terça-feira, 6 de julho de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna


Continuar e aprofundar tal inspiração dos fundadores da moderna república brasileira implica torná-la presente na agenda das questões relevantes com que a sociedade hoje se defronta, quer sejam as que envolvem o modo de inscrição do país no cenário internacional, quer as que tratam da questão social, do meio ambiente, ou mesmo das próprias políticas sistêmicas que definem os rumos da economia, que não podem ser autônomas, na determinação de suas linhas gerais, das preferências expressas pelos cidadãos. Para tanto, exigem-se respostas novas, e que tenham como ponto de partida o envolvimento da sociedade e de sua vida associativa, tal como no processo recente que levou a criação da lei da Ficha Limpa


(Luiz Werneck Vianna, em artigo, ‘Uma maneira de escolher um candidato’, no Valor Econômico, ontem)

Contradições :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Os problemas de uma coligação que é fruto apenas do interesse do PT pelos cinco minutos de propaganda eleitoral gratuita a que o PMDB tem direito, por ter elegido a maior bancada da Câmara em 2006, começaram a aflorar logo no primeiro momento oficial da campanha sucessória, antecipando a instabilidade política de um governo sem definição ideológica homogênea que surgirá de uma eventual vitória da candidata oficial Dilma Rousseff.

A primeira versão do programa de governo que a candidata registrou no TSE contemplava apenas as diretrizes aprovadas pelo PT em fevereiro, quando ela ainda era ministra da Casa Civil, com boa parte das reivindicações das alas mais à esquerda da legenda.

O programa que meses depois o PMDB apresentou à candidata, com o objetivo declarado de neutralizar os radicalismos petistas, foi simplesmente ignorado.

Temas como tributação de grandes fortunas, defesa da jornada semanal de 40 horas imposta pelas centrais sindicais ao PT, o "controle social" dos meios de comunicação, e negociação entre as partes antes da reintegração de posse de propriedades invadidas - todas propostas da esquerda radical do PT em documentos como o da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) ou o Programa Nacional de Direitos Humanos - foram incluídos no programa oficial da candidatura petista, e o PMDB anunciou que não o aceitará nesses termos.

Numa manobra tão rápida quanto o receio de revelar seus verdadeiros propósitos e chocar a parte do eleitorado que ainda acredita que Dilma é tão flexível ideologicamente quanto Lula, o programa foi alterado horas depois, com a retirada de pontos polêmicos como o imposto sobre grandes fortunas.

A verdade, porém, é que mesmo que a candidata oficial Dilma Rousseff alegue que não compartilha essas propostas, elas fazem parte de uma espécie de código genético da ala mais radical do petismo, da qual ela já era figura proeminente antes mesmo de surgir do bolso do colete de Lula para ser impingida ao eleitorado como sua "laranja eleitoral".

Essas ideias estão consubstanciadas na chamada "Carta de Olinda", documento que basearia a candidatura de Lula em 2002 e que só foi abandonado devido à necessidade de vender o personagem "Lulinha Paz e Amor", criado naquela ocasião pelo marqueteiro Duda Mendonça.

Eleito, o governo Lula vem tentando implementar essas medidas desde o primeiro ano do primeiro mandato.

A defesa da "democratização" dos meios de informação, por exemplo, é uma ideia recorrente que vem sendo derrotada desde que primeiramente foi oferecida a debate, com a proposta de criação de um Conselho Nacional de Jornalismo, que fiscalizaria os jornalistas para evitar "desvios éticos".

Ela ressuscitou com a aprovação, na Conferência Nacional da Comunicação (Confecon), de um Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos para monitorar a "mídia", com ênfase nas questões ligadas a racismo, diversidade sexual, deficientes, crianças, adolescentes, idosos, movimentos sociais, comunidades indígenas e quilombolas, e é similar à proposta contida no Programa Nacional de Direitos Humanos de punir os órgãos de comunicação que transgredirem normas a serem ditadas por um conselho governamental.

O programa petista original já incluía a crítica ao agronegócio, que também está implícita no programa oficial da candidatura Dilma.

