domingo, 13 de junho de 2010

Reflexão do dia – José Serra


"Acredito que a democracia é o único caminho para que as pessoas em geral, e os trabalhadores em particular, possam lutar para melhorar de vida. Não é com o menosprezo ao Estado de Direito e às liberdades que vamos obter mais justiça social duradoura. Não há justiça sem democracia, assim como não há democracia sem justiça.

Acredito na liberdade de imprensa, que não deve ser intimidada, pressionada pelo governo, ou patrulhada por partidos e movimentos organizados que só representam a si próprios, financiados pelo aparelho estatal. Não aceito patrulha de ideias -- nem azul, nem vermelha. A sociedade é multicolorida, multifacetada, plural. E assim deve ser.

Acredito na liberdade de organização social, que trabalhadores e setores da sociedade se agrupem para defender interesses legítimos, não para que suas entidades sirvam como correia de transmissão de esquemas de Poder.

Organizações pelegas e sustentadas com dinheiro público devem ser vistas como de fato são: anomalias.

Acredito que o Estado deve subordinar-se à sociedade, e não ao governante da hora, ou a um partido. O tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou pra trás há mais de 300 anos. Luis XIV achava que o estado era ele. Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses assim.

Acredito que a oposição deve ser considerada como competidora, adversária, e não como inimiga da pátria. E, num regime democrático, jamais deve ser intimidada e sofrer tentativa de aniquilação pelo uso maciço do aparelho e das finanças do Estado.

Acredito nos direitos humanos, dentro do Brasil e no mundo. Não devemos elogiar continuamente ditadores em todos os cantos do planeta, só porque são aliados eventuais do partido de governo. Não concordo com a repressão violenta das ideias, a tortura, o encarceramento por ideologia, o esmagamento de quem pensa diferente. "
(José Serra, em discurso, na Convenção Nacional do PSDB, ontem, Salvador/Bahia)

O pragmatismo do voto:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Cresce entre os estudiosos a sensação de que a distribuição geográfica do voto nas últimas eleições tem se dado mais por motivos pragmáticos do que ideológicos.

Mesmo com o presidente Lula sendo o mais popular dos presidentes a tentar eleger sua sucessora, o país continua praticamente dividido, como demonstram as pesquisas de opinião, que, sem exceção, colocam os dois candidatos em um empate literal, como foi o caso de Ibope e Datafolha — Dilma e Serra com 37% — ou técnico, como apontam Vox Populi e Sensus, dando ligeira vantagem a Dilma, na margem de erro.

O país tem se dividido desde 2006, quando no primeiro turno o candidato tucano, Geraldo Alckmin, recebeu surpreendentes 42% dos votos, enquanto Lula foi para o segundo turno com 48%.

Como apontam dois estudos recentes, um do cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, já abordado aqui na coluna, e outro do próprio Ibope, os programas assistenciais do governo não justificam por si só a votação na candidata da situação.

Romero Jacob costuma dizer que os eleitores têm votado “com a bolsa e com o bolso”, chamando a atenção para o fato de que as questões econômicas têm influenciado o voto também contra o governo.

Um exemplo clássico é a votação no Sul do país, que tem sido recorrentemente contra o governo, muito devido a questões ligadas à safra agrícola e aos prejuízos que a valorização do real vem causando às exportações.

Mesmo os pequenos agricultores, acostumados a votar com a esquerda desde os tempos de Leonel Brizola, estariam agora ligados à cadeia produtiva do agronegócio, sofrendo os danos da valorização do real.

É claro que características políticas regionais também influenciam o voto, como a disputa entre o PMDB e o PT no Rio Grande do Sul, impossível de ser superada por acordos de cúpula nacional.

Embora existam estudos, como o de Jairo Nicolau, do Iuperj, demonstrando que Lula vence as eleições em todas as regiões mais atingidas pelos programas assistencialistas, especialmente o Bolsa Família, está claro que por si só esses programas não são suficientes para definir a vitória.

O candidato tucano, José Serra, por exemplo, vence a candidata oficial mesmo entre os eleitores beneficiados pelos programas assistenciais do governo nas regiões Sul e Sudeste.

A vantagem dos tucanos nessas duas regiões se sobrepõe aos efeitos do assistencialismo do governo.

Já nas regiões Norte/Nordeste/ Centro-Oeste, a candidata Dilma Rousseff tem praticamente a metade dos votos dos beneficiados pelo Bolsa Família, e vence com larga margem a disputa presidencial, mesmo nos setores não atingidos pelo assistencialismo governamental.

Nessas três regiões somadas, ela vence Serra por 45% a 28%, sendo a preferida em todas as camadas de renda e escolaridade, o que indica que não são apenas os programas assistencialistas que levam o eleitorado dessas regiões a apoiar o governo.

Da mesma maneira, no Sul e no Sudeste, é Serra quem vence em todos os estratos eleitorais.

Essa divisão regional, e a polarização entre PT e PSDB que está ficando clara nesta eleição, faz com que os coordenadores das candidaturas comecem a traçar um quadro levando em conta que existem estados “tucanos” e estados “petistas”.

O ex-deputado Ronaldo Cesar Coelho, da coordenação da candidatura tucana, trabalha com a ideia de que o Brasil está se dividindo como os Estados Unidos, que tem estados republicanos e estados que votam nos democratas.

É por isso, por exemplo, que o ex-prefeito Cesar Maia, candidato ao Senado pelo DEM e um estudioso de pesquisas, acredita que a eleição será decidida nos estados de Minas e Rio.

Segundo seu cálculo, Serra vencerá em São Paulo e nos estados do Sul, que representam 37% do eleitorado.

Dilma vencerá no Nordeste e no Norte, que representam 35% do eleitorado. Como no Centro-Oeste o equilíbrio é grande, a decisão ficaria para os 20% do eleitorado representado por Rio e Minas.

Esses dois estados, por sinal, são difíceis de serem definidos como estados “petistas” ou “tucanos”. Minas é governado por Aécio Neves há oito anos, mas Lula ganhou a eleição presidencial de 2002 e de 2006 por uma diferença de um milhão de votos.

O Rio de Janeiro tem no governador Sérgio Cabral, do PMDB, o favorito para o governo, e ele apoia a candidatura de Dilma devido à sua ligação com o presidente Lula.

Mas a disputa pelos royalties do petróleo pode afastá-lo da candidatura oficial. Ele e o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, decidiram não ir à convenção do PMDB que oficializará o apoio à candidata do PT. Decisão que não deve interferir no resultado final, mas indica uma situação de desconforto na relação.

Se Minas se transformar em um estado realmente tucano, dando a vitória a José Serra, terá papel decisivo no resultado final. Mas há uma desconfiança de que a prioridade de Aécio Neves seja eleger Antonio Anastasia para o governo, e com isso a chapa “Dilmasia” ganharia vida própria.

Há também aparente resistência de Alckmin a se empenhar na campanha presidencial.

Apenas em uma ocasião, em 2002, o candidato petista venceu a eleição presidencial em São Paulo. Na eleição de 2006, mesmo perdendo para Lula, Alckmim venceu a eleição por quase 4 milhões de votos de diferença.

Nas eleições de 1994 e 1998, FH derrotou Lula em São Paulo por diferenças que chegaram a 5 milhões de votos. Por isso, Serra fazia planos de vencer este ano em São Paulo por um vantagem de 6 milhões de votos para, juntamente com Minas, garantir uma diferença que lhe assegurasse a vitória. Mas precisará primeiro conseguir a unidade partidária.

Há ainda o fator Marina Silva, que aparece nas pesquisas com cerca de 10% dos votos.

Se conseguir chegar a 15% mobilizando os jovens, provavelmente impedirá que a eleição se decida no primeiro turno e ganhará um cacife eleitoral para fazer um acordo programático com um dos dois candidatos finalistas.

No entanto, a candidata do PV pode ficar emparedada com a polarização entre PT e PSDB, e o fato de que há nesta eleição uma leva de eleitores especiais — as cerca de 100 milhões de pessoas de uma classe média conservadora, milhões delas incorporadas recentemente ao mercado de consumo, sem grandes preocupações com o meio ambiente — que pode decidir o resultado.

Bolívia, problema real :: Sergio Fausto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A seu modo, José Serra apontou para um problema real ao declarar que o governo da Bolívia faz "corpo mole" no combate ao tráfico de cocaína.

Dados do United Nations Office on Drugs and Crimes, para a Bolívia, mostram que a área plantada com folhas de coca tem aumentado sistematicamente desde 2001, passando de 21 mil hectares naquele ano para 30 mil hectares em 2008, um crescimento de 43%. Para o ano de 2009, a Drug Enforcement Administration (DEA), órgão do governo americano, informa que a área plantada teria alcançado 35 mil hectares. Trata-se de área muito superior aos 12 mil hectares permitidos por uma lei de 1988, mesmo quando acrescida dos 3.200 hectares adicionais autorizados para a região do Chapare, no Departamento de Cochabamba, em 2004. O mesmo órgão das Nações Unidas estima que a capacidade de produção de folha de coca, assim como de cocaína, elevou-se em quase 100%, ou seja, praticamente dobrou entre 2001 e 2008. A tendência antecede a posse de Evo Morales, mas se acelerou depois dela, apesar da erradicação anual de 6 mil hectares de plantações de coca, segundo dados da Fuerza Especial de Lucha contra el Narcotráfico, órgão do governo boliviano.

O país vizinho responde por cerca de 30% das quase 100 mil toneladas da droga que ingressam no Brasil anualmente.

"Coca, sim; cocaína, não" é o lema da política de Evo Morales em relação ao tema. Se a cocaína merece combate, o cultivo da folha de coca para usos lícitos recebe apoio do governo boliviano. Para tanto se invoca a sua importância cultural (trata-se de tradição dos povos do altiplano, considerada pela nova Constituição um patrimônio cultural da Bolívia) e social (é cultivada por pequenos agricultores). A questão tem também dimensão política. Não apenas por serem os "cocaleros" berço político e base de apoio de Morales, até hoje presidente honorário da federação dos plantadores de coca da região do Chapare, mas também porque a folha funciona como símbolo poderoso. Ela faz o elo entre a tradição anterior à conquista espanhola e o projeto contemporâneo de obtenção da verdadeira independência. É elemento essencial de um discurso político que busca no passado pré-colombiano as origens étnicas que permitiriam a refundação da Bolívia como Estado pluriétnico de maioria indígena. O antagonismo principal não é mais com a Coroa espanhola, mas com os EUA, identificados com a criminalização da folha de coca, no plano internacional, e com as ações de erradicação do seu cultivo nos anos 1990, foco de tensões políticas e sociais em meio às quais Morales se projetou da cena sindical para a cena nacional com liderança política.

