segunda-feira, 3 de maio de 2010

Reflexão do dia - Fernando Henrique Cardoso

Infelizmente, nem em todas as áreas é assim. Sob pretexto de combater o neoliberalismo, joga-se no mesmo balaio toda política que não seja de idolatria ao "capitalismo de Estado", como se essa fosse a melhor maneira de servir ao interesse nacional e popular. Tal atitude revela um horror à forma liberal de capitalismo e à competição. Prefere-se substituir as empresas por repartições públicas e manter por trás delas um partido. No lugar do empresário ou da empresa a quem se poderia responsabilizar por seus atos e erros, coloca-se a burocracia como agente principal do desenvolvimento econômico, tendo o Estado como escudo. Supõe-se que Estado e povo, partido e povo, ou mesmo burocracia e povo têm interesses coincidentes. Outra coisa não faziam os partidos totalitários na Europa, os populistas na América Latina e as ditaduras militares.


(Fernando Henrique Cardoso, no artigo,
Construir sem demagogia , publicado, ontem, em vários jornais)

Direito, democracia e república:: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A presença do Direito e de suas instituições na vida social e política contemporânea consiste em uma marca que, independente de juízo de valor quanto ao fato, se impõe ao observador. A bibliografia sobre o assunto é abundante e não para de crescer, girando, em boa parte, em torno da controversa questão que trata da chamada judicialização da política e das relações sociais. No Brasil, quando da sua recente despedida da presidência do Supremo Tribunal Federal, o juiz Gilmar Mendes, apresentando, em tom alarmado, estatísticas sobre a expansão da litigação no país - hoje, em torno de 80 milhões de ações em andamento - avançou o diagnóstico de que "a sociedade brasileira se tornou dependente do Judiciário". A ressalva a ser feita é a de que tal fenômeno não nos é singular, pois afeta, em maior ou menor medida, as sociedades ocidentais desenvolvidas. Antoine Garapon, reputado especialista francês no assunto, fixou em termos lapidares a natureza desse processo ao escrever que o Judiciário se teria tornado um moderno muro das lamentações.

A avaliação crítica desse fato, deplorado por uns como um sintoma de patologia da política contemporânea, visto como um sinal de vitalidade da democracia por outros, tem, no entanto, um registro comum: a invasão da vida social pelo Direito seria uma resposta ao esvaziamento da república, dos seus ideais e instituições, muito especialmente a partir dos anos 1970, quando a emergência triunfante do neoliberalismo, com suas concepções de um mercado autorregulado, importou o derruimento da arquitetura do Estado de Bem-Estar Social.

Esse tipo de Estado - não importam, aqui, considerações sobre o seu anacronismo na realidade de hoje -, em razão da sua forma específica, estava sustentado na organização política e sindical das diferentes partes da sociedade, cada qual identificada com seus interesses e projetos de uma vida boa, tal como expressos em seus partidos e sindicatos. O parlamento era uma de suas arenas, e, outra, não menos relevante, a das suas corporações e das disputas entre elas realizadas no interior do Estado e sob sua arbitragem, daí devendo resultar um "capitalismo organizado" orientado para o bem comum. Nesse sentido, o "Welfare State" foi republicano e se assentou sobre as suas principais instituições.

A imposição do neoliberalismo provocou a diluição das formas de solidariedade social que, de algum modo, o "Welfare" induzia, levando a uma intensa fragmentação da vida social, à desregulamentação de direitos, ao esvaziamento de partidos e sindicatos, que, ao lado de outros processos societais relevantes, foram fatores decisivos para que o Judiciário viesse a se converter em um novo lugar não só para a defesa de direitos, como também para sua aquisição.

O próprio legislador, consciente do quanto a sociedade se tinha tornado vulnerável diante do Estado e das empresas, vai fortalecer esse movimento a fim de lhe fornecer recursos de defesa, dando partida, assim, ao que se denominou a revolução processual do Direito, cujo marco mais representativo foi a criação da ação civil pública e, mais à frente, a institucionalização de códigos do consumidor, passando a admitir ações por parte de entes coletivos. No caso, uma das intenções implícitas do legislador foi a de tentar reanimar a vida republicana em cenários alternativos aos da representação política. Nesse novo registro, a república passa a ser tensionada por pressões de sentido democratizador que visam a conquista de novos direitos - o da infância, o da mulher, o do deficiente físico, o da cidade, o do ambiente, etc -, que são postos sob a tutela do poder judicial.

O caso brasileiro se alinha a essas tendências que mantêm sob tensão as relações entre república e democracia, mas certamente é singular. Em primeiro lugar, porque a república, aqui, nasce sem participação popular, filha que é da elite oligárquica de senhores de terras, refratária, ao longo de três décadas à incorporação dos seres sociais que emergiam do mundo urbano-industrial. A incorporação deles começa com a Revolução de 1930, quando se cria um sistema de direitos sociais em favor dos assalariados urbanos - não extensivo aos trabalhadores do campo -, mas que, em contrapartida, suprime a autonomia das suas associações e as põe sob tutela estatal .

Vale dizer, a república se "amplia", mas não se democratiza, persistindo como assunto de poucos.

A democratização da vida social é fato recente entre nós, e segue seu curso de modo cada vez mais intenso. Contudo, o problema agora se inverte: se temos democracia, estamos longe da república. Não há república sem vida ativa da cidadania na esfera de uma livre sociedade civil, protegida das políticas de cooptação do Estado e do poder do dinheiro. O constituinte de 1988 foi um bom intérprete da nossa realidade político-social ao dotar a sociedade de meios, inclusive judiciais, para a defesa da sua república, entre os quais o ministério público e a justiça eleitoral. O legislador não menos, quando criou a lei de Responsabilidade Fiscal.

