segunda-feira, 19 de abril de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Não há pauta de negociação. É só pressão. Não existe em um movimento como o MST a ideia de passar pelos canais institucionalizados, partidos, etc. Existe é pressão. E valores impossíveis, arcaicos, que chamo de "utopias regressivas".

Como se fosse possível ao Brasil voltar à Idade Média. Com o tempo esses movimentos vão esquecendo a utopia, e querendo pequenas vantagens, o que é mais triste ainda. Realmente, a fragmentação é enorme.

A teoria democrática no Brasil vai ter que absorver isso e discutir como incorporá-los ampliando o espaço público. Quando falo do risco de um subperonismo no Brasil é a isso que me refiro. Como não há canais públicos de integração e de aceitação - e alguns acham que sua razão é a única, o que é um fundamentalismo -, isso acaba facilitando um certo cesarismo, aquela ideia de que há alguém capaz de resolver tudo.

Temos problemas com a democracia no Brasil, mas não é que vá haver outro golpe militar ou fraude nas eleições. É uma coisa mais substantiva mesmo. São problemas nossos, da sociedade, não só dos partidos.

(Fernando Henrique Cardoso, no debate caderno Aliás - Reflexões de um presidente acidental )

Em Minas, Serra diz que é contra reeleição, aprovada na gestão de FH, e faz críticas ao governo Lula: 'O PAC é uma lista de obras'

BELO HORIZONTE

-O ex-governador José Serra, pré-candidato tucano à Presidência, criticou nesta segunda-feira a reeleição, proposta e aprovada no governo do seu aliado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em entrevista à rádio Itatiaia, o tucano propôs que chefes de cargos executivos permaneçam um pouco mais no cargo, sem a possibilidade de renovação do mandato.

- Acho que reeleição não é coisa boa. Deveria ter cinco anos de mandato. Você chega e governa fazendo aquilo que tem de ser feito, não apenas de olho na reeleição - afirmou, pela manhã,

Atualmente, os mandatos são de quatro anos e podem se estender por mais quatro, como foram os casos de Fernando Henrique e de Lula. Serra citou Juscelino Kubitschek, construtor de Brasília, que, com o slogan "50 anos em cinco", ficou um mandato na Presidência, sendo pai de muitas realizações.

- Amadureceu fora do poder e pode voltar depois. Eu acho melhor - comentou.

Apesar do ponto de vista, o ex-governador reconheceu que, na condição de presidente, não teria como levar uma reforma eleitoral adiante sozinho.

- Vou colocar esse assunto e precisa ver se o Congresso concorda. Se não concordar, paciência. Mas eu vou defender - avisou.

O tucano afirmou que o atual presidente deveria alterar sua opinião sobre o tema:

- Conversei com o Lula, ele estava de acordo (com o fim da reeleição), mas mudou de ideia. E eu espero que mude de novo, porque o Lula, mesmo fora do governo, tem um peso político muito importante e eu espero manter o diálogo com ele.

Serra diz que 'PAC é uma lista de obras'

Em sua primeira visita como pré-candidato a Minas Gerais, estado tido como estratégico para seu sucesso nas eleições, Serra não poupou críticas ao governo Lula. No rádio, condenou a corrupção em setores da administração federal e o PAC, classificando-o de programa inconcluso. O tucano também atacou o MST por usar a reforma agrária como "pretexto" para seus objetivos políticos.

- O PAC é uma lista de obras, vamos ser realistas. A maior parte não foi feita. As obras, a gente tem que definir, tocar e fazer acontecer - comentou, quando questionado se daria continuidade ao pacote de projetos que é uma das principais bandeiras de sua adversária, a ex-ministra Dilma Rousseff (PT).

" O PAC é uma lista de obras, vamos ser realistas. A maior parte não foi feita "

Serra enumerou empreendimentos que há anos não saem da gaveta em Minas e são de forte apelo eleitoral, como a ampliação do Metrô de Belo Horizonte, a duplicação da BR-381, entre a capital e Governador Valadares, a expansão do Aeroporto de Confins e a requalificação do Anel Rodoviário da capital:

- Se está no PAC, não está no PAC, foi anotado ou não foi anotado, o fato é que não se avançou.

Discorrendo sobre práticas de outros governos que copiou, o ex-governador citou a exigência de currículo para ocupar cargos de livre provimento. Disse que, como ministro da Saúde, implantou o sistema na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que mais tarde teria sido entregue aos interesses políticos e privados:

-Tinha feito isso no Ministério da Saúde na Funasa, que hoje acabou loteada pelo empreguismo, pelo troca-troca, por denúncias de corrupção. Não é nem problema do atual ministro (José Gomes Temporão, PMDB), que é decente. Mas é o que foi destruído.

Perguntado sobre críticas do líder do MST, João Pedro Stédile, à sua candidatura, Serra disse que a reforma agrária não é, na prática, o foco do movimento, que pôs em curso o Abril Vermelho.

- Essa é que é a realidade. É um movimento político que não é fanático da democracia representativa e do Estado Democrático de Direito - opinou, dizendo ser favorável à redistribuição de terras no país e que é preciso dar mais produtividade aos reassentamentos que já existem.

" Quem é bom governante não perde tempo com picuinha, olhando para trás e dizendo: tal programa era do fulano e eu não vou fazer mais "

A despeito das críticas ao governo, o ex-governador manteve a estratégia de reconhecer os avanços da era Lula, vinculando-os, contudo, às bases lançadas pelo antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A redução da pobreza, segundo ele, só foi possível graças à estabilidade econômica e outras medidas, como o rigor imposto à administração pública.

- Este governo recolheu Plano Real, responsabilidade fiscal, mais verba para educação básica, coisas que vinham de antes. A gente vai governando, a gente pega as coisas que vieram dando certo e vai aperfeiçoando - afirmou.

Para ele, não dar continuidade a boas políticas públicas por causa de quem as implementou seria pequenez:

- Quem é bom governante não perde tempo com picuinha, olhando para trás e dizendo: tal programa era do fulano e eu não vou fazer mais.

Primeiro palanque de Serra



DEU NO ESTADO DE MINAS

Depois de ter visitado Salvador e Alagoas, pré-candidato tucano faz hoje em Belo Horizonte o lançamento de sua campanha à Presidência de olho nos votos do colégio eleitoral mineiro

Bertha Maakaroun

Depois do lançamento oficial da pré-candidatura de José Serra (PSDB) à Presidência da República há oito dias, Minas Gerais é o estado escolhido pelo tucanato nacional para o primeiro evento público de campanha. Além de passar a mensagem de unidade no ninho, após a disputa interna entre os dois ex-governadores dos maiores colégios eleitorais do país, Serra pretende se comprometer com o estado, onde há segmentos em que os investimentos do governo federal ficaram, na avaliação dos tucanos mineiros, aquém do pleiteado. O PSDB de Minas também apresenta à campanha de José Serra diversas realizações do governo Aécio Neves (PSDB) para que sejam indicadas ao longo da campanha serrista em contraponto ao discurso petista de que tucanos, além de não priorizar a agenda social, teriam um viés “privatista”. Levantamento em curso dos sete anos de governo Aécio Neves pretende demonstrar que o tucano mineiro, candidato ao Senado Federal, não privatizou nenhuma das “jóias da coroa” do estado, como a Cemig e a Copasa. Além disso, o PSDB de Minas pretende salientar compromisso com as questões sociais, que só teria se viabilizado a partir do chamado “choque de gestão”, voltado para a racionalização das contas públicas.