Em termos práticos, Morales substituiu a política de erradicação - que reduziu drasticamente a área plantada, sem, contudo, estruturar alternativas economicamente viáveis ao cultivo da folha de coca - por uma política de negociação com associações de "cocaleros", que se revelou permissiva em relação à expansão da área plantada. Ao mesmo tempo, seu governo e seu partido, majoritário agora nas duas Casas do Congresso, movimentam-se para ampliar o limite legal para o cultivo de coca. No final de 2008, alegando que os EUA fomentavam movimentos "separatistas" nos Departamentos com governos de oposição, Morales determinou a expulsão dos agentes da DEA, que colaborava com serviços de inteligência no combate ao narcotráfico. À colaboração preferiu, por razões políticas, o confronto.

O crescimento da área plantada encontra justificativa num pretendido aumento futuro da utilização lícita da folha de coca para produção de manufaturados (licores, chás, sabões, remédios, etc.), não apenas para consumo interno, mas também para exportação (de manufaturados e da folha in natura). Daí a solicitação do governo boliviano para que a ONU distinga claramente a cocaína da folha de coca e seus derivados lícitos. De qualquer forma, a viabilidade da industrialização em larga escala da folha de coca é vista com ceticismo por analistas independentes.

Simpatias políticas à parte, a pergunta que se coloca é se é possível combater o tráfico de cocaína com complacência quanto ao aumento do cultivo da folha de coca em volumes muito superiores à sua absorção para fins lícitos e sem a colaboração da DEA, para a qual a União Europeia, mais bem vista que os EUA na Bolívia, não oferece substituto à altura. A resposta deve considerar a lucratividade do tráfico de drogas e o poder do crime organizado, fatores bem mais reais e concretos do que os desejos de industrializar a Bolívia manufaturando produtos à base de coca.

Trata-se de um problema a que o Brasil não pode ficar indiferente, em vista da facilidade de ingresso da cocaína pela imensa fronteira seca que temos com a Bolívia e dos danos que a cocaína e o crack produzem na sociedade brasileira. Acerta o governo ao firmar acordo que facilita cooperação entre a Polícia Federal e as autoridades bolivianas. Medida importante, mas tímida diante do problema. Decisivo seria dar prioridade ao controle de fronteiras, com a extensão do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que não cobre a fronteira com a Bolívia. Sem dúvida, mais importante para a segurança do País do que ter aviões-caça de última geração. Por fim, cabe à diplomacia brasileira, em nome do interesse nacional, por meios e modos adequados às relações entre países amigos, pôr em questão a política de Evo Morales para um tema que transcende em muito as fronteiras da Bolívia.

Se a declaração de Serra foi "irresponsável", como buscaram caracterizá-la membros do governo e sua candidata, o que dizer da visita do presidente brasileiro à região do Chapare, em novembro de 2009, às vésperas das eleições gerais bolivianas, quando Lula subiu em palanque de Evo Morales ostentando um colar com folhas de coca?

Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP.

Salto alto no ringue? Valdo Cruz

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Acaba hoje a era dos prés. Todos, agora, são candidatos a presidente: Dilma, Serra e Marina. Os três chegam à nova fase da campanha em posições um pouco distintas daquelas em que foram anunciados pré-candidatos.

A verde Marina modulou seu discurso e saiu do gueto ambiental. Insuficiente, porém, para se mover nas pesquisas.

Já a petista e o tucano sofreram certa metamorfose nesse período. Ao ser anunciada pré-candidata, Dilma era questionada. Diziam que havia batido no teto das pesquisas. Que corria o risco de não fechar a aliança com o PMDB.

Depois de uma fase de erros e tropeços, início de crise na campanha, eis que a candidata de laboratório foi sendo aprimorada e voltou a subir nas pesquisas. Empatou com seu oponente José Serra.

Serra fez movimento oposto. De um início de céu de brigadeiro na pré-campanha, posando de amigo de Lula e distribuindo sorrisos, o tucano começou a errar, caiu nas pesquisas e virou o disco, passando a criticar o governo do petista.

Agora, dizem os tucanos, começa a campanha pra valer. Serra apostando no contraditório, chamando Dilma para o centro do ringue, certo de que mostrará ao eleitorado ser mais preparado do que ela. Para os tucanos, a petista leva uma surra e perde a eleição.

Do outro lado, Lula e o PT vão esticar o show antes do grande embate. Darão mil voltas pelo ringue e buscarão protelar ao máximo sua entrada na arena principal.

Nos cálculos petistas, Dilma partirá para o debate com Serra apenas quando Lula estiver em seu tour de despedida pelo país, pedindo votos diretamente para sua candidata.

Aí, dizem os dilmistas, o tucano pode até se sair melhor nos debates, mas basta Dilma não errar para virar presidente. Por sinal, a frase mais ouvida entre petistas é que "Serra não ganha essa eleição, nós é que podemos perdê-la".

Sei não, confiança demais faz muita gente cair do salto alto.

Crônica da bola global:: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

“Deus é esférico" escreveu o inigualável Armando Nogueira, "O mundo é uma bola" entoa a legião de sucessores. A pelota começou a rolar num gramado de Montevidéu no gelado julho de 1930 e ninguém poderia imaginar que oito décadas e 19 Copas depois teria o status de rainha e protagonista da maior festa desportiva-popular do planeta.

O Brasil ficou em sexto lugar, Uruguai e Argentina campeões – não houve choro, nem tragédia, o superespetáculo ainda não fora montado, as emoções não eram orquestradas, fatos corriam soltos, a imprensa apenas os acompanhava.

O crash de Wall Street estava longe de completar o seu círculo de desastres, pressentia-se que a Quinta-Feira Negra de 24 de outubro de 1929 não se resumiria à debacle financeira. Por isso, Franklin Delano Roosevelt iniciava a cruzada em benefício dos Homens Esquecidos, Forgotten Men, as milhões de vítimas da Depressão. O Partido Operário Nacional-Socialista do agitador Adolf Hitler ganhava todas as eleições na Alemanha, na Itália o ex-socialista e agora fascista Benito Mussolini também prometia glórias às massas de desempregados, na União Soviética, o ditador Joseph Stalin acionava nova onda de expurgos para livrar-se dos antigos camaradas e impor a coletivização das propriedades rurais, a faminta Espanha, cansada de reis e coroas, queria uma república, a China queria unir-se e deixou-se seduzir pelo nacionalista Chiang-Kai-Schek que tentava esmagar os caudilhos regionais e a guerrilha bolchevique, o Mahatma Gandhi obtinha na Índia as primeiras vitórias contra o Império Britânico graças à política de não violência.

E no Brasil, como agora, fervia a tensão eleitoral: os tenentes, os intelectuais e a classe média urbana recusavam a gangorra oligárquica do café com leite (a alternância Minas-São Paulo) e entregavam-se à retórica dos gaúchos Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha e Flores da Cunha que logo depois amarrariam os seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro.

Mussolini conseguiu sediar em Roma a segunda Copa (1934) e Hitler ganhou as Olimpíadas de 1936 para exibirem as respectivas façanhas. Afim de compensar a exibição dos totalitarismos de direita, a França socialista pleiteou e conseguiu sediar a terceira Copa (1938), a última da Década Infame: a Segunda Guerra Mundial começou no ano seguinte e os Mundiais de 1942 e 1946 foram cancelados.

Esta Copa na África do Sul oferece como brinde a mais recente edição do Mapa-Múndi, mas ao realizar o primeiro Mundial na então remotíssima América do Sul a Fifa também fez uma arrojada aposta geopolítica. O sul do Novo Mundo era em 1930 um apêndice da Europa, extensão da jangada ibérica, bastião do catolicismo, paraíso riquíssimo, razoavelmente pacífico – menos guerreiro do que o Velho Mundo e aparentemente assentado em matéria étnica (não se imaginava o preço).

Teoricamente descolonizado, palco de sangrentas disputas religiosas e tribais, desmatado, faminto, enfermo, depauperado, corrupto, inculto, assaltado por caciques locais e internacionais, o Continente Ancestral é a vitrine de uma humanidade desperdiçada. A África do Sul é a exceção mas não é ainda uma nação, é um homem - Nelson Mandela, quintessência da conciliação, rei-filósofo, sábio.

Em 1930, Stefan Zweig planejava visitar a Argentina e o Brasil – de zepelim. Só chegou aqui em 1936, não viu futebol, imaginou uma sociedade sossegada e logo prometeu que escreveria um livro sobre o país que tão bem o recebeu. "Brasil, País do Futuro" saiu cinco anos depois, o escritor matou-se em seguida num protesto contra a guerra.

A Copa deu a volta ao mundo em 80 anos. Tudo mudado, tudo igual, ou tudo disfarçado? A bola rola, ela sabe das coisas.


» Alberto Dines é jornalista

Uma campanha só de pré-candidatos:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRSIL

Vai finalmente começar a ser resolvido neste fim de semana o impasse dos vices que emperraram a campanha eleitoral, tanto do lado do governo quanto da oposição. Tudo começou quando o presidente Lula precipitou o jogo da sucessão para se livrar dos boatos sobre terceiro mandato. Indicou a ministra Dilma Rousseff e ficou por conta da candidatura. Virou o jogo mas deixou a candidata sem parceiro. Não resolveu o assunto com o PMDB, que não abriu mão da oportunidade de ter, pelo menos, o vice. Sem vices, nada feito.

Candidaturas e providências continuam precedidas do prefixo para disfarçar a suspeita de operações eleitorais. Só há pré-candidatos. A questão do vice é a última carta de que o diabo dispõe. A oposição espreguiçou-se para sacudir a modorra e empurrou o governador José Serra, com a ressalva de pré-candidato, para o palco onde um novo dossiê, devidamente aportuguesado, mostra que nada mudou para valer. O PMDB ofereceu seu presidente, mas o PT nem mugiu. Lula insiste na lista tríplice e no seu direito de escolher. No PSDB, a ideia de que Aécio Neves pudesse resignar-se a ser vice foi amadorismo. Para quem, como governador de Minas, figurou como candidato a presidente, em igualdade de condições com o governador de São Paulo, prêmio de consolação é pouco.

