domingo, 18 de abril de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Como é que você vai tornar o comportamento do dia a dia compatível com o comportamento que já podemos ter? Eu disse há muitos anos que o Brasil não é mais um país subdesenvolvido, é um país injusto. Fui criticado.
Hoje digo que, economicamente, o Brasil já teve um desenvolvimento que lhe permitiria ser um país mais justo. Mas continua sendo um país que não avançou suficientemente nos termos fundamentais de igualdade, justiça, equidade. Aqueles que vão liderar o Brasil daqui para frente terão de colocar ênfase nesse tipo de questão. Não é só fazer políticas sociais que mitiguem a desigualdade. É muito mais.
Nem conseguimos ainda fazer com que todos acreditemos que somos iguais perante a lei, por exemplo. E não somos. Como é que se faz democracia onde você não tem igualdade perante a lei?
Joaquim Nabuco dizia que a Inglaterra era o único país do mundo onde o duque de Westminster e seu mordomo, se fossem chamados pelo juiz, teriam o mesmo temor, e o juiz decidiria independentemente da condição social deles.
Aqui não acontece isso. Não é por causa do juiz. É por causa da legislação e é por nossa causa. A sociedade brasileira aceita a desigualdade. E é indulgente com a corrupção.


(Fernando Henrique Cardoso, no debate caderno Aliás - Reflexões de um presidente acidental )

O Brasil no espelho:: Dora Kramer



DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Brasília faz aniversário na quarta-feira, dia 21 de abril, data de homenagear também Tiradentes e Tancredo Neves, simbolismos positivos, guardados benquistos.

Mas quis um ardil do destino que a capital do Brasil completasse seus 50 anos - justamente o tempo que Juscelino Kubitschek imaginou condensar o desenvolvimento do País no plano de metas "50 anos em 5" do qual a mudança da capital era sua síntese - imersa no dissabor.

Na amargura de ver em tão pouco tempo de vida a cidade se modernizar e a política se deteriorar a ponto de um governador ser preso, o Legislativo quase todo se comprometer, um ex-governador renunciar ao Senado por improbidade, isso depois de um senador ter sido o primeiro a ter o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar.

O Supremo Tribunal Federal está para julgar pedido de intervenção federal feito pelo Ministério Público nos Poderes Legislativo e Executivo e as pesquisas mostram que, para a população, seria a solução mais adequada.

Célio Borja, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, estudioso de Constituições, está inteiramente de acordo. "A intervenção se tornou indispensável para assegurar o princípio da moralidade previsto no artigo 37 da Constituição."

Para ele, a eleição indireta do sucessor de José Roberto Arruda não resguarda o preceito constitucional pelo fato de boa parte da Câmara Legislativa de Brasília ter sido envolvida no escândalo que levou Arruda à cadeia e, depois, ao afastamento do cargo pela Justiça.

Duas questões propostas ao olhar experiente de Célio Borja: a autonomia política do Distrito Federal e a influência da transferência da capital sobre os meios e modos da política brasileira.

A primeira, no entendimento dele, é inevitável. Quando o Rio de Janeiro era capital, lembra, foram feitos alguns movimentos em prol da autonomia. Todos fracassados.

"Os tempos mudaram e não há como argumentar contra o direito das comunidades ao autogoverno. O problema não está na concepção da autonomia de Brasília, mas na maneira como ela é exercida, na péssima qualidade dos políticos, na falta de responsabilidade dos partidos e também em boa medida na ausência de opinião pública em Brasília."

Como exemplo de que a autonomia de um distrito federal por si não é necessariamente uma distorção, Célio Borja lembra que Washington, a capital dos Estados Unidos, tem independência.

O problema de Brasília são os vícios de origem bastante conhecidos desde as origens do Brasil. "Tudo em Brasília resultou de favores de administração federal. É uma cidade administrada por favores. Quando isso se dava só no âmbito federal ainda se mantinham as aparências, mas, agora, no plano local, nem as aparências mais se salvam."

Passemos à segunda questão. Costuma-se atribuir a deterioração da política e dos políticos à mudança da capital para uma região geograficamente "longe do povo". Isso confere?

Na opinião de Célio Borja, em parte é verdade.

"Juscelino argumentava que o poder central não poderia ficar submetido à pressão das demandas do povo de uma unidade da Federação. O governo federal não podia se preocupar com a falta de água ou de luz em Copacabana. Não levou em conta que o poder precisa sempre ser pressionado."

Célio Borja acha que houve sim um vácuo de informação entre a mudança da capital e a formação de uma geração de jornalistas independentes, porque os principais nomes do jornalismo - à exceção de Carlos Castello Branco - não se transferiram para Brasília.

A crônica política ficou distante e a opinião pública, à época ainda não referida na televisão, permaneceu alheia ao que se passava na capital.

Pois bem, mas como se explica a baixa qualidade da representação nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, que continuam perto do povo e nem por isso sofrem pressões ou são importunadas com denúncias sobre suas mazelas?

"A moralidade geral de fato é muito baixa e não pode se explicar apenas pela transferência da capital 50 anos depois."

Serve de espelho. Ao brasiliense, os cumprimentos.

Enquanto a TV não vem:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Serra fez uma aposta arriscada ao empurrar até o último minuto o lançamento de sua candidatura à Presidência, para desespero e/ou irritação de tucanos, demos e do pessoal do PPS. Mas, aparentemente, sua estratégia estava correta. Foi na hora certa.

Depois do susto da oposição em fevereiro, quando Dilma encostou em Serra, com apenas quatro pontos de diferença, a sensação entre os serristas é a de que o pior já passou. Ao menos nesta fase da campanha.

Com tempestades, alagamentos e mortes em São Paulo e a consequente perda de pontos de Serra, Planalto, PT e Dilma imaginavam -na mesma proporção que PSDB e Serra temiam- um cruzamento nas curvas das pesquisas, com a petista avançando para a dianteira e o tucano escorregando para o segundo lugar em março ou abril.

Já imaginou o clima de enterro na festa de Serra se ele tivesse caído do patamar de 30% e ficado atrás da adversária? Mas isso não se concretizou, e o novo Datafolha de certa forma cristaliza a posição dos dois favoritos, que disputam pau a pau.

Mudanças, se houver, só depois da Copa e com o início da TV.

O pessoal da Dilma não deve estar dando pulos de alegria, mas a situação deve estar feia mesmo é numa outra seara: na de Ciro Gomes, que vai sendo sugado para a vaga de lanterninha, enquanto Marina Silva vai caminhando muito devagar, mas devagar e sempre.

Não erra, distingue-se dos opositores com elegância, provoca na hora certa. Deixa um rastro de possibilidades: no final, quem não engole Serra ou Dilma, mas não chegar a se encantar com o adversário direto de um ou da outra, sempre terá essa saída, digamos, honrosa.

Desde o início, parece claro que Marina não é para ganhar, mas para ocupar um vácuo, fazer bonito. E o que está cada vez mais evidente é que Ciro não tem vez: nem no governo, nem na oposição, nem no próprio partido. Quis ser tudo, corre o risco de não ser nada.

Sem-terra invadem usina e sede do Incra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Maria Tomazela e Angela Lacerda

Em mais uma ação do "abril vermelho", cerca de 250 integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) invadiram ontem as instalações da usina Capital, em Nuporanga, região de Franca (SP). Os sem-terra montaram acampamento numa área plantada com cana-de-açúcar. É a sexta propriedade rural invadida esta semana no interior de São Paulo.

De acordo com a coordenação estadual do MST, a usina está abandonada e os canaviais são antigos e passaram do ponto de corte. Um advogado dos proprietários acionou a Polícia Militar e registrou a invasão. Outras cinco áreas permaneciam invadidas até a tarde de ontem.