O documento definia que, para resolver a questão da concentração de renda e riqueza, seria necessária a "democratização da propriedade", com "(...) uma ampla reforma agrária e apoio à agricultura familiar" e "o fim da violência e da impunidade do latifúndio".

Agora, o programa de Dilma Rousseff registrado no TSE citava o Programa Nacional de Direitos Humanos para defender a "realização de audiência pública prévia ao julgamento de liminar de reintegração de posse", um dos pontos mais contestados pela Confederação Nacional da Agricultura, pois, na prática, significa negar o direito de propriedade, dando aos invasores uma situação de legalidade que lhes permite negociar com o proprietário da terra invadida de igual para igual.

Diante dos protestos do PMDB, que tem uma grande bancada do agronegócio, essa ameaça foi retirada também do programa oficial, o que não significa que essa ala radical do partido não insistirá nela mais adiante.

As pesquisas de opinião estão mostrando um país dividido entre a candidatura governista e a oposicionista, com mais intensidade ainda do que o que ficou registrado no primeiro turno de 2006, quando Lula era candidato à reeleição.

Naquela ocasião, o candidato oposicionista Geraldo Alckmin recebeu uma votação acima da previsão de todos os institutos de pesquisa - teve 43% dos votos válidos -, enquanto Lula não conseguiu vencer no primeiro turno como esperava e as pesquisas apontavam, recebendo 48% dos votos.

Mas a divisão regional do país já estava registrada ali, com o Sul e o Sudeste e parte do Centro-Oeste agropecuário votando com a oposição, e o governo vencendo no Norte e Nordeste.

Hoje, as pesquisas mostram o mesmo cenário, apesar da aprovação recorde do presidente Lula.

Os grandes centros urbanos do Sul e do Sudeste, onde predomina uma classe média bem informada, e o agronegócio estão novamente na maioria com a oposição, equilibrando a influência do governo no Norte e Nordeste.

A campanha que ora se inicia servirá para definir a escolha do eleitorado, não apenas nos programas da propaganda gratuita pelo rádio e televisão, mas também pelos debates que estão programados pela TV aberta e entrevistas, sobretudo a da bancada do "Jornal Nacional".

Os candidatos terão que expor suas idéias e estarão expostos às suas contradições.

Ficha Limpa :: Ricardo Gueiros Junior e Michel Zaidan Filho

Michel Zaidan Filho
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Nascida da iniciativa popular, a Lei Complementar nº 135/2010, também chamada de Ficha Limpa que alterou a Lei complementar 64/90, visando moralizar os costumes políticos e a política entre nós, está destinada a gerar muitas polêmicas e incongruências jurídicas.

Consultado, por duas vezes, à respeito da matéria, o TSE respondeu que a Lei da Ficha Limpa vigoraria para essa eleição e retroagiria à condenações passadas. Ora! Será que ao adotar tal medida, o TSE não feriu o princípio da irretroatividade da lei?

Outro ponto que deve ser levado em conta e que será fruto de muita discussão jurídica é a aplicação da lei em questão combinada com o princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado na Carta Cidadã de 88, que em seu Art. 5º Inciso 57 assevera que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Para o bem do estado democrático de direito e da segurança jurídica não seria melhor elucidarmos todas essas dúvidas interpretativas antes de aplicarmos a Lei da Ficha Limpa?

Todos os que operam o direito no Brasil sabem que uma nova lei, na ausência do entendimento jurisprudencial dos tribunais e magistrados, está condenada a uma interminável batalha de recursos em todos os níveis da administração da Justiça. É da natureza do símbolo jurídico uma inevitável polissemia que obriga o operador jurídico à consolidação de um entendimento do mais amplo colegiado de juízes e diversidade de situações, onde a analogia é fundamental.