Embora tenha, na semana passada, visitado Salvador (BA) e Maceió (AL), o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), em Belo Horizonte desde sábado, considerou ontem que em nenhum dos dois estados houve eventos públicos de campanha. “Foram deslocamentos para gravações”, disse Guerra, em referência ao fato de, nos dois estados onde a popularidade do presidente Lula é muito grande, o pré-candidato tucano ter sido acompanhado da equipe de filmagem da campanha. Em Alagoas, Serra circulou ao lado do governador do estado, Teotônio Vilela Filho (PSDB), e de deputados federais e estaduais. Participou da inauguração de uma fábrica, concedeu entrevistas, fez corpo a corpo e compras em dois centros comerciais. “Aécio Neves sugeriu que a campanha de Serra começasse por Minas. E este estado é importante por todos os aspectos: pela história, pelo peso político, pelo tamanho do eleitorado. Há ainda o significado simbólico, já que esta largada caracteriza mais uma vez a unidade de Serra e de Aécio”, considerou Sérgio Guerra. Segundo ele, uma campanha bem feita em Minas representa vitória grande no Brasil.

EXEMPLOS. Na semana passada, o tucanato nacional chegou a entrar em contato com os líderes de Minas para reafirmar que, nos dois estados, não teria havido eventos públicos de campanha e que, o primeiro foi reservado para Belo Horizonte, conforme convite de Aécio Neves a Serra, durante o lançamento da pré-campanha em Brasilia. Na ocasião, Aécio justificou o convite chamando atenção para os exemplos dos homens públicos de Minas e para que o candidato tucano ao Palácio do Planalto tivesse “as forças das montanhas e do ferro de Minas”.

Por ser notívago, a campanha tucana insistiu para que Serra se deslocasse ontem à noite para Belo Horizonte, de modo a evitar atrasos na agenda de hoje. Assim como a pré-candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, que participou, há duas semanas, de palestra seguida de almoço com empresários da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Serra também iniciará a jornada na entidade. Em seguida, participará de um evento no SesiMinas, onde foram convidados prefeitos e líderes no estado do PSDB, do DEM e do PPS, as três legendas coligadas, que repetem a aliança em Minas Gerais na disputa ao Palácio da Liberdade.

Aécio quer 2 milhões de votos sobre PT



DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No primeiro ato pró-Serra, ex-governador promete juntar 300 dos 856 prefeitos de Minas; tucano vai se encontrar com empresários

Christiane Samarco de Brasília

A recepção política ao candidato tucano a presidente, José Serra, que o ex-governador Aécio Neves comandará hoje em Belo Horizonte, na abertura oficial da pré-campanha do PSDB, é apenas um detalhe da estratégia para tentar dar vitória dupla ao partido, com Antonio Anastasia no governo local e Serra no Planalto.

Convencido de que o PT e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "fecharam o cerco" para derrotá-lo, Aécio trabalha nos bastidores com uma meta: alcançar dois milhões de votos de frente sobre a adversária petista Dilma Rousseff em Minas Gerais.

Em uma disputa polarizada, que pode ser liquidada no primeiro turno de votação, a vantagem em Minas pode conferir a Aécio o título de portador da vitória nacional. Como a meta é ambiciosa, ele já deu o primeiro recado aos aliados: não vai admitir traição. Isto ficou claro no pito que passou em dois prefeitos de sua base de apoio que prestigiaram a visita de campanha da candidata Dilma a Ouro Preto, no dia 6.

"O governador quis dar uma sinalização que servisse de exemplo aos mineiros antes de a pré-campanha começar. Não vamos ter tolerância com dissidências", diz o secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro, que vai coordenar a campanha presidencial em Minas e no Espírito Santo. Segundo ele, haverá "integração total" entre as campanhas de Serra e Anastasia.

Vice dos sonhos da cúpula e da base do PSDB para fortalecer a chapa presidencial, Aécio quer mostrar que, disputando o Senado como deseja, pode fazer muito pela vitória de Serra no Estado.
Por isto mesmo, fez questão de preparar um "ato grandioso" para marcar a abertura da pré-campanha, com a presença de cerca de 300 dos 856 prefeitos mineiros. Será o primeiro movimento concreto de Aécio em favor de Serra.

Antes do ato político, no entanto, Serra dará entrevistas a emissoras de rádio locais e fechará a programação da manhã com uma reunião seguida de um almoço com empresários na Federação das Indústrias de Minas. O contato com o presidente da entidade, Robson Braga de Andrade, ganha importância na medida em que ele já está escolhido para suceder o deputado Armando Monteiro (PTB-PE) na presidência da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Exceção. A orientação de evitar reuniões político-partidárias nesta fase inicial e priorizar o contato de Serra com representantes da sociedade civil e populares Brasil afora, não vale para Minas. Lá, a ordem é mobilizar a base política de Aécio para superar a frustração com a desistência do mineiro na corrida sucessória.

"Temos que mostrar com muita clareza que tínhamos um plano "A", que era o Aécio, e agora temos o plano "B", que é o Serra", explica o presidente do PSDB mineiro, deputado Nárcio Rodrigues, certo de que o ex-governador de Minas sairá desta eleição como "senador mais votado do Brasil e o grande líder da maior bancada estadual e federal do partido no Congresso".

Oficialmente, cinco legendas estarão homenageando Serra, mas o PSDB local trabalha para ampliar esta base, com aliados de outros partidos como o PP e o PDT.

Não por acaso, o presidente do PSDB mineiro, deputado Nárcio Rodrigues, preparou um banner para compor o cenário do encontro político com o seguinte dizer: "Aécio aponta o caminho. Minas é Serra e Anastasia". Ele destaca que, assim como na chapa presidencial, a discussão em torno do vice de Anastasia é tema proibido por enquanto, e explica a razão. "Isto leva à divisão, antes de construirmos a união."

O tucanato mineiro vai trabalhar para fazer deslanchar as duas candidaturas no Estado no prazo mais curto possível. Levantamentos do partido mostram que Serra já está à frente de Dilma em Minas. "Até o final de maio, vamos fazer a candidatura de Anastasia decolar", afirma Nárcio.

Uma das razões que Aécio alega para recusar a vice é exatamente a necessidade de "pegar Anastasia pela mão" e rodar o Estado para fazer o sucessor. Ao mesmo tempo, porém, ele destaca que pode ser mais útil a Serra percorrendo os 800 municípios mineiros e pedindo votos a ele, com a autoridade de governador mais popular da história de Minas, do que andando pelo Brasil, onde é pouco conhecido.