Recife. Ontem pela manhã, cerca de 400 pessoas ligadas ao MST ocuparam o pátio da sede do Incra, no Recife. O grupo informou que pretende permanecer no local até sexta-feira, além de promover protesto, marchas e mobilizações. Desde o domingo passado até a noite de sexta-feira, o MST promoveu 23 ocupações de terra em todo o Estado.

"Não estamos satisfeitos", afirmou o diretor do MST em Petrolina, Reginaldo Martins da Silva.

"No governo Lula as portas foram abertas, ficou tudo amigável, mas o seu mandato está chegando ao fim sem passos concretos".

Segundo ele, no ano passado, apenas 70 famílias foram assentadas em Pernambuco, Estado que tem 14 mil acampados sem-terra.

Escolha de Plínio provoca racha no PSOL

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Disputa interna pelo Palácio do Planalto abre crise no partido e esvazia poder de Heloísa Helena, que apoia Marina (PV)

Aliado diz que ex-senadora deve boicotar campanha nacional; grupo derrotado "sequestra" site e promete retomar controle da sigla

Bernardo Mello Franco

Menos de quatro anos após disputar sua primeira eleição, o PSOL já vive um racha nacional, com direito a acusações de fraude, troca de insultos entre dirigentes e até ao "sequestro" de seu site oficial na internet.

O partido se dividiu no fim do ano passado, quando sua principal estrela, Heloísa Helena, desistiu da corrida presidencial para tentar voltar ao Senado por Alagoas e pregou o apoio a Marina Silva, do PV. A decisão acendeu o pavio da crise, que explodiu semana passada com a indicação do ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, 79, para concorrer ao Planalto.

"Houve um acordo espúrio e oportunista", esbraveja Martiniano Cavalcante, que disputou a vaga com apoio de Heloísa. "A luta está aberta. Se for preciso, vamos à Justiça para afastar os burocratas que se apossaram do nosso partido."

Plínio foi eleito por "unanimidade", mas só 89 dos 166 delegados participaram da votação. O grupo da ex-senadora não compareceu, em protesto contra a exclusão de 12 aliados acusados de fraude nas prévias estaduais. O ex-deputado Babá, que concorria com menos chances, desistiu na última hora para apoiar o vencedor.

"O PSOL não é da Heloísa. Queremos mostrar que o partido não tem dono nem dona", desafia o radical. "O problema é que ela age com o fígado, leva o confronto político para o lado pessoal. Outro dia, uma senhora me reconheceu e pediu que desse um beijo nela. Se eu tentasse cumprir a tarefa, ia levar um safanão!"

A briga entre as correntes internas da sigla, que somam mais de uma dezena, ultrapassou os limites da disputa presidencial. O grupo de Plínio tirou de Heloísa, presidente do partido, o monopólio do registro de candidaturas. A manobra foi interpretada como esvaziamento da ex-senadora, que teve 6,8% dos válidos na campanha presidencial de 2006.

"É triste. Você constrói a casa e chega alguém, que não fez nada pela construção, e quer tomar essa casa", reclamou ela, em entrevista a uma rádio alagoana na última quarta-feira.

Ao insistir em elogiar Marina, amiga do tempo de militância no PT, a ex-senadora deu margem ao entendimento de que cruzaria os braços na campanha de Plínio. Ela negou, mas o aliado Martiniano diz acreditar no boicote: "Heloísa não é cínica nem dissimulada. Não costuma manifestar afeto por quem a trata como inimiga".

O grupo derrotado ameaça convocar um congresso extraordinário para "ouvir as bases" do PSOL e mantém "sequestrado" o site da sigla. Até sexta-feira, o eleitor que acessava a página não encontrava nenhum registro sobre a indicação de Plínio.

Em meio ao clima de guerra, um grupo tenta apaziguar os ânimos. O esforço une os deputados Luciana Genro (RS), que apoiava Martiniano, e Chico Alencar (RJ), aliado de Plínio.

"É próprio da esquerda, desde os primórdios, exacerbar divergências internas. Mas Heloísa e Plínio são cristãos e sabem, como diz a Bíblia, que casa dividida sobre si mesma não subsiste", apela Chico.

Procurada pela Folha, Heloísa não quis falar. Na noite de sexta, enviou torpedo de celular dizendo não haver "força humana nem ameaça partidária" que a obrigue a falar mal de Marina. Concluiu ao seu estilo: "Para mim, são dias tristes e sombrios, tempestade em alto mar. Mas, como dizia o Velho Monge, isso também passa!"

Os discursos de Serra e Dilma:: Alberto Almeida

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A cerimônia de lançamento de uma candidatura a presidente é um rito. Um rito cujo momento principal é o discurso do candidato. Uma análise visual acerca das palavras mais utilizadas por Serra e Dilma em seus respectivos eventos de lançamento revela, facilmente, as diferenças e semelhanças dos dois pronunciamentos.

Como não poderia deixar de ser, ao menos é o que pensamos toda vez que temos em mãos a análise visual do discurso já realizada, a palavra Brasil foi a mais utilizada pelos dois. É momento de campanha, ou melhor, de pré-campanha. Cumpre falar orgulhosamente do país que temos e daquele que queremos. Serra falou muito de Brasil e dos brasileiros. Dilma de Brasil e do filho do Brasil, Lula.

Eis uma diferença importante entre os dois, as menções a Lula. Obviamente, Dilma não foi econômica ao se referir ao seu principal cabo eleitoral. Serra, corretamente, o ignorou.

Aliás, corretamente do ponto de vista político, mas não necessariamente do ponto de vista da opinião pública. Lula ainda não é parte do passado. A maioria do eleitorado deseja a continuidade de seu governo. É útil para Serra, sempre que possível, referir-se elogiosamente ao governo Lula e assumir o compromisso, junto aos pobres principalmente, de dar continuidade a ele.

O recém-eleito presidente do Chile, Sebastián Piñera, próximo de nós não apenas no tempo, mas também no espaço, foi um candidato de oposição que prometeu dar continuidade ao governo da ex-presidente Michele Bachelet. Ele foi um candidato liberal que fez campanha a favor de temas não tão liberais assim, como, por exemplo, duplicar a licença-maternidade.

No Brasil, o equivalente seria um candidato de oposição prometer duplicar o Bolsa-Família, que na abrangência atual representa um gasto irrisório de 0,4% do PIB. Aliás, será que Dilma será a candidata da situação que quer acabar com o Bolsa-Família?

Dilma falou muito as palavras país, política, todos e social. Serra falou muito saúde, vida, país, governo e fazer. A presença e predominância de algumas palavras são tão reveladoras quanto a ausência ou pouca importância de outras.

Ambos falaram muito pouco dos pobres, dos pobres que sustentam a elevada popularidade de Lula. Quando se pergunta a Lula o que ele vai fazer a partir de 2011, ele diz que vai cuidar dos pobres da África. Na crise entre Bolívia e Petrobrás, Lula disse que o Brasil tinha de ceder porque há muitos pobres no nosso vizinho. Na crise de 2008, Lula afirmou que o Brasil passou bem por ela porque os pobres não pararam de consumir.

Lula, esse gênio da comunicação popular, ensina que nunca é demais falar dos pobres, defender os pobres, utilizar a palavra pobre. Aliás, foi Lula quem disse que quem precisa de governo são pobres, jamais as pessoas de renda mais elevada. Serra e Dilma fizeram seus primeiros discursos como (pré) candidatos. Faltou pobre no discurso. Pode se justificar dizendo que se tratou de um evento para o mundo político. Faz sentido. Porém, cumpre acompanhar o que vai ocorrer de agora em diante em relação aos pobres em seus discursos.