Sendo assim, é indispensável ao estado de direito democrático e à segurança jurídica do País, que não marchemos para uma eleição presidencial com um diploma legal carente de fundamentação jurisprudencial, sobretudo quando ele pode agredir a um princípio constitucional. Por outro lado, há de se perguntar se o nosso corriqueiro messianismo legal porá fim à miséria dos costumes políticos no Brasil, sem uma ampla reforma na cultura política e a inércia das instituições judiciárias brasileiras. É necessário não deixar que a Ficha Limpa vire mais um caso de ficha morta.

» Ricardo Gueiros Jr. e Michel Zaidan Filho são cientistas políticos

Justiça seja feita :: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Não há por que dizer que os altos tribunais contribuam para aprimorar as eleições e a confiança dos eleitores

Se houver alguma lógica no direito aplicado às eleições pelos altos tribunais -indagação que o tempo só aumenta-, é este predicado que se encontra na contestação do ministro Carlos Ayres Britto ao seu colega Gilmar Mendes, nos respectivos julgamentos de recursos contra a Ficha Limpa apresentados ao Supremo Tribunal Federal por candidatos a candidatos.

Mesmo que a formulação da Lei Ficha Limpa seja defeituosa, o seu sentido é bastante claro. Daí o estarrecimento causado pela autorização de candidatar-se dada por Gilmar Mendes ao senador Heráclito Fortes, condenado por um colegiado de juízes, como exige a lei para impugnar uma candidatura.

Há seis anos entrou no Supremo um recurso do senador contra a condenação, não se sabendo o motivo da longa hibernação do processo, só incomodado por breves dias em novembro passado e logo devolvido ao repouso por um pedido de vista, ainda não solucionado pelo ministro Cezar Peluso. A pendência desse recurso foi o argumento básico da decisão de Gilmar Mendes.

Ao julgar o recurso de outro condenado por sentença de um colegiado de juízes, Carlos Ayres Britto argumenta que, se a condenação por um só juiz não torna inelegível, exigindo-se que o seja por órgão colegiado, "apenas órgão igualmente colegiado pode suspender a inelegibilidade". Não um só julgador, como no estranhamente dorminhoco recurso de Heráclito Fortes. Ayres Britto negou o recurso, e o fez ainda a outros dois.

O projeto da Ficha Limpa, apresentado ao Congresso com as assinaturas de mais de 1,3 milhão de eleitores, pretendia a impugnação de candidatura aos condenados mesmo em primeira instância, por um só juiz. A reação dos congressistas ao projeto fortaleceu-se com essa exigência, que abria a possibilidade de impugnações de candidatos por vingança, por partidarismo e por interesses vários.

Uma emenda do senador Aloizio Mercadante introduziu a ideia da condenação por colegiado de juízes, aprovada como parte essencial da lei.

Não ficou dúvida alguma quanto ao propósito do Congresso de não permitir deliberações individuais contra pretendidas candidaturas. O texto original foi modificado para impedi-las.

E o texto final não autoriza, nem sequer insinua, que o exigido ao ser contra não seja exigido quando a favor. Apesar disso, nada assegura que o argumento lógico de Ayres Britto e o senso comum prevaleçam.

Nesta nova etapa de regime eleitoral, pós-ditadura, não há razão para dizer que os altos tribunais têm contribuído para aprimorar as eleições e a confiança do eleitor nas decisões judiciais.

Já tivemos perda de mandato de senador até por acusação de pagamento de R$ 20 a duas eleitoras, com base só em depoimento de ambas. O uso eleitoral da administração pública e outros crimes eleitorais evidentes não levam à certeza de condenação, nem mesmo de julgamento.

Tudo depende de fatores que se passam à margem do conhecimento público, desde a notória lentidão do Judiciário, no entanto não encontrada em determinados casos, a motivos que mal ultrapassam, quando o conseguem, o nível dos sussurros.

Exemplo ainda das polêmicas relações dos altos tribunais com as eleições é a proibição pelo Tribunal Superior Eleitoral, na semana passada, de que candidatos a governador exibam, na propaganda gratuita, o apoio de candidato a presidente se suas coligações tiverem também outro candidato ao Planalto.