"Aécio à frente da campanha presidencial aqui no Estado é a garantia de um palanque sólido e da convergência das forças políticas em favor de Serra", aposta o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB), para concluir: "Ele sabe exatamente o que está fazendo para o bem de Serra, ficando em Minas e garantindo a ele uma boa vantagem de votos sobre o PT."

'Aos traidores, a degola', será o lema do mineiro


DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aécio Neves decidiu que, em Minas, a campanha terá um lema particular: "Aos traidores, a degola." O ex-governador encomendou um "carão" em dois aliados que prestigiaram a primeira investida da petista Dilma Rousseff no Estado.

A reprimenda atingiu o prefeito de Moeda, Janio Acir Moreira (DEM),por conta da aliança nacional de seu partido com o PSDB, em torno de Serra. Ele já sabe que, se homenagear a petista novamente, será vetado no palanque tucano. A prefeita de Lamim, Ariane Pedrosa (PR) - cujo partido está aliado ao PT na eleição presidencial - recebeu a mesma advertência.

Ela terá de escolher "o lado" que quer ficar. / C.S.

União de Serra e Aécio será testada em Minas



DEU EM O GLOBO

Pré-candidato tenta consolidar sua campanha hoje no estado e quebrar o gelo em relação ao ex-governador mineiro

Gustavo Paul *

BRASÍLIA. Nem Anastadilma, nem Dilmasia. O pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, desembarca hoje em Belo Horizonte para carimbar a chapa Serrasia ou Anastaserra, numa alusão à união de sua campanha à do candidato tucano ao governo mineiro, Antonio Anastasia. Nos ombros do ex-governador Aécio Neves, Serra deverá se encontrar hoje na capital mineira com cerca de 300 prefeitos e lideranças políticas de Minas, num evento que já mudou de lugar três vezes, pois a expectativa de publico só vem aumentando.

Essa “festa de arromba”, como preveem os tucanos, será a primeira ação concreta de Aécio na campanha de Serra. Segundo estrategistas do partido, o evento é politicamente significativo para consolidar a campanha do tucano em Minas e quebrar de vez o gelo em relação à candidatura, que desbancou as pretensões do ex-governador Aécio Neves de tentar agora uma vaga no Palácio do Planalto.

— O objetivo é deixar claro o total empenho de Aécio e de Minas em prol da pré-candidatura de Serra — disse o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG).

Líderes locais ajudarão a disseminar a candidatura Por isso, estarão presentes prefeitos e políticos de todo estado.

Segundo o secretario-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG), as lideranças regionais vão disseminar a campanha, num efeito multiplicador: — É um evento que terá um importante caráter simbólico.

Não precisa ser grandioso, mas será de grande importância.

O roteiro de Serra inclui almoço com empresários na Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), entrevistas e participação no evento “Minas é Serra e Anastasia”. No encontro, lideranças, prefeitos e deputados do PSDB, DEM, PPS, PTB e PP vão discutir com o pré-candidato reivindicações regionais a serem incorporadas ao plano de governo tucano. Em pauta estarão, por exemplo, obras rodoviárias e a ampliação do metrô da capital. Essas reivindicações devem ser incorporadas, também, aos discursos de Serra.

— São obras estruturais que deixaram de ser feitas pelo governo federal — afirmou o presidente do PSDB mineiro, deputado federal Narcio Rodrigues.

Campanha buscará o apoio de Itamar Franco Itamar Franco, peça simbólica para a campanha, estará em Belo Horizonte, mas não vai se encontrar com o tucano. O encontro entre ele e Serra deve ocorrer nas próximas semanas.

— Ainda não há nada marcado, mas é claro que eles vão se encontrar — disse Henrique Hargreaves, assessor de Itamar.

O apoio do ex-presidente é emblemático. Ex-presidente, ex-governador e eleitor importante em Minas, Itamar vem sendo cortejado, num trabalho delicado de aproximação. Uma das preocupações é evitar que o ex-presidente passe a rejeitar Serra, como fez no passado com Fernando Henrique Cardoso, causando problemas para a coligação e para a campanha. O encontro entre Itamar e o tucano seria também um pretexto para o candidato voltar a Minas, calcanhar de Aquiles da pré=candidata Dilma Rousseff, do PT, e segundo maior colégio eleitoral do país.

O discurso de Tancredo que nunca aconteceu


DEU EM O GLOBO

Livro resgata o texto que seria lido na posse, sobre liberdade e justiça social

Ludmilla de Lima

Depois da maratona política em Minas, José Serra e Aécio Neves se encontram novamente, à noite, no Rio. Os dois estarão na abertura da mostra “Centenário de Tancredo Neves”, no Museu Histórico Nacional.

O evento marca, também, o lançamento de “Tancredo: O Verbo Republicano”, com organização do jornalista Mauro Santayana. O livro traz, entre outros, um discurso sobre liberdade e justiça social que poderia ter entrado para a história como um marco da redemocratização. Mas, quis o destino que ele nunca fosse proferido.

No dia 15 de março de 1985, na sua posse como presidente da República, Tancredo iria propor aos trabalhadores a renegociação de um pacto social em prol da reorganização da economia, assim como falaria sobre os perseguidos no regime militar.

O texto, de Mauro Santayana, nunca foi lido: Tancredo foi internado na véspera da posse, morrendo em 21 de abril.

Santayana resumia o discurso quando soube da internação. Tancredo, no mesmo dia, havia exposto o temor de não conseguir ler todo o texto, de 30 minutos: — Comentei: “Posso reduzir para até cinco minutos. O discurso de Lincoln depois da batalha de Gettysburg levou menos de três minutos”. E ele: “não sou Lincoln, reduza para dez minutos”.

Moderado, Tancredo manifestaria seu desejo pela conciliação: “Não chegamos ao poder com o propósito de submeter a Nação a um projeto, mas com o de lutar para que ela reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso chamamos democracia”, teria dito.

Garotinho lança-se sob mote da corrupção


DEU NO VALOR ECONÔMICO

Cláudia Schüffner, do Rio

Lançado ontem pré-candidato ao governo do Rio, Anthony Garotinho (PR) entrou na campanha usando o mote da corrupção, o mesmo que, em 2007, o tornou inelegível por três anos. Junto com sua mulher, a prefeita de Campos Rosinha Garotinho, o ex-governador foi denunciado em março pelo Ministério Público por improbidade administrativa. O casal teve pedido de bloqueio dos seus bens pela Justiça. Garotinho dedicou o discurso a enumerar as denúncias de corrupção que pretende explorar contra a reeleição do governador Sérgio Cabral (PMDB), com quem rompeu no ano passado.

Dizendo-se perseguido pelo Ministério Público, o pré-candidato do PR disse ter documentos enviados pela Ordem dos Advogados do Brasil que vinculam a primeira-dama do Estado, Adriana Anselmo, ao escritório de advocacia que defende as concessionárias SuperVia e Metrô e outros grupos que têm contratos com o governo fluminense. A SuperVia administra os trens urbanos da Região Metropolitana do Rio, e vem apresentado diversos problemas nos últimos meses.