Uma ilustre ausência em ambos os discursos foi a da palavra imposto. Se alguém que não conhece o Brasil utilizar os dois pronunciamentos e suas palavras para detectar quais os principais problemas do Brasil, chegará à conclusão de que o imposto não é um deles. Saúde é. A questão social é. Mas os impostos, a carga tributária de 37% do PIB, os IPIs da vida, não são um problema grave.

O imposto foi um não-tema para os dois principais postulantes à Presidência da República. A redução do IPI da linha branca e de automóveis, com a consequente explosão de vendas desses itens, não foi suficiente para mostrar aos nossos líderes que um amplo programa de desoneração tributária sobre o consumo tem um enorme potencial de ser um excelente discurso de campanha e, assim, uma questão muito adequada para o primeiro discurso de grande importância, mesmo que fosse abordada em poucas palavras. Não houve palavra alguma sobre isso.

É sociólogo e autor do livro A Cabeça do brasileiro

Serra:"Eu me preparei a vida inteira para ser presidente"



DEU NA REVISTA VEJA

Aos 68 anos de idade, o economista e ex-deputado, ex-senador, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo José Serra parte para a sua segunda tentativa de chegar à Presidência da República. A VEJA, ele falou dos motivos que o levaram a candidatar-se e do país que sonha em construir, caso vença: em síntese, um país que ofereça às pessoas oportunidade de crescimento.
Oportunidade que, no caso dele, poderia ter faltado não fossem os esforços do pai, comerciante.
"Ele carregava caixas de frutas no Mercado Municipal para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros", diz. Foi na sala que abriga alguns deles, parte de uma biblioteca pessoal de 10 000 volumes, que José Serra concedeu a seguinte entrevista.

Por que o senhor quer ser presidente da República?

Porque eu creio que o Brasil pode avançar mais, o Brasil pode mais, e eu me sinto preparado para isso. Eu me preparei a vida inteira para ser presidente.

O senhor sempre teve vontade de ser presidente?

Evidentemente, ser ou não presidente não é uma escolha sua, não depende apenas de uma decisão. Mas, desde a primeira adolescência, sempre tive vontade de me envolver na vida pública. Eu me lembro de um episódio curioso – e não quero aqui parecer pretensioso. Na 4a série do ginásio, eu tinha um professor de latim que se incomodava e, ao mesmo tempo, se divertia com o fato de eu ser muito barulhento nas aulas. Um dia, ele olhou para mim e disse aos colegas: "Esse aqui, o senhor Serra, vai ser político no futuro, e ele é quem vai mandar. Ele vai mandar em todos vocês aqui". Eu tinha uns 14 anos. Os colegas, claro, ficaram me caçoando, e eu mesmo fiquei embaraçado. Mas o fato é que foi uma observação que eu guardei para o resto da vida.

Desde que o senhor entrou para a vida pública, há alguma convicção que a experiência tenha modificado?

A minha experiência de governo, nos vários governos, me possibilitou conhecer o essencial de diversas áreas e também me ajudou a entender por que, algumas vezes, as coisas não acontecem. Por exemplo: se você deixar a rédea solta, elas não acontecem.

O senhor tem fama de centralizador. De onde ela vem?

Ela é errada. Uma coisa que eu aprendi ao longo das minhas experiências foi descentralizar: formar boas equipes, permitir que os diferentes integrantes tenham liberdade para trabalhar na formação das suas próprias subequipes e também evitar antagonismos. Para mim, é inconcebível a ideia de colocar um sujeito que pensa "x" e trazer outro que pensa "y" para, nessa divisão, eu arbitrar. Isso não existe comigo. Mas eu cobro muito, até porque tenho uma memória praticamente impecável em matéria de ações, de trabalho. E o computador acrescentou uma agilidade à cobrança que antes não dava para ter. Quando eu era ministro da Saúde, durante a noite eu escrevia bilhetes, a mão mesmo, com cobranças para A, B e C. No fim, dava um volume que tinha de ir dentro de uma caixa. Eu grampeava tudo, mandava para a secretária, e ela despachava. Hoje, com o e-mail, você escreve a um secretário: "E aí?". Ou: "E a ciclovia?", por exemplo. Com três palavras você se faz entender. Basta mandar um e-mail desses dia sim, dia não para que, dessa forma, as coisas andem.

Como o senhor pretende orientar a formação de sua equipe ministerial, caso seja eleito?

Eu consegui, na prefeitura e no estado, formar equipes sem indicações de vereadores, de deputados ou de partidos. As pessoas que vieram de outros partidos foram pessoas escolhidas por mim. Não existe isso de "tal setor nomeia tal cargo". Essa vai ser a orientação. Não é que não vai ter político, mas tem de ser um político apto para aquela função.

E como, então, o senhor fará o jogo político? Como fará para ter uma base forte no Congresso?

Através do Orçamento. Ao contrário do que se acredita, 90% das emendas que os parlamentares apresentam são boas. E você pode inclusive orientar. Dizer, por exemplo: "Quem fizer emendas para concluir obras terá prioridade sobre os que fizerem emendas para começar obras". Isso funciona, porque o que o parlamentar quer é aprovar a emenda e satisfazer sua base eleitoral. Não é só no Brasil que é assim, é no mundo inteiro – até nos países mais arrumadinhos. E esse é o melhor caminho para formar a unidade com o Legislativo. Outra coisa importante: nenhum grupo de deputados nomeia diretor de empresa pública. Nenhum. Isso porque, para um deputado, a pior coisa que pode acontecer não é ele não nomear: é o outro nomear e ele não. Tem de ter isonomia.

Quais serão suas prioridades na economia?

Eu tenho claríssima a prioridade que deve ser dada à área produtiva, à indústria. Até algum tempo atrás, vigorou o pensamento de que se deveria estimular só o setor de serviços. Isso é uma bobagem. O Brasil não pode voltar a ser uma economia primária exportadora. Isso não criaria empregos para 200 milhões de pessoas.

Por que os banqueiros gostam de falar mal do senhor?

Se falam, não chegou a mim. Eu acho que é importante para o Brasil ter um sistema financeiro sólido, e batalhei muito por isso. Na Constituinte, havia propostas de proibir bancos com capital estrangeiro de operar no Brasil e até de proibir bancos nacionais – ou seja, queriam liberar apenas os bancos locais. Eu ajudei a derrubar as duas propostas. E estava no governo quando foi feito o Proer, que realmente deu solidez ao sistema financeiro – solidez que permitiu, inclusive, o enfrentamento da crise atual. Agora, quanto a custos, taxas de juros, essas são questões operacionais de um governo. E aí eu tenho uma visão de que é essencial para o Brasil ter um sistema financeiro que empreste bastante, e empreste a custos suportáveis para as pessoas e para a área privada. Isso é uma meta. Em suma, quero dizer o seguinte: como ajudei a erguer a mesa, jamais a viraria. As pessoas do sistema financeiro que realmente me conhecem sabem disso.

O senhor, caso seja eleito, vai encontrar um Brasil que avançou na área social, mas que ainda tem carências sérias...

Eu acho que o Brasil avançou muito nos últimos 25 anos. Nós afirmamos uma democracia de massas, com uma Constituição que pode ter os seus problemas, mas que enfatizou como nunca as liberdades civis e políticas. Conseguimos acabar com a superinflação, avançar no combate à pobreza, consolidar o SUS, a inclusão educacional e até retomar o crescimento econômico. Não foi um desempenho brilhante, se você o comparar com o da Índia ou o da China, mas foi um desempenho razoável em relação ao dos países desenvolvidos. Agora, isso significa que as coisas estão resolvidas? Não. No que se refere ao crescimento, nós precisamos de infraestrutura. As carências nessa área são dramáticas e representam um gargalo para o nosso desenvolvimento.