Que necessidade há de tal medida, capaz só de gerar balbúrdia incontrolável? E aprovada depois que os candidatos, sem a imaginar, fizeram suas coligações. Ainda bem que o próprio presidente do TSE deu-se conta do problema e sustou a publicação do aprovado para submetê-lo a mais discussões.

A madrinha em 45 foi a ditadura:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Com olhos de cientista político, o ex-embaixador da França no Brasil Alain Rouquié viu de perto (2000 a 2003) a passagem do primeiro governo social democrata ao PT e, meia dúzia de anos depois, em livro sobre as ditaduras nos anos 60 e 70 do século 20 na América Latina, ressalta a diferença que houve na engenharia de transição política com que se processou a passagem da ditadura à legalidade no Brasil. E acentua o decisivo esforço de conciliação dos políticos entre si e deles com os militares cujos efeitos foram muito além da devolução do poder a mãos civis. Falta agora avaliar o que representou para o avanço democrático o advento da socialdemocracia e a chegada do PT ao poder.

O saldo, também implícito, dos quatro mandatos compartilhados pelos dois presidentes reeleitos, na opinião de Rouquié (publicada na revista Trópico e no blog da jornalista Leneide Duarte-Plon), pesou mais em favor do presidente Lula, que garantiu a continuidade da política econômica, ampliou a política social de seu antecessor, aprofundou-a e se comportou como democrata (não tentou mudar a Constituição para ter o terceiro mandato).

Falta, porém, a operação política para elevar o nível geral mediante reformas que batem em vão às portas de todos os governos, sem encontrar guarida. O resto têm sido contradições que não se resolveram.

Ainda não é outro o país, mas já não é aquele que oscilava retoricamente, a cada sucessão presidencial, à beira do abismo.

Há 40 anos, a saída do Estado Novo pela via constitucional processou-se por outros meios e sob outros valores. Segundo versão corrente, foi acidental: uma entrevista ludibriou o censor do extinto Correio da Manhã e teve o efeito contagiante de extinguir imediatamente, em cima de publicação, a censura que blindou a ditadura desde seu primeiro dia. O entrevistado era o ex-candidato José Américo de Almeida à sucessão presidencial, que não houve em janeiro de 1938 (e o entrevistador foi Carlos Lacerda). Na entrevista, José Américo aconselhou Getulio Vargas, no começo do ano de 1945, a restabelecer a eleição presidencial como eixo para a volta do Brasil à democracia .

O resto guarda a diferença entre duas situações semelhantes, separadas por 40 anos, com as quais se pode aprender mais do que se esqueceu ao longo do caminho. Mas encerra a última lição a ser extraída ainda em tempo de entender o que se passou, qual seja, como e por que a ditadura foi a madrinha da democracia.

E as consequências.

O Brasil já não é aquele que oscilava a cada sucessão presidencial.

O que pode fazer diferença na urna:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Talvez maior até que em campanhas passadas, é alto o ruído em torno das pesquisas eleitorais. Sem motivo aparente, a não ser o clima do já ganhou que tenta consolidar a impressão segundo a qual a vitória do governo é mera questão de tempo. A única novidade, no universo das pesquisas, é que dirigentes de institutos trocaram o bastidor pelo centro da cena. Eles opinam, torcem e apostam. É gato na tuba. Vuvuzela eleitoral. A ansiedade, pelo visto, venceu a prudência. Menos mal se for apenas por vaidade intelectual.

De cada número ou índice divulgado até agora, é possível tirar a conclusão ao gosto do freguês. Até mesmo aquela que foge às teorias conspiratórias do momento, conforme o registro das últimas edições do Datafolha e do Ibope: a disputa presidencial de 2010 não tem um vencedor indiscutível no horizonte. O eleitor ainda precisa ir a uma cabine de votação, no próximo dia 3 de outubro, e digitar o número do seu candidato favorito.