No mês passado Sérgio Cabral anunciou que vai prorrogar a concessão da operação dos trens pela SuperVia de 25 anos para 50 anos. O contrato de concessão havia sido assinado em 1998 pelo então governador Marcello Alencar e expira em 2023. A renovação do contrato é justificada pelo governo do Estado como necessária ao cumprimento das exigências do Comitê Olímpico Internacional, que prevê a modernização dos trens e ampliação dos trens. O Rio vai sediar a Olimpíada de 2016.

Com o contrato que deve ser assinado este mês, a SuperVia poderá operar o sistema até 2048. O anúncio dessa decisão levou o deputado estadual Alessandro Molon (PT) a entrar com o pedido de CPI na Assembleia Legislativa.

Garotinho também acusou Cabral, a quem chamou de " síndico da Zona Sul " de ter aumentado seu patrimônio imobiliário durante sua gestão. " Quero lançar um desafio ao atual governador.
Sua casa comprada em Mangaratiba é lavagem de dinheiro. Me processe! Entre na Justiça e prove que você comprou com dinheiro de seu trabalho. Eu o estou desafiando. Venha! " " , bradou Garotinho.

No discurso, disse ainda ter-se arrependido do apoio que lhe deu em 2006: " Faço mea culpa. Por questões de governabilidade, tive que me aliar a essa gente, que está saqueando o Estado " . Procurada, a assessoria do Palácio da Guanabara disse que não comentaria as declarações.

Além da pré-candidatura de Garotinho, o PR lançou a candidatura do pastor e deputado federal Manoel Ferreira ao Senado. O partido realizou ontem o congresso nacional da legenda, com a presença predominante da militância do interior do Estado do Rio e da Baixada Fluminense. O partido decidiu não se posicionar, por hora, em relação ao apoio à candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, pelo PT. A ideia do PR é esperar que a petista se manifeste quanto à participação de Garotinho nas eleições estaduais. Ainda que o PR seja aliado do PT no governo federal, Dilma ainda não afirmou se vai subir em palanque no Rio com o ex-governador, mas Garotinho disse que Dilma é sua " candidata pessoal " .

Garotinho foi governador do Rio entre 1999 e 2002, quando candidatou-se à Presidência da República e ficou em terceiro lugar. Naquele ano, elegeu sua mulher para sucedê-lo. (Com agências noticiosas)

Um dilema sem sentido:: Moacyr Góes



DEU EM O DIA

Coligação é válida e quem a integra deve pensar no objetivo principal

Rio - Um dos problemas da política é que nem sempre, ou quase nunca, motivações são claras e assumidas. No Rio de Janeiro acontece algo que beira o amadorismo político ou a interesses pessoais. As forças políticas ou coligações partidárias com chance de vitória são as comandadas pelo PMDB, do Cabral, do PR, do Garotinho e do PV, do Gabeira.

As duas primeiras são oriundas da mesma fonte e até pouco tempo estavam abraçadas — até que a traição as separou. A terceira se constituiu em torno do deputado Gabeira, em função da campanha para prefeito e aquilo que representou de novidade e das questões nacionais.

Sua candidatura vocaliza a coligação que sustenta José Serra, mesmo que o PV venha de Marina. Gabeira constituiu-se na mais viável, talvez única, possibilidade de vitória daqueles que não estão embaixo do guarda-chuva de Dilma/Cabral/Garotinho e tudo o que isso representa.

Estaria tudo no lugar, se apenas a lógica e os interesses da população determinassem as ações. Munidos da idealização da pureza e da incapacidade de conviver com as diferenças, “aliados” trouxeram para a centralidade aquilo que é periférico.

É preciso ter coragem e afirmar que coligação é reunião de diferentes por objetivo comum. Caso contrário, não haveria necessidade de coligar. É bom abrir o olho e deixar de besteira, como dizia meu pai.

Além do mais, o voto do cidadão não é vinculado. Vota-se em quem quiser. O que não tem cabimento é namorar a moça e ter vergonha de levá-la para jantar. É a atração pela situação do derrotado feliz, aquele que se nutre de sua pureza sem se dar conta de que abdicou de viver a vida como problema.

Para não deixar dúvidas: meu voto até agora é em José Serra, do PSDB, Gabeira, do PV, e César Maia, do DEM. Os outros ainda não decidi. Estou ligado e coligado!

Moacyr Góes é diretor de teatro e cineasta

Campanha do medo? :: Gaudêncio Torquato

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Sem medo de ser feliz?" Aécio Neves, o bem avaliado governador mineiro, que acaba de deixar o posto para se candidatar ao Senado, no surpreendente discurso por ocasião do lançamento de José Serra à Presidência da República, decidiu não apenas responder ao slogan de Lula em 2002, mas fazer um repto: "Sem medo de resgatar o passado." O neto de Tancredo, em oratória inflamada, deixou claro seu posicionamento, livrando-se de insinuações que davam conta de postura tíbia ante a candidatura do governador paulista. Por trás da desconfiança, uma agenda pontilhada de encontros e gentilezas entre ele, o presidente Luiz Inácio e a candidata Dilma, em que a cordialidade teria dado lugar à amizade pessoal.

Sob elogios recíprocos, Aécio foi o primeiro a engatar a ideia do pós-lulismo, contrastando com o anti-lulismo apregoado por companheiros tucanos. Ainda como pano de fundo, registrava-se um contencioso histórico, atrelado à versão de resistência dos mineiros a mais um candidato paulista no plano federal. O sonho de resgatar o legado de Tancredo, arrebatado pelo destino, ainda permanece aceso nas Minas Gerais, unidade de forte tradição política.

Os tucanos viveram um período como aves sem rumo. Sem discurso e sem estratégia. O comício de Brasília lhes mostrou a biruta. Passaram a sentir a rota do vento. Mais que isso, a ameaça de olhar para o retrovisor, recorrente na liturgia petista, pairava sobre o tucanato. Pois bem, os fantasmas saíram das tumbas e, para decepção do PT, não assustaram ninguém. Ao contrário, receberam aplausos.

O autor da façanha da "volta ao passado, sem medo de ser feliz" foi ele, Aécio Neves. Resgatou a temida pauta da comparação entre os ciclos FHC e Lula, aceitando o jogo que o PT quer e o PSDB não pretendia jogar. A peroração abrigou quesitos que o petismo escreveu na lousa durante esses sete anos e cinco meses do governo Lula, a começar pela execração da privatização e o endeusamento da estatização. O mineiro acusou o petismo/lulismo pela "autoproclamação da própria bondade". O exclusivismo messiânico, expresso na construção "nunca na história deste país", que permeia o discurso da atual administração, foi questionado.

De fato, a insistência com que o petismo procura separar passado e presente tem sido responsável pela acidez com que os adversários se tratam. Indignados, os tucanos decidiram entrar na arena dispostos a defender a ideia de que as "virtudes" da era Lula se repartem com o ciclo FHC. Ou, se tentarem ser mais exatos, se devem, ainda, ao alicerce fincado no governo Itamar Franco.