E do ponto de vista da economia?

Há, nesse sentido, um desequilíbrio externo que vem se agravando pelo lado da balança comercial e do déficit em conta-corrente. Claro, nós temos reservas e temos tido entrada de capital, mas nove entre dez economistas se preocupariam com esse crescimento rápido do déficit externo. A eficiência da ação governamental, ou seja, a capacidade de fixar metas e de cumpri-las, é outro dado que preocupa. Ela ainda é baixa no Brasil. O grande loteamento político que foi feito resultou no aparelhamento de toda a esfera do setor público. Em relação às áreas sociais, há uma necessidade desesperada de avançar no campo educacional, no campo da saúde, que semiestagnou, e no campo da segurança – uma área em que, indiscutivelmente, o governo federal tem de se envolver mais. Até porque boa parte do crime organizado no Brasil se alimenta de armas e drogas que vêm sob a forma de contrabando, e combater isso é uma tarefa essencialmente federal.

No governo estadual, o senhor conseguiu aumentar o investimento e reduzir a relação entre a dívida e a receita, sem elevar impostos. E no governo federal, dá para aplicar a mesma receita?

Não só dá como será feito. O enfrentamento dessa questão se dá, como se deu em São Paulo, pelo aumento da arrecadação via combate à sonegação, e não pelo aumento da carga nominal de impostos. O corte de custos e de desperdícios aqui também teve um papel imenso.

Como é possível cortar gastos no governo federal?

Você revisa o preço de todos os contratos, para começo de conversa. Mas é preciso também ter novas formas de gestão. É crucial introduzir o fator mérito nas remunerações, por exemplo. Isso tem dado certo em São Paulo. A ideia geral é cortar desperdícios, reduzir custos e selecionar as prioridades. Com isso, você faz mais e melhores investimentos.

O PT tentará transformar esta eleição numa comparação dos governos Lula e Fernando Henrique. Como o senhor vê essa estratégia?

Eu acho que a eleição tem a ver com o futuro, não com o passado. É assim que a população vai julgar. De toda forma, o governo FHC acabou, e agora será julgado pelos historiadores. Assim como os governos anteriores. Assim como o de Lula será julgado um dia, quando o peso do poder dele não mais puder interferir. E aí veremos o que a história dirá de cada um. É espantosa a quantidade de energia que o PT gasta para falar mal do Fernando Henrique. Quando são aliados deles, como o Sarney e o Collor, só elogiam. Quando são adversários, atacam sem limites. Ou seja, não é uma avaliação honesta. É enviesada. Eu fui ministro de FHC e fui aprovado na função. Tanto que depois disso me elegi prefeito de São Paulo e governador de São Paulo. Agora, todos sabem que eu não sou FHC, sou José Serra. Isso parece incomodar o PT, mas é a realidade.

E quanto à reeleição? O senhor é mesmo contrário a ela?
Eu sou contrário. A minha proposta de reforma política incluirá o fim da reeleição no Brasil.

Qual será a prioridade zero do seu governo?

A essência do governo, como orientação para o Brasil, precisa ser a de oferecer uma maior abertura de oportunidades para a população. O povo brasileiro quer é ter oportunidade na vida: estudo, boa saúde, emprego para os jovens, acesso a bens culturais e de lazer. Nasci e fui criado num bairro operário de São Paulo. Eu me lembro de todos os meus amigos, de criancinha ou de adolescente, que não puderam estudar porque tinham de sustentar a família, ou que não tinham ambiente familiar porque o pai era alcoólatra ou eles tinham muitos irmãos... Por que eu consegui estudar e chegar ao que sou, estudando em escola pública? A explicação é muito simples: porque eu era filho único. Se eu tivesse quatro irmãos, como a maioria, quando chegasse ao ginásio, teria de trabalhar para eles poderem ir à escola. Então, o que o povo brasileiro quer não é muito, é oportunidade.

Qual seria a frase que o definiria?

"Na vida, ninguém fracassa tanto quanto acredita nem tem todo o sucesso que imagina", de Joseph Rudyard Kipling, via Jorge Luis Borges. Trata-se de uma reflexão que levo muito em conta – minha vida, aliás, é uma ilustração disso. Tê-la em mente permite que sejamos mais humildes nas vitórias e mais altivos nas derrotas. E há uma frase que complementa essa: "O único limite às nossas realizações futuras são as nossas dúvidas no presente. Vamos adiante com fé", do presidente americano Franklin Delano Roosevelt. Para mim, a política não é a arte do possível, mas a arte de ampliar os limites conhecidos do possível.
Mário Sabino, Thais Oyama e Fábio Portela

Elas atacam; tucano prefere evitar polêmica

DEU EM O GLOBO

Leila Suwwan*, Tatiana Farah e Gelson Venéreo Netto **

SÃO PAULO e PORTO ALEGRE Os três principais pré-candidatos à corrida presidencial aproveitaram o sábado para fazer campanha.

José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) participaram de eventos em São Paulo, enquanto a petista Dilma Rousseff reuniu-se com militantes do partido, políticos e sindicalistas em Porto Alegre (RS). Dilma e Marina criticaram publicamente os adversários.

Serra evitou polemizar com os demais candidatos.

Falando a uma plateia com cerca de mil pessoas no final da manhã, Dilma ironizou a recente viagem do tucano José Serra pelo Nordeste, lembrando que ele foi oposição ao Bolsa Família e às obras de transposição do Rio São Francisco.

— Esses que querem passar como herdeiros do legado do presidente Lula até ontem eram a oposição mais feroz e destrutiva, que foi contra o Bolsa Família, que disse ser o “bolsa esmola”.

Recentemente, eles disseram que, se assumissem o governo, destruiriam o PAC 1. Esses que nos ridicularizavam quando a gente foi olhar uma das obras mais importantes, que é a integração da bacia do São Francisco, hoje saem por aí e dizem: “Somos a favor do Bolsa Família”. Não falam do PAC, mas defendem as obras — discursou a petista.

Questionada sobre o tema em entrevista após o evento, Dilma cobrou a mudança de postura: — Não quero polemizar com ele (Serra), mas acho interessante esse novo estilo da oposição, de tentar passar por aquilo que não foi nos últimos sete anos e meio. Se apoiam tanto o nosso governo, por que não apoiaram antes? O ponto alto do encontro — chamado de “debate”, mas na realidade um palanque político — foi quando Dilma repetiu o discurso do “eu não fugi”, que havia feito na semana passada.

A declaração acabou interpretada como uma provocação a José Serra, ex-exilado político. Ainda assim, a pré-candidata frisou que não estava criticando pessoas que deixaram o país durante a ditadura.

—Não fujo quando a situação fica difícil —disse Dilma, repetindo as palavras de encontro no ABC paulista, há uma semana.

Serra promete ministério para deficientes

À tarde, em visita à feira Reatech, de equipamentos para reabilitação e acessibilidade, em São Paulo, José Serra repetiu a promessas que havia feito na véspera, em Alagoas.

Se eleito, criará o Ministério da Deficiente Físico. Ele passou mais de uma hora abraçando e beijando pessoas portadoras de limitações.

— O Brasil tem mais de 20 milhões de pessoas com deficiência, que precisam de atenção especial do poder público federal, estadual e municipal. Deveria se criar o Ministério do Deficiente Físico, um ministério extraordinário para mobilizar o país — disse o ex-governador tucano, que não comentou as críticas e ironias de Dilma Rousseff.

Marina reage a acusações de divisionismo

Em palestra para cerca de 600 pessoas numa faculdade em Presidente Prudente, no interior paulista, a pré-candidata do PV Marina Silva apresentou-se como a candidata da “esperança”.