O ex-deputado Delfim Netto costuma dizer que, sob tortura, os números confessam qualquer coisa. Mas há alguns números que falam por si mesmos. Se não falam, o PT se encarrega de cornetear. O desempenho de José Serra nas pesquisas de opinião, por exemplo, parece indicar que o ex-governador de São Paulo tem um teto, está sempre na faixa entre os 35% e 40% das intenções de voto - a média aritmética do tucano, nas seis últimas pesquisas do Datafolha, é de 39%.

O ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, morto em 1997, não gostava muito dessa história de média aritmética. Se alguém botasse um sujeito com a cabeça no fogão e os pés na geladeira - dizia -, a média estaria na barriga. O que não quer dizer, neste caso, que a temperatura média está ótima. Para registro: Nesse mesmo período, a média aritmética de Dilma é de 32%. A candidata do PT saiu de pouco (26%), na extração de dezembro do Datafolha, para muito (38%), na pesquisa divulgada no último dia 1º de julho.

Ninguém no PT sabe dizer qual é o teto de Dilma, se ele já foi alcançado ou se apenas diminuiu a força da transferência de votos de Lula. Já no PSDB os 39% alcançados por Serra são vistos quase como um patrimônio pessoal do tucano, patamar a partir do qual deve dar o bote no horário eleitoral gratuito, quando as diferenças entre os candidatos passam a ser aferidas. Para os tucanos, a campanha no rádio e televisão, que começa em 17 de agosto, é que fará a diferença.

Os petistas não têm a resposta sobre se Dilma atingiu um teto ou pode alcançar um pouco mais antes da campanha nos meios eletrônicos. Mas têm soluções engatilhadas que vão além do gogó de Lula. E todas elas passam pelo governo, cujas engrenagens continuam se movimentando para eleger a candidata oficial no dia 3 de outubro e assim evitar o embate de segundo turno, no qual a candidata teria de se expor mais do que se prevê que ela faça daqui até a eleição.

Na avaliação do PMDB, parceiro de chapa de Dilma Rousseff, o que decide uma eleição rigorosamente empatada chama-se máquina governamental. Não existe transferência de votos sem um governo com desempenho ao mesmo razoável e uma caneta cheia de tinta por trás. Lula é um presidente vaidoso, mas também tem a noção muito clara do poder da máquina federal à sua disposição. Graças a ela conseguiu construir do nada uma candidatura competitiva às eleições, já faz algum tempo, desde que apresentou ao país a "Mãe do PAC", no início de 2007.

O governo ainda tem muita lenha para queimar, mesmo que seja o simples anúncio das obras selecionadas para o PAC 2. É bem verdade que as obras físicas do primeiro PAC mal saíram do papel (distinção importante porque o governo diz que chegou aos 70% da execução financeira), mas em tempos de campanha eleitoral para presidente vale inaugurar até terreno baldio.

Em agosto, às vésperas do início do horário eleitoral gratuito, mês do Dia dos Pais, o governo também pretende pagar os atrasados referentes ao aumento dos aposentados. Como se recorda, o presidente enviou ao Congresso uma medida provisória concedendo aumento de 6,14% aos aposentados que ganham mais de um salário mínimo. O Congresso aumentou este percentual para 7,7%. A equipe econômica recomendou o veto, mas o presidente, sob os aplausos do comitê de Dilma, sancionou o aumento de 7,7%.

Desde janeiro o governo já paga os 6,14% estabelecidos na medida provisória. Agora, deve a diferença relativa a cinco meses, de janeiro a junho, o que deve beneficiar algo em torno de oito milhões de aposentados e irrigar a economia com cerca de R$ 1 bilhão. É dinheiro bastante em circulação, às vésperas da eleição, numa economia já aquecida.

Isso quer dizer que Serra já perdeu a eleição? Não. Só que o arsenal à disposição do governo é bem fornido e Lula demonstra que pode recorrer a ele sem constrangimentos.

Interlocutor assíduo do ex-governador Aécio Neves diz ser um "estresse paulista" que não faz sentido a dúvida no PSDB sobre o empenho do mineiro para eleger José Serra presidente.

