terça-feira, 15 de junho de 2010

Reflexão do dia – Geraldo Alckmin

" Quem pega carona e vai na garupa não guia, não breca, não acelera, não conduz.


(Geraldo Alckmin, candidato ao governo de S. Paulo, referindo-se a Dilma, ontem, em O Globo)

"Meu nome é Dilma" :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Os discursos nas convenções do PT e do PSDB, no fim de semana passado, revelam com clareza qual será o tom da campanha presidencial daqui para a frente, quando já temos candidatos oficiais e não simples pré-candidatos, como a esdrúxula legislação eleitoral definia até então. De um lado, a candidata oficial, Dilma Rousseff, transformada pelo próprio Lula em sua "laranja" eleitoral; de outro, o tucano José Serra atacando o PT, a falta de experiência da adversária, mas só se referindo a Lula de maneira indireta.

O presidente Lula vai explicitando sua estratégia à medida que a campanha vai chegando ao ponto crítico, que é a propaganda eleitoral de rádio e televisão.

Acho que não chegará a tanto, mas ele parece disposto a ir à televisão dizer ao eleitorado, qual um Enéas redivivo: "Meu nome é Dilma".

É interessante como Lula se lamenta em público por não ter podido disputar um terceiro mandato consecutivo, e o grau de autoelogio que utiliza quando se refere a ele.

Ainda não chegou a se referir a ele mesmo na terceira pessoa, como faz Pelé, mas está perto: "Vai ser a primeira eleição, desde que voltou (sic) as eleições diretas para presidente, que o meu nome não vai estar na cédula. Vai haver um vazio naquela cédula. E, para que esse vazio seja preenchido, eu mudei de nome e vou colocar Dilma lá na cédula. E aí as pessoas vão votar".

É um raciocínio linear de quem está com a autoestima em alta, e por enquanto vai vendo ser cumprido à risca quase tudo o que pretendia.

Nesse raciocínio, a política não entra, o que talvez seja a sua grande falha.

Digo "quase tudo" porque, até o momento, o tucano Serra está conseguindo escapar da armadilha de transformar a eleição em um plebiscito entre os anos Lula e os de FH.

A eleição está polarizada entre PT e PSDB, e Lula é o centro da disputa, mas não em comparação ao super adversário FH, e, sim, ao seu vezo centralizador.

O candidato do PSDB, José Serra, subiu o tom contra o PT no discurso na convenção em que foi indicado candidato oficial dos tucanos, mas arriscou uma crítica indireta a Lula, até agora inatacável.

Na fase em que ainda tentava se ligar a Lula no imaginário do eleitor, Serra chegou a dizer que Lula está "acima do bem e do mal", um exagero que nem mesmo o mais fanático de seus seguidores havia tido a coragem de assumir.

Mas esses foram outros tempos, quando ainda havia esperança entre os tucanos de que o eleitorado de Lula não embarcaria na candidatura de Dilma como está embarcando.

Serra, no sábado, decidiu avançar nas críticas: "Acredito que o Estado deve subordinar-se à sociedade, e não ao governante da hora, ou a um partido. O tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou para trás há mais de 300 anos. Luís XIV achava que o Estado era ele. Nas democracias e no Brasil, não há lugar para "Luíses" assim".

O nosso Luís não concorda, e continua falando como se o Estado fosse ele.

A luta da oposição parece estar centrada na tentativa de mostrar ao eleitorado que o Lula que não disputa a Presidência não é a mesma coisa que Dilma, apesar da garantia de Lula.

Até mesmo na convenção do PSDB paulista, que lançou Geraldo Alckmin a governador, o assunto apareceu.

Na análise dos principais líderes do PSDB, tanto lá, um estado "tucano", quanto em Minas, um estado que ainda está em busca de uma definição partidária, a eleição deste ano está mais fácil para os tucanos do que em 2006, porque Lula não é candidato.

Alckmin, por exemplo, fez questão de reforçar em seu discurso: "Lula não é candidato, está certo? Ele não está na campanha este ano".

Outra estratégia tucana ficou clara na convenção paulista, quando Alckmin atacou a falta de experiência de Dilma, chamada de "paraquedista" por Serra: "Quem pega carona e vai na garupa não guia, não breca, não acelera, não conduz. José Serra será nosso comandante", afirmou.

Dizendo-se "soldado de Serra", Alckmin tentou ainda desfazer a má impressão de que não está se empenhando o suficiente na campanha presidencial.

O ex-governador de Minas Aécio Neves, que comanda a campanha do PSDB mineiro na tentativa de eleger Antonio Anastasia seu sucessor em condições semelhantes às de Lula em relação a Dilma, esteve também presente na convenção tucana para mostrar a unidade do partido.

Ele também considera que a ausência de Lula facilita a possibilidade de vitória de Serra no estado, que deu duas vitórias seguidas a Lula nas eleições presidenciais de 2002 e 2006.

Certa vez, Aécio chegou a dizer que Lula era tão benquisto em Minas que, em certas regiões, os eleitores, se tivessem que escolher, poderiam deixar de votar nele para votar em Lula.

Este ano, o eleitorado mineiro vai ter, portanto, dois cabos eleitorais fortes a tentar induzir seu voto. Há indicações de que a imposição da candidatura de Hélio Costa, do PMDB, em detrimento do ex-prefeito Fernando Pimentel, não teve boa acolhida entre os eleitores petistas, o que pode prejudicar a campanha do partido em Minas.

O empate entre os dois candidatos demonstra que as questões regionais serão fundamentais na definição da vitória.

Por isso, até o final do mês, quando termina o prazo para as convenções regionais, as pressões serão grandes.

Um exemplo disso é o PP, partido que faz parte da base aliada do governo, mas tende a ficar neutro na disputa presidencial.

Há informações de que o governo está pressionando muito os setores regionais do partido que estão com a candidatura oficial para realizarem uma convenção, na tentativa de aprovar a formalização do apoio.

Mas as seções de Minas e as do Sul do país, que estão comprometidas com a candidatura de José Serra, estão trabalhando para adiar ao máximo a realização da convenção, para esfriar o ânimo dos "dilmistas".

Mesmo sem estar na telinha da máquina de votar, Lula continua sendo o principal ator dessa campanha presidencial, para o bem e para o mal.

Erro repetido:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Quando o governo americano foi apanhado mandando espionar o partido adversário eclodiu nos Estados Unidos uma crise política sem precedentes e o presidente Richard Nixon caiu por impeachment. No Brasil, perdeu-se a noção de como é grave essa delinquência política. Não houve punição alguma quando o PT foi apanhado comprando dossiê no Hotel Ibis em São Paulo. Não haverá agora.

O ponto decisivo foi setembro de 2006, quando um grupo formado por dois graduados funcionários do comitê de campanha de reeleição do presidente Lula, um diretor do Banco do Brasil, o chefe de comunicação da campanha do então candidato do PT ao governo do estado de São Paulo, pessoas da copa e cozinha do presidente foram apanhados tentando comprar um dossiê contra adversários. Dois deles estavam com R$1,7 milhão na mão, em dinheiro vivo, sem origem comprovada.

Eles foram presos, depois soltos, o diretor do Banco do Brasil foi demitido com muitos elogios, o suposto chefe da operação é hoje próspero fazendeiro. A reação da ocasião foi tentar negar as óbvias ligações com a estrutura da campanha presidencial, o presidente Lula chamou-os de "meninos" e "aloprados", e depois denunciou um suposto golpismo contra ele, Lula.

Os atuais indícios de que se pretendia espionar o candidato do PSDB ou que podem ter sido acessados dados sigilosos dentro da máquina da Receita Federal de um dos integrantes da direção do maior partido da oposição são a comprovação de que o que não é punido se repete. De novo, o presidente Lula usa o mesmo truque de tentar inverter a situação e colocar seu partido como vítima de uma armação.

Mais assustador do que um episódio isolado é o fato de que eles se repetem, numa clara indicação de que vão se tornando prática política no Brasil em período eleitoral. Espionar o adversário político usando escutas ilegais, acessando dados informados exclusivamente ao Setor Público e que estão protegidos por sigilo é totalmente inaceitável. Acostumar-se a isso é começar a cavar a cova da própria democracia, que pressupõe que todos se submetam às leis e que os partidos que governam são administradores temporários e não donos da República. Usar a máquina pública para intimidar adversários políticos é um veneno letal às instituições.

Há várias formas de ameaçar a democracia. Da mais óbvia delas, o golpe de Estado, aprendemos a nos defender. Mas existem outras formas sutis de solapar a democracia, deformá-la até que ela fique irreconhecível. O uso da máquina pública para fins partidários é uma delas. Outra, é a delinquência política reiterada e sem punição até que ela se torne parte dos usos e costumes do país.

O que torna o ambiente cada vez mais perigoso é que o Brasil não tem mais um presidente, tem um chefe político em campanha incessante. É isso que faz com que ele, em palanque, acuse a oposição de fazer "jogo rasteiro inventando um dossiê por dia". A atitude correta do presidente deveria ser a de querer tudo esclarecido para se saber se foi realmente uma pessoa lateral na campanha da sua candidata que tomou uma atitude isolada ou parte de uma conspiração; se há funcionários públicos usando para fins políticos o acesso que têm a dados dos cidadãos.