A democracia de massas não pode abdicar da república, uma vez que, sem ela, é presa fácil para intervenções messiânicas, quando a decisão de um pode se justificar em nome do interesse geral de que ele seria o intérprete privilegiado. As eleições que se avizinham, mais uma vez, vão confrontar programas dos candidatos em torno de questões substantivas de relevância indiscutível, como educação, saúde, emprego e renda, mas a eles não pode faltar mais, como nas eleições anteriores, o tema da república e da auto-organização da cidadania. Já são décadas de modernização, chegou a hora do moderno.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iuperj. Escreve às segundas-feiras.

Protesto e festa no 1º de Maio:: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Houve muito protesto e pancadaria no 1º de Maio grego. Manifestantes e policiais se enfrentaram em batalhas campais em Atenas, a capital, e em Tessalônica, norte do país. Jovens apedrejaram bancos e lojas. Carros e caixas eletrônicos foram destruídos. A polícia reagiu com bombas e gás lacrimogêneo. Baixou o cassetete nos descendentes de Sócrates.

As imagens exibidas pela TV eram fortes, mas a Grécia, que vive à beira de um colapso econômico, esteve longe de ser um caso isolado de insatisfação. Na Espanha, onde a taxa de desemprego superou os 20%, milhares de pessoas protestaram contra as políticas do governo.

Na França, os sindicatos ocuparam as ruas para fazer barulho contra a reforma do sistema previdenciário. Na Alemanha, a polícia teve que usar a força e prender muita gente para evitar cenas já tradicionais de confronto entre manifestantes de esquerda e neonazistas.

Houve protestos em Portugal, na Áustria, na Suíça. O Dia do Trabalhador na Europa foi marcado pela reação aos efeitos da crise econômica. Apesar de tudo, ainda são sociedades organizadas. Em geral, o governo está de um lado e os manifestantes estão do outro.

O contraste com o Brasil não poderia ser maior. Aqui, a festa das centrais sindicais, todas a favor do governo, contou com o apoio financeiro de empresas estatais. Não houve protestos.

Foi só alegria.

Quem desafia a lei no 1º de Maio brasileiro é o presidente da República. A oposição esperneia, mas no fundo ninguém liga. A infração cordial da norma é a nossa verdadeira ordem. E o que atraí a multidão aos palcos do peleguismo não é a pregação político-eleitoral, mas o ambiente de auditório. A massa vibra com o sorteio de carros e se esbalda ouvindo KLB, Lincon & Luan...

Com seu carisma, pulando de evento em evento, Lula parece ser uma espécie de Getúlio pós-moderno. Brinca de inflamar as plateias, mas no fundo celebra a comunhão nacional de um país cujos conflitos só ele sabe anestesiar.

Pobre Dilma!:: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

"Não vou atacar Lula. Não ataquei nem quando ele não tinha toda essa popularidade"

(José Serra , o lulista número um )

Dilma Rousseff apanhou feio ao visitar Minas Gerais e acenar com a possibilidade de os eleitores ali votarem nela para presidente da República e em Antônio Anastasia, o vice de Aécio Neves (PSDB) que assumiu o governo do Estado e é candidato à reeleição. A seu modo meio sem graça sugeriu o voto “Dilmásia”, que mais parece nome de remédio.

Alto lá, esperneou o senador Hélio Costa, aspirante a candidato do PMDB à sucessão de Aécio, que conta com o apoio do PT para ganhar. A ser assim, ele não se importaria com o voto do PMDB mineiro em seu nome e no nome de Serra. A suposta derrapada de Dilma produziu um barulho danado. Que coisa feia! E logo onde o PT aposta na falta de entusiasmo do PSDB pela candidatura de Serra.

Curioso. Anastasia não foi sequer censurado ao dizer outro dia “que não haverá retaliação” contra prefeitos aliados do PSDB que preferirem apoiar Dilma a José Serra. Justificou-se: “Veja bem, a política em Minas Gerais é uma política feita sempre com base no entendimento e no convencimento com as ideias”. Sei como é... Minas é diferente de outros Estados. Sei...

Dilma ainda representará uma perspectiva de poder por mais que se torne favorita tão logo Lula ponha a cara na TV e peça votos para ela. Anastasia, não. Está no poder há quase oito anos. Jamais foi um vice decorativo. Se ela errou do ponto de vista dos que zelam pela pureza da política, convenhamos: ele errou tanto ou mais. E não apanhou por causa isso.

Na vida real os dois não erraram. Por acaso Aécio recusou o apoio dos mineiros que votaram duas vezes nele para governador e duas vezes em Lula? Serra recusará o apoio dos cearenses que pretendam votar nele e no governador Cid Gomes (PSB), candidato à reeleição e aliado de Dilma? Voto não tem cheiro. E coerência na política é um produto escasso em jovens democracias.

Ganha eleição quem erra menos. Dilma está em fase de intenso treinamento. Sente falta do padrinho ao seu lado. E da bem azeitada estrutura do Palácio do Planalto que a amparava nos apertos. Sua equipe de campanha mal foi montada – ou foi montada mal. Há muito bate-cabeça, fora a luta surda para ver quem influencia mais a candidata. Isso passa, gente! Ou piora.

O período mais difícil para os pré-candidatos é mesmo esse que se arrasta entre a data de uma eventual renúncia a cargo executivo e o início da campanha no rádio e na televisão em meados de agosto. De fato, eles não têm muito que fazer por enquanto – salvo a montagem de palanques e a produção de fatos capazes de alimentar o apetite dos jornalistas. E é aqui, na maioria das vezes, que mora o perigo.

Foi infeliz o uso de uma foto da atriz Norma Bengell no meio de uma galeria de fotos de Dilma. Pior: ao invés de se desculparem pelo erro, seus responsáveis o atribuíram à visão equivocada das pessoas. Quer dizer: não foram eles que erraram ao engendrar uma farsa boba. Fomos nós ao detectar o que deveria ter passado despercebido. O episódio “Dilma Bengell” acabou virando piada.