Explicação: há uma enorme diversidade regional em Minas Gerais. Grande parte do estado (Norte, Jequitinhonha, Mucurí, etc.) é semelhante ao Nordeste; Zona da Mata se assemelha aos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo e o Triângulo Mineiro e o Sul se identificam mais com São Paulo.

O comportamento eleitoral de Minas deve seguir essas diferenças. Em grande parte do Estado (Norte e Nordeste), independente de esforço do governador, a tendência será votar com o candidato de Lula. Já nas regiões limítrofes a São Paulo e na região metropolitana o desempenho do ex-governador paulista deverá ser maior.

O mesmo raciocínio serve em ao candidato apoiado pelo PT, o pemedebista Hélio Costa ao governo estadual: ele terá dificuldades nas regiões onde o governo estadual está muito bem avaliado. Em resumo, Aécio tem demonstrado apoio o Serra mas sua influência é muito limitada.

Há também duas frustrações que podem se manifestar nas urnas: a de não ter um mineiro concorrendo à Presidência e a frustração dos petistas por não ter candidato próprio a governador, no momento que tinha mais chances de vencer.

Raymundo Costa é repórter especial em Brasília.

Serra e Dilma abrem campanha pelo Sul tucano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tucano vai ao Paraná para corpo a corpo ao lado de Richa; petista investe no Rio Grande do Sul, onde tenta reduzir vantagem do rival

João Domingos / Brasília e Evandro Fadel / Curitiba

Na largada oficial das campanhas, os dois principais candidatos à Presidência, José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), elegeram duas capitais do Sul do País para seus primeiros contatos, hoje, com os eleitores. Serra faz caminhada no centro de Curitiba (PR), a partir de meio-dia, e Dilma visita Porto Alegre (RS).

No Paraná, Serra fará corpo a corpo ao lado de Beto Richa, ex-prefeito de Curitiba e, segundo as pesquisas, favorito na disputa pelo governo do Estado. Caminharão pelo calçadão da rua das Flores até a Boca Maldita, concorrido centro de encontros políticos desde os tempos das Diretas Já.

Uma ausência garantida é a do senador Álvaro Dias (PSDB)? que foi indicado para ser o vice da chapa de Serra e perdeu a chance porque seu irmão, o senador Osmar Dias (PDT), decidiu sair candidato pela aliança pró-Dilma. Segundo sua assessoria, Álvaro Dias ficará em Brasília para um esforço concentrado de várias votações no Congresso. A coligação pró-Serra no Paraná reune ao PSDB outros 13 partidos.

Depois dos eventos no centro da cidade, Serra e Beto Richa seguem até o Bairro Parolin, onde visitarão obras sociais ? algumas delas financiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. No bairro moram muitos carrinheiros, que recolhem o lixo reciclável de Curitiba. Em seguida o grupo vai até um clube de Vila Guaíra, para um seminário sobre nova gestão de políticas sociais.

Dilma no Sul. Em Porto Alegre, Dilma começa uma batalha para reduzir a vantagem de Serra no Estado. Segundo a última pesquisa Datafolha, o tucano subiu 12 pontos nas intenções de votos entre maio e junho, enquanto a petista desceu 3.

Ao lado de lideranças petistas ? entre as quais o candidato ao governo gaúcho, Tarso Genro, e ao Senado, Paulo Paim ? Dilma começa a campanha no lugar onde tem seu domicílio eleitoral e entrou para a vida pública, como secretária dos governos Alceu Colares (PDT) e Olívio Dutra (PT). Não contará, nesse esforço, com o apoio do seu principal aliado nacional, o PMDB, que lançou José Fogaça ao governo, contra Tarso. Fogaça, prometeu no máximo ficar neutro.

A fase seguinte, que vai até o final da semana, inclui passagem por São Paulo e Rio de Janeiro. Nos três Estados alvos deste início de campanha vivem 49,5 milhões de eleitores (cerca de 39,1% do eleitorado). Amanhã, ela faz caminhada pelo centro de São Paulo e vai depois à favela de Heliópolis. À noite, segue para São José do Rio Preto e de lá, na quinta-feira, para Bauru.