Não há esperança alguma de que o presidente Lula se comporte como um chefe de um governo de todos. Ele é o flagrante mais explícito da mistura entre partido e governo. A última esperança de que agisse como estadista foi em 2006. À frente nas pesquisas, com claras chances de reeleição, ele poderia ter tomado uma atitude depuradora dos maus costumes políticos que estavam se instalando em seu próprio comitê de campanha. Como a condenação ficou apenas no levíssimo epíteto de "aloprados", tudo ficou por isso mesmo. O sistema político brasileiro foi avisado de que essa prática é aceitável, basta, se alguém for apanhado, romper um contrato de prestação de serviço, isolar temporariamente a pessoa contaminada. O capítulo seguinte é fazer a transposição de papéis em que vítimas viram culpados, e os culpados, vítimas.

Ainda há 100 dias pela frente de campanha. Os candidatos estão lançados e agora começa oficialmente a campanha, que, na prática, o presidente Lula já começou há mais de ano. O balanço até agora é assustador. O presidente, mesmo punido cinco vezes pela Justiça Eleitoral, tem usado todos os atos públicos de governo para fazer propaganda partidária.

Um governo bem avaliado, um presidente com popularidade alta, num momento de crescimento econômico e otimismo não precisa de qualquer tipo de afronta à leis e aos bons costumes políticos para se manter no poder por mais um período. Se precisasse, não deveria fazê-lo por disciplina institucional. Basta confiar no seu legado, na candidata que escolheu e no contexto favorável.

Crime sem castigo tem carta branca para se repetir. Há inquietantes sinais de que a tecnologia da espionagem está se consolidando. Nunca mais se soube que um governo americano repetiu a tentativa de investigar o adversário político. O Watergate ficou como símbolo de que a delinquência política é punida exemplarmente. Nós ficamos aqui sob risco de novas gerações de aloprados a cada eleição.

O livro dos espíritos:: Melchiades Filho

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O golpe de 1964 teve "espírito democrático". A censura à imprensa foi "condição para o progresso". As cassações políticas, uma "necessidade" ante a "intransigência" do único partido de oposição (MDB) que a ditadura permitia existir na década de 70.

É espantoso, mas o dinheiro público ainda financia o ensino desses disparates no país. Como revelou a Folha no domingo, estão no livro de história usado nos colégios militares, com quase 15 mil alunos.

Pior, o Exército faz questão que os estudantes paguem por esse material didático, quando poderiam receber, de graça, outros livros de história credenciados pelo MEC.

É grave, portanto, o descaso do governo. O Ministério da Defesa promete acionar "autoridades competentes". A Secretaria dos Direitos Humanos optou pelo silêncio. A Casa Civil idem. Enquanto isso, louva-se a ditadura em sala de aula.

Na Presidência, Lula se revelou vacilante quanto à questão militar. Deixará ao sucessor, por exemplo, o exame de violações de direitos humanos no período da repressão. Para uns, foi amadurecimento político. Para outros, acovardamento.

Uma coisa, porém, é manter intocados os arquivos da ditadura. Outra é permitir que eles continuem a fabricar mentiras -e para jovens.

Um efeito da hesitação de Lula e seus ministros é que ela transfere à candidata do PT a pressão por um "posicionamento" -e não só devido ao passado dela na luta armada.

Como ministra, Dilma Rousseff não destoou do morde-e-assopra de Lula. Mas nunca pareceu confortável com essa abordagem no que diz respeito aos "anos de chumbo".

Numa premiação na Confederação Nacional da Indústria, em 2008, Dilma foi uma das poucas pessoas que não aplaudiram Jarbas Passarinho. O ex-ministro em três mandatos do regime militar acabara de discursar, e a ministra, de braços imóveis, procurava com os olhos na plateia um cúmplice para a "desobediência civil".

O futuro de Lula além do horizonte :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Depois de dois mandatos, o presidente Lula é daqueles que têm razões que a própria razão pode desconhecer sem precisar se explicar. É o primeiro a oferecer versões compulsórias, que não estão sendo cobradas nem enxugam dúvidas a seu respeito. Ninguém precisa lhe pedir explicações, ele mesmo se encarrega de oferecê-las, para não perder a oportunidade. Num assunto, porém, não conseguiu convencer, talvez porque também não esteja convencido. É o que pretende fazer depois que deixar de ser presidente.

Um ex-presidente não é alguém que possa se equiparar a um presidente e contar ao seu redor com pessoas dispostas a rir de suas anedotas e ouvir sem sorrir a versões guardadas para depois. Lula já deve estar cansado de se referir à variedade de ocupações a que pretende se aplicar – se este for o verbo adequado – depois de se despir do mandato presidencial. Desconte-se, porém, a diferença entre quem é e quem será depois que deixar de ser um presidente que não cabe mais em si mesmo, e de uma república que também excede as medidas de modelo austero.

Entende-se o cuidado do presidente, que era um quando chegou ao poder e agora passou perigosamente a dois. No mínimo. Depois de cumprir dois mandatos, sem perder de vista 2014, quer se refazer no que teria sido o terceiro. Um que foi e outro com o qual pretende voltar à Presidência, porque acha que o governo também se deu bem como ele. E também para terminar obra de governo que nunca terá fim.

Lula tem resistido saudavelmente mas, até quando, Catilina, ele abusará das alturas? O Brasil que Lula vê não é o mesmo aos olhos dos cidadãos que pagam impostos equivalentes a cinco meses de salários por ano. Sem falar dos aposentados que aumentam sua cota na população e perdem no que recebem: quanto mais vivem, menos ganham e mais gastam com remédios. Um dia as duas linhas vão se cruzar. Vida longa então ao ex-presidente para conferir.

A verdade é que o presidente teve suas razões, mas os cidadãos têm outras. Não é que a culpa seja de sua altura, mas o fato é que ele já bateu com a cabeça no teto em matéria de popularidade. Mais do que já alcançou, passa a ser risco para a democracia. Primeiro, porque a proeza pode vir a ser considerada supérflua, em relação ao custo astronômico das eleições. Segundo, porque ele próprio não resistirá à vertigem de se aproximar dos cem por cento de aprovação, que ele poderia querer superar com o sacrifício, não apenas da democracia mas também da aritmética, que não se limita às quatro operações.

Luiz Inácio Lula da Silva tem variado de opinião sobre qual atividade humana pretende aplicar tanta disposição de se ocupar ociosamente, desde que não lhe bloqueiem a volta ao poder pela via eleitoral (em 2014).

A pedra previsível no meio do caminho dá prioridade ao sucessor, seja ele quem for, e nesse caso seria natural, pois as águas do petismo e da social-democracia, que correm paralelas mas não se misturam eleitoralmente, só se unirão mais adiante, depois que o brasileiro incapaz de distinguir entre esquerda e direita for minoria residual na população.

O presidente precisará, rapidamente, de outra ocupação que não seja a figura do ponto, que o teatro moderno aboliu porque tirava a naturalidade dos atores quando, por um lapso de memória, precisavam ser socorridos por um cavalheiro que, com o texto na mão, de dentro do fosso no palco, soprava as frases.

Uma tragédia viraria uma farsa, como acontece, segundo Marx, à História em episódios que teimam em se repetir sem necessidade.

"O espetáculo do crescimento":: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Ao abrir a elaboração de seu programa de governo na internet, o PSDB parte da premissa segundo a qual o PT terá dificuldade para para discutir "conteúdo" na campanha. A apresentação de "novidades" é sempre mais difícil para o candidato chapa-branca, seja ele de "continuidade sem continuísmo", como José Serra, em 2002, ou de "continuidade da mudança", como Dilma Rousseff, na campanha eleitoral em curso. Mas a atual situação da economia torna mais difícil a abordagem tucana.

O "espetáculo do crescimento" está há seis meses em cartaz, sem um registro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - em vez dos costumeiros autoelogios, Lula preferiu atacar os que o criticaram por chamar de "marolinha" os efeitos sobre o país do tsunami financeiro de 2008. O crescimento no primeiro trimestre deste ano foi de 9% em relação a igual período de 2009, a inflação está estável e a taxa de desemprego, em queda - em abril foi a menor desde 2002, início da série histórica medida pelo IBGE.

A empreitada tucana é difícil mas não impossível. Há margem para a crítica, apesar do excelente portfólio petista. Antes de tudo o PSDB também precisa dizer como o Brasil "pode mais", ideia-mãe do discurso eleitoral de José Serra, quando são conhecidos os gargalos que impedem o país de continuar crescendo no ritmo em que cresceu no primeiro trimestre de 2010.

Pouco ou quase nada adianta dizer que o time perdia por 6 X 0 no primeiro tempo (2009, na sequência da crise financeira internacional do ano anterior), se na segunda etapa o jogo terminou 6 X 9 (2010, o ano da escolha do novo presidente).

O "espetáculo do crescimento" é sucesso de público, sem dúvida. Prova disso, para citar um exemplo, é a evolução do mercado do crédito nos últimos sete anos, que saltou de 25% para 45% do PIB. Cabe aos tucanos demonstrar que é um espetáculo vulnerável à crítica. E não só à crítica especializada, mas também ao grande público eleitor que se sente confortável com a situação atual e deve pensar duas vezes antes de apostar na mudança, nas eleições.

