do PMDB, o maior parceiro do governo federal. Henrique Eduardo Alves, que incluiu como relator a emenda na proposta final da alteração da mudança nas regras de exploração do petróleo, é líder do PMDB na Câmara.

Ao PMDB pertence o governador Sérgio Cabral.

Ninguém viu o que se passava, ninguém falou com ninguém.

Haverá consequências político-eleitorais?

Depende. Se o eleitorado fluminense continuar fazendo o gaúcho Ibsen de Judas, o governador seguirá no papel de herói.

Mas se a percepção se apurar ao ponto de as pessoas enxergarem a existência de um erro de origem que foi deixado prosperar, Lula, Cabral e Dilma podem se tornar os vilões da execução de um plano que abriu espaço para a emenda que arruína o Rio.

Estado forte do PT incentiva oligopólios e prejudica competição, diz Goldman

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Cristiane Agostine, de São Paulo

Em duas semanas, o engenheiro Alberto Goldman (PSDB) poderá deixar o cargo de vice-governador de São Paulo para assumir o comando do Estado. A mudança, no entanto, ainda depende da decisão do governador José Serra (PSDB) de se desincompatibilizar do cargo para disputar a Presidência. Nesse caso, Goldman será o responsável por dar continuidade às principais obras da gestão e ajudar na campanha nacional do PSDB.

Goldman e Serra são amigos há mais de trinta anos. Conheceram-se quando o governador voltou do exílio no Chile. Após o golpe de 1964, Goldman atuou como militante clandestino do PCB. Filiou-se ao MDB, ajudou na fundação do PMDB e retornou ao "Partidão" em 1985. Dois anos depois, participou do governo Orestes Quércia, que o levou de volta ao PMDB. No governo Itamar Franco, foi ministro dos Transportes.

Dentro do PSDB, Goldman ajudou na reaproximação entre Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin, a quem deixou o cargo de secretário de Desenvolvimento.

Entre uma conversa com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e com o presidente da Sabesp, Gesner Oliveira, Goldman recebeu o Valor , na terça-feira, em seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes. Na entrevista que se segue, diz que enquanto o Estado forte petista usa o BNDES para fortalecer monopólios, o do PSDB estimula a concorrência com o fortalecimento dos meios de regulação. A seguir, trechos da entrevista.

Valor: O governador José Serra e a ministra Dilma Rousseff defendem um Estado forte e convergem em muitos itens da agenda econômica. Eles não se assemelham demais para disputar uma eleição?

Alberto Goldman: Os dois só se assemelham em uma coisa: combateram a ditadura. (Eles) Não têm mais nenhuma semelhança.

Valor: Em que se diferenciam?

Goldman: Conheço a postura de Serra porque vem de muitos anos. Foi ministro anteriormente. Sei o que defendia e o que deve defender. Tem coerência. Da Dilma não sei. O PT era um até um determinado dia, mas aí fizeram a Carta aos Brasileiros e mudaram a concepção. Depois veio uma visão menos estatista. Em seguida, recuaram. É o que vemos nesses documentos que foram a base do Congresso do PT. Não sei o que dizer (sobre Dilma), se é uma coisa ou outra. Não vejo uma linha coerente.

Valor: Que visão o senhor tem sobre o papel do Estado?

Goldman: Tem de ser forte para garantir o desenvolvimento, dar sustentação, infraestrutura, incentivo e apoio. Mobilizar todos os seus instrumentos para garantir o desenvolvimento, o melhor funcionamento para não deixar o mercado livre. O mercado livre é o campo onde as piranhas se comem. Os pequenos, os mais fraquinhos aqui é que são comidos. É (preciso) ter uma regulação do mercados. Não prendê-los demais, mas não deixar simplesmente que cada um faça o que deseja. Senão dá no que deu.

Valor: A regulação dos mercados não assusta o mercado financeiro?

Goldman: Quando digo regulação, digo regras gerais. Não é dizer: "Você vai cobrar taxa de tanto"; "vai fazer não sei o que". É regulação em linhas gerais. Se tivéssemos um pouco de regulação, não teríamos aquele episódio que tivemos no governo Fernando Henrique Cardoso do Banco Nacional, do Banco Econômico, do Bamerindus, aqueles bancos que quebraram e levaram um monte de gente junto. Depois disso o que é que se fez? Se fez o Proer. O Proer é a regulação correta, consequente. Não vai interferir na vida dos bancos. A melhor forma de regular é incentivar a competição. Regular significa criar condições para competição. É a minha ótica pessoal, não tem nada a ver com Serra. Quando fui relator da Lei Geral de Telecomunicações, discutimos isso na formação da lei e em todo o projeto. Qual era a linha básica? Criar condições de competição no setor de telecomunicações. Tinha a Anatel, que estabelecia as vias básicas e que regulava para garantir a competição. É a competição que pode influir na melhora da qualidade e dos preços. Isso parou. Esse governo não fez nada nessa direção.

Valor: Em que sentido essa defesa do Estado forte é diferente do que o PT defende?

Goldman: Eles defendem agências reguladoras independentes do jogo político-partidário? O maior opositor que tinha no Congresso sobre a flexibilização do setor de petróleo, sobre a quebra do monopólio da estatal, era o deputado Haroldo Lima, que hoje é o presidente da Agência Nacional do Petróleo. Ele era o mais contundente opositor à agência. Hoje é o presidente. Dá para entender? Eu apresentava o relatório e ele gritava, esperneava que nós estávamos acabando com o país. Essa politização destruiu agências, eliminou a capacidade delas de fazer o papel regulador do Estado.

Valor: Esse Estado que o senhor defende não passa pelo fortalecimento do BNDES, que já está acontecendo?

Goldman: Concordo, mas precisa tomar cuidado com a forma pela qual o BNDES está fortalecendo a constituição de monopólios e oligopólios, sob a ótica de construir multinacionais que vão poder disputar não sei o que no mundo, lá fora. Tudo bem que lá fora se tenha empresas grandes, que se consorciam para disputar, mas a contrapartida não pode ser constituir monopólios e oligopólios como está se constituindo no país. É contra o processo de competição.

Valor: Há fortes investimentos do governo paulista em Transportes e em Saneamento. Essas duas áreas são pilares do PAC. A estratégia é comparar esses investimentos com os do governo federal?