Cenas de campanha. As atividades de Dilma nos primeiros dias de campanha servirão principalmente para produzir cenas destinadas aos programas do horário eleitoral da candidata.

A propaganda na TV e no rádio só começará no dia 17 de agosto. Como ela tem 10 minutos e 26 segundos em cada bloco de 25 minutos destinado aos candidatos a presidente ? quase o dobro do tucano José Serra, o comando de sua campanha sabe que será necessário produzir muito material externo.

Além de caminhadas e comícios, a equipe somará as imagens produzidas na Europa no mês passado, durante os encontros de Dilma com líderes políticos da França, Espanha, Portugal e União Europeia.

Em 3 dias, meio bilhão em emendas parlamentares

DEU EM O GLOBO

Só nos três primeiros dias de julho, às vésperas do início oficial da campanha eleitoral, o governo autorizou o pagamento de R$ 574,4 milhões em emendas de parlamentares e de bancada do Orçamento deste ano praticamente o mesmo valor empenhado em todo o mês de junho, Entre os mais favorecidos estão parlamentares da base aliada. Este ano, o PMDB ficou com 32% do que foi empenhado em emendas, o PT, com 25%, e o PR, com 20%.

Meio bilhão de empenhos, às vésperas da campanha oficial

PT e PMDB, aliados do governo Lula, foram os partidos mais beneficiados

Gerson Camarotti

BRASÍLIA. Apenas nos três primeiros dias de julho, o governo empenhou (autorizou para pagamento futuro) R$574,4 milhões em emendas de parlamentares e de bancada do Orçamento da União de 2010. Isso representa 38% do total de empenhos para essa finalidade em todo o ano de 2010, que até o momento já atingiu a marca de R$1,487 milhão, e é praticamente o mesmo valor empenhado em todo o mês de junho. A corrida pelo empenho visa a garantir recursos orçamentários para novas obras e projetos, que não podem ser contemplados no período oficial da campanha.

Os dados mostram ainda que se repete também outra prática comum aos governos: grande favorecimento para parlamentares da base aliada, principalmente PMDB e PT. O empenho é a garantia de que a emenda será paga e pode render benefícios eleitorais ao parlamentar, pela execução de obras e projetos em seus redutos.

Concentração de autorização em junho e julho

Segundo dados levantados no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) pela assessoria de orçamento da liderança do DEM no Congresso, a pedido do GLOBO, o valor empenhado nos três primeiros dias de julho é praticamente igual ao valor de todo o mês de junho (R$578,8 milhões). Os dados de julho são preliminares. O valor empenhado pode ser ainda maior, pois até a noite de ontem ainda ocorriam atualizações dos dados no Siafi.

Houve forte concentração de liberação de emendas nos meses de junho e julho, véspera do período eleitoral. Em fevereiro, o empenho tinha sido de apenas R$20,7 milhões. Já no mês de maio, o valor empenhado pulou para R$246,8 milhões.

Apesar do crescimento expressivo, o número de emendas empenhadas em 2010 corresponde até o momento a apenas 10,5% da dotação autorizada no Orçamento da União. Isso indica que haverá nova concentração de empenhos nos meses de novembro e dezembro, depois das eleições.

Até o momento, os parlamentares do PMDB são os campeões de empenho de emendas. No ano, os peemedebistas já garantiram R$146,2 milhões, o que representa 32% do previsto no Orçamento. O PT aparece na segunda colocação na liberação de emendas, com R$98,6 milhões garantidos, 25% do previsto. Já o PR ficou com R$37,8 milhões no ano, 20% do total.