Um dos principais responsáveis por este sucesso é o mercado interno, que respondeu positivamente à aposta do governo. Em grande medida, graças à política de transferência de renda bancada pelo Estado brasileiro. De acordo com dados do Ministério da Fazenda, houve um aumento de 2,6 pontos percentuais do PIB na transferência de renda feita pelo governo, nos últimos sete anos. Em 2002, no último ano dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso ela foi de 6,4% PIB; ano passado chegou a 9% e aponta para um resultado semelhante em 2010.

Isso significa que o Estado transferiu R$ 81,7 bilhões a mais de renda para as pessoas, em 2009, do que no oitavo e último ano de FHC. Na prática, foram cerca de R$ 282 bilhões para a Previdência Social (aposentadorias, notadamente), benefícios sob o guarda-chuva da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e programas como o Bolsa Família, Seguro Desemprego e abono salarial, entre outros.

Como resultado, no governo Lula, 19,4 milhões de pessoas cruzaram a linha da pobreza e 31,9 milhões passaram a fazer parte da classe média, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas. São esses números que animam a campanha do PT e levam a candidata a falar da erradicação da miséria extrema num horizonte de tempo visível - 2014, portanto, na próxima Copa do Mundo. Para o mesmo período, mantida a atual tendência, as projeções governamentais apontam para mais 36 milhões de pessoas ingressando na classe média e outras 14,5 milhões saindo da pobreza.

Para a crítica especializada faltam, ao espetáculo, as condições de sustentabilidade do crescimento no longo prazo: poupança interna, maior investimento e a melhoria de uma infraestrutura em que não cabe a manutenção do que o país cresceu no primeiro trimestre de 2009.

O fato é que o país não "pode mais" com a atual rede de estradas, portos, aeroportos, usinas de energia. Mas os tucanos trabalham com uma proposta de crescimento de 7% durante uma década. Como vão fazer isso é a discussão que prometem alimentar nas próximas semanas, até a eleição de 3 de outubro, na internet.

Levantamento preliminar do Democratas (DEM) revela que o partido pode eleger uma bancada de cerca de 60 deputados federais, em 3 de outubro. Os caciques demistas já ficarão satisfeitos se esse número chegar aos 55, apenas três a menos que a bancada atual de 58 deputados. É um bom número para manter o Democratas no jogo, mesmo se José Serra perder a eleição. Neste caso, dificilmente o DEM - ou pelo menos a grande maioria- se manterá na oposição ao governo.

O DEM é o sucedâneo do PFL, que surgiu de uma dissidência do antigo PDS, o partido de sustentação do regime militar de 1964. Seus melhores momentos foram vividos na situação. Em 1998, na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, o Democratas, que estava aliado ao PSDB, elegeu a maior bancada da Câmara. Exatos 105 deputados, fato que nem o PMDB nem o PT conseguiriam igualar (é o que os petistas projetam eleger agora em outubro).

Na eleição seguinte, rompido com o PSDB, o PFL perdeu representantes na Câmara, mas manteve o segundo posto, ao eleger 84 deputados. O PT, em plena onda vermelha, elegeu 91. O PMDB, então sócio da candidatura tucana de José Serra, conseguiu emplacar 75 deputados. A abstinência governamental se fez sentir com força em 2006, quando o PFL mandou para a Câmara 65 deputados - bancada que atualmente conta com 53 deputados, depois da ação predatória do governo no território demista. Além disso, elegeu só um governador, José Roberto Arruda, que se tornou símbolo do político corrupto e atrapalha os planos eleitorais do DEM, neste momento. O figurino de oposição, definitivamente, não caiu bem no Democratas que, longe do poder, sente-se vulnerável e desconfortável. E não é só no chamado baixo clero.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras.

PT contraiu vícios da política nacional – Editorial/O Globo

Já é parte da História o momento em que dois líderes da frente de resistência à ditadura militar decidiram seguir caminhos diferentes, tão logo o país tomou o rumo da redemocratização. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo renomado e o metalúrgico forjado no novo movimento sindical surgido no ABC paulista, divergiram sobre como continuar a luta política. Um optou por trajar um figurino mais ao estilo da social-democracia europeia, e o outro, continuar com o macacão do chão de fábrica e lançar um partido classista.

O PT, por essas caraterísticas, teria mesmo imensas dificuldades de chegar ao poder em Brasília. Constituído de algumas frações da esquerda, o partido caiu nas graças das faixas mais instruídas da população urbana - mesmo assim apenas nos grandes centros - e ficou distante das massas. Numa simplificação, era um partido de trabalhadores com poucos trabalhadores no seu eleitorado. Bem votado nos Jardins paulistanos e na Zona Sul carioca, o PT capturou cerca de 30% do eleitorado nacional, e parou de crescer.

Em objetiva entrevista ao GLOBO, publicada sábado, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, amigo da candidata Dilma Rousseff, e um dos coordenadores de sua campanha, explicou a metamorfose pela qual o partido passou para conseguir chegar lá: "Não somos mais um partido que coloca a ideologia como uma máscara, como óculos escuros para não enxergar a realidade política."

É o que Lula havia percebido ao ser derrotado pela terceira vez numa eleição presidencial - duas delas pelo antigo companheiro de trincheira. Antes fechado a alianças, o partido se abriu a elas, colocou na chapa de Lula um empresário, e assim quebrou a barreira dos 30% dos votos. Houve mesmo um amadurecimento do partido, ao deixar no passado a origem classista.

O problema criado na mudança foi quanto à ética. "Operamos com a realidade política do jeito que ela é, para melhorá-la, para transformá-la. Foi o que o presidente Lula fez nestes últimos oito anos", disse Pimentel. Concorde-se com a primeira parte da declaração; quanto ao desejo do PT de transformar a realidade política, trata-se de um exagero.

Os tucanos, para governar, também se aliaram a forças à direita. O PT não inovou. A surpresa se deu pela forma até mesmo ávida com que altos escalões partidários se lançaram a práticas abomináveis e antigas da política brasileira: a fisiologia, o clientelismo e o patrimonialismo. Aliás, mazelas também presentes em segmentos do tucanato. A cultura de antigos desvios se misturou a conceitos e cacoetes da esquerda, e o que se viu foi a ideia de que os fins justificam os meios por trás do escândalo do mensalão, quando dinheiro sujo, inclusive desviado de cofres públicos, foi usado para literalmente comprar apoios no Congresso (o "fim" justificado).

Na atual campanha, o centralismo democrático, tão praticado nos partidos comunistas tradicionais, é usado sem remorso no PT para enquadrar militantes em certos estados e forçá-los a apoiar conhecidas oligarquias regionais. É legítima, e até correta, a intenção do PT de ser o partido da nova classe média em fase de crescimento - como declarou Pimentel. Todo partido que se preze não pode desconhecer o fenômeno. É de fato melhor para a democracia um PT não messiânico e disposto a negociar alianças.

Mas, até agora, ele em nada contribuiu para modernizar a política brasileira. Pelo contrário, contraiu seus vícios.

O criador e a criatura – Editorial/O Estado de S. Paulo

Dilma Rousseff, estabeleceu o presidente Lula, será apenas um nome para preencher o que chamou de "vazio" na cédula eletrônica de 3 de outubro. "Eu mudei de nome e vou colocar a Dilma lá", discursou ele na convenção do PT que homologou a candidatura da ex-ministra. Que outro governante, a não ser ele, teria a caradura de reduzir à absoluta insignificância a fiel seguidora a quem escolheu solitariamente para lhe suceder? Só mesmo um político que ama a si mesmo sobre todas as coisas e se tosta ao sol de uma superlativa popularidade poderia dizer com desprevenida franqueza o que desde sempre era óbvio a todos quantos acompanham a operação eleitoral lulista: a sua decisão de disputar, por interposta pessoa, o terceiro mandato que a lei lhe veda.

Lula não se pejou de humilhar a sua criatura, cuja incapacidade de respirar politicamente por si rivaliza com uma falta de apelo e carisma que resiste aos esforços dos melhores marqueteiros. Nem os 1.800 convencionais petistas reunidos domingo em Brasília tiveram algum momento de genuína empolgação ao longo do seu discurso de 50 minutos - salvo quando ela se desmanchava em louvações ao patrono, o que fazia com patética insistência. Mas, para ele, a dignidade da candidata, para não falar em autonomia, é o que menos importa. Já se sabe que, tão logo termine a Copa do Mundo, Lula mergulhará ainda mais fundo do que até aqui na operação de sair pedindo votos para si sob outro nome.

O teatro começou na própria convenção, concebida para exaltar a condição feminina de Dilma. Nas pesquisas, como se sabe, a maioria das mulheres prefere o adversário José Serra. O artificialismo da montagem ao menos foi coerente com o confronto postiço armado por Lula entre "nós e eles, pão, pão, queijo, queijo", como se os aspirantes ao Planalto fossem de fato ele e o antecessor Fernando Henrique. À candidata em carne e osso resta falar em "seguir mudando", mas "com alma e coração de mulher". Pode-se contar, durante a campanha, com uma proliferação de platitudes do gênero, testando a paciência daquela parcela do eleitorado que ainda acredita que os candidatos devem lhe oferecer "pão, pão, queijo, queijo", como sinônimo de propostas e prioridades.