Como se observa há tempos, cada ente (partidos, governantes) tem procurado impor seus pontos de vista. É inegável que o ciclo Lula é mais farto de dados e programas. Se exibe balanço mais positivo, isso também se deve às circunstâncias externas e à arquitetura do Plano Real. A privatização da era FHC, com exemplos aprovados nas áreas de telecomunicações e de siderurgia, passou a ser estigmatizada. Alguns teimam em pintá-la com o verniz do neoliberalismo. O PT não reconhece o mérito por conta da cultura "nós e eles" que semeia. A visão separatista acirrou os ânimos no meio da sociedade. O "exclusivismo" ganhou ares de arrogância.

A isso se soma a guerra das trombetas. A de Lula tem sido mais tonitruante. O conceito do Estado forte, por sua vez, que se imaginava arquivado, volta à tona. Na verdade, a crítica tem como foco o Estado como abrigo do mando partidário. Basta lembrar que o PMDB elegeu, em 1986, 21 de 22 governadores de Estado, implantando a estrutura mais capilar dos nossos dias. A estratégia ainda hoje lhe dá frutos para continuar a ser a maior sigla. O PT quer o mesmo. Por isso, Aécio acusa o aparelhamento do Estado (há 22 mil cargos na máquina federal). Se alguém esperava o matreiro mineiro falando pouco para não dizer nada, ouviu uma raposa disposta a enfrentar briga de cachorro grande. O repto para o duelo foi aceito.

José Serra dá sinais de que vai pegar o lenço vermelho jogado sobre a arena. A comparação, infeliz, aliás, que faz entre Celso Pitta e Dilma (lançados por Maluf e Lula, respectivamente) borra a bandeira branca da paz, que desfraldou ao exaltar o diálogo nacional, a paz social. Como aperitivo da acidez, Lula, vez ou outra, bagunça o coreto ao dar estocadas no Judiciário ou pinça a velha luta de classes no discurso de palanque. Mas, no final das contas, a que levarão mordidas e assopros de uns e outros? Esse tipo de embate gera entusiasmo? Não. O discurso político, embalado por conceitos abstratos, atinge apenas segmentos racionais. Isso posto, aduz-se que temas como tamanho do Estado, privatização, estatização, estabilidade econômica, comparação de ciclos fazem parte da planilha mais acomodada à cabeça do que ao estômago. Agitarão plateias já fiéis aos dois lados e assíduas ao campo de lutas. As margens não serão induzidas por ecos que chegarão, tênues, a elas.

O que se deve esperar dos candidatos é uma densa pauta sobre questões de alta prioridade. Campanha negativa não rende voto. Mas, como se pode observar nos últimos dias, a campanha nem começou e a agressão sobe de tom. O acirramento decorre das deficiências de uns ou visão errática de outros, da ausência de ideias e programas e, ainda, da percepção capenga de que o adjetivo gera mais eco que o substantivo. O País quer ver mudança também no campo eleitoral.

Não quer nova campanha do medo. É inimaginável que se perca tempo (e esforço) com batalhas em torno de questões bizantinas do tipo: "Quem pode mais?" Afinal de contas, que projeto de país cada candidato defende? Que áreas precisam de urgentes reformas? Em alguns anos, o Brasil até poderá conquistar a posição de quinta maior economia do planeta. Mas a mentalidade política, convenhamos, deixa a desejar.

Jornalista, é professor titular da USP e Consultor Político e de Comunicação

Temas do momento político:: Fábio Wanderley Reis



DEU NO VALOR ECONÔMICO

O Valor publicou, no espaço de alguns dias, duas ricas entrevistas sobre o momento político-eleitoral: uma, do historiador Luiz Felipe de Alencastro, como matéria de capa do suplemento de fim de semana de 9, 10 e 11 de abril; outra, do cientista político Marcos Coimbra, na edição de 15 de abril (p. A12). Apesar de Alencastro dirigir-se a aspectos mais variados dos problemas da conjuntura e Coimbra, diretor de pesquisas do Vox Populi, concentrar-se sobretudo na avaliação das perspectivas propriamente eleitorais da campanha em andamento, alguns pontos relevantes são tratados por ambos de maneira que envolve convergência e divergência. Seleciono dois deles.

O primeiro diz respeito à " velha " e à " nova " classe média e sua inserção no processo eleitoral. Alencastro vê insatisfeita a " velha " classe média, vinculando a insatisfação à mobilidade social de camadas socioeconomicamente mais baixas produzida pelas políticas econômicas e sociais recentes, donde brotariam insegurança, ressentimento e ativação de antigos preconceitos sociais. Coimbra não vê nas pesquisas reflexos claros de fatores socioeconômicos (o desenvolvimento teria beneficiado a sociedade como um todo), e aparta desses fatores o impacto (real) nas disposições eleitorais que viria de fatores ideológicos afins aos salientados por Alencastro. Outros analistas têm dirigido a atenção à " nova " classe média, alguns vendo nela grandes beneficiários das políticas do governo Lula a engrossar o apoio a ele e alguns mais apontando dificuldades em que parte importante da categoria se veria envolvida, como consequência da crise econômica e da instabilidade acarretada, o que a tornaria suscetível de ser ainda seduzida pela oposição. Restaria dar conta, nesse quadro confuso, dos níveis inéditos de aprovação a Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que eles sejam compatíveis com o furor e a agressividade anti-Lula que têm vicejado em setores dinâmicos da " opinião pública " .

O outro ponto, de maior alcance institucional, refere-se às perspectivas de alternância no poder e aos eventuais riscos para a estabilidade democrática. A perspectiva de Alencastro é antes doutrinária ou normativa: " não é sadio para nenhum país a ausência de alternância política " , " é preciso que a oposição também possa ganhar " . E pondera que, na hipótese da vitória de Dilma em 2010 e da volta de Lula em 2014 por mais 8 anos, " vamos ter 20 anos de PT na Presidência " . O experimento mental é claramente algo precário, mesmo se a norma da alternância é, naturalmente, inatacável. Mas Alencastro associa também a vitória de Dilma com o perigo de um " vice-presidencialismo " em que as coisas iriam em direção diferente da mera reiteração do poder petista. Michel Temer, colocado na Vice-Presidência, usaria " a máquina do PMDB " e suas conexões no Congresso para garantir um protagonismo institucionalmente impróprio, o que com certeza resultaria em complicar e agravar os traços negativos do nosso chamado " presidencialismo de coalizão " e sugere matizes que não são tidos em conta quanto ao processo em andamento de constituição e eventual consolidação dos partidos, de desfecho incerto. Seja como for, a questão das perspectivas de estabilidade se pode apreciar melhor por algo mais que Alencastro assinala de maneira peculiar: o fato de termos dois candidatos à Presidência que correram ambos " o risco de ser assassinados pela direita mais radical " , na ditadura nascida de um jogo político em que as opções envolvidas eram bem distintas das atuais - e cuja superação, menos mal, acaba de tornar-se até melancolicamente evidente há poucos dias, com a exibição na TV do que há de triste (ou desfrutável, conforme se queira olhar) em lideranças militares que anos atrás nos assustavam.