Falou-se no PSDB, mas apenas por falar, numa iniciativa mais alta do que lance político, uma solução histórica: o convite à ministra Ellen Grace para dignificar a sucessão como vice na chapa da oposição. É inacreditável que seja mais fácil no Brasil escolher candidatos a presidente, governadores e prefeitos do que alcançar consenso em relação ao vice. A rigor, não há Vice-Presidência, mas apenas vice-presidente.

No início da campanha, sob expectativas desencontradas, um diagnóstico médico lançou sobre a pré-candidata Dilma Rousseff a sombra de uma dúvida que, até ser afastada clinicamente, paralisou o andor. A reserva de candidatura de Lula para 2014 tem a mesma geometria do lembrete com que o presidente bossa nova comunicou aos cidadãos, na inauguração de Brasília, a disposição de se candidatar no futuro: JK 65. O presidente era imbatível em eleição, mas não havia reeleição e, em 1965, já não houve nem mesmo a eleição com que JK contava.

Em 1960, a eleição do vice João Goulart foi o lastro com que o eleitorado quis contrabalançar o risco de eleger Jânio Quadros. Era a primeira vez que se elegeriam presidente e vice de chapas diferentes. E também a última. Foi assim que, por não haver reeleição, Jânio Quadros desapertou para a direita.

Certo de que recairia sobre Jango o veto dos ministros militares, encaminhou ao Congresso a carta de renúncia e esperou a consequência (que não viria, porque o pedido foi atendido no ato).

As consequências implícitas se explicitaram. É sempre assim.

Aécio: "País não precisa de messias"

DEU NO ESTADO DE MINAS

Salvador – O ex-governador Aécio Neves, que falou em nome de todo o PSDB na convenção nacional do partido, disse que com o lançamento da candidatura do ex-governador José Serra para presidentre mostra que o Brasil "quer mais" e lembrou que "alguns, de forma egoísta, não dizem que o Brasil foi construído por brasileiros e não por um messias ou um grupo de companheiros", numa critica frontal ao PT.

“Temos que lembrar da luta de Tancredo pela democracia. Temos agora que dar um basta ao aparelhamento do estado e aos que querem se perpetuar no poder. Serra terá a oportunidade agora de nos liderar, com sua luta, sua trajetória. Temos o candidato mais preparado e como dizia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, temos um líder e não o reflexo de um líder.”

Aécio ressaltou que a largada tucana foi dada ontem, lembrando as palavras de Castro Alves, em mais uma crítica ao PT. “E nós estamos aqui hoje para dizer que a partir desta largada, como nos ensinou o grande baiano Castro Alves, o poeta das liberdades, a praça não é de um partido, ela é do povo. Vamos ocupar as praças, as ruas, as cidades deste país para dizer que nós queremos mais, queremos muito mais.”

O ex-governador e candidato ao Senado não poupou críticas ao governo Lula em seu rápido discurso. Ele reforçou as posição de Serra ao afirmar que “agora é hora de darmos um basta no aparelhamento do Estado Brasileiro, numa visão egoísta daqueles que querem perpetuar-se no poder, desdenhando a democracia tão duramente conquistada por nós”.

O tucano reafirmou que caberá a Serra a responsabilidade de liderar o partido e o país, “não porque foi imposto, mas você (Serra) conquistou legitimamente este espaço pela sua luta, pela sua trajetória, pelos seus exemplos de homem público e com o seu compromisso com o Brasil. Conte com cada um de seus companheiros que aqui estão. Não nos atemoriza a propaganda enganosa, a falácia de alguns. Nós sabemos que temos do nosso lado o melhor dos candidatos, o mais preparado, um líder de fato e não, como diz Fernando Henrique, apenas o reflexo de um líder”.

Estratégia A escolha de Salvador para a convenção tucana foi estratégica. A cidade traduz a preocupação do PSDB com a região Nordeste, um dos principais palcos da disputa que Serra irá travar com a ex-ministra Dilma Rousseff (PT). Empatado com sua principal adversária, Serra terá um de seus maiores desafios na região, que concentra 27% dos votos do país e que nas duas últimas eleições deu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva amplas vitórias nos estados.

Além do histórico e das pesquisas atuais, pesam ainda a favor do PT os altos índices de aprovação do governo Lula e o grande alcance de políticas sociais do governo, como o Bolsa-Família. Diante desse quadro, Serra tem concentrado esforços na região. Salvador foi a primeira cidade que o tucano visitou após ser lançado pré-candidato, no início de abril. A partir daí, o ex-governador paulista visitaria a região várias vezes: percorreu municípios do Ceará e da Paraíba, foi ao Recife ao menos duas vezes e visitou Alagoas.

A estratégia do PSDB é tentar reduzir a vantagem de Dilma na região e alcançar um percentual mínimo de votos para Serra no Nordeste. “Acho que, realisticamente, poderemos ter no Nordeste 40% dos votos válidos no primeiro turno. Qualquer resultado acima de 35% dos votos válidos é positivo. Mas acho que é possível chegar a 40%”, calcula o deputado Jutahy Magalhães (BA), articulador da campanha tucana na região. "Temos uma meta mínima de chegar a 35% de média. Parece ser um bom número considerando os resultados das regiões", opina o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, João Almeida (BA).

Serra ataca 'neocorruptos' e aparelhamento do Estado

DEU EM O GLOBO

Na convenção que oficializou sua candidatura à Presidência, tucano diz que governo Lula mantém "esquadrões de militantes"

Adriana Vasconcelos e Flávio Freire
Enviados especiais • SALVADOR

Agora na condição de candidato oficial do PSDB à Presidência da República, José Serra fez da convenção nacional do partido, ontem, em Salvador, um palanque para críticas ao PT, ao aparelhamento do Estado, ao uso indevido de dinheiro público e à forma de governar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora sem citá-lo, mas tendo o petista como alvo preferencial, o tucano, depois de lembrar até do mensalão, usou a figura de Luis XIV para mandar um recado aos “luises” que acreditam ser a personificação do Estado: — Acredito que o Estado deve subordinar-se à sociedade, e não ao governante da hora, ou a um partido.

O tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou para trás há mais de 300 anos. Luis XIV achava que o Estado era ele, mas na democracia e no Brasil não há lugar para luises assim — disse Serra, aplaudido pela plateia que lotava o Clube Espanhol.

Com discurso lido com a ajuda de dois teleprompters, Serra não chegou a citar o caso do dossiê supostamente elaborado pelo PT contra sua candidatura. Mas pontuou suas palavras com destaque para a manutenção da democracia.

— Acredito na democracia, e isso não é uma crença de ocasião. Muitos políticos ou partidos que se apresentam como democratas desdenham a democracia nas suas ações diárias, mas ao contrário dos adversários políticos, para mim o compromisso com a democracia não é tático, não é instrumental. É um valor permanente e inegociável — disse Serra, que poucas vezes saiu do script, como ao lembrar do padrinho que morreu, descartando assim que ele possa ser o ex-presidente Fernando Henrique, que não compareceu por estar na Europa, mas mandou uma mensagem gravada.

Crítica a quem ‘elogia ditadores’

Antes de lembrar de sua infância pobre e do pai semi-analfabeto que vendia frutas no Mercado Municipal de São Paulo, Serra concentrou esforços em atingir o governo federal. Atacou quem “elogia ditadores em todos os cantos do planeta” e disse que enxerga o Congresso Nacional como um espaço democrático, “e não como arena de mensalões, compra de votos e de silêncios”. E foi além: — Acredito que são os homens que corrompem o poder, e não o poder aos homens. Quem justifica deslizes morais dizendo que está fazendo o mesmo que os outros fizeram, ou que foi levado pelas circunstâncias, deve merecer o repúdio da sociedade.

São os neocorruptos.

Serra falou por mais de uma hora, e aproveitou para criticar uma das práticas que ele associa ao PT: o aparelhamento do Estado.

— Não tenho esquemas, não tenho máquinas públicas, não tenho patotas corporativas, não tenho padrinhos, não tenho esquadrões de militantes pagos com dinheiro público.

Tenho apenas minha história de vida, minha biografia e minhas ideias — disse.

Numa crítica indireta à adversária Dilma Rousseff (PT), ele destacou seu currículo na vida pública: — Não comecei ontem e não caí de paraquedas. Apresentei-me ao povo brasileiro, fui votado, exerci cargos, me submeti ao julgamento da população, fui aprovado e votado de novo.

E afirmou ainda: — Não tenho duas caras. Posso ser feio, embora minha mulher e minha neta me achem bonito, mas não tenho duas caras. Não defendo um coisa aqui e outra ali.

O ex-governador paulista aproveitou para defender a liberdade de imprensa e disse que não encara adversários como inimigos, como outros partidos fazem, sem citar o PT: — A oposição deve ser considerada competidora, adversária, e não como uma inimiga da pátria. E, num regime democrático, jamais deve ser intimidada e sofrer tentativa de aniquilação pelo uso maciço do aparelho e das finanças do Estado.

Ele também disse que o eleitor quer hoje investimento maior em segurança pública, em combate ao tráfico de drogas, na casa própria, saneamento básico e um meio ambiente saudável: — A maioria dos brasileiros quer ter mais rendimentos, que a prosperidade econômica se expanda no tempo, de forma sustentada. Eu também quero.

Antes de agradecer, fez um resumo de suas iniciativas, como a emenda que criou o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o segurodesemprego, assim como seus programas na prefeitura e no governo de São Paulo.

Conhecido por sua sisudez, Serra procurou dar leveza ao discurso.

Apontando para o senador Tasso Jereissatti (CE), um dos nomes cotados para ser candidato a vice em sua chapa, o tucano fez uma pausa e disparou: — Acreditem, eu sou bem humorado, viu Tasso? — brincou ele.

À distância, Tasso rebateu algo impossível de entender: — Eu não ouvi o que o Tasso disse mas, com certeza, foi coisa boa.

Do Tasso, só vem coisa boa.

Semelhantes, mas diferentes

DEU EM O GLOBO

Propostas de Serra, Dilma e Marina sobre política econômica têm pontos divergentes

Regina Alvarez

BRASÍLIA. Com candidaturas oficializadas, os dois primeiros colocados na disputa presidencial devem apresentar com mais clareza suas propostas para um eventual governo.