Para Serra, trata-se de um desafio. Não, evidentemente, porque lhe faltem uma coisa ou outra. Mas porque, nesta campanha que o lulismo fará tudo para manter engessada no molde plebiscitário, será pouco para o ex-governador contrapor o noviciado de sua oponente com a sua indesmentível experiência, como tornou a assinalar no sábado, em Salvador, na convenção do PSDB que ratificou a sua indicação. "Não comecei ontem e não caí de paraquedas", disse então. Ele terá de se haver com o presidente que não se cansará de dizer que estará na cédula com outro nome. Até a convenção, Serra parecia pensar duas vezes antes de não criticá-lo. Chegou a afirmar, numa espécie de fuga para a frente, que Lula "está acima do bem e do mal".

Bem diverso foi o seu tom na festa tucana. Dessa vez, atacou a presidência imperial de Lula, a sua convivência com a corrupção, o aparelhamento do Estado, as afinidades do presidente com ditadores. Duas passagens de sua fala foram especialmente pontudas. Na primeira, lembrou que "o tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou para trás há mais de 300 anos", para emendar: "Luís XIV achava o que o Estado era ele. Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses assim." Na segunda, pregou "o repúdio da sociedade" a quem "justifica deslizes morais dizendo que está fazendo o mesmo que outros fizeram ou que foi levado a isso pelas circunstâncias". Estes "são os neocorruptos".

Serra teria decepcionado os 8 mil militantes presentes no evento que abre a temporada eleitoral propriamente dita se não fizesse as suas críticas mais pertinentes a Lula e ao lulismo - ainda mais sob o impacto da revelação de que arapongas aparentemente a serviço da campanha de Dilma quebraram o sigilo fiscal do vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira.

Mas, perante o eleitorado, Serra não poderá transformar o incensado Lula em alvo nem fingir que ele não existe.

Onde começa o desvio :: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A propaganda eleitoral em rádio e TV é a divisão desigual de um direito que é democraticamente igual

A eleição presidencial brasileira tem componentes antidemocráticos. Até quando criados com o objetivo de oferecer à maioria do eleitorado melhor conhecimento dos candidatos, para o voto mais livre e consciente, e portanto mais próprio da democracia.

A propaganda eleitoral gratuita originou-se do melhor dos propósitos. A tal ponto, que seus impulsionadores se dispuseram a desconsiderar a contrariedade do poder televisivo. Para não o fazer de todo, criaram o pagamento do tempo utilizado pela propaganda gratuita, apesar de serem os canais de TV e rádio propriedades da União -do país, logo, da população- concedidas gratuitamente à exploração de particulares.

Mas a boa intenção embaraçou-se na multiplicidade dos partidos, capaz de gerar um número exagerado de candidatos e, com isso, anular a finalidade de conceder tempo à exposição das ideias. A boa intenção aproveitou para ficar menos boa e se aproximar da praxe.

A solução foi conduzida pelos partidos maiores, que decidiram pela divisão do tempo proporcionalmente à dimensão das bancadas partidárias na Câmara. Daí chegou-se ao que é a propaganda eleitoral gratuita na eleição presidencial.

É a divisão desigual de um direito que é democraticamente igual. A solução para evitar a desigualdade poderia encontrar-se lá atrás, por exemplo, em regras democráticas que coibissem a inflação de partidos de aluguel, ou em impedir a associação de tempos entre partidos, ou em determinados tipos de prévias, além de medidas mais criativas do que essas.

Como está a propaganda eleitoral gratuita, um candidato que desfruta de 20 minutos tem favorecimento de 20 vezes o do concorrente que dispõe de um minuto, como se verá, até em desproporção maior, ao começarem os programas. É desigualdade brutal. Que não considera os concorrentes, mas os partidos, como se o necessário ao eleitorado -e o objetivo da propaganda gratuita- estivesse em atentar para siglas e não em conhecer, para escolha mais consciente, o seu futuro governante.

Desde que atendidas certas exigências, para condições democráticas de disputa o programa teria que ser dividido em frações de tempo iguais. Não sendo assim, decorre uma degradação da ética, em termos pessoais e políticos, que começa na conveniência das alianças, em busca de tempo maior na propaganda gratuita, e termina em degradações nas práticas de governo e do Congresso.

Uma realidade que se elabora nos subsolos partidários, mas que não escapa às fotografias: os autores das piores trocas de acusações e julgamentos, os que até criaram partido para evitar convivências, de repente enlaçados em abraços e sorrisos, sócios no usufruto do possível futuro governo. E, para isso, já somados nos tempos de propaganda gratuita.

Processo de propaganda eleitoral assim pode ser tudo, menos de eleição democrática.

Insegura, Dilma evita debates e entrevistas

DEU EM O GLOBO

Tradicionais rodadas de entrevistas em eleições não terão a presença de Dilma Rousseff. Temendo gafes, sua assessoria não confirmou ida ao "Roda Viva" (IV Cultura) e ao "Espaço Aberto" (GloboNews).

Dilma cancela entrevistas e vai para a Europa

Coordenação da campanha teria achado melhor retirar candidata de cena por uma semana, o que ela nega

SÃO PAULO. A candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, cancelou entrevistas que já tinham sido confirmadas e partiu ontem à noite para uma viagem pela Europa, que incluirá França, Bélgica, Espanha e Portugal. Coordenadores da campanha da petista dizem que ela não está fugindo do confronto direto com os adversários e que ela vai para a Europa porque foi convidada, mas assessores de líderes europeus disseram que os encontros foram pedidos pela candidata.

Dilma cancelou sua participação na sabatina do Uol com a "Folha de S.Paulo", marcada para esta quinta-feira, dia 17, e tem se recusado a conceder entrevista para a GloboNews, além do programa "CQC", da TV Bandeirantes. Ela também não confirmou ainda participação na rodada de entrevistas dos presidenciáveis para o programa "Roda Viva", da TV Cultura, embora sua assessoria diga que ela poderá ir à emissora no fim de junho, sem fixar data. Dilma disse no Twitter, porém, que vai aos debates nas TVs Globo, Band, Rede TV! e Record e nega que esteja se recusando a participar da discussão eleitoral.

Assessores de Dilma não escondem que ela não tem experiência em campanhas e debates - o que de fato não tem - e por isso ainda estaria insegura para enfrentar os adversários ou entrevistas com muitos jornalistas e plateia. Na semana passada, em entrevista a um programa popular de rádio de São José dos Campos, Dilma chegou a dizer que Lula recebeu do antecessor Fernando Henrique Cardoso um país "afunhanhado" (uma expressão regional, chula, usada pelo entrevistador e repetida por ela). Antes, numa outra entrevista, Dilma afirmara que o Irã tinha armas nucleares, contrariando todo o discurso do governo brasileiro. Na rádio CBN, chamou o presidente da Câmara, Michel Temer, seu vice, de presidente do Senado.

Mesmo depois dos cancelamentos, a candidata do PT afirmou ontem no Twitter que "não faz o menor sentido" as acusações de que estaria evitando os debates. Ontem, ela falou para a Rádio Jovem Pan, de São Paulo, por telefone, e tem concedido entrevistas a emissoras de rádio de todo o país. Em seu Twitter, Dilma disse que já tem debates marcados para quando retornar de sua viagem à Europa.

- Não tem o menor sentido dizer que estou evitando debates e entrevistas. Basta olhar a imprensa. Amarelas na "Veja" esta semana, Jovem Pan hoje - afirmou Dilma no Twitter.

Ela usou a viagem à Europa para justificar o cancelamento de sua participação na "Sabatina da Folha", que havia sido confirmada antecipadamente. Pelo evento devem passar Marina Silva, candidata do PV, amanhã, e o tucano José Serra no dia 21, segunda-feira.

- Só não irei na data marcada porque embarco daqui a pouco para uma série de encontros com chefes de Estado e governo europeus - afirmou.

Dilma também tem se recusado a dar entrevistas para o canal GloboNews. Ao programa "Espaço Aberto", de Míriam Leitão, a assessoria da petista alegou que as entrevistas teriam como prioridade canais abertos de TV. No twitter, Dilma afirmou ontem que, quando voltar da Europa, se dedicará a debates agendados com redes de televisão.

Era uma vez uma Copa, no exílio, na prisão, no seringal

DEU EM O GLOBO

Presidenciáveis relembram onde estavam em outros campeonatos mundiais

Silvia Amorim, Maria Lima e Catarina Alencastro

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Estádio Nacional do Chile, palco da conquista da Copa de 1962 pelo Brasil. Esse é o endereço de um episódio que o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, não esquece. Foi para lá, 11 anos depois da conquista do bicampeonato pela seleção brasileira, que ele, exilado político, foi levado pela ditadura de Augusto Pinochet. No lugar onde Garrincha e Vavá hipnotizaram o mundo, e que em 1973 havia se transformado em campo de prisioneiros, torturas e assassinatos, Serra passou um dia preso, acusado de atitude subversiva.