Todas as mancadas da candidata e de sua equipe serão relegadas a um passado distante quando Lula entrar em campo. Serra leva a vantagem de ter disputado várias eleições. Essa é a primeira de Dilma. Lula perdeu três eleições presidenciais para conseguir vencer a quarta. A primeira para ele mesmo. A segunda e a terceira para o Plano Real, que manietou a inflação. A propósito: segura, peão, do contrário ela volta!

Entre outras razões, Lula está tentando impor Dilma ao País para sentir o gostinho de na prática disputar sua quinta eleição. É fissurado em eleição. De 1950 para cá somente um presidente fez seu sucessor – o general Ernesto Geisel, que ungiu o general João Figueiredo, aquele do “prendo e arrebento”. Não prendeu os colegas contrários à abertura política. Saiu do Palácio do Planalto pelas portas do fundo. Um desastrado! Vença quem vencer não há desastre à vista.

Serra e Aécio convocam jovens

DEU NO ZERO HORA

Tendo como mote o término do prazo para que novos eleitores se cadastrem e possam votar em outubro, o PSDB lançou a campanha “Vota 16!”, voltada para os jovens.

No canal “amigosdoserra” no portal YouTube, foram postados três vídeos, um com José Serra, pré-candidato do partido à Presidência, outro com Aécio Neves, ex-governador de Minas, e um terceiro em que as falas dos dois foram juntadas.

Para quem tem 16 e 17 anos, o voto é facultativo.

Jarbas antecipa anúncio de decisão para a quinta

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Senador deve antecipar em um dia o anúncio se aceita ou não ser candidato ao governo do Estado para evitar a “concorrência” com o presidente Lula, que na sexta-feira participará de evento em Suape

O fim do mistério em torno da disposição do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) em disputar pela quarta vez o governo do Estado tende a ser antecipado em um dia. O peemedebista havia remarcado a data para a próxima sexta-feira (7), mas para que não coincida com a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pernambuco para o lançamento do primeiro navio ao mar pelo Estaleiro Atlântico Sul, no Porto de Suape, planeja agora fazer o anúncio na quinta-feira (6).
A antecipação em um dia pode parecer pouco, mas para os oposicionistas no Estado, principalmente os pré-candidatos, serão 24 horas a menos de angústia e curiosidade.

O senador viaja hoje para Brasília e retorna na quarta-feira, dia da final do Campeonato Pernambucano entre Sport e Náutico. Rubro-negro, ele vai assistir ao jogo na Ilha do Retiro. Por isso, pessoas próximas ao senador que admitem a possibilidade de antecedência apontam a quinta-feira como o dia mais provável. “Quanto mais cedo, melhor. Já que chegamos a esse nível de indefinição, todos aprovariam que a decisão fosse antecipada”, disse um parlamentar da oposição, em reserva, que prefere não opinar se o senador será ou não candidato. “Não faço a mínima ideia. O que sei é que ele não comentou nem com as pessoas mais próximas”.

Para os oposicionistas, as declarações mais recentes do senador Sérgio Guerra (PSDB) – outro que vive um dilema sobre ser candidato à reeleição numa disputa acirrada ou garantir uma cadeira na Câmara dos Deputados com mais facilidade – apontam para um Jarbas candidato.
“Jarbas decidiu ajudar José Serra (à Presidência da República) e está sinceramente empenhado nisso, de forma real e concreta”, disse o tucano ao jornal O Estado de S.Paulo, no sábado (1º). De acordo com a reportagem, o peemedebista teria sido convencido a concorrer ao ouvir de Serra, num encontro no dia 20 de abril, que sua candidatura era “fundamental” para o projeto de derrotar a petista Dilma Roussef.

Guerra vem sendo pressionado a concorrer ao Senado, sob pena de fragilizar ainda mais a oposição. Para evitar tal avaliação, demonstrou sintonia com Jarbas. “Combinei com Jarbas que não tomaria nenhuma decisão que não fosse nossa, minha e dele (...) Muitas questões precisam ser resolvidas e ambos estamos dispostos a encarar essas questões”, disse, na mesma matéria.
Nos bastidores, uma das exigências do peemedebista para enfrentar o governador Eduardo Campos (PSB) é a presença de Guerra e do senador Marco Maciel (DEM) completando a chapa majoritária.

Serra e Dilma são esperados em encontro de ruralistas em Uberaba

DEU EM O GLOBO

Abertura de evento deve se transformar em ato contra os sem terra

Jailton de Carvalho

UBERABA (MG). Os pré-candidatos à Presidência da República José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) vão fazer hoje um teste de popularidade entre grandes criadores de gado, um dos segmentos mais organizados do eleitorado nacional. Os dois devem participar da abertura da 76ª ExpoZebu, em Uberaba, uma das principais passarelas do mundo rural brasileiro.

O presidente da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), José Olavo, não declara voto, mas a festa de abertura da feira pode se transformar num ato contra o Movimento dos Sem Terra (MST). A pedido de Olavo, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) entregará a Serra e a Dilma uma lista de reivindicações dos produtores e, entre elas, está o pedido de mais firmeza do governo federal contra o que chamam de "insegurança jurídica no campo".

Olavo elogia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas entende que nenhum teve força suficiente para conter invasões patrocinadas pelo MST. Ele reclama especialmente da versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, lançado pelo governo federal em 2009:

- É uma barbaridade. O direito de propriedade é sagrado. Se alguém entra na sua casa, você primeiro terá que dialogar e, só depois, pedir à Justiça para tirar. Não faz sentido. Esse plano poderia ter sido melhor.

Na exposição, a ABCZ fará uma homenagem ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. O ministro caiu nas graças dos produtores rurais pelas críticas que fez às invasões de terra do MST, em São Paulo, e à suposta leniência do governo federal em lidar com a questão.