De todo modo, o próprio Alencastro, juntando-se ao ponto de vista mais " factual " de Coimbra sobre o assunto, aponta os 20 anos de poder da Concertación no Chile, que surgem, derrotada ela agora sem atropelos, como ocorrência normal de um processo democrático. Coimbra lembra os 16 anos de poder do PSDB em São Paulo, o maior Estado da federação, sem que a clara perspectiva de vê-lo continuar por mais 4 anos seja razão de espanto (além de que os 20 anos de poder pessedebista em plano nacional, cabe acrescentar, eram o projeto que Sérgio Motta explicitava para os tucanos). Naturalmente, seria possível falar de muitos outros exemplos, incluindo a longa hegemonia de partidos socialdemocráticos em diferentes países europeus, e não cabe esperar que partidos (ou líderes) democráticos se empenhem em perder eleições de vez em quando. A ponderação decisiva a respeito consiste na extensão e consistência do substrato de identificação e apoio que partidos e líderes consigam junto aos eleitores, e é claro que podemos ter maior ou menor êxito em assegurar essa identificação de maneira duradoura. Margaret Thatcher é um exemplo de êxito na construção de consenso eleitoral prolongado em direção contrária à da hegemonia socialdemocrática mencionada. E no Brasil atual, ainda que possa haver variações na polarização social das intenções de voto (Lula e Dilma são, afinal, ofertas diferentes para o eleitor), a introdução para valer da questão social e da redistribuição como tema das disputas eleitorais de importância é provavelmente a grande novidade, ocasionando a ocorrência do que alguns autores chamaram de " política do eu também " , em que os que procuram apresentar-se como alternativa aos titulares do poder não podem senão aderir às políticas principais em execução e tratar de acrescentar um diferencial - justamente o " pode mais " de um José Serra empenhado em elogiar Lula e o Bolsa Família.


Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

O Brasil e a nuclearização do Irã :: Celso Lafer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O campo das relações internacionais opera à sombra da situação-limite da guerra. Esta é, como disse Aron inspirado por Clausewitz, um camaleão: assume sempre novas formas. A capacidade destrutiva das armas nucleares produziu uma mutação qualitativa do camaleão da guerra, ao tornar viável o completo extermínio de grandes coletividades. É por esse motivo que o desarmamento nuclear e a não-proliferação nuclear de cunho militar são um grande e não resolvido tema global da agenda de segurança da vida internacional. É neste horizonte que se situam o tema da nuclearização crescente do Irã, as medidas que estão sendo negociadas no âmbito do Conselho de Segurança da ONU e as discussões sobre o papel da diplomacia brasileira neste assunto.

Na análise das relações internacionais, é usual a distinção entre idealistas e realistas. As correntes idealistas, empenhadas na paz, surgiram em razão dos horrores da guerra propiciados pela destrutividade técnica das armas. Adquiriram ressonância em razão do advento da bomba atômica. Levam em conta a indivisibilidade da paz num mundo unificado pela economia, pelas comunicações e pela técnica e partem de uma kantiana ideia reguladora da razão: no século 21 a guerra nos aponta o que é preciso temer e a paz nos indica o que temos o direito de almejar.

Maquiavel é uma das matrizes inspiradoras das correntes realistas. Estas têm o seu foco nos fatos do poder e na sua desigual distribuição entre os Estados. Realçam a preponderância do papel do conflito e da lógica da polarização num sistema internacional que retém componentes de um anárquico estado de natureza. Por isso, os realistas são críticos das ilusões idealistas e chamam a atenção para o papel estratégico da "razão de Estado" que contempla o uso da força.

Raymond Aron, em Paz e Guerra entre as Nações, examinou o papel dessas duas correntes na ação diplomática concreta. Observou que essa ação lida com a indeterminação que é fruto dos elementos singulares de cada conjuntura e da pluralidade dos objetivos das políticas externas dos Estados. Apontou que os responsáveis por uma conduta estratégico-diplomática, na sua atuação, se veem simultaneamente confrontados, na sua práxis, tanto pelo problema maquiavélico quanto pelo kantiano. O primeiro diz respeito ao realismo dos meios necessários para assegurar a independência e a sobrevivência de um Estado. O segundo está voltado para o empenho em assegurar a paz.

A Constituição brasileira, no seu artigo 4.º, ao tratar dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil, consagra a concomitância do realismo e do idealismo. Com efeito, o inciso I afirma o realismo do valor da independência nacional e os incisos VI e VII, os valores da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos, cabendo acrescentar que o art. 20 (XXIII) determina que toda atividade nuclear brasileira terá, exclusivamente, fins pacíficos, excluindo, assim, as armas nucleares do escopo da conduta estratégico-diplomática brasileira.

O Brasil redemocratizado da Nova República seguiu com sucesso a vis directiva da Constituição de 1988. Terminou com o desnecessário potencial desagregador de uma corrida armamentista nuclear com a Argentina e institucionalizou a confiança mútua de controles recíprocos (Abacc). Celebrou, com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), os mecanismos de verificação comprovadores dos fins pacíficos dos projetos brasileiros na área nuclear. Contribuiu para pôr em vigor o Tratado de Tlatelolco, que proscreve as armas nucleares na América Latina. Aderiu ao Tratado de Não-Proliferação (TNP). Nenhuma dessas ações, em defesa da paz, pôs em risco a independência nacional. Esta o Brasil vem aprofundando com o investimento no soft power da credibilidade, proveniente da estabilidade econômica, da responsabilidade fiscal, das redes de proteção social, do empenho democrático, da afirmação dos direitos humanos, dos mecanismos de cooperação com os nossos muitos vizinhos e de uma consistente ação multilateral econômica na política. Isso tudo vem conferindo adensada proeminência ao nosso país no cenário internacional. Nesse contexto pergunta-se: O empenho diplomático brasileiro de abrir espaço para o Irã, cujo processo de nuclearização suscita generalizadas inquietações, faz sentido?

Realço, em primeiro lugar, que não cabe evocar como justificativas da atual posição brasileira o que se passou no Iraque em 2003. Não cabe a analogia, pois não há semelhança relevante. O Iraque de Saddam Hussein não tinha armas nucleares graças aos controles da AIEA e à eficácia das prévias sanções autorizadas pelo Conselho de Segurança; não estava desestabilizando a região e o mundo; e a intervenção militar liderada pelos EUA foi feita unilateralmente, com uma justificativa falsa, criando novas tensões que ainda não encontraram adequado encaminhamento.