O tucano estava exilado no Chile quando o Brasil foi tricampeão mundial em 1970, no México. No campeonato seguinte, dois meses antes do início da disputa, o ex-líder estudantil teve que deixar às pressas o território chileno, fugindo do governo de Pinochet. Anos depois, Copas do Mundo trouxeram outras lembranças a Serra.

A primeira Copa de que tem lembrança é a de 1950, quando tinha 8 anos. Da final com o Uruguai, guarda a imagem do pai, Francesco, comemorando aos gritos o primeiro gol do Brasil e, depois, abandonando o rádio para caminhar na rua de tão nervoso, até a derrota da seleção no "Maracanazo". O filho saiu ao pai na paixão pelo futebol. E não gosta de ver pênaltis.

- Saio para outro lugar e fecho os olhos - diz.

Torcer para o Brasil em 1970 não foi simples. Serra não tinha TV e assistiu aos jogos na companhia dos amigos exilados, comportamento que era alvo de crítica da militância de esquerda.

- Alguns torciam contra o Brasil numa postura de enfrentamento da ditadura. Outros deixaram a paixão pelo país e pelo futebol falar mais alto. Eu e Serra estávamos no grupo - conta Almino Affonso, secretário de Relações Institucionais do governo de São Paulo e companheiro de exílio de Serra.

A Copa do México foi a primeira do tucano como pai. Como os televisores eram pequenos, ele e os amigos se dividiam em grupos em várias casas para ver a seleção. Foram duas Copas no Chile (1966 e 1970). Serra é um torcedor fanático, que xinga e grita durante todo o jogo.

- Um torcedor comum, nada calado - define-se o presidenciável, palmeirense roxo.

- Quando o Palmeiras perde, não quer conversa. Se eu tinha algo para despachar com ele, fazia antes ou deixava para outro dia - revela José Luiz Portella, secretário estadual e amigo de estádio.

Serra também já chorou por futebol.

- Estávamos assistindo a Palmeiras e Corinthians, no Morumbi, em 2008. Quando o Palmeiras fez o terceiro gol, ele chorou. Ganhamos de 3 a 0 - diz Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras e amigo de Serra há mais de 30 anos.

Quando Serra era governador, no pacote de jornais que recebia em sua mesa diariamente não podia faltar um especializado em esportes. Uma vez, durante reunião como governador, Serra saiu da sala e voltou minutos depois com as mãos na cabeça e semblante preocupado. Um dos presentes conta que chegou a pensar numa tragédia. Nada. Ele havia acabado de receber no celular uma notícia sobre o Palmeiras. O pai de Serra também era palmeirense fanático.

- O pai dele atirava o rádio na parede quando o time perdia - conta Belluzzo.

Em 2008, em seu discurso na inauguração do Museu do Futebol, Serra se lembrou do pai:

- Bem criança, eu vinha com meu pai nos domingos à tarde assistir aos jogos do Palmeiras. Era da inocência: enquanto jogavam aspirantes, os craques da partida principal ficavam assistindo, sentados no alto das arquibancadas, e eu em volta.

Nos jogos de rua com os amigos, Serra era zagueiro. Nunca foi a uma Copa, mas tem uma camisa da seleção de 2002 - ano em que perdeu a eleição presidencial para Lula - com autógrafo de todos os jogadores. Avisou que vai assistir aos jogos do Brasil, apesar da campanha:

- Vejo todos os jogos. Se eu estiver viajando, vejo onde estiver, porque qualquer lugar no Brasil para.

Nos idos dos anos 1960 e 1970, mesmo quando se dizia que futebol era coisa de menino, as meninas Maria Osmarina - a verde Marina Silva - e Dilma Vana - a petista Dilma Rousseff - se entusiasmavam com os jogos da Copa do Mundo. Entre uma distração e outra, prestavam atenção no que ouviam e diziam os homens da casa. E participavam das comemorações. Guardam até hoje as lembranças, algumas não tão boas, dos jogos que fizeram a história do Brasil no mundo do futebol.

Quando a seleção brasileira estrear hoje contra a Coreia do Norte, na Copa da África do Sul, a presidenciável Dilma Rousseff estará na capital francesa, por onde inicia agenda de cinco dias por países da Europa. Antes da viagem, ela relatou ao GLOBO histórias que guarda na memória. Revelou que achava Rivelino "maravilhoso". Mas a Copa de 1970, que deu ao Brasil o tricampeonato, não teve grande destaque em suas lembranças.

- Também me lembro muito da Copa de 70, a Copa do "Pra frente Brasil", porque eu estava na cadeia (presa pela ditadura) - diz a presidenciável petista, por último, depois de contar que já se interessava pelo assunto quando tinha cerca de 10 anos de idade. - Despertei para o mundo das copas de futebol por volta de 10 anos, com a Copa da Suécia (1958). Eu me lembro também da Copa do Chile, mas a que mais me marcou foi a da Suécia. E me lembro da imagem do Pelé disparado pelo campo, com todos os outros jogadores correndo atrás.

Dilma, que morava em Belo Horizonte nesse período, lembra também que a família se reunia para assistir aos jogos. Corriam soltos a tietagem das mulheres e o ciúme dos homens.

- Os filmes chegavam depois dos jogos, em preto e branco, e assistíamos em grande festa. As mulheres da família, minhas tias, primas, ficavam maravilhadas com o Rivelino, que era maravilhoso! Isso gerou ciúmes. Os homens da família tomaram uma certa antipatia do Rivelino.

O tricampeonato brasileiro em 70 traz lembranças mais vivas, e as melhores, para a senadora Marina Silva, que tinha 12 anos naquela época, e morava no seringal Bagaço, no interior do Acre, com seus pais e suas seis irmãs. Ela contou ao GLOBO que sua principal lembrança é mesmo a do jogo em que o Brasil derrotou a Itália por 4 a 1, conquistando a Taça, em 1970.

Lembra que os jogos eram acompanhados pelo radinho de pilha do pai, que a cada vitória dava tiros de espingarda para comemorar.

- Os vizinhos, em loteamentos próximos, também respondiam com tiros. Ao ouvirmos a notícia de que o Brasil era campeão, todos saímos correndo para fora de casa - conta Marina, recordando as brincadeiras da criançada com uma bola improvisada, feita pelo pai com o látex das seringueiras.

Mas a bola dava muito trabalho, lembra Marina, dando a receita de como fazer uma bola de látex:

- Você defuma o látex em cima de um pequeno vidro, põe para secar no sol, depois tira do vidro, sopra e passa numa capa de látex também várias vezes até que ela fica uma bola encorpada, mas ela quica muito. Você chuta a bola e ela parece que tem asas. Então é uma dificuldade, porque ela quase não toca no chão. Mas era com isso que a gente jogava. Meu pai jogava com uma goleira contra nós, que éramos todas meninas.

Área econômica e aliados duelam sobre aposentados

DEU EM O GLOBO

Sob pressão, Lula deve buscar agradar aos dois, sem prejudicar Dilma

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncia hoje se mantém ou veta o reajuste de 7,7% para os aposentados que ganham acima do salário mínimo, em meio a uma forte pressão que rachou o governo e aliados. Parlamentares e ministros da área social temem que o veto ao aumento aprovado pelo Congresso prejudique a campanha da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Mas a área econômica está unida contra o aumento, que representa uma despesa anual de R$ 1,6 bilhão, além do que o governo previra no Orçamento com o reajuste de 6,14%, já autorizado. A tendência é a de que o presidente adote uma solução intermediária e decida por um reajuste de 7%. Ontem, ele disse que não vai estragar sua "relação com aposentados", mas que não fará extravagâncias em ano eleitoral.

Pressão eleitoral sobre reajuste de aposentados

Aliados defendem os 7,7% por temer desgaste para Dilma, enquanto área econômica pede veto; Lula deve tentar agradar aos dois, dando 7%

Cristiane Jungblut

Às vésperas de o presidente Lula anunciar sua decisão sobre o reajuste para os aposentados que ganham acima do salário mínimo, cresceu no governo uma guerra interna entre parlamentares e ministros da área social, que defendem a manutenção do aumento de 7,7%, e a área econômica, que está unida na defesa do veto. Pressionado pelos dois lados, Lula deve conceder um reajuste intermediário de 7% - veta os 7,7% aprovados pelo Congresso, mas melhora o índice proposto inicialmente pelo governo, de 6,14%, que já vem sendo pago desde janeiro. A área política teme reflexos negativos do veto na campanha da petista Dilma Rousseff.

A alternativa foi apontada ontem por interlocutores que estiveram com o presidente Lula durante sua viagem a Minas. Hoje o presidente tem nova reunião com a equipe econômica, a partir das 9h, no CCBB, para dar a palavra final. Lula deve decidir sobre o assunto antes do jogo de estreia do Brasil na Copa da África. Hoje é o último dia para sanção, ou não, da lei.

O índice de 7% chegou a ser aceito pelo governo como limite durante as negociações com o Congresso, antes da votação final da medida provisória que tratava do reajuste. A área política do governo está preocupada com o desgaste junto aos aposentados e com respingos na campanha de Dilma. Segundo assessores, Lula já "ouviu todos os lados".