Os fazendeiros também vão fazer duras críticas ao Código Florestal. Para eles, o conceito de reserva legal do código tem sido uma trava ao desenvolvimento da agropecuária. Os produtores reivindicam redução do percentual de reserva legal obrigatória, sobretudo nas áreas de terras mais férteis.

- Não podemos deixar terras mais férteis, como aquelas de Ribeirão Preto, paradas. Também não se pode desmatar na Amazônia. O percentual de reserva legal teria que ser refeito - disse Olavo.

1º de Maio: PSDB prepara ação contra Lula

DEU EM O GLOBO

Tucanos criticam uso de verba púbica

Luiza Damé e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Depois de acompanhar os eventos das centrais sindicais no Dia do Trabalho, patrocinados com dinheiro público, a assessoria jurídica do PSDB prepara mais uma representação contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desta vez, além de campanha eleitoral antecipada, o PSDB vai argumentar que houve uso de recursos públicos. A nova ação deverá ser protocolada nesta segunda-feira, junto com uma outra questionando o uso eleitoral do pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV convocado por Lula na última quinta-feira.

- Estamos de novo chocados. Após ser multado duas vezes, agora ainda há o agravante do patrocínio com dinheiro público. O dinheiro público não aguenta mais desaforos - disse Ricardo Penteado, advogado do PSDB.

Para o presidente nacional do partido, senador Sérgio Guerra (PE), o governo tem ignorado a legislação eleitoral recorrentemente e "sem cerimônia":

- Todos têm a convicção de que o limite da lei deve ser respeitado. Se a seis meses da eleição já fazem isso, imagine até onde podem chegar.

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que as ações da oposição não vão impedir Lula de participar da campanha. Mas afirmou que Lula respeitará a legislação:

- Essas ações não vão calar o presidente Lula e não vão impedi-lo de participar do processo eleitoral, respeitando as leis.

Padilha afirmou estranhar as críticas serem à participação do presidente nos atos das centrais, mas nunca à sua presença em eventos de empresários:

- Poucos presidentes teriam coragem de ir a um ato das centrais. O presidente foi, e foi também a eventos de empresários, inclusive de meios de comunicação, independentemente de terem ou não patrocínio oficial.

Na opinião do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), está na hora de o Ministério Público agir também:

- Mais uma vez estamos assistindo ao uso do dinheiro público para promover a pré-campanha de Dilma.

Governo reage e oposição faz coro com FH

DEU EM O GLOBO

ELEIÇÕES 2010: Em artigo, ex-presidente diz que petistas usufruem das conquistas tucanas e não dão crédito

Segundo o ministro Alexandre Padilha, tucanos ainda não digeriram o bom desempenho de Lula: "É difícil ver o sucesso"

Luiza Damé e Geralda Doca

BRASÍLIA. As críticas ao governo Lula, feitas em artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado ontem no GLOBO, acenderam a discussão entre oposição e governo. O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o artigo - no qual FH acusa a administração petista de usufruir de conquistas da gestão tucana - demonstra que a oposição ainda não digeriu o bom desempenho do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo Padilha, depois de criticar ações do governo, como a ampliação do Bolsa Família e a vinculação do aumento do salário mínimo à variação do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), agora a oposição reconhece essas medidas.

- É muito difícil para o Fernando Henrique, que é convencido de que seu governo foi muito bom, ver o governo Lula fazendo sucesso - disse Padilha.

Os aliados fizeram coro com FH, para quem o PT surfa no capitalismo implementado por ele no país, a despeito das críticas esbravejadas no passado.

- Eles (Lula e o PT) estão há oito anos e nada mudaram. Tentaram devolver para a estrutura política as agências reguladoras, que são estruturas de Estado. Fazem o discurso do Estado que trabalha para a sociedade e pregam em nós a pecha de Estado mínimo - afirmou o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

O líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), disse que o texto de Fernando Henrique deveria ser intitulado "a farsa do PT passada a limpo":

- O PT usufruiu de um modelo que ele mesmo renega. Com argumentos de qualidade e fatos recentes, o artigo de Fernando Henrique deixa o PT nu. Eles também são privatizadores, porque se aproveitaram dos resultados das privatizações.

Para o economista da USP Joaquim Elói Cirne de Toledo, as diferenças entre os dois últimos governos são muito maiores no discurso do que na prática. Ele destacou que as partes vão trocando de posição de acordo com a conveniência do momento. Por exemplo, lembrou, o PT foi contra as privatizações, mas fez o mesmo com as rodovias.

Ricardo Antunes: "Lula levou getulismo ao extremo"

DEU NO VALOR ECONÔMICO

João Villaverde, de São Paulo

O repasse de R$ 146,5 milhões do governo à seis centrais sindicais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, desde 2008, completou o ciclo de sujeição do sindicalismo ao Estado, iniciado por Getúlio Vargas. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que termina em dezembro após oito anos, levou o getulismo ao "limite extremo". Essa é a avaliação de Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho da Unicamp. Para Antunes, os trabalhadores sindicalizados perderam uma oportunidade "monumental" de elevar ganhos reais e fortalecer sindicatos e representação social.

O pesquisador avalia que não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar se o repasse é constitucional ou não, por entender que trata-se de uma questão política. "É o Estado transferindo recursos às centrais. O erro está em os sindicalistas aceitarem", diz. Para ele, é simbólico que a ação impetrada no STF contra o repasse do imposto sindical tenha sido feita pelo DEM.

Abaixo, os principais trechos da entrevista de Antunes ao Valor:

Valor: As centrais advogam que o repasse do imposto sindical serviu para "reconhecê-las" como integrantes do movimento. Qual o impacto desse repasse?