Ela afirmou que“estão querendo reeditar o medo” na atual campanha eleitoral, com acusações de entreguistas e de divisionistas entre os candidatos.

— O Brasil não conquistou a democracia para ficar assombrando os brasileiros. Não precisamos mais ter medo de eleição disse ela. O Lula diz que a esperança venceu o medo.

Se venceu o medo, então agora é o momento de fazermos a campanha não mais do medo, mas da esperança.

*Enviada especial ** Especial para o GLOBO

'Agora que tiraram as rodinhas da bicicleta, Dilma não consegue andar'

DEU EM O GLOBO

ENTREVISTA Sérgio Guerra

Gerson Camarotti e Maria Lima

BRASÍLIA

O GLOBO: Quais foram o principal acerto e o principal erro do pré-candidato tucano José Serra até agora?

SÉRGIO GUERRA: O principal acerto foi o encontro dos partidos em Brasília, em que ele fez o melhor discurso dos últimos tempos. Muitas perguntas que estavam no ar foram integralmente respondidas por ele. E vamos, de fato, iniciar a précampanha em Minas.

Minas é uma forma de neutralizar a tentativa da pré-candidata Dilma Rousseff de conquistar o mineiro?

GUERRA: Tudo que a Dilma está fazendo não está dando certo. Pode ser que, no futuro, ela acerte.

Tucanos e aliados reclamaram da demora de Serra em se lançar. Foi o principal erro?

GUERRA: Se antes estava errado, terminou dando tudo certo. Então, prefiro não discutir este assunto. Acho que começamos com pé direito essa pré-campanha. Olhar para trás para saber se deveríamos ter começado antes? Eu não consigo responder a essa pergunta.

Mas essa demora de Serra não permitiu a Dilma crescer nas pesquisas?

GUERRA: Eu não conheço qualquer eleitor de Dilma. Conheço gente que vota nela porque é a candidata do Lula.

E quais o acerto e o erro da campanha de Dilma?

GUERRA: Não posso dizer que o PT é incapaz de desenvolver campanha. Pelo contrário. O PT é extremamente competente na realização de campanhas. O presidente da República é um comunicador de primeiríssima qualidade. Agora, na primeira volta sem Lula, ela não ajudou. Como disse Roberto Jefferson, agora que tiraram as rodinhas da bicicleta dela, Dilma não consegue andar direito. A ministra foi muito orientada. Imagino que a orientação foi boa, e a execução da tarefa foi ruim. Porque o resultado é péssimo.

Como assim?

GUERRA: Ela não tem liderança. O tom agressivo da ministra não foi inventado agora. As pessoas que trabalharam junto com ela sabem que Dilma é autoritária. Ela não consegue disfarçar. Quando se tem natureza autoritária, é difícil alterar esse comportamento.Ao primeiro gesto de democracia, ela fica irritada. Eleita presidente, será alguém com vocação autoritária e governo fraco.

O PSDB vai ter caixa para fazer campanha milionária?

GUERRA: Campanhas de presidente não se resolvem com mais ou menos dinheiro. A logística de campanha custa caro. Mas é preferível gastar menos. Porque a população não gosta da exuberância, do exagero. A notícia de que o PT tem duas, três, quatro casas alugadas no Lago Sul guarda distância imensa de uma campanha que quer ser a dos pobres. É uma ostentação exagerada.

O PSDB tem enfrentado muitas dificuldades nos palanques regionais, no Ceará, no Amazonas, no Rio...

GUERRA: Os palanques têm a própria lógica dos estados. Temos problemas que qualquer partido tem. O PT tem uma aliança muito ampla, o que deve dificultar as alianças locais. O PT tem condições de resolver as confusões dele porque tem o poder, o governo. As nossas, temos que resolver com cabeça, trabalho e esforço.

A eleição será plebiscitária?

GUERRA: Há sinais de que a campanha está caminhando para ser plebiscitária. A candidatura Marina Silva não tem crescido. Ciro não tem apoio partidário. A maioria dos votos de Ciro já está com Dilma. E os votos residuais dele podem ir para Serra. Por enquanto, a disputa é entre Serra e sua biografia e Lula com sua candidata. Quando começar a disputa, a eleição será entre Dilma e Serra.

Qual o desafio de uma campanha plebiscitária?

GUERRA: Eleição entre dois candidatos simplifica o julgamento. A população terá que considerar duas propostas e duas hipóteses de governo. Nessa comparação, nós levamos imensa vantagem.

Mas o PT quer comparar o governo Lula com o governo Fernando Henrique...

GUERRA: Isso é conversa de elefante. Essa é a agenda deles, não a agenda da população. As pessoas vão pensar no Brasil que está pela frente.

Um vice errado pode derrubar uma candidatura?

GUERRA: Seguramente, um vice errado prejudica e derruba uma candidatura. Agora, não é certo dizer que o vice elege um candidato. Defendo que não devemos alimentar a expectativa de Aécio Neves como vice. A gente não pode pendurar a candidatura do Serra nessa dependência. Se Aécio for o vice, melhor. Se não for, vai ser bom também.

Serra está 10 pontos à frente de Dilma

DEU EM O GLOBO

Datafolha mostra o pré-candidato do PSDB, José Serra, com 38% das intenções de voto contra 28% de Dilma Rousseff (PT) na corrida presidencial Marina fica em terceiro lugar.


Datafolha: Serra está 10 pontos à frente de Dilma

Primeira pesquisa após lançamento de tucano mostra pequena oscilação: Serra com 38% e Dilma com 28%

SÃO PAULO. Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra que o pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, alcançou uma vantagem de dez pontos percentuais em relação à pré-candidata petista, Dilma Rousseff, com 38% das intenções de votos, contra 28% dela. Na sondagem anterior, realizada no final de março, Serra tinha 36%, contra 27% de Dilma.

Como a margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, não houve mudança significativa na distância que separa os dois pré-candidatos. O levantamento, realizado entre os dias 15 e 16 de abril, foi baseado em uma amostra de 2.600 entrevistados em 144 municípios.

A novidade nos resultados da pesquisa, divulgada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, foi o avanço de Marina Silva, do PV, que subiu dois pontos percentuais, atingindo 10%, ao passo que Ciro Gomes (PSB), que tinha 11% na pesquisa anterior, caiu para 9%. É a primeira vez que Marina ultrapassa Ciro, embora as variações na pontuação de ambos estejam dentro da margem de erro.

Esse foi o primeiro levantamento do Datafolha depois da grande festa, realizada no final de semana passado em Brasília, que marcou o lançamento oficial de Serra como pré-candidato do PSDB.

De acordo com o Datafolha, 7% dos entrevistados disseram que votariam em branco, nulo ou em nenhum dos quatro candidatos.

Os 8% restantes se declararam indecisos ainda.

Num cenário sem Ciro Gomes, cuja candidatura ainda é dúvida no PSB, quem mais se beneficia é Serra. O tucano sobe para 42%, ganhando quatro pontos, enquanto Dilma avança dois, indo a 30%. Marina subiria para 12%, com 8% de indecisos e o mesmo percentual para votos em branco, nulo ou em nenhum dos três candidatos.

Na pesquisa espontânea, em que nenhum nome é apresentado ao eleitor, Dilma foi citada por 13% dos entrevistados e Serra, por 12%.

Serra tem 10 pontos de vantagem sobre Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pesquisa Datafolha feita nos dias 15 e 16 de abril mostra José Serra com 38% das intenções de voto, à frente da petista Dilma Rousseff, com 28%. Marina Silva, do PV, tem 10% e Ciro Gomes, do PSB, 9%. Em relação à sondagem anterior do Datafolha, em março, Serra e Dilma oscilaram para cima, dentro da margem de erra.