Goldman: Não consigo encontrar pilar nenhum nesse PAC. O PAC virou um caleidoscópio enorme. Milhões de pedacinhos e coisas espalhadas para todo lado e você não tem nenhum foco. O PAC tem desde teoricamente o saneamento básico - que não se consegue avançar no Brasil, porque fica tudo preso na burocracia federal -, passa pela habitação , onde os resultados têm sido muito magros, .... Vai daí até algumas coisas um tanto quanto mirabolantes. Está tudo no PAC. Tem alguma coisa que não está no PAC? Tudo deve estar. O PAC nada mais é do que um rótulo. Pegou todo o bolo e pum! Chamou de PAC.

Valor: Mas São Paulo recebe recursos do PAC para obras importantes, como o Rodoanel, não?

Goldman: Recebe recursos federais. Chame PAC ou chame PIC, ou POC, se quiser (risos). Recebe, de fato. O Rodoanel, por exemplo, tem recursos minoritários, mas tem. Já tinha no governo anterior. E tem que ter mesmo: 23% da população do Brasil está no Estado. No caso de trens, não tem recursos do Orçamento, mas tem financiamento. Metrô tem financiamento do BNDES. Não é dado. É emprestado, com juros.

Valor: O PAC é eleitoreiro?

Goldman: Não quero fazer esse tipo de carimbo. Acho que todos os programas que os governos fazem têm um componente eleitoral. Em qualquer governo, em qualquer nível. Estão sempre preocupados com eleição, com o futuro. Isso não é negativo, ter governos preocupados em ser bem avaliados, porque estarão em novos confrontos eleitorais. Não é negativo. É um dado da democracia que vale em qualquer lugar. No governo Fernando Henrique tínhamos os Eixos do Desenvolvimento. O PAC se chamava Eixo do Desenvolvimento. É exatamente a mesma coisa, mas o nome é diferente.

Valor: Que balanço o senhor faz do governo de São Paulo até agora?

Goldman: Não quero fazer balanço. Quem vai fazê-lo é o governador no momento em que ele achar que tem de fazer. Tenho que me limitar na minha função. O que eu vejo são focos. Na área de Transportes, os investimentos estavam muito lentos, até pelas dificuldades financeiras que os Estados sempre tiveram. Uma das características do governo Serra foi transformar um investimento tradicional de US$ 3 bilhões em US$ 10 bilhões. Como é que se conseguiu isso? Com ações de melhoria da gestão interna e de obtenção de financiamento externo, do BNDES, e de venda de ativos. O Estado trabalhou sempre para ter margens para endividamento. Em Saneamento, temos praticamente 100% onde atua, no fornecimento de água potável. É só comparar os índices de São Paulo com os do Brasil. Coleta de esgoto temos quase 80%. Tratamento desses 80% ainda está em 60%. As coisas estão evoluindo muito rapidamente. Nossa expectativa é de chegar a 100% em 2018. É uma meta definida. Outro foco, desde o primeiro dia, foi o Meio Ambiente, com grandes mudanças durante todo esse período.

Valor: O senhor está se preparando para assumir o governo?

Goldman: Desde o dia em que fui escolhido para vice, eleito, estou preparado para qualquer coisa. Assim como nas saídas do governador eu assumi, se ele sair agora vou assumir do mesmo jeito. Tenho uma vida política de 40 anos. Já passei por tudo o que é possível. Deputado estadual, federal, ministro, secretário. Como é que não estou preparado? Mas não há nenhuma definição.

Valor: Nas duas últimas eleições, houve um forte desgaste entre Serra e Alckmin. Como será a convivência entre o grupo ligado a Serra e a ala mais próxima a Alckmin ?

Goldman: Não dá para fazer essa separação. Houve conflito e isso foi ultrapassado. O Geraldo foi sempre muito próximo de Serra. Foi vice-líder dele, foi candidato do Serra para vice do Covas. Em certos momentos há conflitos, diferença de opinião, mas não se pode dizer que há grupos. Tanto é que que qualquer decisão que será tomada agora vai encontrar o partido unido.

Valor: As divergências foram superadas?

Goldman: Já estão superadas. Claro que se tem opiniões do que é melhor. É inevitável. Tem cabeça para pensar, para opinar e ter posição. Mas não tem grupos.

Valor: A eleição de 2008 também desgastou o PSDB, ligado a Alckmin, com o DEM, do prefeito Gilberto Kassab. Como está a relação entre os dois partidos?

Goldman: Está bem azeitada, no geral. Tem pessoas que não se entendem bem. Mas vamos para a eleição unidos.

Valor: O DEM deve ter a vice do PSDB no plano nacional? E em SP?

Goldman: A primeira coisa é saber quem será o titular. Depois vai pensar no vice. Não pode ser de outro jeito. É um processo que só vai se dar quando Serra definir o que vai fazer. Aí se começará a discutir o quadro estadual.

Valor: Como lidar com denúncias contra o DEM, envolvendo José Roberto Arruda e Gilberto Kassab? Não enfraqueceram a oposição?

Goldman: No Distrito Federal, o episódio enfraquece. Tinha um governador que era do DEM, aliado nosso, que nos fortalecia lá. A denúncia contra Kassab é contra ele e contra vereadores de todos os partidos. Não tem o mínimo senso. Se eu fosse buscar nas eleições anteriores coisas desse tipo certamente estaria na mesma condição. Quando uma empresa dá uma contribuição, você não conhece a realidade dessa empresa, que trabalhos ela faz. A responsabilidade é da empresa.

Valor: Como o senhor avalia as pesquisas eleitorais, com Dilma crescendo e Serra estagnado? A estratégia do PSDB está equivocada?

Goldman: A importância que dou às pesquisas é zero. Não tem demora nenhuma. Vai perguntar para o cidadão se ele está preocupado com quem vai ser o próximo presidente! Claro que os políticos profissionais estão atuando, fazendo composição política. Se perguntar para a população, 30% é capaz de chutar um nome, sem compromisso. Somando tudo isso, não dá nada.

Serra dobra teto de seu 'Bolsa-Família'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Roberto Almeida

A sete meses das eleições presidenciais, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), provável candidato tucano ao Palácio do Planalto, ampliou um dos principais programas sociais de sua gestão, o Renda Cidadã.

O programa, que só atendia famílias com renda per capita de até R$ 100, agora fará pagamentos mensais às que chegarem a R$ 200. Ao dobrar o teto de renda, Serra deve beneficiar cerca de 45 mil famílias.

A comparação entre programas sociais deve ser um dos principais tópicos da campanha eleitoral deste ano. A abrangência dos programas federais é vista como um trunfo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na promoção de sua candidata, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

As lideranças tucanas tem se esforçado para mostrar que, em um eventual governo do PSDB, o programa Bolsa-Família, que distribui cerca de R$ 12,5 milhões de benefícios mensais, será preservado.