Ricardo Antunes: O imposto sindical foi criado na primeira fase do governo Getúlio Vargas [em 1934, antes da ditadura do Estado Novo], como instrumento de controle dos sindicatos. Até a chegada de Getúlio ao poder, os sindicatos tinham autonomia, tanto política quanto financeira, dependendo exclusivamente dos associados. O varguismo criou o imposto não para beneficiar os sindicatos, mas para estabelecer uma linha direta com eles. Os sindicatos passam a depender do Estado, perdendo a autonomia e a capacidade de convencer seus associados de que é preciso se manter com recursos próprios. Ao ficar prisioneiro do imposto sindical, o caminho de servidão ao Estado se realizou com sindicatos, federações e confederações. O mais grave dos últimos dois anos é que o repasse foi estendido às centrais.

Valor: As celebrações do 1º de maio das centrais tiveram participação de Lula e de sua candidata. Foi a primeira vez que isso ocorreu. O imposto sindical atrelou as centrais ao Estado?

Antunes: Dos anos 1940 até 2008, nenhuma central dependeu do imposto sindical. Mais que isso: as centrais não pediram alvará do governo para existir, elas simplesmente foram fundadas. As festas do 1º de maio se converteram em pão e circo. Nos anos 80 e parte da década de 1990, a CUT promovia atos majestosos, sem imposto sindical e com massas que participavam e se sentiam reconhecidas pela luta no trabalho. Hoje é tudo festa. Há sorteios de automóveis e apartamentos, shows de cantores populares. As centrais se tornaram protagonistas deste pão e circo, financiadas pelo Estado.

Valor: A votação pelo fim do repasse às centrais está empatada no Supremo. O sr. antevê o resultado?

Antunes: Não cabe ao Supremo dizer se o repasse fere ou não a Constituição, que originalmente não previa a repartição às centrais. Esta é uma questão política. Tanto é que quem entrou com pedido contra o repasse foi o DEM. É o Estado transferindo recursos às centrais. O erro está no fato de sindicalistas aceitarem. Sou contra o imposto sindical, mas não é este o papel do STF. Me parece óbvio se tratar de uma questão política, não constitucional.

Valor: Qual é o balanço do governo de Lula na questão sindical?

Antunes: O lulismo recuperou o getulismo sindical e o levou ao limite extremo. Lula completou o processo de sujeição dos sindicatos ao Estado, iniciado por Getúlio. Faltava as centrais para fechar a estatização. Os trabalhadores perderam uma oportunidade monumental de conseguir ganhos e de ampliarem sua representação social. Os ganhos são de pequena monta, e mesmo assim ocorrem por um preço alto, de servidão ao Estado. Não vejo, nas centrais que recebem dinheiro do governo, nenhuma possibilidade de florescimento do novo. Elas, eventualmente, apoiam greves de sindicatos filiados. Mas não fazem por ideologia ou por luta sindical, mas porque, se não fizerem, alguma outra o fará e, com isso, atrairá aquele sindicato. Como a representação conta para ganhar fatia maior do imposto, as centrais esforçam-se para manter e ampliar a base de filiados. É uma luta por dinheiro, não sindical.

Valor: Esta "servidão" ao Estado vai se perpetuar no pós-Lula?

Antunes: Se Geraldo Alckmin (PSDB) tivesse sido eleito em 2006, o repasse do imposto sindical certamente não teria passado. Seria um governo pior para os trabalhadores, certamente, mas, com isso, provocaria um movimento contrário muito forte no movimento sindical. O sindicalismo se desorganizou nos últimos vinte anos, aliando-se ao poder e se tornando pelego. A hora de recomeçar é agora e o primeiro passo seria se desvincular do Estado para recuperar autonomia.

PT mineiro ignora apelo de Lula, faz prévias e atrapalha palanque de Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Eduardo Kattah de Belo Horizonte, Vera Rosa de Brasília

Dispostos a adiar ao máximo a definição do candidato da base aliada ao governo de Minas, o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, e o ex-ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias, disputaram ontem uma prévia no PT e endureceram o tom contra o PMDB. Patrus criticou a política da "moeda de troca" e Pimentel rejeitou "ultimatos".

O novo enfrentamento irritou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Contrariado, Lula mandou avisar os dois de que quer o impasse resolvido até o fim deste mês. Para ele, a "novela" em Minas já começa a atrapalhar a campanha da petista Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto.

A prévia foi convocada pelo PT para a escolha do candidato ao Palácio da Liberdade. Para garantir o apoio do PMDB a Dilma, porém, Lula concordou em ceder à principal reivindicação do partido, que pede a cabeça da chapa para o senador Hélio Costa. Na composição desejada pelo Planalto, o PT fica com uma vaga ao Senado, além da vice.

"Na história do Brasil e do PT, Minas Gerais nunca foi tratada como moeda de troca", desafiou Patrus, que largou na frente. Na primeira apuração parcial dos votos, contabilizadas as urnas de 97 dos 605 municípios, Patrus liderava a consulta com 51,60% (3.026 votos). Pimentel tinha 48,40% (2.835 votos).

O esforço do Planalto para o acordo em Minas tem fator adicional: trata-se do segundo colégio eleitoral do País, hoje administrado pelo PSDB. Detalhe: o candidato do PSDB, José Serra, está bem à frente de Dilma na região Sudeste.

Amigo de Dilma e um dos principais coordenadores de sua campanha, Pimentel disse não haver motivos para preocupação e garantiu que a petista terá "palanque único" no Estado.

Lula já deu sinal verde para o Diretório Nacional do PT intervir na seção mineira, caso o partido não se entenda com Costa. Quer solução rápida porque o PMDB promoverá um megaencontro no próximo dia 15 para anunciar o aval a Dilma e apresentar o presidente da Câmara, Michel Temer (SP), como vice da chapa. O governo está de olho no tempo de TV do PMDB.

"O meu querido amigo Hélio Costa não tem condições de dar ultimato ao PT", provocou Pimentel. "Ele sabe que não pode fazer isso e não o fará."

O nome do vencedor da prévia sairá hoje, mas terá de passar pelo crivo do encontro estadual do PT, de 21 a 23 deste mês. A ideia, porém, é ganhar tempo e empurrar a definição do candidato até junho para cansar o PMDB e fazer o partido desistir do plano de eleger Costa à cadeira ocupada por Antonio Anastasia (PSDB).