Pesquisa mostra Serra com 10 pontos de vantagem sobre Dilma

No Datafolha, tucano vai a 38% das intenções de voto, contra 28% da petista, enquanto Marina (com 10%) e Ciro (9%) têm empate técnico


Daniel Bramatti

A primeira pesquisa Datafolha feita após o lançamento de José Serra como pré-candidato à Presidência mostra o tucano com 38% das intenções de voto, à frente da petista Dilma Rousseff, com 28%. O levantamento mostra empate técnico entre Marina Silva (10%), do PV, e Ciro Gomes (9%), do PSB.

Em relação à pesquisa anterior do Datafolha, no final de março, Serra e Dilma oscilaram para cima, dentro da margem de erro. O tucano tinha 36% e a petista, 27%. Em fevereiro, após lançamento da pré-candidatura de Dilma, apenas quatro pontos separavam os dois (32% a 28%).

Ciro oscila na margem de erro, mas a tendência é de queda: de 13% em dezembro para 9% em abril. Ele não tem aparecido em público e, pela internet, reclamou de seu próprio partido, cujos líderes não se definem entre a candidatura própria e o apoio a Dilma.

Em cenário sem Ciro na lista de candidatos, a vantagem de Serra sobre Dilma passa a ser de 12 pontos. Ele aparece com 42%, o mesmo que a soma dos índices da petista (30%) e de Marina (12%). A eleição é definida em um único turno quando um candidato tem mais votos que os dos adversários somados.

Em eventual segundo turno, Serra venceria Dilma por 50% a 40% caso a eleição fosse hoje.

Na pesquisa espontânea, sem a lista de candidatos, 54% não sabem em quem votar. Dilma e Serra aparecem com 13% e 12%, respectivamente. São citados o próprio Lula (7%), "candidato do Lula" (3%) e "candidato do PT" (1%).

Do total de eleitores, 14% dizem que votarão no candidato apoiado pelo presidente, mas não optam por Dilma nem sabem quem ela é. O desempenho do presidente é aprovado por 73% dos entrevistados. Em março, eram 76% os que consideravam o governo ótimo ou bom.

Os números do Datafolha foram divulgados no momento em que o PSDB promove ofensiva contra o instituto Sensus, por suspeita de manipulação de resultados. Em pesquisa encomendada por um sindicato ligado à Força Sindical, que apoia Dilma, a petista apareceu empatada com Serra no início da semana.

A Justiça Eleitoral permitiu que técnicos tucanos tivessem acesso aos 2.000 questionários preenchidos pelos entrevistadores do Sensus. O instituto nega irregularidades.

Teto e bússola. O líder do PSDB na Câmara, deputado João Almeida (BA), classificou como "normal" a oscilação no Datafolha. "O eleitor ainda não entrou na campanha", disse. "A oficialização da candidatura colocou todos em igualdade de condições."

Para o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), Serra tem condições de ampliar a vantagem.
"Com tempo disponível de candidato e as visitas que vai fazer, terá espaço para crescer", afirmou. Na sua opinião, Dilma "chegou ao limite como candidata ancorada à máquina do governo".

O deputado Henrique Fontana (PT-SC), ex-líder do governo, disse que o resultado da pesquisa não altera o rumo da campanha petista. "Temos sinal claro que a maioria quer a continuidade." Ele criticou a diferença entre o Datafolha e outros institutos. "Um dá empate e outro dá dez pontos de diferença?", questionou, referindo-se à pesquisa Sensus. "Torço para que o Datafolha esteja com a bússola desregulada".

Trem-bala virou uma coisa muito estranha:: Elio Gaspari



DEU EM O GLOBO

O comissariado quer fechar um negócio de R$ 34,6 bilhões durante a campanha eleitoral, em fim de governo

Nosso guia precisa congelar as iniciativas destinadas a apressar a concorrência para a construção de um trem-bala ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas. Deve fazê-lo porque não fica bem para um presidente com poucos meses de mandato decidir a contratação de uma obra de R$ 34,6 bilhões. Trata-se de um ervanário equivalente à construção de 170 quilômetros de metrô, sabendo-se que as malhas de São Paulo e do Rio somam apenas 104 quilômetros. Se o Grande Mestre persistir, criará a última encrenca de seu governo, ou a primeira do mandato seguinte.

O projeto do trem-bala poderia ter sido uma joia da coroa da política de investimentos do atual governo, mas transformou-se num almanaque de má gestão, improvisações e leviandades.

Em 2007 o Tribunal de Contas recebeu um projeto que quase certamente concederia a obra ao consórcio italiano Italplan. Ele prometia entregar o trem sem pedir um tostão à Viúva. A obra começaria no ano seguinte, estaria pronta em 2016 e custaria em torno de R$ 9 bilhões. O TCU estudou a matemática do projeto e salvou a Viúva, chutando a bola para fora.

Estava tudo errado, da estimativa dos custos à previsão da demanda.

Pior: o trem sairia do Rio e, 90 minutos depois, chegaria a São Paulo, sem qualquer parada. Não há no mundo trem de alta velocidade que faça um percurso de 400 quilômetros sem estações intermediárias.

O governo passou o assunto ao BNDES, e os estudos recomeçaram do zero. Mesmo assim, o voluntarismo do Planalto incluiu o trem-bala no PAC. Se o BNDES estava estudando a viabilidade da obra, a cautela sugeria que se esperasse a conclusão da análise. A esta altura, felizmente, a linha havia sido estendida a Campinas.

No início de 2009 a estimativa do custo do trem-bala pulou para R$ 11 bilhões, prevendo oito paradas, uma delas em São José dos Campos. A linha ficaria pronta a tempo de transportar as torcidas da Copa de 20014. Lorota total.

O Tribunal de Contas recebeu há pouco um novo projeto, no qual o custo está em R$ 34,6 bilhões. Desfez-se a fantasia do financiamento privado. Os empreiteiros e fornecedores de equipamentos entram com 30% dos recursos, e a Viúva fica com 70% da conta, quase toda financiada pelo BNDES, com recursos do Tesouro. Os interessados também querem que haja uma garantia da demanda de passageiros por meio de subsídios ou de mágicas financeiras.

A tarifa, que começou em R$ 103 e agora está liberada, sob um teto de R$ 206 na classe econômica do trecho Rio-SP.

Técnicos do BNDES que estudaram o projeto viram que um trem para o percurso Rio-São Paulo-Campinas, consumindo R$ 11 bilhões em túneis, é obra de prioridade discutível. Pelas contas de hoje, o trem-bala seria um bom negócio no eixo Campinas-São Paulo-São José dos Campos, mas a prioridade de uma obra dessas poderia ser discutida com o arquiteto Hemiunu, aquele que construiu a pirâmide de Quéops.

Num governo com oito meses de vida e com um candidato oposicionista que não acredita no trem-bala, soa estrondosa a revelação feita à repórter Maria Cristina Frias por Dilma Rousseff, sob cuja coordenação está o projeto: "A primeira fase vai até São José dos Campos, que tem um aeroporto de porte internacional. (...) Além disso, você revitaliza Viracopos". Ou seja, um trem-bala que iria do Rio a São Paulo irá de Campinas e São José dos Campos. Como esse será o trecho barato da obra física (noves fora a compra bilionária de trens e equipamentos), sobrará para o futuro o caroço dos túneis e das pontes na Serra do Mar.

O governo levou dois anos para desfazer a lambança do projeto de 2007. Agora, quer apressar o Tribunal de Contas para iniciar a licitação em maio, em plena campanha eleitoral, com todas as ansiedades e promessas típicas desses períodos. Quem achar que há algo de estranho nisso pode ter certeza: há algo muito estranho nisso.