No momento atual o Irã está levando a uma difusa e significativa tensão internacional. Há uma percepção generalizada - e a percepção da realidade é um componente da realidade - de que o seu programa nuclear tem ameaçadores componentes militares e que pode, assim, induzir à nuclearização militar de outros países da vizinhança; desestabilizar o precário equilíbrio geopolítico do Oriente Médio; encorajar o terrorismo internacional; subverter os regimes políticos de países vizinhos; desencadear uma nova e complexa dinâmica entre xiitas e sunitas; e tornar mais difícil a paz entre palestinos e israelenses.

Daí a óbvia pergunta: seja do ponto de vista realista, seja do ponto de vista idealista, qual é a vantagem do Brasil em alinhar-se ao Irã e legitimar as ambiguidades da sua conduta? No meu entender, nenhuma, pois essa postura está descapitalizando a credibilidade brasileira na precária busca de um ilusório prestígio, fruto de um inconsequente protagonismo internacional.

Professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi Ministro das Relações Exteriores no governo FHC

Provável derrota no Reino Unido:: Luiz Carlos Bresser-Pereira



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Derrota de Gordon Brown para um político claramente menos preparado não é certa, mas infelizmente é provável


O Partido Conservador continua favorito nas eleições de 6 de maio no Reino Unido e, provavelmente, David Cameron será o novo primeiro-ministro britânico, embora sua vantagem sobre o Partido Trabalhista, de Gordon Brown, seja pequena. Comparados os dois programas, analistas chegam a duas conclusões: primeira, as diferenças são pequenas; segunda, nenhum dos dois partidos tem uma resposta clara sobre o que fazer com o deficit público do país, que neste ano será de 11% do PIB, e, mais amplamente, com a crise financeira.

Brown tem contra ele o desgaste de 16 anos de governo trabalhista; a desastrosa decisão de seu primeiro-ministro anterior, Tony Blair, de participar da Guerra do Iraque; e o fato de não haver conseguido dar uma resposta decidida à crise global, que atingiu principalmente seu país. Vale, entretanto, observar que, em meio à crise, Brown teve a coragem de aumentar impostos, enquanto os analistas de economia do país concordam que, do ponto de vista fiscal, a proposta de Cameron de reduzi-los não é viável.

O Partido Trabalhista é um partido social-democrata que, ao assumir o governo, em 1997 -em uma década em que a hegemonia ideológica neoliberal havia alcançado o pináculo devido ao colapso da União Soviética à época-, propôs-se a modernizar a social-democracia por meio da proposta de uma Terceira Via.

Na Europa, onde o centro político sempre esteve mais à esquerda do que no Reino Unido, a esquerda rejeitou a proposta, porque via nela um grau alto demais de concessão ou de compromisso com as ideias liberais. O fato, porém, é que a social democracia exigia um duplo "aggiornamento": dado o aumento da concorrência dos países de mão de obra barata, os países ricos e social-democratas precisavam, primeiro, transferir sua própria mão de obra para setores mais sofisticados do ponto de vista tecnológico, que exigem trabalhadores mais qualificados e pagam melhores salários; e, segundo, tornar mais eficiente a prestação dos grandes serviços públicos de caráter social -educação e cuidados de saúde principalmente- para poder pagar salários mais altos.

Blair e seu ministro das Finanças, Gordon Brown, compreenderam que esse era o problema fundamental e não hesitaram em enfrentá-lo. Tornaram mais flexíveis as leis trabalhistas, possibilitando a redução dos salários para tornar as empresas mais competitivas.

Compensaram esse prejuízo com o aumento da carga tributária para financiar os serviços sociais de saúde e educação ao mesmo tempo em que se dedicavam à reforma gerencial desses serviços para torná-los mais eficientes.

Os resultados dessa política foram positivos, mas necessariamente contraditórios. Enquanto o aumento do gasto social contribuía para diminuir a desigualdade, a flexibilização das leis de proteção ao trabalho levava ao aumento dessa desigualdade. Por outro lado, para garantir o papel central de Londres nas finanças globais, o governo neoliberal de Margaret Thatcher havia desregulado o mercado financeiro em 1986, e os trabalhistas nada fizeram para reverter essa medida irresponsável.

Em consequência, quando, em 2008, a crise financeira global se desencadeou, ela atingiu de maneira frontal o Reino Unido. Brown, que assumiu o governo à véspera da crise, em 2007, tomou medidas competentes e corajosas para enfrentá-la, mas essas medidas não foram suficientes para garantir sua reeleição. Sua derrota diante de um político claramente menos preparado não é certa, mas infelizmente é provável.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

É hora de enfrentar o Leviatã brasileiro::Paulo Guedes

DEU NA REVISTA ÉPOCA

Do ponto de vista político, é um apelo muito lúcido pela união dos oposicionistas, uma verdadeira carta aberta ao governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB. Um estadista entre nossos ex-presidentes vivos, Fernando Henrique Cardoso propõe uma aliança entre São Paulo e Minas Gerais, para impedir o ressurgimento do “autoritarismo burocrático com poder econômico e financeiro”. Trata-se de mais um episódio na disputa entre duas espécies semelhantes: tucanos e petistas.

Prisioneiros intelectuais de Gramsci, assistimos ao feroz embate entre PT e PSDB. Eles reproduzem na política o princípio evolucionário de Gause: espécies semelhantes se enfrentam numa guerra de extermínio pelo domínio de um mesmo nicho ecológico – no caso, o controle do aparelho de Estado. Ao longo de quatro mandatos, o próprio FHC havia admitido que a disputa entre ambos se limitava à tomada de poder, já que não mais havia entre eles discordâncias ideológicas, tendo convergido todos ao “pensamento único”.

Pois bem, está encerrada a celebração dessa convergência ao pensamento social-democrata, a ponto de o ex-presidente declarar estarmos diante de “duas candidaturas polares”, extremos opostos em decisivo combate pelos destinos da sociedade brasileira. “Pouco a pouco, o pensamento único esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade.

Estará em jogo a própria concepção do que seja a democracia”, adverte o ex-presidente. É compreensível o temor de FHC.

Há uma farta documentação histórica que registra a associação de enormes estruturas burocráticas de administração centralizada com regimes políticos degenerados. A tradição dirigista de centralização burocrática na França foi um eixo de transmissão do autoritarismo através dos tempos, com o despotismo dos reis, o terror jacobino e as guerras napoleônicas.

O mesmo fenômeno se desenrolou pela burocracia prussiana na Alemanha imperial de Bismarck, a social-democracia da República de Weimar e o capitalismo de Estado, com o Partido Nacional-Socialista de Hitler.

Acabou a convergência do pensamento social-democrata.

Agora há duas candidaturas “polares”

Mais do que um possível futuro da sociedade brasileira, a associação de grandes grupos de interesses corporativos com partidos políticos desidratados a serviço de uma ideologia nacional-estatizante é o nosso passado recente sob o regime militar. É natural que tucanos temam arbitrariedades desse Leviatã agora aparelhado pelos petistas. Da mesma forma que tucanos e petistas sentiram o peso dessa engrenagem quando a serviço dos militares.

“A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará a um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e umas grandes corporações se unem sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários”, alerta-nos o ex-presidente.