A pressão da área econômica para que Lula vete o reajuste cresceu no fim de semana, provocando uma reação de defensores do aumento. Na sexta-feira, o presidente dissera a um interlocutor que estava em dúvida sobre o que fazer, mas que os argumentos da área econômica eram muito fortes.

Os defensores da manutenção do reajuste de 7,7% esperavam contar com a simpatia de ministros da área social, como Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), e até de Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Carlos Eduardo Gabas (Previdência), que publicamente já haviam alertado que o presidente poderia vetar o aumento.

Aposentados não têm do que reclamar, diz líder

Ontem, integrantes da área econômica voltaram a dizer que, só com cortes em outras áreas, seria possível dar os 7,7%, que gera uma despesa de R$1,6 bilhão acima do que o governo previu no orçamento com o reajuste de 6,14%.

Principal defensor dos 7,7%, o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), disse ontem que confia na sanção do reajuste pelo presidente Lula.

- Confiamos que o presidente Lula vai ouvir a área social (do governo) e não a área econômica. Caso ele vete tudo, a batalha será para derrubar o veto. Isso afeta muito, muito (politicamente), porque mexe com uma área que sempre foi abandonada - disse Paulinho, defensor da candidatura Dilma.

O PMDB engrossou as pressões para que o presidente Lula não ceda aos argumentos da área econômica. O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), disse que o partido pediu a Lula que mantenha os 7,7%, mesmo admitindo que os argumentos da área econômica são muito fortes.

- Que o presidente Lula não venha a vetar o aumento de 7,7%. A diferença não é tão absurda, de 7% (que o governo admitia) para 7,7%. Que o presidente consiga convencer a área econômica. O PMDB faz esse apelo - disse Henrique Alves, negando, porém, que haja preocupações eleitorais com o caso.

Já o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP), disse que os aposentados "não têm do que reclamar" ao terem ganhado um aumento de 6,14%:

- Os 6,14% foram um acordo entre as centrais (sindicais) e o governo federal. Não foi um número cabalístico. Os 7% eram o limite, nunca escondemos. Os aposentados não têm do que reclamar do presidente Lula, e não tem hipótese de comprarmos briga com os aposentados, porque eles ganham um aumento real.

Lula já decidiu vetar o fim fator previdenciário, também aprovado pelo Congresso. Criado em 1999, esse mecanismo que inibe aposentadorias precoces gerou, em dez anos, economia de R$10,1 bilhões ao governo. A estimativa é que o fim do fator previdenciário poderá ter um impacto financeiro, no primeiro ano, de R$2 bilhões.

Colaborou: Gerson Camarotti

DEM faz pressão para garantir vice de Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma vez que Aécio não quer ficar com a vaga, os aliados dos tucanos reagem a ideia de chapa puro-sangue e cobram direito de indicar parceiro de chapa

Julia Duailibi

No momento em que setores do PSDB pressionam para que a chapa presidencial do tucano José Serra seja puro-sangue, o DEM faz ofensiva para garantir nome ligado à legenda na composição.

Em reunião ontem com a coordenação da campanha de Serra, caciques do DEM reforçaram a tese de indicar um nome ligado à legenda. Uma vez que o ex-governador Aécio Neves (MG) não quer ficar com a vaga de vice, os aliados dos tucanos avaliam que a indicação deve ser deles.

No PSDB, no entanto, as maiores apostas são em torno do presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE), e do senador Álvaro Dias (PR). A favor de Dias, está o fato de a sua indicação fortalecer o palanque no Paraná, onde os tucanos tentam fechar aliança com o irmão dele, senador Osmar Dias (PDT), que também flerta com os petistas.

"É um direito do PSDB e de algumas pessoas, mas não é isso que estamos ouvindo", comentou ontem o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), sobre setores tucanos que querem a chapa puro-sangue, ao deixar reunião com Guerra. Maia, que estava acompanhado do ex-senador Jorge Bornhausen (SC), negou que o assunto da vice tenha sido tratado na reunião de ontem. "Acho que caminha para o DEM , mas não tratamos disso."

O DEM deve ainda ter reunião com Serra para tratar desse tema. Internamente, discute-se o nome do deputado José Carlos Aleluia (BA) e, mais recentemente, tem sido mencionado o de Valéria Pires (PA), mulher do deputado Vic Pires. Essa solução é defendida por ala do PSDB para a qual a vice tem de facilitar a composição nos Estados. A escolha de Valéria facilitaria acordo entre DEM e PSDB no Pará.

"Esse final não é fácil", comentou Guerra sobre a tentativa de amarrar as alianças nos Estados que garantam um palanque forte para Serra. O senador voltou a dizer que não recebeu um convite para ser o vice de Serra. "Não dá para recusar convite que não recebi", declarou ao ser questionado se recusaria a indicação.

Indagado se a indicação de um vice do tradicional aliado não causaria constrangimento no PSDB, já que o ex-governador do partido José Roberto Arruda foi envolvido no escândalo conhecido como "mensalão do DEM", Guerra desconversou: "Não acho isso relevante."

Santa Catarina. No encontro de ontem, PSDB e DEM trataram dos palanques estaduais onde há maior dificuldade para firmar aliança entre as duas legendas. Além do Pará, entraram na pauta Goiás e Santa Catarina, que era um dos principais impasses regionais.

O caso catarinense avançou ontem. Lá, a tríplice aliança entre PMDB, DEM e PSDB deve ser reeditada nas eleições de outubro. A composição entre as legendas estava à beira do colapso, já que os três partidos queriam lançar candidaturas próprias.

Ontem pela manhã chegou-se a uma solução em torno do candidato do DEM, senador Raimundo Colombo (DEM), que ficará com a cabeça de chapa. O PMDB deve levar uma das vagas ao Senado e a de vice-governador. Os tucanos ficam com a outra indicação ao Senado.

Também com problemas, Goiás deve ser o próximo Estado em que tucanos e democratas tentam uma saída comum.

PSB libera apoio a tucanos em Minas, Alagoas e Paraná

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Apesar de alianças regionais, "a campanha para presidente é para Dilma", afirma Eduardo Campos
Eugênia Lopes
Brasília - Depois de preterir a candidatura do deputado Ciro Gomes (CE) à Presidência da República e formalizar aliança com o PT de Dilma Rousseff, a direção nacional do PSB liberou ontem o partido para apoiar candidatos tucanos ao governo de Minas Gerais, de Alagoas e do Paraná.

"Mas a campanha para presidente é para Dilma", disse o presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Sem a presença de Ciro, o PSB oficializou ontem o apoio à candidatura da petista.

Campos minimizou a ausência de Ciro e de seu irmão, o governador Cid Gomes, do Ceará, no congresso extraordinário do partido que, por unanimidade, oficializou a aliança com o PT. "Ele (Ciro) tem o tempo dele. Mas o Ciro vai estar ao lado do partido. A posição dele será a posição do PSB", afirmou Campos.

Ciro viajou para o exterior durante todo o mês de maio, depois de ter sido escanteado pelo PSB.

Em Minas, os socialistas vão apoiar a reeleição de Antonio Anastasia (PSDB) e a candidatura de Aécio Neves (PSDB) e Fernando Pimentel (PT) para o Senado. Será a chapa "Dilmasia" - o voto para presidente na petista e no tucano para o governo do Estado. A aliança do PSB com o PSDB em Minas é antiga: em 2008, os dois partidos e o PT se uniram para eleger o atual prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB).

Em Alagoas, o PSB vai apoiar o tucano e candidato à reeleição Teotônio Vilela. No Paraná, os socialistas se aliaram ao tucano Beto Richa na disputa pelo governo do Estado. "Estamos sempre onde estivemos", disse Campos, referindo-se ao fato de o PSB ser aliado de tucanos nos três Estados há anos. O número de palanques em que o PSB vai apoiar o PSDB poderá aumentar caso os socialistas decidam apoiar a candidatura do tucano Anchieta Júnior ao governo de Roraima.

Na Paraíba, ocorrerá o inverso na aliança entre os dois partidos: o candidato do PSB, Ricardo Coutinho, será apoiado pelos tucanos. Depois de oficializar o apoio à candidatura de Dilma Rousseff, o presidente do PSB garantiu que o partido vai manter a aliança com o PC do B em torno da candidatura do deputado Flávio Dino ao governo do Maranhão.

Maranhão. Na sexta-feira, a direção nacional do PT decidiu que os petistas maranhenses têm de apoiar a reeleição da governadora Roseana Sarney (PMDB). "Nossa posição é de manter o apoio à candidatura de Flávio Dino", garantiu Campos. O ex-governador José Reinaldo, ex-aliado da família Sarney, será o candidato do PSB ao Senado.

O PSB terá candidato em nove Estados: Amapá (Camilo Capiberibe), Mauro Mendes (Mato Grosso), Renato Casagrande (Espírito Santo), Wilson Martins (Piauí), Paulo Skaf (São Paulo), Iberê Ferreira (Rio Grande do Norte), além de Eduardo Campos, Ricardo Coutinho e Cid Gomes.

PSDB intensifica exposição de Serra na TV

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Candidato monopolizará as 40 inserções que partido passa a veicular a partir de hoje

Catia Seabra e Breno Costa

SÃO PAULO - Na tentativa de reverter o cenário de empate com a petista Dilma Rousseff, o PSDB investirá, a partir de hoje, na exposição de José Serra na propaganda partidária.