Os bilhões falsos do autoritarismo:: Janio de Freitas



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Custo alegado pelo governo da hidrelétrica de Belo Monte não inclui gastos adicionais, subsídios e perdas do BNDES


MAIS uma vez se pode testemunhar com clareza o quanto a conduta presidencial de Lula está impregnada de autoritarismo. Como de desajuste com a pedagogia necessária a uma democracia mais real no Brasil. A imposição, com o comprometimento presente e futuro de recursos incalculáveis, da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu paraense, só deixa à sensatez uma esperança tênue no Judiciário.

Marcado para terça-feira, o leilão entre dois consórcios, para decidir o vencedor da obra e da exploração da hidrelétrica, ainda está sujeito à suspensão por medida judicial. O juiz Jirair Aram Meguerian cassou a liminar que sustava o leilão, mas Renato Brill de Góes, procurador da República, dispôs-se a recorrer para que a palavra judicial seja, ao menos, da Corte Especial do Tribunal Regional Federal de Brasília, e não individual. Adiar o leilão, porém, é apenas um recurso temporário e incapaz de deter a vontade autoritária, para que a decisão final surja do confronto entre a pressa interessada do governo e as evidências contrárias à hidrelétrica.

Os R$ 19 bilhões de custo da usina são uma alegação falsa do governo. Seria, se fosse real, o custo da usina em si. Mas há o custo de infraestrutura da região, os custos adicionais de transmissão da energia, e, claro, os reajustes. A proibição contratual dos reajustes pode impedir certas elevações, mas não, por exemplo, as de imprevistos decorrentes -é certo que haverá- da falta de conhecimento pleno da geologia local para o projeto.

O custo alegado da usina para o país é falso ainda porque não inclui os grandes e duradouros subsídios dados pelo governo aos construtores/concessionários. Não inclui a perda do BNDES, que financiará com juros privilegiados 80% do custo da hidrelétrica, caso o dinheiro se destinasse a outros projetos. E não inclui, também, o prejuízo federal do repasse de dinheiro ao BNDES, pelo governo, abaixo do custo de captação. Por fim, é falso porque a graciosidade do financiamento não se limitará aos 30 anos alegados, mas, a custo tão baixo para o devedor, as prorrogações habituais o levarão a um bom meio século.

Você sabe quem pagará tudo isso? Não importa. Pagará sabendo ou não.O fato de ser a terceira maior hidrelétrica do mundo não justifica tudo? É outra falsificação. Grande, no caso, pode ser o represamento, sobre a floresta amazônica e zonas hoje habitadas, mas não em geração de energia. Mesmo considerando médias anuais, os números do governo são pífios em relação ao gigantismo da obra e seu custo (financeiro, social e ambiental). E os números se arruinam em definitivo ante a realidade de que, no estio, a redução do volume de água vai se refletir em redução da energia gerada. Indústrias, transportes, comércio e moradias não sustam sua necessidade de energia por causa de estio periódico.

Muitas obras do PAC são do mesmo gênero de Belo Monte, boa parte escolhida ou precipitada por motivo eleitoral. São bilhões sem conta. Outros bilhões, muito misteriosos, são as dezenas aplicadas em armamentos, bases e projetos militares. Como se houvesse um país que tudo pode à custa do país grande, e um país grande que de nada sabe, apenas paga -também sem saber.

Eventos máximos :: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Na linguagem enganosa e politicamente correta dos governantes é proibido falar em catástrofes e devastações. Evento máximo é mais apropriado, científico: não assusta, passa uma sensação de segurança.

O evento máximo desta semana lembra uma Pompeia com dimensões continentais. A espessa nuvem de cinzas expelida por um vulcão subterrâneo na Islândia nesta quinta-feira paralisou o tráfego aéreo no norte europeu e produziu um efeito-dominó com desdobramentos imprevisíveis e impensáveis. Dependendo dos ventos e da violência do espasmo geológico pode estender-se além do weekend, por muitas semanas. Ou meses.

A modernidade é uma nova religião centrada nos dogmas da perfeição e da infalibilidade: não se aceitam surpresas nem lapsos. Admitir o caos é heresia. Mesmo quando os acólitos-robôs anunciam que "o sistema caiu" e os crentes enfileirados diante dos guichês começam a consultar os relógios ou imprecar contra a satânica imprevidência dos sacerdotes intermediários.

Há 1931 anos, em 24 de Agosto de 79, a lava e as cinzas emitidas pela erupção do Vesúvio (inativo há 1.500 anos) começaram a deslizar em direção da refinada Pompeia. Há fortes evidências de que tudo aconteceu rapidamente: as escavações iniciadas em meados do século 17 indicaram que parte da população, pelos menos os três mil mortos, acreditou que o "sistema não cairia" e continuou seus afazeres e prazeres.

Em 2007 a Islândia foi apontada como a nação mais desenvolvida do planeta graças a sua posição no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e no ranking dos PIBs: o seu era o quarto maior per capita. Ano seguinte, quem diria, o "sistema caiu" - o país estava quebrado e politicamente paralisado.

Evento máximo, médio ou mínimo? Influenciados pela ficção científica estamos construindo uma fantasia tecnológica na qual os sistemas são imbatíveis e indefectíveis, proibidos de "cair". A não ser quando os grandes sacerdotes da indústria, sobretudo automotiva, reconhecem seus pecados, batem no peito e admitem erros de fabricação.

Não há recalls para compensar estragos produzidos por "eventos máximos". No entanto, as grandes seguradoras e instituições de resseguros já começaram a preocupar-se com a recorrência das calamidades. Os prejuízos causados nas primeiras 36 horas de erupção islandesa podem afetar drasticamente o negócio do transporte aéreo mundial.

A facilidade de deslocamentos é um dos esteios da globalização, sem mobilidade o sistema "cai", não se sustenta. O ser humano dito moderno não sabe recolher-se, ao contrário, está sendo treinado para zanzar, perambular, certo de que o seu passaporte é uma espécie de curriculum vitae ou manual de instruções para fazer sucesso. Imagina-se pássaro – se parar de bater asas e voar, cai.

Além da fumaça e das cinzas, o desconhecido e impronunciável vulcão escondido debaixo da Geleira Eyjafjallajokul, está emitindo algumas mensagens muito simples e claras: eventos máximos podem gerar eventos extraordinários. Nada a ver com o Apocalipse e o Juízo Final, o sistema religioso também caiu, está em frangalhos.

Neste momento, o espelho retrovisor pode oferecer soluções mais inovadoras do que a telinha do computador.

» Alberto Dines é jornalista

Os políticos do lixo:: Ferreira Gullar



DEU NA FOLHA DE S. PAULO /ILUSTRADA

A tragédia do morro do Bumba é o desfecho da política que se alimenta do desamparo


POUCO DEPOIS de assumir o governo do recém-criado Estado da Guanabara, Carlos Lacerda decidiu retirar do morro da Babilônia -sob o qual está o túnel Novo, que liga Botafogo a Copacabana- uma pequena favela, que ali se formara. Já antes construíra um conjunto residencial em Bangu, para onde os moradores da favela foram transferidos. Os barracos desocupados foram demolidos e os restos, queimados, para sanear o local.

Lacerda foi então acusado pela oposição -que incluía getulistas e as esquerdas em geral- de odiar os pobres e matar mendigos. É que, na mesma ocasião, mandara para abrigos os moradores de ruas. Hoje, cabe perguntar: o que seria daquela entrada de Copacabana (avenida Princesa Isabel) se ali em cima do túnel houvesse hoje uma favela, que estaria dez vezes maior e dominada por traficantes armados?