Sim, é verdade que “o capitalismo vem em diversos sabores, alguns muito melhores que outros”, nas palavras de George Akerlof, prêmio Nobel de Economia em 2001. O formidável desempenho da economia americana no século XX é atribuído ao “capitalismo dos empreendedores”. A modalidade é distinta da existente no Japão e na Europa continental, onde predominam grandes empresas auxiliadas por governos, de um lado, e pequenos varejistas e empresas familiares, de outro.

São também importantes duas novas modalidades em tempos de globalização. Uma é o “capitalismo dopado”, versão americana promovida por equívocos do Federal Reserve, o banco central americano, sob a presidência de Alan Greenspan e mantida por falta de alternativa pelo Fed de Ben Bernanke. Outra é o “capitalismo selvagem do século XXI”, versão chinesa promovida pelo Partido Comunista. O ex-presidente FHC denuncia o “capitalismo oligárquico”, variante bastarda bastante nociva em que uma pequena elite de políticos e empresários concentra o poder e as oportunidades lucrativas em suas mãos. Bem-vindo ao bom combate.

A recuperação da economia americana é real:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O " Wall Street Journal " realizou uma pesquisa entre 56 analistas sobre o comportamento da economia americana nos próximos 12 meses. As perguntas cobriram dez dos mais importantes indicadores. O que mais chama a atenção nos resultados obtidos é a diferença de expectativas em relação a várias questões. Por exemplo, 23 dos pesquisados afirmam que a inflação vai aumentar de forma importante, enquanto a outra metade aposta que a inflação vai se reduzir. Para alguns a força mais importante por trás da dinâmica de preços no futuro será o excesso de dinheiro injetado pelo FED na economia durante a crise de 2008. Já outros afirmam que a capacidade ociosa criada pela crise não permitirá a volta da inflação até 2011.

Mas essa divergência de opinião reduz-se radicalmente quando se trata do item crescimento econômico. A média das previsões aponta para um aumento de 3% do PIB em 2010, sendo que 2/3 dos que responderam a essa questão dizem ser possível que esse número seja - no final - superior às suas próprias previsões. São muito poucos os que ainda falam de uma eventual volta a uma situação de recessão, o chamado cenário de double dip.

Esse é um quadro bastante diverso do que prevalecia no final de 2009. Os últimos meses têm mostrado de forma muito clara que o cenário de catástrofe previsto pelos profetas do Apocalipse no auge da crise é coisa do passado. Mas ainda permanecem muitas dúvidas sobre como será a volta do crescimento econômico na maior economia do mundo. Por exemplo, os efeitos futuros do enorme esforço fiscal realizado pelo governo para sustentar a demanda nos momentos de pânico do setor privado não estão ainda claros. Afinal, o peso da dívida pública acumulada nos últimos dois anos não pode ser negligenciado.

Gostaria na coluna de hoje de refletir um pouco sobre como entender o que vem ocorrendo na economia americana, separando os verdadeiros problemas econômicos que ainda existem das simples angústias que uma lenta recuperação vem gerando. Para tanto vou trazer mais uma vez a imagem que sempre uso quando reflito sobre a dinâmica de uma economia de mercado. Para mim existe, em economias como a dos Estados Unidos, um processo metabólico que precisa ser entendido. Existe um ordenamento natural na evolução da conjuntura que precisa ser respeitado. Ao longo do tempo se desenvolve uma relação causal entre as mudanças que se sucedem, umas reforçando a dinâmica das outras.

Dou um exemplo simples que está hoje por trás da recuperação americana. Quando o governo interferiu na formação da demanda, principalmente pela expansão vigorosa dos gastos públicos e pela política de juros próximos de zero, o corte da produção de bens e serviços de um setor privado em pânico ficou maior do que a queda da demanda por seus produtos. Nessa situação tivemos uma queda desproporcional dos estoques das empresas, principalmente no setor industrial. No momento seguinte - e que continua até agora - ocorreu uma retomada voluntária da produção com o objetivo de reequilibrar novamente esses estoques. Nesse processo - ainda de forma frágil e sem muita convicção por parte das empresas - aconteceu um aumento das horas trabalhadas, dos salários pagos aos trabalhadores e, de maneira ainda tímida, do emprego. Esse comportamento fica muito claro quando se olha para a evolução da capacidade ociosa das empresas nos últimos seis meses.

Mas esse movimento ainda é olhado com muito ceticismo por parte da maioria dos analistas pois, dizem eles, uma vez reconstituído um nível adequado de estoques as empresas vão voltar ao ritmo anterior de produção e de emprego. E aqui está talvez o segundo maior erro de análise dos pessimistas e que não acreditam na imagem do metabolismo da economia.

Esse processo de reestocagem acaba criando uma série de outros movimentos de expansão dentro da economia e que podem levar o processo de recuperação adiante, mesmo depois das empresas terem estabilizado os níveis de seus estoques. Durante sua ocorrência mais salários foram pagos, mais fornecedores receberam encomendas, mais impostos foram recolhidos ao governo, e assim por diante. Já é possível notar-se que essa sequência de eventos positivos está chegando a outros setores da economia, inclusive na arrecadação fiscal de estados em profunda crise fiscal como a Califórnia. Esse é o encadeamento - que funciona nos ciclos de expansão e de contração - que chamo de metabolismo das economias de mercado e que forma o pensamento central do grande Keynes. Dada a severidade da contração agora ocorrida esse metabolismo de expansão vai precisar por mais tempo ainda dos estímulos externos providos pelo governo e FED.

Acontece que nas ultimas décadas, com o domínio dos chamados economistas quantitativistas, essa forma de se pensar a economia caiu em desuso e foi jogada na caixa dos pensamentos exóticos. Agora, com seu pouco uso e conhecimento, essa postura analítica faz falta e uma perplexidade mórbida sobre a capacidade de uma economia de mercado como a americana se recuperar parece dominar a todos. Posso dizer ao leitor que me sinto muito confortável ao escrever sobre isso pois nunca deixei de olhar as economias de mercado sob esse prima. O crescimento econômico nos Estados Unidos vai continuar nos próximos meses e em 2011 e o cenário de catástrofe previsto por tantos passará a ser apenas um capítulo menor da história econômica. Teremos então que enfrentar a questão do reequilíbrio das finanças do governo - nos Estados Unidos e em outros países do mundo desenvolvido - mas em uma condição de crescimento estabilizado e de prazo longo. Mas então será bem mais fácil lidar com essas questões.

Quero encerrar este nosso encontro fazendo referência ao que me parece ter sido o maior erro de análise dos pregadores do caos que apareceram na mídia depois da quebra do banco Lehman Brothers. Ele tem duas componentes principais: a primeira foi a eficácia do receituário keynesiano para lidar com depressão econômica; a segunda foi prever que o pânico que tomou conta das empresas se estenderia também ao consumidor americano. Este se mostrou muito mais racional do que os mercados e as direções corporativas americanas.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

JOSÉ - Carlos Drummond de Andrade


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?