Mas, com base nos discursos feitos até o momento, já é possível mapear as principais diferenças.

Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB, têm visões distintas sobre a presença do Estado na economia, sobre a política fiscal e de investimentos e, nos detalhes, sobre a forma mais adequada de conduzir a política econômica.

Dilma é uma defensora entusiasmada do chamado Estado forte, bandeira que passou a ser empunhada com maior ênfase no segundo mandato do governo Lula. A criação de novas estatais, intervenções por meio do BNDES e de fundos de pensão, e o crescimento da máquina pública fazem parte dessa política. Dilma assina embaixo da estratégia do governo atual, e deve aprofundá-la, caso assuma a Presidência.

Já o candidato tucano defende o que chama de “Estado ativo”, com presença em áreas consideradas essenciais: saúde, educação e segurança, combinada com um modelo de gestão por resultados, com metas de desempenho para o serviço público. Uma das primeiras medidas de sua gestão, segundo já declarou, seria uma reforma administrativa para enxugar a máquina pública, que considera inchada.

A importância das estatais

Na visão do professor Antonio Corrêa de Lacerda, do Departamento de Economia da PUC-SP, a proposta de Estado mínimo, em alta nos anos 90, não está em discussão no momento, pois a crise global do ano passado mostrou que os governos não podem prescindir do aparato estatal: — O desafio é tornar o Estado mais eficaz e mais ágil.

Em relação à política econômica, os dois candidatos defendem o tripé de sustentação da gestão anterior e da atual: metas de superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante.

Mas há diferenças de visão sobre o câmbio e a política fiscal. Serra é um crítico da ampliação dos gastos correntes do governo. Dilma consideraos necessários para estimular o consumo das famílias e transferir renda às classes menos favorecidas.

Quanto ao câmbio, dificilmente o sistema, como funciona hoje, sem mecanismos para travar a valorização do real frente ao dólar, seria mantido num eventual governo Serra. O candidato tucano já declarou que a combinação de câmbio valorizado com juros altos prejudica os investimentos. Já a candidata governista evita críticas à política do Banco Central, embora, nos bastidores, faça ressalvas aos juros altos.

— A apreciação exagerada do câmbio traz riscos de médio e longo prazo. Não vejo como um novo governo manter a situação atual. O famoso tripé não é imutável. Vem funcionando, mas precisa ser aperfeiçoado.

Por uma questão de conveniência, a candidata do governo vai dizer que não, mas, na prática, os dois vão ter de atuar. Não há muita alternativa — afirma Lacerda.

Preocupação com alta carga

Outro tema nos dois discursos — não por acaso, pois consiste em uma das maiores preocupações dos brasileiros — é a carga de impostos.

Dilma promete desonerar setores como o de energia elétrica, edificações, exportações e medicamentos.

Serra fala em retirar os impostos da cesta básica e de produtos que pesam no bolso dos consumidores mais pobres, como os de higiene pessoal.

O candidato tucano também diz querer implantar o modelo da Nota Fiscal Paulista, que devolve até 30% dos impostos pagos pelo consumidor nas compras no varejo.

— Serra aposta em campos específicos em que o governo não tem aprovação tão alta. E a gestão de impostos é um desses campos— avalia o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília.

Mas Barreto considera difícil que um dos candidatos faça a reforma tributária, que sempre envolve desonerações.

— Nenhum dos três (ele inclui Marina Silva, do PV, nessa lista) está falando sério. O candidato Serra precisa de recursos para o Estado musculoso que defende — afirma.

Projetos de infraestrutura

Quanto aos investimentos, há também diferenças substantivas nos discursos. Dilma tem o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um dos carros-chefes de sua campanha. Serra é um crítico do PAC, que chama de “lista de obras”. Sua equipe estuda uma alternativa híbrida para atrair e ampliar investimentos em infraestrutura, modelo que prevê a criação de empresas públicas com fins específicos e gestão privada.

Para Barreto, mesmo que Dilma tenha uma posição mais estatizante, é provável que os dois candidatos invistam em parcerias com o setor privado para alavancar investimentos. A questão, no momento, é fugir dos rótulos, pois enquanto o PT tenta colar no PSDB o da privatização, os tucanos trabalham no sentido oposto, ressaltando a ampliação do Estado na administração atual, avalia.

A área de segurança é outro setor onde os dois candidatos têm propostas diferentes.

O tucano quer criar o Ministério da Segurança Pública, para que o governo federal atue de forma mais efetiva no combate ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas, em parceria com os estados. Dilma é contra a nova pasta e aposta no modelo aplicado no Rio, com a criação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

Governo banca esquadrão de militantes, diz Serra

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em crítica a Dilma, tucano afirma que não caiu "de paraquedas" e que não tem "patota corporativa"

O ex-governador José Serra acusou o governo do presidente Lula de "montar um esquadrão de militantes pagos com dinheiro público".

Na convenção que oficializou sua candidatura à Presidência, em Salvador, Serra fez o mais duro discurso da campanha até agora. Ontem, a Folha revelou que um dossiê feito pelo PT continha dados do sigilo fiscal do dirigente tucano Eduardo Jorge Caldas Pereira.

"Não tenho esquemas, não tenho máquinas oficiais, não tenho patotas corporativas, não tenho padrinhos", disse Serra. Ele criticou a aproximação do governo Lula com ditaduras.

Sem citar Dilma Rousseff, sua adversária do PT, Serra se referiu à falta de experiência da petista: "Não comecei ontem, não caí de paraquedas".


Serra acusa governo de criar "esquadrão de militantes"

Lançado candidato, tucano diz que "patota" é paga com dinheiro público

Discurso de Serra no evento de lançamento de sua candidatura foi o mais duro que já fez contra seus adversários

Catia Seabra, Silvio Navarro e Breno Costa
Enviados especiais a Salvador

No lançamento oficial de sua candidatura à Presidência, o tucano José Serra fez ontem o seu discurso mais duro desde o início da pré-campanha, acusando o governo de "montar um esquadrão de militantes pagos com dinheiro público".

Na festa, que reuniu cerca de 8.000 militantes em um clube de Salvador, segundo a PM, o tucano disse que "essa patota corporativa" exerce uma "patrulha de ideias" para intimidar a oposição.

"Não tenho esquemas, não tenho máquinas oficiais, não tenho patotas corporativas, não tenho padrinhos, não tenho esquadrões de militantes pagos com dinheiro público", discursou.

Os ataques aconteceram no mesmo dia que a Folha revelou que um "grupo de inteligência" ligado à campanha da petista Dilma Rousseff quebrou o sigilo fiscal de um dirigente tucano.

Serra comparou, indiretamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Luís 14 (1638-1715), rei da França no auge do regime absolutista e autor da máxima "O Estado sou eu".

"Luís 14 achava que o Estado era ele. Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses assim."

Embora não tenha citado diretamente a montagem do grupo para a produção de dossiês, Serra criticou o "uso maciço do aparelho e das finanças do Estado".

"Num regime democrático, [a oposição] jamais deve ser intimidada e sofrer tentativa de aniquilação pelo uso maciço do aparelho e das finanças do Estado."

Sem citar Dilma, Serra fez referências a ela. Disse, por exemplo, que não tem mal-entendido com o passado, numa alusão sutil à participação da petista em movimentos de guerrilha.

O tucano também a desafiou para o debate ao afirmar que não se pode representar o povo sem se submeter ao julgamento do próprio povo.

Dentro da estratégia de lançar dúvidas sobre a biografia da petista, afirmou que ele tem um única cara."Não comecei ontem e não caí de paraquedas. [...] Sou o que sou. Sem disfarces e sem truques. Tenho uma cara só e uma só biografia."

"NEOCORRUPTOS"

Serra chegou a usar a expressão "neocorruptos" para quem comete deslize moral sob o argumento de que os outros também o praticam; mencionou o mensalão, ponto mais vulnerável da era Lula, e acusou o governo de ataques a órgãos fiscalizadores.

Criticou ainda a política externa do governo: "Não devemos elogiar continuamente ditadores em todos os cantos do planeta, só porque são aliados eventuais do partido de governo".

A relação do governo com os movimentos sindicais também foi objeto de ataques. "Organizações pelegas e sustentadas com dinheiro público devem ser vistas como de fato são: anomalias."

Um dos oradores da convenção, o ex-governador de Minas Aécio Neves disse que não se deve desdenhar a democracia e que o país não precisa de "messias".

Reunidos em Salvador, os líderes de PSDB, DEM, PPS e PTB estiveram presentes na festa tucana.

Sem vice, a convenção delegou à Executiva do partido a escolha do companheiro de chapa de Serra.

Candidato oficial, Serra ataca os 'neocorruptos'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em convenção que formalizou sua candidatura, tucano faz discurso contra o aparelhamento do Estado
O PSDB realizou ontem a candidatura de José Serra à Presidência, durante convenção nacional em Salvador. Num forte discurso de oposição, Serra atacou o apadrinhamento, o aparelhamento do Estado e os políticos "neocorruptos". "Quem justifica deslizes morais dizendo que está fazendo o mesmo que os outros fizeram, ou que foi levado a isso pelas circunstâncias, deve merecer o repúdio da sociedade. São os neocorruptos", afirmou. Sem falar explicitamente o nome do presidente Lula, disse que os chefes de governo não podem acreditar que personificam o Estado e, citando Luís XIV, acrescentou: "Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses". A definição do candidato a vice deve ficar mesmo para a última hora. Os senadores tucanos Sérgio Guerra e Álvaro Dias são cotados.


Candidato oficial, Serra sobe o tom e ataca ""neocorruptos"" e aparelhamento

Sucessão. Na convenção do PSDB em Salvador, tucano critica líderes que tentam personificar o Estado - "nas democracias não há lugar para luíses" -, fala em "verdades eternas" e acusa atual governo por baixo investimento, juros altos e muitos impostos

Julia Duailibi, Luciana Nunes Leal, Christiane Samarco e Tiago Décimo

Na intervenção mais contundente feita em público, o candidato tucano à Presidência da República, José Serra, criticou ontem duramente o apadrinhamento, o aparelhamento do Estado e os políticos "neocorruptos". No discurso, na Convenção Nacional, ele disse que o Congresso não pode ser uma "arena de mensalões, compra de votos e de silêncio".