A campanha contra o governador teve tal impacto que ele desistiu do seu projeto que era retirar outras favelas da zona sul da cidade. Se, ao contrário, seu plano tivesse obtido apoio, os graves problemas que enfrentamos hoje, tanto no plano da criminalidade quanto da qualidade de vida dos moradores, talvez não existissem.

O que aconteceu então? O governador teve que deixar de lado o que era certo fazer porque o "povo" o obrigou? Mas, ele, o povo, foi o principal prejudicado, já que políticos oportunistas, fazendo-se passar por amigos dos favelados, impediram que se iniciasse a transferência deles para conjuntos residenciais, com condições de vida mais dignas e seguras.

Lembro-me, agora, a propósito, do que me contou um político, que foi visitar o então governador Leonel Brizola, em seu apartamento na avenida Atlântica. Observara, no percurso, que a avenida estava repleta de mendigos e disse isso a Brizola, que respondeu:

"Deixo-os aí de propósito para mostrar o que os ricos fazem com os pobres neste país". Parece o Lula falando, não?

Pois esse mesmo Brizola, durante seus dois governos no Rio de Janeiro, impediu que a polícia entrasse nas favelas para reprimir o tráfico de drogas e, graças a isso, os traficantes puderam transformá-las em "santuários" fortemente armados.

Paralelamente a isso, tanto Brizola como os que o sucederam, juntamente com os prefeitos da cidade, deixaram que as favelas crescessem e se alastrassem pelas encostas dos morros.

Quando a imprensa, alertada por moradores, mostrava novas invasões avançando sobre o que ainda restava de mata por ali, então, aquelas autoridades fingiam tomar providências, mas de modo a não entrar em conflito com os líderes da comunidade, seus cabos eleitorais.

E assim as favelas vieram crescendo, como uma ameaça à segurança dos que nela vivem e dos que moram nos bairros próximos.

Esses fatos são a expressão de um tipo de política que se faz no Rio de Janeiro, mas também no país inteiro, e em todos os níveis: municipal, estadual e federal. É a política populista, que consiste em se fazer passar por protetor dos pobres para, de fato, enganá-los.

A tragédia do morro do Bumba, em Niterói, é apenas o desfecho trágico dessa política safada, que se alimenta do desamparo material e da ingenuidade dos menos favorecidos. Ali havia, antes, um lixão que foi desativado em 1986. De lá para cá, em cima daquele terreno instável, composto de lixo e gás metano, as pessoas foram erguendo suas casas, sem que nenhuma autoridade tomasse qualquer providência para impedir. Pelo contrário, atendendo a interesses eleitorais, introduziram melhorias na área e passaram a cobrar dos moradores pela luz, pela água e até taxa de IPTU. Ou seja, legalizaram o lixão.

Enquanto isso, debaixo das casas, sob os pés dos moradores desavisados, aquela massa inconsistente de lixo e chorume produzia gás e preparava a tragédia futura. Os moradores, claro, o ignoravam, mas não os órgãos da prefeitura, que existem para cuidar dessas questões. Quanto ao prefeito e seu grupo, tudo o que lhe importava era manter o curral eleitoral. Sabe-se agora que, no Rio, há 18 favelas plantadas sobre lixões.

Essa tragédia de Niterói é, portanto, o resultado previsível de um tipo de política que consiste em manipular as necessidades da gente mais desvalida para chegar ao poder e se manter nele. A essa mesma categoria pertencem os programas assistenciais -que deveriam ser emergenciais, mas se tornam permanentes-, condenando a uma espécie de mendicância as famílias que deles se servem. Elas não se dão conta do chão instável que pisam, não percebem o futuro sem futuro que as espera.

Juros e câmbio de novo!:: Yoshiaki Nakano

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A alta dos juros é errada porque agravará o deficit em transações correntes e elevará a taxa de câmbio

O BRASIL vem passando por grandes transformações nos últimos anos. De economia dominada pela especulação financeira, estamos caminhando para uma economia orientada para o crescimento, com deslocamento das expectativas para investimento produtivo e ampliação do horizonte temporal dos agentes econômicos. Estamos redescobrindo o nosso potencial de crescimento e reativando o ânimo empresarial. O que demarcará a transição para economia voltada para o crescimento será a constituição de uma massa crítica de empresários tomando decisões de ampliar os investimentos produtivos.

Infelizmente, esse processo foi abortado no último trimestre de 2008, com pânico financeiro e abrupta contração de crédito pelos bancos privados. Agora que iniciamos a recuperação, corremos o risco de novamente abortarmos a ampliação da taxa de investimento com a elevação do juro anunciada pelo BC.

Existem hoje duas ameaças que podem interromper a aceleração sustentada do crescimento: inflação e deficit em transações correntes. De fato, a taxa de inflação subiu neste ano e vamos superar a meta, mas não há indicações de que essa aceleração será persistente. Mas vamos admitir que seja preciso controlar a demanda agregada para evitar que essa inflação temporária se transforme em aceleração persistente.

Mas a elevação da taxa de juros é a medida correta no atual contexto brasileiro? Não. O que garantirá a transitoriedade da aceleração da inflação e seu controle no futuro será a ampliação da capacidade produtiva. E a elevação da taxa de juros afetará negativamente a recuperação da taxa de investimento, em andamento.

A taxa de juros afetará a demanda agregada, mas transitoriamente, já que a dinâmica de expansão do consumo tem como causas fatores reais além de juros e crédito. Estamos apenas transferindo o problema para o futuro, com menor crescimento hoje. O que precisamos é de uma política fiscal que diminua as despesas de pessoal e custeio, pois reduziria não só o nível de demanda, mas também a sua composição, uma mudança estrutural, abrindo espaço não inflacionário para ampliação da taxa de investimento e redução do deficit em transações correntes.

A elevação do juros é errada porque agravará o nosso segundo problema, que é o forte aumento no deficit em transações correntes, pois aumentará o influxo de capitais do exterior e provocará a apreciação adicional da taxa de câmbio. Isso terá duas consequências perversas: elevará o crédito do exterior quando se pretende contê-lo internamente com a alta dos juros; e a apreciação do câmbio provocará maior consumo, particularmente de bens importados, quando deveríamos contê-lo.

Em suma, vamos continuar cometendo os mesmos erros do passado com os dois preços fundamentais da economia fora do lugar e acionando instrumentos errados de política econômica. O atual "mix" de política, que já completou uma década, vem provocando especialização regressiva da estrutura produtiva do país, com repetição cíclica de períodos prolongados de apreciação cambial seguidos de forte e súbita depreciação, com reprodução sistemática de surtos inflacionários.

Yoshiaki Nakano, 65, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

Tradição e Outras Histórias::Ascenso Ferreira







Terraço da Casa-Grande de manhãzinha, fartura espetaculosa dos coronéis:
— Ó Zé-estribeiro! Ó Zé-estribeiro!
— Inhôôr!
— Quantos litros de leite deu a vaca Cumbuca?
— 25, seu Curuné!
— E a vaca malhada?
— 27, seu Curuné!
— E a vaca Pedrês?
— 35, seu Curuné!
— Sóó? Diabo! Os meninos hoje não têm o qui mamar!

SUCESSÃO DE SÃO PEDRO

— Seu vigário!
Está aqui esta galinha gorda
que eu trouxe pro mártir São Sebastião!
— Está falando com ele!
— Está falando com ele!

GAÚCHO

Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das cochilhas!
Sai de meus pagos em louca arrancada!
— Para que?
— Pra nada!


(Textos extraídos de "Antologia de Humorismo e Sátira", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1957, págs. 316, 317 e 318. Seleção de R. Magalhães Júnior).