Segundo integrantes do comando da campanha, Serra monopolizará as 40 inserções que o PSDB levará ao ar nas noites de hoje e dos dias 22, 26 e 29.

Nas peças, Serra falará em rádio e TV. Ele atuará como porta-voz de valores e ações do partido. A intenção é martelar a imagem de Serra, como contraponto à ideia de que Dilma está sob a tutela do presidente Lula.

Já o programa partidário do PSDB, de dez minutos, será veiculado na noite de quinta-feira.

No PSDB, a opção pela propaganda partidária em plena Copa do Mundo foi objeto de controvérsia.

Para alguns tucanos, ela será ofuscada pelos jogos. Outros acreditam que, com os olhos voltados para a tela, mais eleitores assistirão às inserções; não ao programa.

Apesar de estar se recuperando de uma sinusite, Serra deverá assistir ao jogo de estreia da seleção em lugar público no Rio. Se ele não melhorar, porém, deverá ver o jogo numa cantina na Mooca, bairro onde foi criado.

CONTROVÉRSIA

A data do programa não é o único motivo de controvérsia na oposição -também é o vice de Serra.Enquanto o comando do PSDB insiste na chapa puro-sangue, parte do DEM estrila.

Ontem, o presidente do partido, Rodrigo Maia (RJ), e seu antecessor, Jorge Bornhausen (SC), se reuniram com o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), e reafirmaram a defesa de um democrata para a vice.

À saída do encontro, Maia ficou mudo ao ser questionado sobre o risco de ruptura caso o DEM não tenha a vaga.

"Não vetamos ninguém. Mas entendemos que o vice deva ser do DEM", declarou Bornhausen.

Cotado para a vice com o apoio de outra fatia do DEM, Guerra afirma que qualquer decisão dependerá do aval do aliado, mas não rechaça a hipótese de ocupar a vaga:

"Não dá para recusar convite que não recebi", disse.

Na reunião, Guerra foi informado da decisão do PMDB de Santa Catarina de apoiar o DEM para o governo, o que une PSDB e os Democratas.

Bahia: Candidatos prováveis, mesmo sem querer

DEU EM A TARDE (BA)

Paixão Barbosa

“Não fui contatado por ninguém, convidado por ninguém, sondado por ninguém. Trato da minha campanha para deputado federal.” Estas foram as palavras do deputado federal baiano José Carlos Aleluia (DEM), quando consultado a respeito da possibilidade de ser candidato a vice-presidente na chapa do tucano José Serra.

Vocês podem verificar que ele não disse que não será candidato a vice, o que continua a alimentar as especulações nos bastidores da cena política nacional. Realmente, não vejo muita vantagem para ele nesta troca, de uma reeleição com certa tranquilidade para uma disputa “árdua” (como classificou o próprio Serra no último domingo). Mas em política, como todo mundo diz – e é verdade – tudo é possível e Aleluia ainda não é figura descartada nesta “caçada ao vice” que os tucanos estão promovendo.

Vejam o caso do senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM), que já estava convencido de que o melhor, para ele e para a sua família, seria retomar sua vida de enpresário e professor. Leio, nesta segunda-feira, que a passagem de José Serra pela capital baiana, no sábado, quebrou suas resistências e ele já estaria disposto a aceitar ser candidato.

E olhe que ele sabe, mais do que ninguém, que sua eleição será vista como uma “zebra”, pois a disputa maior, vendo o quadro a partir do cenário de hoje, parece que ficará em torno dos dois candidatos da chapa de Jaques Wagner (PT) – Lídice da Matta e Walter Pinheiro – e do senador César Borges (embora este seja prejudicado com a candidatura de ACM Júnior). Correm por fora os nomes de Edivaldo Brito (PTB) na chapa de Geddel Vieira Lima (PMDB), de José Ronaldo e do próprio ACM Júnior (ambos do DEM e companheiros de chapa de Paulo Souto).

Em política também é assim: nem sempre a vontade pessoal prevalece e, às vezes, é preciso aceitar missões que já se anunciam como impossíveis.

PSDB adia convenção para analisar possibilidade de reeditar tríplice aliança em Santa Catarina

DEU NO DIÁRIO CATARINENSE

Nesta segunda, Pinho Moreira (PMDB) retirou candidatura ao governo para apoiar o DEM

O PSDB decidiu em reunião na noite desta segunda-feira adiar a convenção do partido para 30 de junho. Os tucanos criaram uma comissão para conversar com o candidato do DEM, Raimundo Colombo, sobre como seria sua participação em uma possível reedição da triplice aliança na corrida pelo governo de Santa Catarina.

O encontro se deu após uma segunda-feira agitada na política catarinense, motivada pelo recuo de Eduardo Pinho Moreira (PMDB), que retirou sua candidatura ao governo em favor de Colombo. Caso não concorde com a tríplice, o PSDB deve ter como candidato o governador Leonel Pavan.

Outros partidos também se movimentaram após o anúncio de Pinho Moreira. O deputado Joares Ponticelli, presidente estadual do PP, conversará na quarta-feira com Manoel Dias (PDT) sobre a possibilidade de uma aliança nas eleições deste ano.

Também nesta semana, Ponticelli deve se encontrar com o presidente estadual do PT, José Fritsch, e a senadora petista Ideli Salvatti para discutir o quadro político.

Ceará: Candidato do PSDB sai na segunda-feira

DEU NO DIÁRIO DO NORDESTE (CE)

O senador Tasso Jereissati criticou a posição do deputado Ciro Gomes e chegou a dizer que se sentia traído

Prefeitos, deputados e lideranças outras do PSDB cearense já estão convocadas para o encontro da próxima segunda-feira, quando o senador Tasso Jereissati anunciará o nome do candidato a governador. Para um grupo de 39 prefeitos reunidos ontem à noite, Tasso disse que o candidato será do PSDB.

Ontem, Tasso além de reclamar do tratamento do Governo Cid Gomes (PSB) aos tucanos, ainda criticou o comportamento do deputado federal Ciro Gomes quando disse que ele não era mais aquele mesmo homem que conhecera, pois nos últimos dias não deu uma palavra sequer sobre toda essa situação política que envolve o seu irmão governador e o PSDB.

Como na última quinta-feira, quando foi anunciado o rompimento do PSDB com o Governo do Estado, Tasso Jereissati não falou com a imprensa. Os prefeitos de Crato e de Itapipoca, respectivamente, Samuel Araripe e João Barroso, além do presidente estadual do partido, Marco Penaforte, foram os escalados para falar.

Descartados

Embora os prefeitos tenham indagado sobre nomes, o senador Tasso Jereissati não deu qualquer pista, limitando-se a dizer que o candidato será do partido. Alguns nomes apontados pelos prefeitos, mesmo a título de indagação foram descartados por Tasso, a exemplo do que aconteceu na última quinta-feira, quando do encontro com os deputados do partido e mais o presidente estadual do DEM, empresário Chiquinho Feitosa.

Naquela oportunidade, só o deputado estadual Neném Coelho ainda questionou a decisão do partido de ter candidato próprio ao dizer, na frente de todos e do próprio presidente da agremiação que só votaria contra Cid Gomes se o candidato do PSDB fosse o senador Tasso Jereissati. Ontem, os deputados ficaram apenas aguardando o resultado da reunião e imediatamente foram comunicados pelos respectivos prefeitos de suas bases eleitorais.

Jarbas adia a convenção à espera de um senador

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Encontro, antes marcado para a próxima sexta (18), fica agora para o dia 30, último dia do prazo. Tempo também será usado na tentativa de atrair outros partidos para a aliança, entre eles o PP

Sérgio Montenegro Filho

O clima de indefinição na composição da chapa e na costura de novas alianças levou o principal bloco de partidos de oposição estadual (PMDB, PSDB, DEM, PPS e PMN) a adiar sua convenção estadual conjunta, prevista inicialmente para a próxima sexta-feira (18). O ato – que tem como objetivo homologar as candidaturas majoritárias e proporcionais da coligação oposicionista – foi remarcado para o dia 30, último dia do prazo. Nessa mesma data, os partidos do bloco governista estarão oficializando, em convenção, a candidatura do governador Eduardo Campos (PSB) à reeleição.

O adiamento foi informado ontem à tarde, em nota assinada pelos cinco partidos, que consideraram “a necessidade de um prazo maior nas articulações com outras legendas do Estado, visando o fortalecimento das candidaturas de José Serra (PSDB) à Presidência da República e de Jarbas Vasconcelos (PMDB) ao governo”. Mas o pivô da questão é a dificuldade de encontrar um nome para preencher a segunda vaga de candidato ao Senado na chapa encabeçada por Jarbas, que já conta com a deputada Miriam Lacerda (DEM) na vice e com o senador Marco Maciel (DEM) concorrendo à reeleição.

Com a desistência do presidente nacional tucano, senador Sérgio Guerra, de disputar a reeleição, as oposições precisavam ganhar tempo para analisar mais opções para a vaga. Persistem as especulações em torno do nome do deputado federal Raul Jungmann, do PPS, embora ele próprio tenha descartado a hipótese, ressaltando que o PPS já colocou o nome do ex-secretário de Saúde Guilherme Robalinho como opção ao Senado.