Se eleito, o tucano prometeu ser "intransigente" com valores que ele chamou de "verdades eternas" do Estado de Direito. Apresentou-se como candidato que não tem "máquinas oficiais, patotas corporativas, padrinhos e esquadrões de militantes pagos com dinheiro público".

Sem mencionar explicitamente o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Serra comparou as suas "crenças" com as práticas de oito anos de PT no poder, disse que os chefes de governo não podem acreditar que personificam o Estado e, citando Luís XIV, acrescentou: "Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses." O rei absolutista governou a França entre 1643 e 1715.

Além da crítica a quem "desdenha a democracia nas ações diárias", Serra disse que o Brasil precisa se afastar de "três recordes internacionais": uma das menores taxas de investimento público do mundo, a maior taxa de juros do mundo e a maior carga tributária de todo o mundo em desenvolvimento.

O tucano repetiu a biografia apresentada na pré-convenção, em Brasília, em abril passado, falou do político de origem pobre e que estudou em escola pública, e concluiu: "Não comecei ontem, não caí de paraquedas", E ainda: "Comigo, o povo brasileiro não terá surpresas."

"Acredito". Ao longo do discurso, Serra citou 12 vezes a palavra "acredito" para se diferenciar do governo Lula e do PT. Também citou nove "necessidades e esperanças" que considera serem objetivos da "maioria dos brasileiros".

Na lista das crenças, ao dizer que a democracia não pode ser utilizada como um "instrumento tático", acrescentou que esse é o regime e o caminho para melhorar a vida das pessoas. "Não é com o menosprezo ao Estado de Direito e às liberdades que vamos obter mais justiça social duradoura."

Ao tratar dos sindicatos, cooptados pelo governo Lula com a legalização das centrais e a distribuição do imposto sindical pago pelos trabalhadores, Serra criticou as "organizações pelegas sustentadas com dinheiro público" e defendeu a liberdade de imprensa e de organização social - que não devem, afirmou, ser "intimidadas, pressionadas e patrulhadas pelos governos e partidos" .

Ao subir o tom das críticas, reforçando o papel de adversário da atual gestão petista, o tucano fez inflexão em relação à posição de cautela adotada na fase de pré-campanha e durante os mais de três anos em que comandou o Palácio dos Bandeirantes.

"Quem justifica deslizes morais dizendo que está fazendo o mesmo que os outros fizeram ou que foi levado a isso pelas circunstâncias deve merecer o repúdio da sociedade. São os neocorruptos", declarou o candidato diante de uma plateia de cerca de 5 mil pessoas, no Clube Espanhol, em Salvador.

Ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, ex-prefeito de São Paulo e ex-governador, Serra enfatizou a sua trajetória - uma das estratégias do PSDB é a comparação de biografias. Sem citar a adversária Dilma Rousseff (PT), o tucano falou sobre falta de experiência política da petista, que nunca disputou eleição. Foi quando disse a frase: "Não comecei ontem e não cai de paraquedas."

Ditadores do mundo. No discurso de cerca de 40 minutos, falou também de política externa. "Acredito nos direitos humanos dentro do Brasil e no mundo. Não devemos elogiar continuamente ditadores de todos os cantos do planeta só porque são aliados eventuais do partido do governo." Foi uma referência direta à aproximação do governo Lula com Irã, Cuba e Venezuela.

Sempre para se demarcar das práticas do governo do PT, Serra criticou o "desprezo" da atual gestão pelos órgãos de controle, como Ministério Público e Tribunal de Contas da União. "Prezo as instituições que controlam o Poder Executivo, como os tribunais de contas e o Ministério Público, que nunca vão ser aprimoradas por ataques sistemáticos de governos que, na verdade, não querem ser controlados."

O tucano fez promessas para as áreas de educação e saúde. Disse que, se eleito, abrirá 1 milhão de vagas em escolas técnicas. Falou em reforçar o Bolsa-Família, na construção de 150 Ambulatórios Médicos de Especialidades em todos os Estados e advertiu que é preciso "deter o retrocesso na saúde pública".

Citou, ainda, a necessidade de o próximo governo dar "escola decente" e segurança pública a todos os cidadãos.

Serra, na Convenção: Aceito indicação para ser candidato

Leia, abaixo, o discurso, na íntegra, do candidato José Serra

Caro presidente Sérgio Guerra, presidentes de partidos aliados, convencionais do PSDB de todo o Brasil. Começo meu discurso dizendo sim. Sim, aceito sua indicação para ser candidato a presidente da República.

Aceito a responsabilidade de liderar nosso partido e nossa aliança até a vitória na eleição deste ano.

Meu muito obrigado a todos vocês, que vieram de todo o Brasil para me fortalecer com seu apoio e seu carinho. Obrigado, do fundo do coração.

Fizemos esta convenção na Bahia porque ela é um dos grandes retratos do que somos como povo. Da nossa diversidade, da mistura de raças, origens e etnias que fizeram do brasileiro um ser humano único. Na tolerância, na união, na alegria, na criatividade, na coragem, na obstinação, na vontade, na generosidade com o próximo. Na esperança no futuro. Assim são os brasileiros.

Hoje, estamos na véspera de um dia especial, é véspera de Santo Antônio, patrono do Farol da Barra, nome de um dos meus netos. Santo Antonio é Ogum, guerreiro valente e Orixá da Lei, intransigente no cumprimento dos princípios e das verdades eternas. Vamos falar disso. Falar de nossos valores, dos meus valores.

Acredito na democracia e isso não é uma crença de ocasião. Muitos políticos ou partidos que se apresentam como democratas, desdenham a democracia nas suas ações diárias. Mas ao contrário de adversários políticos, para mim o compromisso com a democracia não é tático, não é instrumental. É um valor permanente. Inegociável.

Acredito que a democracia é o único caminho para que as pessoas em geral, e os trabalhadores em particular, possam lutar para melhorar de vida. Não é com o menosprezo ao Estado de Direito e às liberdades que vamos obter mais justiça social duradoura. Não há justiça sem democracia, assim como não há democracia sem justiça.

Acredito na liberdade de imprensa, que não deve ser intimidada, pressionada pelo governo, ou patrulhada por partidos e movimentos organizados que só representam a si próprios, financiados pelo aparelho estatal. Não aceito patrulha de idéias -- nem azul, nem vermelha. A sociedade é multicolorida, multifacetada, plural. E assim deve ser.

Acredito na liberdade de organização social, que trabalhadores e setores da sociedade se agrupem para defender interesses legítimos, não para que suas entidades sirvam como correia de transmissão de esquemas de Poder.

Organizações pelegas e sustentadas com dinheiro público devem ser vistas como de fato são: anomalias.

Acredito que o Estado deve subordinar-se à sociedade, e não ao governante da hora, ou a um partido. O tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou pra trás há mais de 300 anos. Luis XIV achava que o estado era ele. Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses assim.

Acredito que a oposição deve ser considerada como competidora, adversária, e não como inimiga da pátria. E, num regime democrático, jamais deve ser intimidada e sofrer tentativa de aniquilação pelo uso maciço do aparelho e das finanças do Estado.

Acredito que a disputa partidária e eleitoral não deve sobrepor-se aos interesses do Brasil e dos brasileiros. Somos irmãos na pátria e, juntos, temos obrigação de construir um País melhor. Eu sempre agi assim. Sempre acreditei no patriotismo democrático e adotei a colaboração de quem tinha o que somar, independente da carteirinha partidária.

Acredito nos direitos humanos, dentro do Brasil e no mundo. Não devemos elogiar continuamente ditadores em todos os cantos do planeta, só porque são aliados eventuais do partido de governo. Não concordo com a repressão violenta das idéias, a tortura, o encarceramento por ideologia, o esmagamento de quem pensa diferente.

Acredito no Congresso Nacional como a principal arena do debate e do entendimento político, da negociação responsável sobre as novas leis, e não como arena de mensalões, compra de votos e de silêncios.

Acredito no valor da Justiça independente, que obedece, mas não faz as leis e é guardiã do nosso Estado de Direito. E prezo as instituições que controlam o Poder Executivo, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público, que nunca vão ser aprimoradas por ataques sistemáticos de governos que, na verdade, não querem ser controlados.

Eu acredito nos servidores públicos e nos técnicos e trabalhadores de empresas estatais, que são vítimas do loteamento político, de chefias nomeadas por partidos ou frações de partidos, por motivos pouco confessáveis, males esses que chegaram até às agências reguladoras.

Acredito que são os homens que corrompem o poder e não o poder aos homens. Quem justifica deslizes morais dizendo que está fazendo o mesmo que outros fizeram, ou que foi levado a isso pelas circunstâncias, deve merecer o repúdio da sociedade. São os neo-corruptos.

Para mim está claro que honestidade não é programa de governo, mas sim uma obrigação de quem está na vida pública e lida com o dinheiro dos contribuintes: sem contar as receitas das empresas públicas, os governos no Brasil arrecadaram 500 bilhões de reais até o início de junho. No mesmo momento que o governo federal anunciava cortes nos gastos de Saúde e Educação, e que desacelerava as obras da transposição do São Francisco em Pernambuco e na Paraíba, gerando desemprego. Isso mostra simplesmente que o dinheiro público está sendo mal gasto.

Meus amigos e minhas amigas, gente de todo o Brasil que nos acompanha neste momento. Vamos falar claro:

Não tenho esquemas, não tenho máquinas oficiais, não tenho patotas corporativas, não tenho padrinhos, não tenho esquadrões de militantes pagos com dinheiro público. Tenho apenas a minha história de vida, minha biografia e minhas idéias. E o apoio de vocês que me conhecem e compartilham minhas crenças.

Venho de uma família pobre. Vim de baixo. Sempre falei pouco disso, e nunca com o objetivo de legitimar meus atos ou de inflar o mérito eventual dos meus progressos pessoais ou de minhas ações como político. Eu sou o que sou. Sem disfarces e sem truques. Tenho uma cara só e uma só biografia. E é assim que eu sou, é assim que eu vou me expor ao Brasil.

O que eu vivi na minha infância, na minha adolescência, no movimento estudantil, no exílio, nas perseguições que sofri, nas universidades, no Congresso, nos governos de que participei ou chefiei, carrego comigo cotidianamente. Não tenho mal entendidos com meu passado. Nada me subiu à cabeça, nada tenho a disfarçar.