"Fixar prazo, em política, empobrece a discussão", insistiu Pimentel. "O prazo legal de registro da chapa é 3 de julho."

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, não escondeu o desconforto do governo com o impasse. "A nossa expectativa é de que o PT de Minas encerre logo essa disputa e sente com os aliados para que possamos montar o palanque único e começar a campanha da Dilma no Estado", afirmou Padilha. "Não existe candidato que saia sozinho." Pelos cálculos do PT mineiro, o quórum da prévia foi baixo: dos 108 mil filiados aptos a votar, o comparecimento às urnas não ultrapassou 30 mil.

Sinal amarelo nos Estados

Outros problemas para os petistas

Maranhão

Lula entrou em campo para obrigar o PT do Maranhão a apoiar a candidatura da governadora Roseana Sarney (PMDB). Antigo adversário da família Sarney, o PT decidiu se aliar ao deputado Flávio Dino (PC do B). Mas uma ala do partido, com cargos na equipe de Roseana, promete rever a decisão.

Pará

Para apoiar a reeleição da governadora Ana Júlia Carepa (PT), o deputado Jader Barbalho (PMDB) quer reconquistar cargos estratégicos. Em rota de colisão com Ana Julia, Jader flerta com os tucanos e ameaça lançar seu sobrinho, José Priante, ao governo, garantindo um lugar na chapa para o Senado.

Rio

Candidato a um segundo mandato, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), prometeu aval a Dilma, mas não admite que ela pise no palanque de seu adversário, Anthony Garotinho (PR). O PT não sabe como administrar o problema, pois Garotinho também espera retribuição por aderir à campanha de Dilma.

Paraná

O PT pode perder o apoio do senador Osmar Dias (PDT), candidato ao governo. Ele está aborrecido com a insistência do PT em lançar Gleise Hoffmann ao Senado porque quer que ela seja vice na chapa. Alega que o PT está atrapalhando as negociações com o PP e flerta com o PSDB de Beto Richa.

Rio Grande do Sul

O PMDB está em cima do muro. O ex-prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, não declarou apoio ao tucano José Serra, nem fechou com Dilma. A base aliada está dividida: o PT lançou Tarso Genro, o PSB apresentou Beto Albuquerque e o PP ameaça fechar aliança com a governadora Yeda Crusius (PSDB).

Bahia

São cada vez mais fortes as estocadas entre o governador Jaques Wagner (PT), candidato à reeleição, e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB). Os partidos governistas estão divididos e o PR aderiu a Geddel.

Saída de Ciro põe irmão em saia justa no Ceará

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cid Gomes terá de escolher entre apoio do PT, que tirou deputado da corrida presidencial, e o de Tasso Jereissati

Carmen Pompeu

FORTALEZA - Após descarte pelo PSB nacional da pré-candidatura do deputado Ciro Gomes à Presidência, as alianças dominam o debate no Estado. Irmão de Ciro, o governador Cid Gomes, candidato à reeleição, está diante de uma "escolha de Sofia": fechar aliança com o PT, que forçou a saída de Ciro, ou com o velho aliado, mas adversário de Lula, o senador tucano Tasso Jereissati.

Tasso acredita que somente no final deste mês haverá uma definição. Na sua avaliação, o impacto causado pela saída de Ciro Gomes da corrida presidencial "foi muito grande" e deixou "um vazio" no Ceará. "A gente tinha de deixar a poeira baixar para conversar agora", diz.

O PSDB cearense não sabe se deve apoiar, mesmo que informalmente, a reeleição de Cid ou lançar candidato próprio ao governo. O certo é que com o amigo Ciro fora do jogo, ficará mais fácil para Tasso fazer o que não fez em 2002: entrar de corpo e alma na campanha para eleger Serra presidente.

Naquele ano, os tucanos cearenses ficaram divididos entre Ciro, cuja raiz política é a mesma de Tasso, e Serra. O próprio Tasso foi acusado de fazer corpo mole e lavar as mãos diante da candidatura Serra por ter sido ele próprio preterido pelos tucanos.

Desta vez, Tasso mostra-se disposto a batalhar pelo candidato a presidente de seu partido, assim como fez com Geraldo Alckmin nas eleições passadas. "O palanque do Serra no Ceará sou eu. Sou candidato a senador. Vou rodar o Estado inteiro, seja qual for a aliança que vou ter. Aonde eu for, vou pedindo e fazendo campanha para o Serra", garante Tasso.

Ex-mulher de Ciro, a senadora Patrícia Saboya (PDT) também demonstra o desejo de montar com Tasso um palanque independente, sem candidato a governador, repetindo a dobradinha que os elegeu em 2002. Ela acredita na formação desse palanque independente, que apoie a reeleição de Cid, mas não a petista Dilma Rousseff. Para isso, terá de esperar qual rumo o PDT tomará nacionalmente.

"Rasteira". O deputado estadual Ivo Gomes, caçula de Cid e Ciro, não esconde a mágoa deixada na família com a decisão do PSB. Para ele, Ciro "levou uma rasteira", mas não será vingativo nem apoiará Serra. "Ciro seguirá a orientação do PSB nacional."

Ex-chefe de gabinete do irmão governador, Ivo é o articulador político dos Gomes. Com relação às alianças que a família pretende fazer para reeleger Cid, ele diz que vai aguardar o anúncio oficial de apoio do PSB à pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff.

Ivo critica o que chama de monopólio da região sudeste - leia-se PT e PSDB de São Paulo - nas decisões políticas nacionais. E diz esperar que a pré-candidata do PV, Marina Silva, cumpra o papel de evitar que a campanha presidencial não seja "burra". Papel este, diz, que seria de Ciro.