O teto do Renda Cidadã agora supera o limite máximo de renda estabelecido pelo governo federal para atendimento pelo Bolsa-Família, de R$ 140 per capita.

Segundo a Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (Seads), gestora do programa paulista de benefício financeiro mensal temporário, as mudanças devem elevar em 38% o número de beneficiários.

Atualmente, o Renda Cidadã distribui 117 mil bolsas. Neste ano, a perspectiva é atingir 162 mil. Para isso, o valor destinado ao programa terá aumento de 18%, saltando de R$ 98 milhões para R$ 116,8 milhões. É o maior orçamento dedicado ao Renda Cidadã desde sua criação, em setembro de 2001, durante o governo do tucano Geraldo Alckmin. A meta de atendimento, se cumprida, será recorde.

Curva. Na série histórica do Renda Cidadã, apenas 37 mil famílias eram atendidas em 2001. Em 2006, o número chegou ao seu auge, com 160 mil e um orçamento de R$ 116,7 milhões. Mas estava em curva descendente desde então.

O prazo de concessão do Renda Cidadã, que é temporário, também foi ampliado. Famílias que antes podiam receber o benefício por até dois anos agora podem ficar por até três anos. De acordo com a Seads, a elegibilidade para o programa é revista anualmente.

Diferentemente do Bolsa-Família, que escalonou o pagamento do benefício de acordo com renda e número de filhos, o Renda Cidadã mantém valor fixo de R$ 60 por família.

O último reajuste do Bolsa-Família foi em agosto do ano passado, que aumentou em 10% o valor médio do benefício - passando de R$ 86 para R$ 95 ao mês.

"Muito baixo". "A mudança se fazia necessária", justificou a secretária estadual de Desenvolvimento e Assistência Social, Rita Passos.

Segundo a secretária, o teto de R$ 100 para o Renda Cidadã era "muito baixo". E o atual, de R$ 200, acima do Bolsa-Família, poderia ser "até mais alto", afirmou Rita.

"Por que só trabalhar com os que estão no fundo do poço, os que são miseráveis?", questionou a secretária.

Ela acredita que programas de transferência de renda não resolvem os problemas, mas capacitam o indivíduo a ter condições de ter uma vida "autossustentável".

De acordo com Rita, "o desejo é que as pessoas entrem no programa, mas que consigam seu emprego".

Desde março deste ano, a Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social aplica o Programa Complementando Renda Cidadã, que viabiliza repasses de R$ 10 mil até R$ 50 mil para municípios que ofereçam cursos que atendam as necessidades de trabalho local.

Porta de saída. De acordo com aA secretaria Rita Passos, este é o caminho para a porta de saída.

"É quando o município observa qual a mão de obra que falta e implanta cursos profissionalizantes", afirmou.

Apenas um município dos 645 do Estado não é atendido pelo programa. Jumirim, com cerca de 2 mil habitantes, decidiu não aceitar o benefício porque já está sendo atendido pelo Bolsa-Família.

Salto

Benefício paulista supera o teto do Bolsa-Família R$ 200 per capita é o novo teto do programa Renda Cidadã. 162 mil famílias é a meta que o governo de São Paulo pretende atingir este ano

Em evento sobre turismo, tucano ataca câmbio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Clarissa Oliveira

Em meio a propostas para alavancar o potencial turístico de São Paulo e piadas prontas sobre futebol, o governador José Serra (PSDB) encaixou críticas à política cambial do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dando o tom que poderá guiar a corrida presidencial, Serra queixou-se da valorização da moeda brasileira frente ao dólar.Segundo ele, trata-se de um dos principais empecilhos para o desenvolvimento turístico do País. "O câmbio mega, hiper valorizado torna o turismo no Brasil caro, muito caro. E torna o turismo do brasileiro no exterior muito barato", reclamou Serra, sugerindo que até as compras mais baratas em cidades como Buenos Aires e Nova York jogam o Brasil para baixo na lista de destinos internacionais.

Serra lançou ontem a Empresa Paulista de Turismo e Eventos, que terá, entre outras tarefas, a de administrar os preparativos para a Copa de 2014.

O ataque ao câmbio não foi a única crítica dirigida ao governo Lula. O tucano jogou na conta da administração federal a dificuldade de tirar do papel o projetos como o trem expresso para o Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos. Segundo ele, o projeto só será colocado em prática quando for construído mais um terminal no aeroporto. "Isso não anda porque não temos garantia do terminal 3, que é dada pelo governo federal", disse. "O Estado não tem dinheiro para investir centenas de milhões de reais em cada aeroporto. Não é sua função", acrescentou o governador.

Dois palanques, duas medidas

DEU EM O GLOBO

TSE multa Lula por campanha no Rio; em MG, não

No mesmo dia, decisões diferentes sobre visitas do presidente Lula a obras do PAC mostram que a Justiça Eleitoral está dividida sobre o tema da propaganda eleitoral antecipada. O ministro Joelson Dias, do TSE, multou Lula em R$ 5 mil por entender que ele fez campanha antes da hora numa visita a obras no Rio em 2009, quando disse ter certeza de que ganharia as eleições.

Mas o colegiado do TSE, por apenas um voto, absolveu Lula e Dilma da acusação de campanha extemporânea em Minas Gerais, quando o presidente, ao entregar barragem com a ministra, afirmou que era preciso inaugurar o máximo de obras, porque, depois que ela fosse candidata, não poderia subir ao palanque.

Justiça Eleitoral em xeque

No mesmo dia, em duas ações diferentes, TSE multa e absolve Lula por propaganda antecipada

Isabel Braga e Carolina Brígido
BRASÍLIA - Duas decisões tomadas ontem pela Justiça Eleitoral mostram como a série de inaugurações e visitas a obras pelo presidente Lula, sempre acompanhado de sua candidata à Presidência, a ministra Dilma Rousseff, está desafiando e dividindo o Tribunal Superior Eleitoral. Numa das decisões, tomada pelo ministro Joelson Dias, Lula foi multado em R$ 5 mil por campanha antecipada durante visita a uma obra do PAC em Manguinhos, no Rio, em 29 de maio do ano passado. Em outra decisão, esta do colegiado do TSE, quatro ministros votaram pela absolvição, e outros três pela condenação de Lula e Dilma por campanha fora da hora.

Na visita a Manguinhos, Lula, na companhia de Dilma, disse ter certeza de que ganhariam as eleições. Ele também torceu para que os gritos de apoio a Dilma fossem uma profecia.