Minha moral, minha índole, minhas convicções, minha capacidade de indignar-me diante das injustiças e da estupidez e até meu bom humor (acreditem), se formaram em meio ao povo pobre de um bairro operário.

Meu pai foi um camponês, analfabeto até os 20 anos de idade. Depois, foi vendedor de frutas. Acordava de madrugada para uma jornada de 12 horas diárias de trabalho, todos os dias do ano. Só folgava no dia primeiro de janeiro.

Ainda criança, na minha vizinhança, vi gente morrer sem assistência médica, vi brasileiros com deficiência jogados ao Deus dará. Passei a andar sozinho de bonde e de ônibus lotados, como sardinha em lata, desde oito ou nove anos de idade. Ganhei dinheiro, quando criança, vendendo laranja. Quando jovem, dando aula de matemática. Eu sei onde o calo aperta. Eu sei como é a vida real das famílias pobres deste país, pois sou filho de uma delas.

Estudei em escola pública e, graças ao meu esforço, entrei numa das melhores faculdades de engenharia do Brasil. No terceiro ano fui eleito presidente da União Estadual dos Estudantes. No quarto, aos 21 anos, presidente da UNE, presidente dos estudantes do Brasil. Condição de que muito me orgulho.

Meus sonhos da época são meus sonhos de hoje: um Brasil mais justo, mais forte e igualitário, na renda e nas oportunidades. Meus sonhos continuam vivos no desejo de uma boa educação para os filhos dos pobres para que, como eu, cada brasileirinho, cada brasileirinha possa seguir seu caminho e suas esperanças.

Quando o Brasil sofreu o golpe militar, em 1964, fui perseguido, caçado, acusado de subversivo. Rapaz ainda, deixei o Brasil e busquei asilo, primeiro na Bolívia, depois na França e finalmente no Chile. Estudei como nunca, tornei-me professor, casei, tive filhos, fui perseguido novamente por outro golpe militar, desta vez no Chile, devido às minhas ações contra a repressão e à tortura no Brasil. De lá, fui viver nos Estados Unidos.

De volta à nossa terra, voltei também à política e fui quase tudo: secretário de estado, deputado constituinte, deputado federal, senador, ministro duas vezes, prefeito, governador. Tenho a honra e o orgulho de ter recebido, em minha vida, mais de 80 milhões de votos. Meu orgulho vem de uma certeza: não é possível querer ser representante do povo sem submeter-se ao julgamento do povo. Não há democracia sem eleição, assim como não deve haver governante sem voto.

Não comecei ontem e não caí de pára-quedas. Apresentei-me ao povo brasileiro, fui votado, exerci cargos, me submeti ao julgamento da população, fui aprovado e votado de novo. Assim foi em cada degrau, em cada etapa da minha vida. Isso demonstra meu respeito pela vontade popular. 80 milhões de votos ao longo da vida pública - 80 milhões de vezes brasileiros me disseram sim, siga em frente que nós te apoiamos.

É graças a eles e a tantos outros que estou aqui hoje, aceitando esta imensa responsabilidade, falando às pessoas e às famílias.

Comigo, o povo brasileiro não terá surpresas. Além das minhas convicções e da minha biografia, além das minhas realizações e dos princípios que defendo, me apresento perante a nação com uma idéia clara de Governo e com prioridades anunciadas.

Pra mim, Governo tem de apoiar quem produz e quem trabalha. São as pessoas comuns, as pessoas simples. E tem que proteger os desamparados. Governo, como as pessoas, tem que ser honesto. Verdadeiro. Tem que ser solidário e generoso. Tem que garantir as oportunidades e buscar a igualdade. Governo tem que ser justo.

As necessidades e esperanças que, à frente do governo, queremos preencher, são as da maioria dos brasileiros.

A maioria dos brasileiros quer uma Escola decente para cada criança e para cada jovem, até o limite de sua capacidade. Eu também quero.

A maioria dos brasileiros quer deter o retrocesso na Saúde pública e dar a cada pessoa doente a possibilidade de uma consulta médica digna, de um leito hospitalar próximo e do acesso a uma ampla cesta de medicamentos básicos gratuitos. Eu também quero.

A maioria dos brasileiros quer proporcionar às pessoas com deficiência física a condição de cidadania, com acessibilidade, educação, reabilitação e oportunidades profissionais. Eu também quero.

A maioria dos brasileiros quer investimentos que qualifiquem e ofereçam empregos a cada pessoa que deseje trabalhar. Eu também quero.

A maioria dos brasileiros quer Segurança para suas famílias, quer que o governo federal assuma de vez, na prática, a coordenação efetiva dos esforços nessa área, ou o Brasil não terá como ganhar a guerra contra o crime. Eu também quero isso.

A maioria dos brasileiros quer se ver livre do tráfico de drogas, que fomenta o crime, destrói o futuro de jovens e de suas famílias. Quer a recuperação dos dependentes químicos. Eu também quero.

A maioria dos brasileiros quer que todos tenham uma casa decente para morar, com água e esgoto, luz e transporte coletivo. Eu também quero.

A maioria dos brasileiros quer um meio ambiente saudável, cada vez mais limpo, onde o ar que respiramos e a beleza de nossas terras e florestas sejam protegidos. Eu também quero.

A maioria dos brasileiros quer ter mais rendimentos, que a prosperidade econômica se expanda no tempo, de forma sustentada. Eu também quero.

Para que esses desejos e vontades sejam materializados, temos de tirar as idéias do papel, planejar as ações do governo, mobilizar os meios e perseguir à ferro e fogo as prioridades fundamentais. Estas prioridades precisam ser claras e é preciso governar desde o primeiro dia. É necessário dar hierarquia aos problemas, porque não se resolve tudo de uma vez só. É indispensável formar uma equipe coesa, com gente competente. E não com critério partidário ou de apadrinhamento, esse mesmo critério que está destruindo a eficácia da ação governamental no Brasil.

Temos de afastar-nos de três recordes inernacionais que em nada nos ajudam a satisfazer nossas necessidades e preencher nossas esperanças: o Brasil hoje tem uma taxa de investimento governamental das menores do mundo, a maior taxa de juros reais do mundo e a maior carga tributária de todo o mundo em desenvolvimento.

Minha atuação na vida pública atesta a minha coerência. Fui o relator do dispositivo constitucional que criou o Fundo de Financiamento ao Norte, Nordeste e Centro Oeste. Fui também o autor da emenda à Constituição brasileira que instituiu o que veio a ser o Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT. O Fundo, hoje, é o maior do Brasil e é patrimônio dos trabalhadores brasileiros, e financia o BNDES, a expansão das empresas, as grandes obras, os cursos de qualificação profissional, o salário dos pescadores na época do defeso. Tudo isso vem do FAT. E tenho orgulho de ter iniciado esse processo.

Graças ao FAT, também, tiramos o seguro-desemprego do papel e demos a ele a amplitude que tem hoje. O seguro-desemprego dormia há mais de 40 anos nas gavetas. Existia na lei, mas pouco na prática. Conseguimos viabilizá-lo e ele já pagou mais de 50 milhões de benefícios na hora mais difícil de qualquer família e de qualquer trabalhador.

Sou um brasileiro sonhador e obstinado, que usa o senso prático e capacidade de trabalho para fazer acontecer, para tirar do papel e transformar em realidade benefícios que só existem na teoria. Ofereço ao Brasil minha capacidade de transformar idéias em realidade. Em boa realidade.

Na economia, meu compromisso é fazer o Brasil crescer mais e mais rapidamente. Vamos abrir um grande canteiro de obras pelo Brasil inteiro, como fizemos em São Paulo. Estradas, portos, aeroportos, trens urbanos, metrôs, as mais variadas carências na infra-estrutura serão enfrentadas sem os empecilhos das ideologias que nos impedem de dotar o Brasil das do capital social básico necessário. É a falta de infra-estrutura que cria gargalos para o crescimento futuro e ameaça acelerar a inflação no presente.

Vamos gerar mais empregos. Atividades produtivas e obras públicas que priorizam nossa gente e materiais feitos aqui significam postos de trabalho e renovação do ciclo de criação de riqueza, em vez de facilitarmos a solução problemas sociais no estrangeiro. Vamos estimular a produção e o trabalho. Vamos tirar os obstáculos para a geração de riqueza e sua distribuição. Há muito por fazer. O Brasil pode muito mais.

Não vou exaurir aqui as propostas para as diferentes áreas. Já as tenho feito pelo Brasil afora. Mas faço questão de explicitar três compromissos com a Educação. O primeiro é dar prioridade à qualidade do ensino, que exige reforçar o aprendizado na sala de aula, começando por colocar dois professores por sala da primeira série do Ensino Fundamental. O segundo, é criar mais de 1 milhão de novas vagas em novas escolas técnicas, com cursos de um ano e meio de duração, de nível médio, por todo o Brasil. O terceiro é multiplicar os cursos de qualificação, mais curtos, para trabalhadores desempregados. Vejam o que fizemos em São Paulo. Vamos fazer muito mais em todos os estados do Brasil. E reforçaremos o Bolsa Família, dando uma ajuda de custo para os jovens cujas famílias dependem desse programa, para que possam se manter enquanto fazem os cursos profissionalizantes.

Dou outro exemplo de projeto, para a Saúde: vamos ter, ao final de dois anos, em todos os Estados, 150 AMEs, Ambulatórios Médicos de Especialidades, policlínicas com capacidade realizar 27 milhões de consultas e fazer 63 milhões de exames por ano.


Nunca chegaremos ao Brasil justo que desejamos enquanto tantos brasileiros tiverem menos do que precisam para sobreviver com dignidade. Meu objetivo é ambicioso, mas tenho certeza de que podemos sonhar e realizar. Vamos acabar com a miséria absoluta no nosso País. Quando ministro da Saúde, fiz o Bolsa Alimentação e meu colega de ministério, Paulo Renato, fez o Bolsa Escola. Eles foram reunidos pelo Bolsa Família, estiveram na origem deste programa. Nós vamos ampliar e melhorar o Bolsa Família. Mas vamos além. Vamos ampliar a rede de proteção social para cerca de 27 milhões de brasileiros que estão na base da pirâmide. Em português claro: vamos trabalhar com todas as nossas forças para acabar com a miséria absoluta no nosso País. Vamos lutar por isso. É possível fazer. O Brasil pode mais.