Outro obstáculo à aliança de Cid com o PT, que o elegeu em 2006, são divergências com a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, presidente do PT cearense. O partido quer duas vagas ao Senado, além de indicar o vice. Os Gomes também não engoliram o fato de Luizianne ter levado Dilma a Fortaleza, nos dia 12 e 13, sem avisá-los. Apesar de tudo isso, há entre petistas quem ainda acredite que a saída de Ciro reunirá PSB e PT na disputa pelo governo estadual.

O nível da taxa de juros:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em geral, e, em particular, no momento atual, o Banco Central tem mudado a taxa de juros no momento certo

COMO SE esperava, depois de haver mantido a taxa de juros estável por um bom tempo, o Banco Central a aumentou na última quarta-feira. Respondeu, assim, ao evidente aquecimento da demanda interna. Pode-se, portanto, concluir que o Banco Central agiu corretamente?

Não é essa a política que se espera de uma autoridade monetária quando a inflação está um pouco acima da meta? A resposta, entretanto, não é um mero "sim", não obstante a boa teoria econômica sugir a tal resposta para a segunda pergunta.

Na verdade, as duas questões configuram uma armadilha que me leva sempre a recusar responder a jornalistas que querem saber minha opinião sobre a próxima ou a última alteração da taxa de juros realizada pelo BC.

A posição que tenho adotado em relação à política de juros do Banco Central desde o Plano Real tem sido sempre de desacordo. A discordância, porém, não é em relação a esta ou àquela decisão de aumentar ou de deixar de baixar a taxa Selic.

Embora também nesse ponto o Banco Central algumas vezes erre de forma clamorosa, na maioria dos casos acerta. O último erro óbvio foi o de haver continuado a aumentar a taxa de juros depois do desencadear da crise, em outubro de 2008.

Já existe pelo menos um bom estudo (de José Luís Oreiro e associados) demonstrando, Em termos teóricos e econométricos, esse fato.Mas, em geral, e, em particular, no momento atual, o Banco Central tem mudado a taxa de juros no momento correto.

A razão da minha discordância em relação à política "ortodoxa" (na verdade, "rentista") do BC em relação à taxa de juros não é contra a direção nem contra o momento das mudanças de taxa,mas em relação a seu nível.

Ainda que o tenha baixado através dos anos, esse nível continua alto e se constitui em entrave ao investimento e ao desenvolvimento e em uma forma de concentrar renda nas mãos dos rentistas.
Mas teria sido possível baixar mais o nível da taxa de juros? Não resultaria em mais inflação? De forma nenhuma, desde que a baixa dos juros ocorresse quando a economia estivesse desaquecida e se aproveitasse para reduzir a taxa para um nível baixo-de 1% a 2% (um nível ainda mais alto do que o praticado pelos países ricos nessas ocasiões).

Já vimos que nesses momentos o Banco Central baixa sua taxa de juros, mas sua baixa é sempre tímida, a conta-gotas. Dessa maneira, quando a economia volta a dar qualquer sinal de restabelecimento, a baixa é interrompida em um nível ainda alto da taxa de juros.

Se a redução fosse mais determinada, o Brasil estaria há muito convivendo com uma taxa de juros em um nível civilizado. Os brasileiros não compreendem esse fato. Ficaram estigmatizados coma alta inflação e, por isso, continuam a acreditar que a política de juros é necessária para manter a inflação sob controle.Dessa forma, legitimam a grande transferência de renda das pequenas e médias empresas e de seus trabalhadores para o setor que vive de juros.

Entretanto, desde que,há cerca de nove anos, teve início a luta sistemática dos macroeconomistas keynesianos contra essa política, houve avanços. Seus custos ficaram mais claros, as alternativas ganharam legitimidade, enquanto a ortodoxia se desmoralizava no plano internacional.

A hemorragia representada pela política de juros não foi estancada, mas foi reduzida. No começo da década, a ortodoxia falava em uma taxa "natural" real de juros de 9%; hoje, a taxa de juros real continua a maior do mundo, mas está em torno de 4,5%. Houve progresso.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

Faz dez anos, o dinheiro público passou a ser tratado com mais respeito

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Claudia Safatle, de Brasília

Um contrabando no projeto da reforma administrativa forjou o nascimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que produziu, em dez anos de vigência, uma profunda reforma nas finanças dos Estados e municípios brasileiros. As primeiras discussões sobre a necessidade de um código de conduta para as finanças públicas começou, por iniciativa do então deputado José Serra, hoje candidato à Presidência da República pelo PSDB, na Assembleia Constituinte de 1988. Proposto por Serra, o artigo 163 da Constituição remetia a uma lei complementar a tarefa de disciplinar as finanças públicas.

Uma década depois, em 1998, a emenda constitucional 19, que tratava da reforma administrativa, recebeu, no Congresso, uma emenda que até hoje não se sabe ao certo quem escreveu. Por ela, o presidente da República, na época Fernando Henrique Cardoso, teria que enviar ao Congresso, em 180 dias, um projeto de lei complementar com a proposta de um Código de Finanças Públicas. E isso foi feito.

Um grupo de técnicos elaborou o anteprojeto, inspirado nos modelos vigentes na Austrália e Nova Zelândia, que davam à questão fiscal um tratamento de mais longo prazo. O nome, Lei de Responsabilidade Fiscal, foi copiado da Nova Zelândia.

Os primeiros rascunhos começaram a ser escritos pelos economistas e assessores oficiais José Roberto Afonso, Martus Tavares, Guilherme Gomes Dias, Selene Nunes, Amaury Bier, entre outros. Cid Heráclito, jurista, cuidou dos aspectos legais. Na Câmara, Eugenio Greggiani se encarregou de coordenar os trabalhos da Comissão de Orçamento.

Colocado em audiência pública, o anteprojeto recebeu 5 mil propostas, além das sugeridas pelos parlamentares, que, surpreendentemente, tornaram a lei mais austera. Votada em 25 de janeiro de 2000, foi aprovada por 385 votos contra 86, estes dos partidos de oposição na época (PT, PC do B e PSB).