E recomendou que a população não votasse em vigaristas. Dilma não foi punida pelo ministro auxiliar do TSE.

Tenho que a propaganda eleitoral antecipada, no mínimo em sua forma dissimulada, efetivamente se configurou em razão do que tenho como verdadeira exortação, logo a seguir, no arremate do seu discurso pelo primeiro representado: Eu espero que a profecia que diz que a voz do povo é a voz de Deus esteja correta neste momento, escreveu o ministro. No evento, a plateia gritava Dilma, Dilma, Dilma!.

Afinal, ao interagir com os que assistiam à cerimônia, para inclusive dizer que esperava estar correto o que afirmavam, tenho que o primeiro representado (Lula) findou por incorporar ao seu próprio discurso a aclamação do nome da segunda demandada, concluiu o ministro.

Joelson Dias afirmou ter assistido à integra dos discursos de Lula em vídeo. A outra conclusão não se pode chegar, portanto, senão pela responsabilidade do primeiro representado (Lula) pela prática de propaganda eleitoral antecipada, com a consequente aplicação de multa, escreveu.

A multa foi baixa porque, para o ministro, o fato não revelou circunstância mais grave.

O ministro afirmou que não poderia punir Dilma porque não ficou comprovado que ela sabia previamente do apoio público que lhe seria prestado por seu chefe. O despacho será publicado na edição do Diário de Justiça da próxima segunda-feira. A partir de então, a Advocacia Geral da União (AGU) terá prazo de três dias para recorrer.

O julgamento do provável recurso será realizado no plenário do TSE, composto de sete ministros. A expectativa do presidente do tribunal, ministro Carlos Ayres Britto, é que o julgamento ocorra na próxima semana.

Em nota, a AGU informou que vai recorrer. No recurso, o órgão reforçará os argumentos apresentados na defesa, de que a participação de um gestor público federal em inaugurações de obras públicas é um dever da função, de acordo com os preceitos da transparência e da prestação de contas. Para a AGU, a propaganda eleitoral é aquela feita pelo próprio candidato, pela sua coligação ou seu partido, com vistas a convencer o eleitor a votar nele no candidato.

A decisão foi tomada no julgamento de ação do PSDB que pedia a aplicação de multa contra Lula e Dilma.

Para os tucanos, Lula usou o evento como palanque para as eleições de 2010 em favor da ministra.

Num outro julgamento, também ontem, o presidente Lula escapou, por apenas um voto, do que seria a primeira condenação este ano, pelo colegiado do TSE, por propaganda eleitoral antecipada. O julgamento de trechos do discurso de Lula durante inaugurações em Minas estava empatado em 3 a 3, e o último a votar, ministro Marcelo Ribeiro, considerou que não houve propaganda antecipada pró-Dilma.

É importante inaugurar o máximo

Naquele dia, em Minas, Lula prometeu acelerar as obras do PAC tocadas por Dilma, que ele mesmo apelidou de mãe do PAC: É importante que a gente inaugure o máximo de obras possível, para que possa mostrar quem foram as pessoas que ajudaram a fazer as coisas neste país.

Apesar de o TSE ter concluído que não houve antecipação, o julgamento deixou clara uma mudança no entendimento que vinha sendo adotado pelos ministros nas últimas decisões relativas a representações contra Lula e Dilma. O presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, fez questão de manifestar-se novamente, após o voto de Ribeiro, antes de proferir o resultado. Ayres Britto expressou sua contrariedade: O Brasil está sendo depurado eticamente. É assim que a democracia se consolida e ganha autenticidade.

Na medida que se faz de uma inauguração pretexto para comício, isso altera o funcionamento da máquina, desequilibra a eleição, e o princípio da impessoalidade fica abalado. O ministro (Felix) Fischer equacionou o tema à luz da legislação eleitoral.

Agreguei algo, incluindo o que a Constituição Federal fala de obras. Inauguração de obra deve ter caráter educativo e de informação social.

É a oportunidade para falar da obra e não de pessoas.

Antes do voto de desempate de Ribeiro, a viceprocuradora geral eleitoral, Sandra Cureau, enfatizou a mudança de entendimento do TSE em relação às representações apresentadas e votadas nos últimos meses pela Corte: A tendência vinha sendo de não considerar as situações como propaganda eleitoral. Mas a repetição dos atos, sempre com a presença da précandidata, com novas inaugurações e novas frases truncadas e dissimuladas...

Não dá mais para dizer que é só casualidade. Pode ter sito a quantidade exagerada que começou a mudar a tendência.

Na julgamento da noite, porém, sobre o evento em Minas, o ministro Marcelo Ribeiro disse não ter encontrado vínculo entre o discurso de Lula e a candidatura de Dilma.

A propaganda eleitoral antecipada tem que ser clara. O que é subliminar é algo que não é claro justificou o ministro.

Ribeiro acrescentou que a simples presença de Dilma na inauguração não caracteriza propaganda eleitoral extemporânea, já que a lei não impede que ministros participem de inaugurações, a não ser a três meses da eleição. Para Marcelo Ribeiro, ao contrário do entendimento de Ayres Britto, não houve quebra do princípio da impessoalidade neste caso.

Votaram favoravelmente à aplicação de multa ao presidente Lula, além de Ayres Britto, os ministros Felix Fischer e Fernando Gonçalves.

O relator, Joelson Dias, entendeu que não cabia a multa, sendo acompanhado por Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Ribeiro.

FHC diz que PSDB deve lançar campanha antes de candidato

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Da Sucursal do Rio - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem, no Rio, que o PSDB deveria ter mais autonomia e não esperar o governador José Serra assumir que é candidato à Presidência para começar a fazer propaganda.

"Uma coisa é o candidato, outra coisa é a campanha. Não sei por que o partido tem que esperar alguém lhe dizer que é candidato para começar a fazer propaganda. Deve fazer o quanto antes", disse FHC, após palestra sobre Joaquim Nabuco na Academia Brasileira de Letras.

Apesar de defender que o seu partido faça propaganda de Serra já, FHC criticou novamente Lula por ter, em sua avaliação, precipitado a campanha, o que teria dado a impressão de que os demais candidatos estavam atrasados. Ontem, Lula foi multado pela Justiça Eleitoral por campanha antecipada.

Mesmo em sua palestra sobre o centenário da morte de Nabuco, FHC não deixou de fazer, ironicamente, uma referência a Lula. Lembrou que o abolicionista, após conhecer de perto a realidade dos Estados Unidos como diplomata brasileiro no país no início do século 20, defendeu maior alinhamento do Brasil com os americanos.