A ideia de lançar mão de um nome de fora do PSDB, porém, não agrada à cúpula da aliança jarbista, que reconhece a importância de ter um tucano na chapa majoritária, pelo peso político do partido no Estado. No final de semana, voltou a ser oferecida a opção pelo cientista político André Regis, ligado ao PSDB, sob a justificativa de que atenderia ao perfil de “cara nova” para a chapa. A alternativa, porém, não teria agradado a Jarbas. Segundo aliados, antes da discussão de qualquer nome, é urgente uma conversa definitiva entre o pré-candidato a governador e o senador Sérgio Guerra. O encontro estava previsto para esta semana, mas com o adiamento da convenção os dois lados ganharam mais tempo.

REFORÇOS

Além da definição sobre o segundo candidato ao Senado, a ampliação do prazo para a convenção garantirá aos articuladores da aliança oposicionista tempo para novas conversas com algumas legendas que ainda não se posicionaram no cenário da sucessão estadual. Entre elas, a mais cobiçada é o PP, cuja adesão garantiria ao bloco das oposições mais tempo nos programas do guia eleitoral de televisão e rádio, além de reforçar as bases no interior. A interlocução com o partido tem sido conduzida por Sérgio Guerra, que tem aproximação com o o deputado federal Eduardo da Fonte, presidente do PP em Pernambuco.

Anastasia recebe mais apoio

DEU NO ESTADO DE MINAS

PRB, do vice-presidente José Alencar, critica aliança PT-PMDB que concorrerá ao governo estado e deve anunciar apoio à candidatura do governador tucano ao Palácio da Liberdade
Ezequiel Fagundes

Anastasia atribui o fortalecimento de sua candidatura à "bem-sucedida" administração do PSDB no governo do estado nos últimos sete anos

O PRB, do vice-presidente José Alencar, vai marchar com o governador Antonio Anastasia (PSDB) na disputa pelo governo estadual. Em encontro no Palácio da Liberdade, ontem, com a presença de Anastasia, o presidente estadual da sigla, Rogério Colombini, confirmou o apoio, mas ponderou que só baterá o martelo sobre a questão depois de comunicar a Alencar.

Ele não economizou críticas à coligação PMDB-PT, que decidiu impor a candidatura do senador Hélio Costa para o governo. Na avaliação de Colombini, os partidos da base do presidente Lula (PT) perderam oportunidade histórica de construir um palanque suprapartidário no estado. No plano nacional, o PRB vai apoiar a candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff à Presidência. “O cenário ficou muito confuso e, numa linguagem mais simples, sem muita teorização, virou um samba do crioulo doido. Quando isso acontece, dá errado”, avaliou.

Como Alencar já havia manifestado que não interferirá nas decisões do partido, Colombini acredita que vai oficializar o apoio aos tucanos nesta semana. “Ele (Alencar) já deu o ok”, disse.

Além do PRB, mais cinco partidos da base do governo Lula (PSB, PR, PDT PTB e PP) já acenaram que subirão no palanque de Anastasia. A debandada na campanha de Costa, segundo Colombini, foi causada pela forma como foi negociada a aliança entre peemedebistas e petistas. “O que ocorreu difere totalmente do modo de fazer política em Minas”, avaliou.

O segundo secretário do diretório estadual da legenda, vereador Carlos Henrique, declarou que os petistas erraram ao definir que vão participar sozinhos das eleições proporcionais (deputados estaduais e federais). “Tem muito candidato forte do outro lado que está desesperado porque tem consciência de que terá dificuldades enormes para se eleger”, contou.

Toda a bancada de parlamentares do PRB mineiro, formada pelo deputado federal George Hilton, deputado estadual Gilberto Abramo e pelos vereadores Carlos Henrique e Chambarelle, participou da reunião, conduzida pelo secretário Danilo de Castro, principal articulador político do governo. Cotado para ser vice de Anastasia, o presidente da Assembleia Legislativa, Alberto Pinto Coelho (PP), também compareceu ao encontro.

Antes de entrar para a reunião, Anastasia fez comentários sobre a adesão de partidos da base de Lula na sua campanha. Sem citar adversários, ele atribuiu o fortalecimento da candidatura à “bem-sucedida” administração dos tucanos nos últimos sete anos.

Leia a 'Carta ao povo maranhense!' assinada por Dutra e Manoel da Conceição

DEU NO JORNAL PEQUENO (MA)

Estamos em greve de fome desde o dia 11 no Plenário da Câmara Federal. Fomos empurrados para a este sacrifício. Estupraram o Código de Ética do Partido para doar o PT para uma oligarquia corrupta. Violentaram a democracia interna para eternizar o poder de uma família.

Somos fundadores do PT. Nestes 30 anos nunca envergonhamos o Partido. Jamais nos envolvemos em escândalos. Ajudamos eleger o Presidente LULA na esperança de livrar os maranhenses dos desmandos dos Sarneys.

Não conseguimos. Com chantagens, dissimulação e bajulação, Sarney ampliou o poder que exerceu na ditadura às custas de delações, exílios, prisões, torturas e mortes de muitos brasileiros.

A fome de poder desse bruxo não tem limites. Este homem tem a barriga do fim do mundo: ele agora quer se apossar do PT do Maranhão e privatizar a popularidade do Presidente Lula na tentativa de reeleger a filha Roseana.

Sem piedade, trocaram a nossa alma pela promessa de 3 milhões de votos.

Que dívida impagável é esta que Sarney não pára de cobrar do nosso Presidente e do PT? Quem será a próxima vítima dessa dívida? Quanto mais Sarney humilha o PT mais a dívida cresce!

Quem entregou o PT para Fernando Sarney (que de uma lapada desviou 14 milhões de dólares para exterior) ainda tem coragem de falar em honestidade?

Quem doou o PT para a rainha da Lunus, depois de tantos escândalos com recursos públicos, não pode mais falar de ética e transparência.

Quem se torna refém de um oligarca sem caráter e dissimulado, após os escândalos do Senado, não pode mais falar em decência.

Quem destrói lideranças e desrespeita aliados históricos para eternizar uma oligarquia brutal não pode mais falar em democracia.

Quem esquece o passado e tripudia sobre velhos companheiros não pode mais falar em solidariedade, fraternidade, socialismo.

Quem doa o PT em troca da promessa de votos não pode mais falar em reforma política.

Que projeto nacional é este em que o Partido do Presidente da República e da futura presidente se transforma em sublegenda do Partido do vice-presidente?

Porque tanta brutalidade com o PT se o PMDB tenta livremente derrotar o PT na Bahia, Pará, Rio Grande do Sul, São Paulo e outros estados?

Entregar o PT para oligarquia Sarney significa jogar no lixo a legalidade partidária. É a negação da ética e da decência na política. É sepultar as esperanças de libertação do povo maranhense após 46 anos de escravidão. É agredir os movimentos sociais, desrespeitar aliados históricos e destruir o Partido no Estado.

Estamos cansados de derrotar Sarney no Maranhão e ele ser vitorioso no tapetão de Brasília.

Por isto estamos em GREVE DE FOME, em defesa da coerência, da decência e da legalidade partidária.

O direito vai prevalecer, pois acreditamos nos petistas que têm consciência e na JUSTIÇA BRASILEIRA.


Plenário Ulysses Guimarães, em 14 de junho de 2010.

MANOEL DA CONCEIÇÃO – PRIMEIRO FUNDADOR NACIONAL VIVO DO PT

DOMINGOS DUTRA – DEPUTADO FEDERAL E FUNDADOR DO PT NO MARANHÃO

A sombra do meu buraco:: Graziela Melo



"Teu buraco está pronto. É tua cova. A areia está lá do lado. É só ti jogá lá e ti cubrir”.

Era a noite de 2 de maio de 1964. Noite da minha prisão e eu estava diante do delegado do DOPS de Pernambuco. Acabara de ver, me esticando por uma janelinha, o Gilvan de cueca, numa cela lá de baixo.

A Sônia, então esposa de Milton Coelho da Graça, que me fazia gestos fraternos estava na sala ao lado. Me piscava o olho de vez em quando e, diante dos tiras, fingia que não me conhecia.

Arrepiada estava eu. De medo. Me apavorava com as ameaças do delegado cruel que tentava me intimidar com essa exaustivamente repetida frase do "teu buraco está pronto!!!"

Mesmo às altas horas da noite, não conseguia dormir. Era um estado psicológico de vigilância permanente, instintiva, para ver e saber o que ocorreria conosco. Às vezes me revezava, tentando cochilar, com minha "colega de sofá", Luiza, uma freira “subversiva”, presa numa cidade do interior, em "flagrantes atos de subversão".

Bom, depois liberaram a Sônia e nos transferiram para a Casa de Detenção do Recife, onde permaneci por longos sete meses. Mas até hoje, decorridos longos 45 anos, vivo e convivo, cotidianamente, com essa sinistra sombra do "meu buraco" na cabeça!!!



(Graziela Melo, poetisa, autora do livro "Crônicas, contos e poemas"- Fundação Astrojildo Pereira, 2008)

POEMA EM LINHA RETA :: Fernando Pessoa


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.