Meus amigos, minhas amigas:

Esta caminhada, que começamos no dia 10 de abril, em Brasília, tem sido prazerosa. Sinto-me bem. Nunca tive tanta energia física e mental como nestas semanas. Nunca me senti mais preparado para enfrentar um desafio como o que temos pela frente.

Nunca estive tão seguro a respeito do quê e de como fazer para que o nosso Brasil vença seus problemas. Sei o que fazer para que o nosso Brasil aumente a prosperidade econômica dos brasileiros de forma sustentada. E, importante, para que se obtenha mais progresso social para todos os que trabalham, para os desamparados e para que o nosso País assegure oportunidades aos nossos jovens.

Nestes meses tenho revisto o meu Brasil no seu conjunto e nos seus detalhes, o que renova minha forma de viver, que é a do aprendizado permanente. E é também reconfortante encontrar e descobrir, por toda parte, lembranças e efeitos de coisas que fiz ou que ajudei a fazer, nas obras, nos transportes, na Saúde, na Seguridade Social, na industrialização, nos investimentos. Reconheço um pouco de mim em alguns pedaços do Brasil que avançou e progrediu.

Tem sido bom nas cidades grandes e pequenas encontrar gente de bem, inteligente, gente que quer melhorar, gente disposta, confiante, exigente, às vezes crítica, muitas vezes com razão em suas reclamações, mas sempre brasileiros e brasileiras batalhadores. Encontros que levam alegria e esperança à minha alma, porque mostram o que o Brasil tem de melhor: nossa gente.

Ao longo da vida, tenho aprendido que as gerações se deparam com realidades distintas. E as respostas de cada uma delas, boas ou ruins, tornam-se questões da geração seguinte. Muito cedo, consolidei a crença de que seria possível imprimir um rumo positivo na seqüência de gerações que nos levasse do círculo vicioso da desigualdade e da pobreza para o círculo virtuoso da prosperidade, da maior igualdade e do desenvolvimento.

Guiado por essa inspiração, parto para a disputa. Vamos, juntos, com alegria, confiança e patriotismo. Nós sabemos o caminho. Já provamos nosso valor. Já fomos testados e aprovados. Vamos, juntos, porque o Brasil pode mais. Vamos juntos à vitória!

PSDB crê em palanques estaduais favoritos

DEU EM O GLOBO

Minas, São Paulo, Goiás, Piauí e Paraná estão entre estados com chance de vitória tucana

BRASÍLIA. No PSDB, sem disputa entre aliados, a aposta é que o favoristimo de alguns de seus candidatos aos governos estaduais - em especial nos dois maiores colégios eleitorais - possa favorecer Serra na corrida presidencial, embora nem sempre a transferência de votos seja automática. Em São Paulo, berço político de Serra, o ex-governador Geraldo Alckmin lidera a disputa com folga.

Em Minas, com o apoio e empenho declarados do ex-governador Aécio Neves, a expectativa dos tucanos é que o governador Antonio Anastasia (PSDB) seja reeleito já no primeiro turno, e que Serra garanta uma vantagem significativa em relação à sua principal adversária, a petista Dilma Rousseff - um dos desafios de sua campanha, já que o PSDB perdeu para Lula no estado nas duas últimas eleições. Para o comando do PSDB, o cenário de alianças nos estados é favorável a Serra.

- Atravessamos o momento mais delicado da campanha. As alianças vão para frente e para trás, mas não perdemos nenhum palanque - diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

A lista de tucanos com chance de vitória nos estados inclui ainda o senador Marconi Perillo em Goiás; o ex-prefeito Silvio Mendes no Piauí; o ex-prefeito Beto Richa no Paraná; e o ex-prefeito Wilson Santos no Mato Grosso. Dos outros três governadores tucanos que disputam a reeleição, Teotônio Vilela (AL) e Yeda Crusius (RS) poderão ter dificuldades para se eleger. Já José Anchieta é favorito em Roraima, onde fechou uma ampla aliança na qual garantiu até mesmo o apoio do atual líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

As alianças fechadas pelo PSDB também podem render bons dividendos eleitorais para Serra em oito estados, acreditam os dirigentes. Apesar de todos os problemas da aliança local, o PSDB crê que Serra terá boa votação no Rio, por exemplo. O deputado Fernando Gabeira, candidato pelo PV numa aliança com os tucanos, fará campanha para a candidata de seu partido à Presidência, Marina Silva. Mas o vice e o candidato do DEM ao Senado, o ex-prefeito Cesar Maia, abrirão seus palanques para Serra. Pelo menos é essa a expectativa, apesar de a família Maia ter torcido no início pela candidatura presidencial de Aécio Neves.

Jackson Lago promete palanque para Serra

Em Pernambuco, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) só aceitou disputar o governo estadual para garantir um palanque forte para Serra no estado. Para se contrapor ao palanque forte do governador Eduardo Campos (PSB), candidato à reeleição, que reuniu o PT e outros aliados em defesa de Dilma.

Na Paraíba, o candidato do PSB, ex-prefeito Ricardo Coutinho, fechou aliança com os tucanos, mas seu partido o proibiu de fazer campanha para Serra. Essa missão será delegada para o ex-governador Cássio Cunha Lima, que pretende disputar vaga ao Senado, mas depende de esclarecimentos da Justiça Eleitoral sobre a Lei da Ficha Limpa, já que foi cassado em 2009.

No Maranhão, o ex-governador Jackson Lago (PDT), também cassado ano passado, promete abrir palanque para Serra. Mas sua candidatura está na mesma dependência da de Cássio Cunha Lima. Lá, o palanque de Dilma será o de Roseana Sarney, contra o desejo do PT local de apoiar Flávio Dino (PCdoB).

Em contrapartida, Serra conseguiu um forte palanque peemedebista no Mato Grosso do Sul, com o apoio do governador André Puccinelli, que fechou acordo com o tucano.

Oposição reage à quebra de sigilo de tucano

DEU EM O GLOBO

Líderes de PSDB, DEM e PPS atacam campanha de Dilma por suposto dossiê; petistas negam responsabilidade

SALVADOR e BRASÍLIA. Sugerindo envolvimento direto do governo federal e da campanha da petista Dilma Rousseff, aliados do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, reagiram ontem à quebra do sigilo fiscal do vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, que foi ministro na gestão Fernando Henrique. Em suposto dossiê elaborado pelo PT constariam informações sobre depósitos que somam R$ 3,9 milhões na conta de Eduardo Jorge, conforme noticiou ontem a “Folha de S.Paulo”.

Para a vice-presidente do PSDB, a senadora Marisa Serrano (MS), caberá à Justiça apurar o suposto crime.

— Nessa época, estamos sujeitos a tudo. Trata-se da quebra do estado de direito e da falta de limites. Queremos uma eleição limpa — protestou Marisa.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), defendeu que o assunto seja investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral e que o Congresso Nacional convoque os supostos envolvidos no escândalo do dossiê.

— Não dá para aturar isso e deixar que a campanha eleitoral descambe para o pior nível possível. É um absurdo colocar o aparato do Estado à disposição de um partido.

Por isso, vamos acionar o TSE, a justiça comum e agir também no Congresso Nacional — adiantou.

Para o deputado Márcio Fortes (PSDB-RJ), o PT está cometendo “um estupro”. Fortes disse, inclusive, que acompanhou o processo de vendas de imóveis da família de Eduardo Jorge e que os depósitos seriam resultado dessas operações.

— Eu mesmo participei da venda dos imóveis pois ele (Eduardo Jorge) queria o contato das imobiliárias. O que está acontecendo é um estupro.

Afinal o governo como um todo tem acesso a vida de qualquer cidadão, é só querer. Em um Estado de Direito isso só pode acontecer com autorização judicial, do contrário é um crime hediondo.

Dirigentes do PT ironizam a nova denúncia De acordo com a “Folha de S. Paulo”, a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Eduardo Jorge foi realizada pelo mesmo grupo da equipe de coordenação da campanha de Dilma que teria formado um time de arapongas para a produção de dossiês contra Serra.

O governo e a cúpula do PT reagiram à notícia sobre a quebra de sigilo do vice-presidenteexecutivo do PSDB. Os dirigentes negaram qualquer participação no episódio, que acirrou a discussão na campanha.

Para o presidente do PT, José Eduardo Dutra, a denúncia é irresponsável.

— Essa denúncia é absolutamente ridícula. Ela não se sustenta. É uma denúncia absurda e irresponsável. O PT não orientou, não ordenou e não encomendou um dossiê. E do ponto de vista eleitoral, por que alguém iria fazer uma acusação contra Eduardo Jorge? Ele é o famoso "quem" — disse Dutra.

Para o líder do governo na Câmara e coordenador da campanha de Dilma, Cândido Vaccarezza (PT-SP), o suposto dossiê nunca foi tratado pelos integrantes da campanha.

— Esse não é um assunto que vamos tratar na campanha.

Não vamos discutir dossiê.

O Eduardo Jorge não é assunto de campanha. Não temos nada a ver com isso. Este é um problema do PSDB — concluiu Vaccarezza

Eduardo Jorge: 'Meus sigilos fiscal e bancário foram acessados por alguém'

DEU EM O GLOBO

O vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, não tem a menor dúvida de que seus sigilos bancário e fiscal foram quebrados por alguém, mas ainda pretende ouvir a cúpula do partido antes de anunciar as providências que tomará. Até porque ele reconhece que qualquer ação sua poderia ter uma repercussão política sobre a campanha do candidato tucano à Presidência da República, José Serra.

Eduardo Jorge revela ainda ao GLOBO que há cerca de dois meses foi avisado de que o PT estaria preparando um dossiê contra ele, mas não acreditou.

Adriana Vasconcelos
Enviada especial • SALVADOR

O GLOBO: O senhor ficou surpreso com a publicação de dados da sua declaração de renda e a revelação de sua movimentação bancária?

EDUARDO JORGE: Fui avisado há dois meses que o PT estava fazendo isso, mas não acreditei. O fato é que parte de minha declaração de imposto de renda foi publicada. Isso significa que alguém teve acesso a ela. Houve quebra do meu sigilo fiscal. A imprensa, quando me procurou, também citou depósitos em minha conta bancária. Isso, sem dúvida, comprova que alguém também quebrou o meu sigilo bancário.