"Que o presidente Lula não me ouça, e não estou falando do Irã, mas, quem sabe, Nabuco não estivesse já delineando naquela época para o Brasil uma relação mais estreita com os Estados Unidos, que desse espaço para o país se afirmar mais em sua área de influência naquela época, exercendo uma ação de moderação na América Latina", afirmou.

'Problema' do pré-sal é do Congresso, diz Lula

DEU EM O GLOBO

Presidente não confirma veto a mudanças, como prometera a Cabral
O presidente Lula disse que é do Congresso a responsabilidade de resolver a guerra federativa deflagrada com a emenda Ibsen, que redivide os royalties do petróleo e retira R$ 7 bilhões por ano do Rio.
Sabia que em ano de eleição todo mundo quer fazer gracinha, disse Lula. A bola está nas mãos do Congresso. O Congresso que resolva o problema. O presidente deixou em aberto se vetará a emenda, como prometera ao governador Sérgio Cabral. A estratégia do Planalto é tirar de Lula o peso do veto e forçar a negociação. Cabral evitou polemizar e disse que Lula tem razão ao passar a bola para o Congresso. O deputado Ibsen Pinheiro afirmou que o governo federal nunca se empenhou para derrotar sua proposta: Jogou para a plateia. E ironizou a marcha dos 150 mil: O Rio já fez uma passeata para apoiar o golpe de 64.

Lula: "O Congresso que resolva"

Presidente não confirma veto à proposta contra o Rio, em estratégia para forçar negociação no Senado

Eliane Oliveira* e Gustavo Paul


AMÃ, Jordânia, BRASÍLIA e RIO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que é do Senado a responsabilidade de resolver a guerra federativa patrocinada pelos deputados com a chamada emenda Ibsen, que redivide toda a renda do petróleo, inclusive a já paga hoje, retirando cerca de R$ 7 bilhões da economia do Rio. Lula disse que alertou no ano passado, quando do envio dos projetos do marco regulatório do pré-sal ao Congresso, para o risco de se fazer gracinha com o tema em ano de eleição.

O presidente deixou em aberto a possibilidade de vetar a emenda, embora tenha mantido a posição de não se comprometer publicamente com a questão: Já cumpri minha parte. Minha vontade era não votar os royalties este ano, pois sabia que era um ano político e que em ano de eleição todo mundo quer fazer gracinha. Disse que era para deixar para o ano que vem, pois tudo isso é para 2016. Não precisaria dessa pressa agora. Portanto, meus companheiros, a bola está nas mãos do Congresso Nacional, e o Congresso que resolva o problema afirmou.

As declarações foram feitas momentos antes de Lula embarcar de volta ao Brasil, depois de uma viagem de cinco dias ao Oriente Médio.

O presidente não quis dizer se assinaria o veto pedido pelo Rio e já prometido publicamente pela sua base no Congresso e evitou fazer comentários a respeito.

Ele disse que, se o que sair do Congresso for muito diferente da proposta do Executivo, vai se debruçar em cima do que for aprovado.

O presidente destacou que, com exceção do projeto dos royalties, tudo tem sido feito de comum acordo na tramitação do marco regulatório do petróleo. Perguntado se suprimiria os artigos relacionados à divisão dos royalties, afirmou: Não, eu não disse isso.

Cabral: Senado tem que corrigir erro

A estratégia do Planalto é tirar do colo do presidente a responsabilidade do veto que tem custo político imenso e forçar a negociação no Senado. Se Lula se comprometer publicamente com o veto à emenda, explicam seus auxiliares, acaba-se com qualquer chance de os senadores buscarem um acordo político que permita uma distribuição mais equilibrada das riquezas do petróleo, evitando ainda uma batalha judicial pela inconstitucionalidade da emenda Ibsen.

Foi sensato (Lula). Um presidente não pode dizer que vai sancionar ou vetar um projeto de lei antes de ele ser aprovado pelo Congresso defendeu o senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

É um movimento escapista do presidente, que demonstra estar com dificuldades políticas rebateu o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN).

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, reafirmou no programa de rádio Bom dia ministro, veiculado pela Radiobrás, o entendimento do Palácio: O entendimento que eu tenho, olhando o que foi votado, é que parece que há falta gravíssima no que foi votado, porque a Constituição diz que uma parte deve ser destinada aos estados produtores.

Não fala quanto, mas que uma parte precisa. Com certeza isso é algo que exige no Senado uma reformulação.

Segundo pessoas próximas ao presidente, ao perceber os resultados provocados pela emenda Ibsen, Lula comentou que já previa a confusão e comentou que não quer incluir o tema na agenda política de 2010. Discussão sobre estados, teria dito, deve ficar a cargo do Senado, não do Executivo.

Um alto funcionário disse que, no Palácio do Planalto e entre os ministérios da área econômica, esperase que os congressistas é que quebrem a cabeça para resolverem o que eles próprios criaram. O cenário ideal é postergar a votação para depois das eleições.

Se não houver um entendimento que reponha o bom senso, que não se faça uma guerra contra o Rio de Janeiro, só votaremos o pré-sal depois das eleições. Porque passa a eleição, passa a emoção disse o líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), que foi relator do projeto que trata da partilha.

Cabral evitou polemizar com a declaração do presidente Lula de que caberá ao Congresso resolver o problema. O governador, que vinha garantindo o veto de Lula à emenda, mudou o tom do discurso e disse agora esperar que os deputados federais reconheçam o erro.

Ele (Lula) tem razão ao passar a bola para o Congresso. É o Congresso que deve decidir. Quem está distorcendo o acordo é o deputado Ibsen Pinheiro e os trezentos e poucos deputados que, naquele momento, concordaram. Mas eles podem mudar de opinião, e espero que isso aconteça depois que (a emenda) voltar do Senado afirmou Cabral.

O governador lembrou que, a despeito da declaração de Lula, o presidente tem feito reiteradas afirmações de que vetará o projeto. Cabral elogiou a maneira com que o presidente conduziu o processo do envio do marco regulatório do pré-sal ao Congresso.

A mensagem enviada pelo presidente Lula ao Congresso se refere ao pré-sal a ser licitado. Como ele sempre vem fazendo, respeitou contratos e a legalidade. O erro é da Câmara, e agora tem que ser retificado pelo Senado.