Sua sanção, em 4 de maio daquele ano, como lei complementar 101, interrompeu uma prática que já fazia parte das comemorações das festas de fim de ano: entre o Natal e o Ano Novo, o governo editava os pacotes de medidas com aumentos de impostos e cortes de gastos, o chamado "pacote fiscal", que iria viabilizar as contas do ano seguinte.

A LRF, que marcou o início de uma nova conduta dos prefeitos, governadores e presidentes da República, do Legislativo e do Judiciário no trato do dinheiro público, foi precedida da exaustão em série das finanças estaduais e da quebradeira dos bancos estaduais, que acabaram, em sua grande maioria, privatizados. Muito provavelmente, a crise financeira em que os Estados e seus bancos foram se envolvendo nos anos 1980 e 1990 serviu de incentivo para que a lei complementar 101 recebesse apoio da sociedade e do parlamento.

Alguns estudiosos das finanças públicas estabelecem relação entre a falência de quase todos os Estados, juntamente com seus bancos, e a democratização do país nos anos 1980, na medida em que o governo federal teria afrouxado os controles sobre os governadores eleitos. O uso dos bancos estaduais como financiadores das despesas, inclusive dos gastos com investimentos nos Estados, porém, começou a fazer parte da rotina dos governos durante a ditadura militar, como forma de contornar a centralização das receitas na União.

O péssimo manejo das instituições financeiras, pautado mais pelos interesses políticos do que pelas boas técnicas bancárias, comprometeu as finanças dos bancos estaduais na metade final dos anos 1980. Em 1987, o Banco Central cria um programa (Raet), pelo qual a autoridade monetaria assume a administração de bancos com problemas. Naquele momento, 28 instituições financeiras estaduais se submeteram à gestão do BC e três bancos de desenvolvimento foram liquidados.

Entre 1983 e 1991, segundo estudos do Banco Central, a União gastou R$ 61,5 bilhões com empréstimos e subsídios a essas instituições, que, mesmo assim, ainda apresentavam patrimônio líquido negativo.

A superinflação acobertava os problemas dos bancos e dos Tesouros estaduais, até que o Plano Real, de 1994, descerra a cortina. Sem a receita inflacionária, a vida dos administradores daqueles bancos, dos governadores e de prefeitos de grandes capitais ficava inviável.

Em 1995, o governo federal dá início a uma sequência de medidas que termina com ampla renegociação das dívidas estaduais por 30 anos, em troca de medidas de austeridade, com metas predefinidas, que os governos passam a ter que cumprir.

Ao final do processo de negociação, em 1998, o Tesouro Nacional tinha assumido R$ 101,9 bilhões de dívidas estaduais. Desses, R$ 77,5 bilhões foram refinanciados por até 30 anos, a uma taxa de juros real mínima de 6% ao ano. Outros R$ 11,4 bilhões seriam amortizados, pelos Estados, com as receitas de privatização de empresas estaduais que os governos se comprometiam a fazer; e R$ 13 bilhões corresponderam à diferença de encargos pela rolagem das dívidas entre a data de corte e a data de assinatura dos contratos (valores em reais constantes de 1998).

A Lei de Responsabilidade Fiscal encontra o caminho das finanças públicas estaduais e municipais pavimentado pelas renegociações de dívidas e as contas federais em processo de ajuste. Isso, porém, não reduziu sua importância, sobretudo em termos prudenciais.

Nos 75 artigos, a LRF impõe tetos nos gastos com pessoal nos três níveis de governo e nos três poderes; proíbe que bancos públicos financiem seus controladores e limita as possibilidades de endividamento dos Estados e municípios. A União, que também deveria estar sob tetos de endividamento, acabou se safando até hoje.

Uma década depois, está claro onde a lei funcionou e os flancos que ficaram abertos. Um dos princípios básicos da LRF - o de que novas despesas só podem ser criadas com receitas previamente definidas - nem sempre é respeitado. Os limites impostos para os gastos com pessoal nas três esferas de governo e nos três poderes têm se mostrado frouxos; e, depois de todo esse tempo, ainda há regulamentações por fazer, como a limitação do endividamento da União e a criação do Conselho de Gestão Fiscal.

A relevância da LRF foi eloquente, principalmente no equilíbrio das finanças dos governos subnacionais (ver tabela) e seu modelo serve de inspiração para outros países. Falhas são encontradas, mas a mais gritante diz respeito à não punição de quem ignora a lei.

No Congresso, discute-se agora o próximo "front" de ação: construir uma Lei de Responsabilidade Orçamentária. Um projeto de lei complementar com essa sugestão tramita no Senado. De autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a proposta está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pretende, nos seus 138 artigos, imprimir mudança radical na forma como se faz e se conduz o orçamento no Executivo e no Legislativo. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), relator do projeto na CAE, já está conversando com o governo para elaborar seu parecer, que espera ser votado ainda este mês.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, apoia a aprovação de uma nova legislação, que substitua a lei 4.320, que desde 1964 rege os orçamentos federal, estadual e municipal. Mas tem sérias críticas aos termos do projeto de lei em discussão. Principalmente, à ideia de se permitir a abertura para mudanças na renegociação das dívidas estaduais.

A discussão do modo como se conduz o orçamento no país é crucial. O processo é permeado por caminhos tortuosos, que deixam portas de toda sorte abertas para a corrupção. E a execução do orçamento, por ser meramente autorizativa, transformou-se num perverso mecanismo de barganha política.

A CECÍLIA MEIRELES:: Mario Quintana


Cantos serenados
cruzam etéreos crepúsculos.

Nuvens douradas
pastam perfumes seculares
em seus altos caminhos.

Sonhos naufragados
atravessam espelhos, horizontes,
borbulham baixinho:

A poesia da rosa
é seu espinho.

(do livro
TUDO PELOS ARES)