O senhor realmente recebeu depósitos em suas contas que somam R$ 3,9 milhões

EDUARDO JORGE: Sim. Foram depósitos em três ocasiões diferentes. Em 2007, em 2009 e em 2010, cada um de R$ 1,3 milhão. Todos referentes à venda de dois terrenos do espólio do meu sogro, que foram adquiridos por seu pai há mais de 60 anos, para ser dividido entre os 10 filhos. Sou o inventariante do espólio do meu sogro. Fiz isso com uma autorização judicial e sou obrigado a prestar conta de tudo o que faço à Justiça. Não tem nada de ilegal nisso.

O que o senhor pretende fazer agora diante da constatação da quebra de seus sigilos bancário e fiscal?

EDUARDO JORGE: Eu vou analisar com o Sérgio Guerra (presidente nacional do PSDB) e toda a direção do partido se devo fazer alguma coisa. Porque qualquer coisa que eu faça neste momento pode ter repercussão política.


Há quem veja semelhança entre o que aconteceu com o senhor e o que ocorreu com caseiro Francenildo Costa. O que o senhor pensa sobre isso?

EDUARDO JORGE: Não vejo dessa forma. Primeiro porque não sou um caseiro como o Francenildo, mas o vice-presidente executivo do PSDB. E, aparentemente, não foi o presidente da Caixa Econômica Federal que determinou a quebra do meu sigilo. Como já fui muito julgado, não quero me precipitar e responsabilizar antecipadamente ninguém. Mas o fato é que não há qualquer dúvida de que meus sigilos fiscal e bancário foram acessados por alguém.

Homem biombo:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O deputado e ex-ministro Antonio Palocci virou o homem-biombo da candidatura Dilma Rousseff. Ele vai na frente, fala com os empresários e os dirigentes do mercado financeiro. Promete que com ela não será diferente na área econômica. Com a garantia do ex-ministro que foi considerado “um achado” na época da transição para o governo Lula, está crescendo o apoio a Dilma nesse grupo.

O enviado especial à elite financeira e econômica repete o discurso que ele aprendeu, e que é música para os ouvidos do empresário e do mercado financeiro.

O problema é que o risco Dilma é diferente do que era visto como o risco Lula. A natureza da ameaça agora é fiscal e de fortalecimento do intervencionismo estatista, que já apareceu no segundo mandato.

Esse modelo é frontalmente contraditório com a estabilização econômica. Ele não provoca uma ruptura imediata, mas mina a médio e longo prazo o que foi construído durante duas décadas.

É um risco implícito.

O risco José Serra está mais explícito. Ele deixou no ar os temores de uma intervenção indevida no Banco Central que poderia abalar um dos pilares da política econômica que estabilizou o Brasil derrotando as altas taxas de inflação.

Não se sabe o que ele fará com o Banco Central porque ele não explicou direito. Sua reação à questão só levantou mais suspeitas e dúvidas.

E elas só acontecem porque Serra tem a imagem de voluntarismo na área da política monetária e cambial construída em declarações e atitudes anteriores. Tem um trabalho a fazer em exorcizar esses fantasmas que só reapareceram porque sempre estiveram de alguma forma relacionados ao candidato do PSDB.

A oportunidade de aproveitamento da fraqueza do adversário foi vista pelo exministro Palocci. Ele foi o calmante dado ao mercado e às empresas em 2002.

Com o discurso aprendido com economistas estrangeiros ao partido, Palocci na época disse que seriam mantidos as metas de inflação, o câmbio flutuante, os contratos, a autonomia do Banco Central, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a normalidade da relação com credores da dívida interna e externa. Isso era o avesso de um programa de governo que na época propunha intervenção no sistema de preços, auditoria da dívida externa, plebiscito sobre pagamento de dívida, centralização cambial, fim do superávit primário.

A nomeação de Palocci para o Ministério da Fazenda, e não de qualquer um dos autores do programa econômico, foi o tranquilizante distribuído ao mercado pelo presidente Lula.

A equipe da Fazenda, toda montada com integrantes da máquina ou economistas de fora do PT, foi a segunda dose do calmante. Seu anúncio de elevar o superávit primário, a terceira. A nomeação de Henrique Meirelles encerrou o ciclo do medo de mudança naqueles pilares mais imediatos da estabilidade. Como resultado, as linhas de comércio voltaram, o risco Brasil caiu, o dólar caiu, a inflação foi baixando.

Hoje, o mercado e os empresários estão renovando sua confiança diante das garantias dadas por Palocci de que tudo será como antes.

Mas os riscos reais são outros. Palocci é o mesmo cuja proposta de déficit zero foi escorraçada pela então ministra-chefe da Casa Civil com a afirmação de que ela era “rudimentar” e que antes era preciso “combinar com os russos”. A proposta não tinha nada de rudimentar, era apenas fazer a boa política de aproveitar a época do boom e de crescimento da arrecadação para conter os gastos e dobrar a aposta fiscal. Isso teria derrubado mais os juros, evitaria a elevação da carga tributária, e criaria um círculo virtuoso.

Dilma por tudo o que disse, fez, decidiu é a favor do aumento extravagante do gasto público e tem uma visão da presença do Estado na economia que é muito semelhante à do período militar, cuja política econômica, ela e Lula citam com indisfarçável saudosismo.

Isso tem um preço alto como já se viu no passado.

Um empresário com conhecimento do assunto garantiu que o final da história de Belo Monte já está escrito: ela custará muito mais do que o orçado — R$ 30 bilhões em vez dos R$ 19 bilhões previstos — e acabará sendo um empreendimento total, inequivocamente, estatal. Hoje, já está claro que os riscos foram estatizados e os lucros serão apropriados em grande parte pelos sócios privados financiados a prazos longos e com juros baixos.

Belo Monte é apenas um dos exemplos, existem vários.

Ninguém que tenha informação sobre o assunto acha que o trem bala Rio-SP terá o preço que o governo calcula. É uma obra de engenharia de complexidade por trafegar entre o nível do mar e 800 metros, entre vários outros desafios tecnológicos.

Seu custo real está sendo calculado como muito mais do que os R$ 36 bilhões. Pode chegar a R$ 50 bilhões, pelo menos com vantagens e retorno não claramente dimensionados.

Essa visão de Estado de tocar projetos de impacto, a qualquer custo, iniciando as obras quando ainda não foram dimensionados os custos fiscais da opção, embute um risco enorme de elevação de carga tributária e de abalo das bases do edifício da estabilização tão duramente conquistadas.

Hoje não basta ouvir as palavras de garantia de apoio a determinadas políticas, é preciso entender o resultado das opções feitas.

Os riscos hoje são mais sutis do que na época do “vou mudar tudo isso que está aí”. Eles não são sequer percebidos em sua totalidade.

Ou são, e poucos gostam de admitir. A maioria das empresas brasileiras hoje é sócia do governo ou dependente químico do dinheiro subsidiado do BNDES.

Mesmo quem acha que há riscos no cenário Dilma prefere não falar. Por outro lado, o risco Serra também não foi exorcizado. Assim vamos para as eleições.

Desempate:: Rubens Ricupero

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Vale a pena dar nova chance à negociação, com menos jogadas de efeito e mais objetividade

Sob pena DE desmoralização, o Brasil não tinha como aprovar as sanções ao Irã no Conselho de Segurança após a rejeição do acordo mediado pelo presidente Lula e o premiê turco. Conforme admitiu editorial do "Financial Times", o voto contra preserva a possibilidade de que os dois mediadores voltem a agir como facilitadores imparciais.

A imparcialidade é, porém, atitude que se deve manter em relação aos dois lados. A única justificativa para rejeitar as sanções é o objetivo de manter aberta a porta da solução pacífica, nunca a de passar atestado de boa conduta ao governo de Teerã.

Foi, aliás, o que expressou no conselho de modo digno e sóbrio a embaixadora Maria Luiza Viotti, ao lembrar que, isoladas de outras medidas, as sanções nada resolvem e conduzem a consequências trágicas, como no caso do Iraque.

Juntamente com a Turquia, o Brasil tem sido acusado de se deixar manipular pelos iranianos e de agir como bisonho aprendiz de feiticeiro. A fim de mostrar que não se move por ingenuidade, a diplomacia brasileira precisa ancorar os seus próximos passos na óbvia necessidade de que o governo do Irã colabore para dissipar as veementes suspeitas acerca do real objetivo de seu programa nuclear.

Um país com gigantescas reservas de gás, ainda sem nenhuma usina elétrica nuclear em funcionamento, não tem como justificar a existência de uma cascata de 164 centrifugadoras de enriquecimento de urânio em operação, uma segunda cascata já pronta e planos de instalar dez mais!

Diante desses fatos, das declarações provocativas, das restrições aos fiscais da Agência Internacional de Energia Atômica, da instalação clandestina de Qom, não há como dar crédito aos protestos de que o programa tem fins pacíficos.

O que não quer dizer que o Irã não tenha razões de se sentir ameaçado depois do que aconteceu a seus vizinhos iraquianos. Tais preocupações legítimas teriam de fazer parte de uma negociação abrangente de todas as questões de segurança na área.

Responsáveis pelo desastre estratégico da invasão do Iraque, os americanos desempenham papel-chave: só eles podem fornecer as garantias que permitam aos iranianos se sentirem em segurança sem recurso a armas atômicas.

Ninguém, nem mesmo os EUA, acredita que as sanções sirvam para algo mais do que levar o Irã à mesa de negociação. Esse é também o propósito declarado do Brasil e da Turquia. As alternativas são muito piores: um improvável ataque militar de implicações imprevisíveis ou o desenvolvimento da bomba por Teerã com efeitos desestabilizadores numa região explosiva.

As sanções empataram o jogo, neutralizando por ora o acordo comemorado em Teerã com triunfalismo imprudente. Para desempatar e chegar a uma vitória sem perdedores, o melhor caminho é reconhecer que os EUA devem trabalhar com o Brasil e a Turquia a fim de persuadir o Irã a completar e aperfeiçoar o acordo de enriquecimento.

Vale a pena dar nova chance à negociação. Desta vez, no entanto, o jogo vai exigir menos jogadas de efeito para as arquibancadas e mais objetividade com vistas a produzir o único resultado em que todos saiam ganhando: a paz e a segurança para a região sem introdução de bombas nucleares.

A rosa de Hiroxima:: Vinícius de Moraes


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.