Espero que a Câmara reconheça o erro e mude o rumo dessa história

Ibsen: Rio manifestou apoio ao golpe de 64

Ibsen, em entrevista no rádio, criticou a manifestação que reuniu 150 mil pessoas no Rio, afirmando que nem toda passeata é do bem: O Rio já fez uma passeata para apoiar o golpe de 64. Oswaldo Cruz foi muito vaiado e xingado na ruas do Rio na batalha contra a varíola. É preciso perceber que o Brasil inteiro apoia uma mudança do sistema de distribuição dos royalties. Na Câmara, 24 bancadas votaram unanimemente pela mudança.

Eu gostaria de dizer aos cariocas que a mudança não tem como ser revogada.

Cabral, mais tarde, rebateu: Então tá. Ele é que é do bem.

Já Paulo Bernardo afirmou ainda que a expectativa do governo é que, em 2015, a produção de petróleo da camada pré-sal seja equivalente ou até maior à obtida hoje no pós-sal. A Petrobras, porém, estima que a produção do pré-sal só chegará a 1,835 milhão de barris diários (equivalente à produção brasileira atual) em 2020.

O pré-sal já começou a jorrar em 2009, mas é evidente que em pequena quantidade. Essa produção tende a aumentar disse ele.

Enviada especial

Colaboraram Emanuel Alencar e Cristiane Jungblut

Aécio: Minas ficará a favor do Rio

DEU EM O GLOBO

Governador diz ter "alma carioca". Serra vê "pecado mortal" em fim dos royalties

Fabiana Ribeiro, Luiz Ernesto Magalhães, Thais Britto e Flávio Freire

RIO e SÃO PAULO. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB),disse ontem que a bancada mineira do Senado vai se posicionar a favor da manutenção dos royalties do Rio e do Espírito Santo.

Para o governador, não pode haver qualquer perda de receita para os estados do Rio e do Espírito Santo no momento dessa discussão. Segundo Aécio,que disse ter alma carioca, uma redistribuição dos recursos para outros estados deve ocorrer somente nos contratos ainda não licitados.

No Senado, começa-se a compreender que não podemos punir o Estado do Rio e o Espírito Santo. A partir da preservação daquilo que hoje é de direito desses estados, nós devemos buscar uma repartição mais equilibrada, atendendo a todo o país. Defenderei essa posição. E abancada mineira defenderá essa posição. Garanta-se o que o Rio já recebe até hoje, e a partir daqui, no futuro, faz-se uma distribuição com os outros estados disse o governador, que esteve no Rio para uma reunião com a diretoria da Petrobras.

Também no Rio, o vice-presidente José Alencar defendeu que não haja prejuízos para o Rio e o Espírito Santo.

Não podemos violentar os orçamentos do Rio e do Espírito Santo.Acredito que o Senado vai dar uma boa solução para isso afirmou. O Rio é amor de todos os brasileiros.

É das melhores coisas que Minas possui no coração.

Já o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), voltou a criticar ontem a emenda Ibsen:

Não se pode querer resolver um problema, que é beneficiar o conjunto do país com a produção de petróleo, e fechar as portas de dois estados e muitos municípios. De repente, tira-se R$ 7bilhões de um estado. O projeto da Câmara tem esse pecado mortal.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, criticou a discussão sobre os royalties do petróleo: O que temos de discutir é qual é a melhor maneira de explorar o petróleo. É a partilha mesmo?Essa lei que está propondo a criação da PetroSal é boa? É preciso discutir o modelo institucional que está sendo proposto.

Ministro:Olimpíadas são compromisso do Brasil O prefeito do Rio, Eduardo Paes,não acredita na aprovação da emenda Ibsen e fez projeções pessimistas para o futuro sem os recursos dos royalties: Sem os R$ 7 bilhões, nem as Olimpíadas nem nada acontece no Rio. Mas é tão sem nexo que não acredito que essa medida vá prosperar. Como vai ser a segurança, a saúde, a educação? A prefeitura vai ter de investir em função do estado? A prefeitura terá de fazer as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras)? Com relação às Olimpíadas, o ministro do Esporte,Orlando Silva, disse ontem não acreditar na possibilidade de elas não serem no Rio, lembrando o evento é um compromisso não da cidade, mas do Brasil.

Tenho a convicção de que o Senado vai corrigir a resolução da Câmara. Eu aposto no diálogo e no entendimento e creio que haverá uma correção para que Rio, Espírito Santo e São Paulo não sofram por terem em sua área geográfica uma riqueza tão importante para o Brasil. Mas tenho certeza de que não terá qualquer tipo de instabilidade na preparação para os Jogos Olímpicos, que são um compromisso do país. Os Jogos são na cidade do Rio de Janeiro, mas são um compromisso que o Brasil assumiu afirmou o ministro.

Ele esteve com Paes na abertura do evento Conexão Rio Barcelona, no Palácio da Cidade.O evento, organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, discute a possibilidade de usar as Olimpíadas na revitalização da Zona Portuária

Ibsen: 'Governo federal jogou para a plateia', mas apoiou indiretamente a emenda

DEU EM O GLOBO

BRASÌLIA - Alvo principal dos manifestantes que tomaram o centro do Rio na quarta-feira,o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) mantém a defesa da emenda que leva seu nome e revê a atual política de distribuição de royalties no país e provocará, se promulgada, uma queda de R$ 7 bilhões na economia do Rio. Ele argumenta que ela promove a justiça fiscal no país e que ainda precisa ser complementada por uma outra, apresentada por ele, que estabelece uma transição que evitaria o colapso das contas dos estados produtores. A União pagaria essa compensação.

O deputado, ex-presidente da Câmara dos Deputados, acredita ter contado com o apoio velado do governo em todo o processo, pois ele nunca se empenhou verdadeiramente para derrotar sua proposta. "O governo jogou para a plateia", disse. Em tom conciliador, ele afirma que a reação emocional do Rio é natural. Ele até concorda que o Rio tem direito a reclamar da não cobrança do ICMS do petróleo na origem e diz que, no final, voltará as boas com o povo fluminense. (Veja entrevista completa em O Globo )

Falha de líder:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula foi inadequado, mais uma vez. Ao contrário do que ele diz, o problema dos royalties do petróleo não é apenas do Congresso. Foi ele, Lula, que enviou os projetos de lei para mudar o regime de exploração, foi o seu gabinete que decidiu o novo modelo e quis a redução dos impostos dos estados produtores. No Congresso, as gracinhas de ano eleitoral, como ele diz, nasceram da sua omissão.

O resto surgiu naturalmente do oportunismo de alguns, como o deputado Ibsen Pinheiro.

Ademais,se a Federação está dividida, é assunto do presidente, óbvio; se a divisão é em torno de um projeto que nasceu de uma gracinha eleitoral do governo, o presidente tem trabalho a fazer. Chega a ser cômico que Lula esteja se propondo a ser mediador do intratável conflito do Oriente Médio, assunto entregue às grandes potências desde sempre,enquanto no Brasil os estados se acusam e se dividem, e as populações se mobilizam. E tudo que Lula tem a dizer é que a bola é do Congresso.

O presidente Lula se perguntou: por que essa pressa agora, se o assunto é para 2016? Ora, a bola pode ser devolvida a ele: por que a pressa?Por que o pedido de urgência? Porque foi o governo que decidiu apressar uma discussão que tinha que ser amadurecida, quando colocou de afogadilho, e de olho em dividendos eleitorais, a mudança do regime de exploração de petróleo no Congresso. Inicialmente, a proposta era só para futuros blocos a serem licitados no pré-sal. Só então é que os estados produtores perderiam uma de suas fontes de receita, a participação especial. Depois, passou-se a incluir as áreas já licitadas nesta decisão de não dar mais participação especial aos estados produtores.

A emenda Ibsen vai mais adiante e diz que para toda a produção de petróleo, a partir da sua promulgação, os royalties passam a ser divididos com todos os estados. Portanto, engana-se quem pensa que o assunto é para 2016. Ele foi trazido ao tempo presente.

Sua aplicação será imediata se a emenda for aprovada.

O regime de concessão, que vigora há mais de dez anos, conseguiu feitos extraordinários, como o de aumentar os lucros da Petrobras muito mais do que a alta do petróleo no período.

De 1997 para cá, os preços do petróleo subiram 200% e os lucros da Petrobras até 2008 subiram 943%,segundo a comparação feita pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura(CBIE). Os dados do balanço de 2009 só vão sair hoje.

Neste período, aumentou a arrecadação de impostos do petróleo, a entrada de capital estrangeiro, e quase dobraram as reservas do Brasil.

Não há explicação para que o governo decida mexer no modelo que deu certo até agora, fortaleceu a empresa brasileira, fez com que 70 empresas nacionais e estrangeiras viessem investir na área.

A única explicação para mudar agora o modelo é fazer, para usar a expressão do presidente Lula, uma gracinha eleitoral. Se quiser uma discussão séria sobre mudança do modelo, o governo pode deixar tudo para depois da temporada de gracinhas, e assim o país poderá discutir o assunto a sério no ano que vem. A melhor forma de discutir uma revisão dos impostos de petróleo é dentro de uma reforma tributária.

Há muitos pontos interessantes levantados por brasileiros de outros estados e que devem ter resposta.

Perguntas do tipo: por que uma riqueza que é do Brasil todo deve ficar com o Rio?Estado tem mar territorial, ou o mar é dos brasileiros em geral? As respostas estão na Constituição. Artigo 20. É tudo da União: mar, rios,ilhas fluviais, lagos, potencial hidráulico, recursos da plataforma continental, recursos minerais, cavernas, terras. Tudo.

Então, a discussão acabou aqui? Não, porque tem o parágrafo primeiro do mesmo artigo que diz que os estados e municípios têm o direito de participar do resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva.

Ou então têm direito a compensação financeira por esta exploração.

Conclusão:sim o mar é de todos, mas a Constituição aceita a figura do mar territorial e plataforma continental dos estados. Sim, tudo é da União,mas os estados e municípios têm o direito de ou participar do resultado dessa exploração econômica ou ser compensado financeiramente.

Lula não quer em ano eleitoral desagradar cariocas, nem nordestinos, nem gaúchos, nem quaisquer moradores dos entes federados.

Por isso, culpa o Congresso pelo imbróglio, quando foi ele mesmo que iniciou toda essa discussão e foi sua base que aprovou a emenda da discórdia. Diz que a bola está no Congresso, quando foi ele que iniciou o jogo na hora errada. Tenta não tomar posição para não perder votos e popularidade.

Torce para que no final a Justiça considere a emenda Ibsen inconstitucional e ele possa lavar as mãos, mais uma vez.Enquanto isso, Lula se apresenta como grande estadista capaz de resolver a insanável fratura do Oriente Médio.

É papel do presidente da República do Brasil mediar um conflito dessas proporções na Federação. Se os estados se desentendem, a fratura se aprofunda, é a União que pacifica, e por isso tem o nome que tem

O mau combate:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Como ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral não pode ter seu conhecimento do jogo parlamentar colocado em dúvida. Mas a aritmética mais rudimentar já antevia o resultado da votação dos royalties. Fluminenses e capixabas conseguiram arregimentar meia dúzia de votos para além de suas divisas estaduais na Câmara. Agiram como se o canto mais bonito do Brasil, que vai sediar os dois eventos esportivos mais gloriosos do mundo, não carecesse de aliados. Seria preferível chamá-los de ladrões e oportunistas. Para ser coerente, o primarismo só podia acabar mesmo em choro.

O que mais impressiona nesta sucessão de trapalhadas do governador fluminense na batalha dos royalties é a insistência no erro. Está claro que o Rio não pode perder R$ 7 bilhões da noite para o dia, mas não é chamando o resto do Brasil de covarde, como na manifestação da quarta-feira, que se vai conseguir reverter a derrota da partilha dos royalties no Senado. Cabral desprezou os discursos na manifestação de ontem. O Rio só precisa de música, explicou. Mas para vencer a aritmética terá que recorrer à política.

Inconformidade com as calçadas de porcelanato dos emirados fluminenses sempre houve, mas o direito das regiões produtoras aos royalties já adquiridos estava completamente fora de pauta. Só o desprezo pelo princípio de que o embate de ideias não passa pela desqualificação dos interlocutores pode justificar a vitória da emenda dos deputados Ibsen Ribeiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG) na Câmara.

A ideia original do Executivo era remeter a questão dos royalties para uma lei a ser votada depois do marco regulatório do pré-sal. Por pressão dos Estados não produtores, um texto com um novo modelo de repartição começou a ser negociado entre Congresso, Palácio do Planalto e governadores. Foi nessa fase que Cabral radicalizou tanto com acusações públicas à "boiada, maioria burra que fica discutindo percentual" (Valor, 28/12/2009), quanto em bate-boca que o antagonizou com ministros do governo nas intermináveis reuniões em que o texto foi discutido no fim do ano passado.

Dessa radicalização, saiu aparentemente vitorioso com um texto que preservava, em grande parte, a fatia dos rendimentos de seu Estado com o petróleo acima e abaixo da camada de sal. O Congresso entrou em recesso e o governador parecia tão seguro de sua estratégia de enfrentamento que tratou de replicá-la na montagem do palanque da ministra Dilma Rousseff no Estado .

Ao invés de começar a bater perna pelo interior, onde parece lhe faltar votos, chegou a afirmar, de seu camarote de anfitrião na Marquês de Sapucaí, que não admitiria dividi-lo com Anthony Garotinho, adversário de seu projeto de reeleição. Nem Jaques Wagner, um dos mais próximos governadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ousara colocar a questão nesses termos face à candidatura do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, ao governo da Bahia.

Passado o Carnaval, não apenas a candidatura Garotinho havia avançado, como a boiada rival de Cabral já tinha sido contaminada pelo germe do antagonismo às pretensões fluminenses e capixabas. Contaram ainda com a pressão dos prefeitos - o exército mais organizado das eleições de outubro - que afluíram em manada a Brasília no dia da votação. Uma solução mais negociada foi tentada até a última hora, mas o Rio só aceitava tudo. Ficou sem nada.

Nem a derrota lhes devolveria a humildade. Numa referência indireta ao deputado gaúcho, que teve seu mandato cassado em 1994, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, atribuiu o resultado da votação a "uma gente que só entra na vida pública para fazer besteira". A tática terrorista arregimentou a Confederação Brasileira de Futebol e o Comitê Olímpico Brasileiro para atestarem a inviabilidade da Copa e da Olimpíada sem o dinheiro dos royalties.

A radicalidade da solução Ibsen levou o governador de São Paulo, José Serra, tão aquinhoado quanto o Rio pelo pré-sal, a se manifestar com a cautela de não somar ao calejado estigma de São Paulo contra a federação o tom empedernido da manifestação fluminense.

Nem a Dilma nem a Serra interessa buscar voto num Estado contaminado pela propaganda de que teriam sido omissos frente aos interesses locais. Mas a esta altura a entrada de ambos no front os coloca na condição de credores de Cabral - posição em que Lula reinava soberano.

A reversão do texto no Senado está longe de ser uma batalha perdida para o Rio. A começar pela escolha de argumentos mais racionais. O petróleo é tributado no destino. Sem royalty nem ICMS o Rio não sobrevive.

A renda gerada pelo minério é apropriada fora de seu local de produção, que é contaminado por problemas com violência e prostituição. Foi essa a lógica que mobilizou a legislação em vigor. A permanência acentuada desses problemas nos Estados campeões do petróleo indica que este é um problema que extrapola suas divisas - basta contar quantas vezes as forças nacionais de segurança já saíram em socorro do Rio.

Neguinho da Beija-Flor, um dos ideólogos do movimento, lançou o slogan "O Rio de Janeiro viu primeiro". Mas a alegoria desta nova etapa da exploração do petróleo no país parece ser outra. Por mais que Cabral tenha confiado no apoio de Lula ao quinhão fluminense, a situação do Rio já estava comprometida desde que o presidente enfiou as mãos no óleo e engatou o discurso da redenção nacional.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Copom: decisão política ou técnica?:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Empurrar por mais 45 dias a decisão de elevar o juro foi um ponto fora da curva do BC na gestão Meirelles

Pela primeira vez nos últimos anos podemos escutar murmúrios sobre uma possível decisão "política" do presidente do BC na condução da política monetária. Sua decisão de desempatar a votação na reunião do Copom desta semana, no sentido de manter a taxa Selic, foi recebida por parte do mercado como tal. Afinal, usando critérios adotados pelo BC no passado, havia motivos fortes para que o Copom decidisse por um primeiro aumento do juro. Empurrar por mais 45 dias essa decisão foi certamente -para usar uma linguagem do mercado- um ponto fora da curva das decisões do BC na gestão Meirelles.

Até que seja provado o contrário, não acredito que o BC correria tal risco sem boas razoes técnicas. Entre elas, está a possibilidade de desaceleração da economia por conta da redução dos estímulos fiscais e do aumento do compulsório, além de uma acomodação natural após a recuperação rápida da recessão do primeiro semestre de 2009. Pode ser que isso ocorra, mas, conhecendo o consumidor e o empresário brasileiro, parece-me que é otimismo demais confiar em uma desaceleração suficiente por conta desses fatores.

O leitor da Folha conhece minhas ansiedades em relação à inflação no Brasil neste início de ano. A retomada do consumo tem sido muito rápida e já estamos em níveis de vendas ao varejo muito superiores aos de antes da crise.

Além disso, a geração de empregos está acontecendo com a mesma intensidade de antes de setembro de 2008. Nos últimos cinco meses, as estatísticas do Ministério do Trabalho apontam para um aumento anual de quase 2,5 milhões de postos de trabalho no mercado formal. Com isso, a massa de salários deve em breve crescer a uma taxa anual superior a 6,5% ao ano.

Sem alterações nesse ritmo, a taxa de desemprego poderia chegar a 5% ao final de 2010, nível nunca visto no país. Certamente não chegaremos a esse ponto, pois as condições de demanda e oferta de mão de obra qualificada não permitem um número tão baixo. Fica claro, portanto, que é preciso uma sensível desaceleração do crescimento do emprego para evitar o aumento de pressões inflacionárias.

Mesmo que isso aconteça, ainda teremos um mercado de trabalho bem pressionado ao longo do restante do ano, com aumentos reais de salários e uma massa de renda crescendo de forma expressiva.

Nesse cenário, o aumento da demanda interna continuaria muito forte em um quadro de oferta -sobretudo de bens e serviços que não podem ser importados- pressionado. Como considero o canal dos salários um dos mais importantes mecanismos de aumento dos preços de mercado, teremos nos próximos meses uma forte pressão sobre a inflação. Os economistas da Quest trabalham com uma variação do IPCA de até 5,4% para 2010.Além desse mecanismo interno, outra ameaça de inflação começa a desenhar-se no horizonte. Caso realmente aconteça uma estabilização do crescimento econômico no mundo desenvolvido, podemos viver uma nova rodada de alta dos preços das matérias-primas. No caso do minério de ferro, especula-se reajuste entre 60% e 80% já em abril. O preço do petróleo também está em alta e pode chegar a mais de US$ 90 o barril ainda neste ano.

Faço votos de que o Copom tenha razão em sua paciência, mas temo que a eventual sincronia entre um choque externo de preços das commodities e um mercado interno pressionado por forte crescimento do consumo e do emprego custe caro ao Banco Central.

Luiz Carlos Mendonça De Barros , 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).