Partidos de oposição conseguiram pouco

Apesar de ter bancadas maiores que as do PR, o DEM e o PSDB - partidos de oposição - conseguiram empenhar muito pouco de suas emendas em todo o primeiro semestre: o DEM ficou com R$35,2 milhões (11% do aprovado no Orçamento) e o PSDB, com R$23,2 milhões (6%). O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), em reação ao tratamento desigual do governo, disse que a oposição obstruirá a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que deve ocorrer antes do recesso do Congresso, previsto para o dia 17:

- Como sempre, eles favorecem os aliados. Com essa distorção, isso acaba favorecendo eleitoralmente os parlamentares da base governista. Já que não foi cumprido o acordo de tratamento igual para todos, o governo que fique responsável pelo quórum para votar a LDO.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério de Relações Institucionais informou que as liberações das emendas seguem critérios técnicos. A assessoria afirmou ainda que, normalmente, os parlamentares da base têm mais sintonia com os projetos e ações prioritários do governo. E, por isso, destinam suas emendas para esses projetos.

PSDB entrega duas falas de Serra como diretriz de governo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Norma determina que siglas submetam linhas gerais do programa de governo para registrar

candidaturas Nos discursos enviados ao tribunal, candidato faz críticas ao governo federal e compara Lula a rei francês absolutista

Breno Costa

DE SÃO PAULO - O PSDB entregou ontem ao Tribunal Superior Eleitoral dois discursos de seu candidato à Presidência, José Serra, proferidos em abril e em junho, como diretrizes gerais do seu programa de governo, ainda em elaboração.

Os documentos foram enviados ao TSE no início da noite de ontem, no limite do prazo legal. Neles, Serra ataca o governo federal, fala de suas origens, e compara, veladamente, o presidente Lula ao rei francês Luís 14, cujo lema era "o Estado sou eu".

Para explicar o motivo pelo qual a sigla apresentou os discursos como as linhas gerais do programa de governo, a Folha tentou -sem sucesso- contato com o coordenador do programa de governo de Serra, Xico Graziano.

O advogado do PSDB Ricardo Penteado, por sua vez, nega que tenha havido falta de tempo para elaborar um documento específico. "Chegou-se à conclusão de que os discursos já continham essas diretrizes", disse.

Os discursos em questão foram proferidos por Serra no lançamento de sua pré-candidatura, em Brasília, no dia 10 de abril, e na oficialização de sua candidatura, em Salvador, no último dia 12.

Em sua última fala, o candidato tucano faz algumas promessas, agora oficializadas, como "acabar com a "miséria absoluta" no país" e criar mais de 1 milhão de vagas em escolas técnicas.

No discurso, o tucano também citou a necessidade de ter "prioridades claras".

Uma série de promessas feitas por ele durante a pré-campanha -como a criação dos ministérios da Segurança Pública e das pessoas com deficiência- não são citadas nos discursos, porém.

A ideia do PSDB é recolher propostas pela internet ao longo da campanha. Para isso, foi criado um site para receber a contribuição dos eleitores. As propostas encaminhadas são filtradas pela equipe de elaboração do programa de governo.

Petista divulga programa radical e depois ameniza

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A equipe da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, disse ontem ter cometido um engano ao registrar um resumo de seu programa de governo no Tribunal Superior Eleitoral. Inicialmente, o documento defendia controle de mídia e taxação de grandes fortunas, mas, no início da noite, foi substituído por outro sem as ideias polêmicas. Também foi suprimido um trecho que abria brecha para uma suposta defesa da legalização do aborto.


Dilma apresenta ao TSE programa de governo radical e depois recua

Advogado do PT foi ao TSE para substituir documento por outro sem propostas polêmicas, como controle externo da mídia, taxação de grandes fortunas e revogação do dispositivo que torna propriedades invadidas indisponíveis para reforma agrária

Marcelo de Moraes / Brasília


Uma confusão da equipe da candidata do PT, Dilma Rousseff, fez com que fosse registrado ontem no TSE, um resumo errado de seu programa de governo. O documento original defendia propostas polêmicas, como controle da mídia, taxação de grandes fortunas e revogação do dispositivo que torna áreas invadidas indisponíveis para reforma agrária.

No início da noite, o advogado da campanha, Sidnei Neves, foi ao TSE para trocar o documento, substituindo-o por outro sem as ideias controvertidas.

A proposta cumpre exigência da Justiça Eleitoral, que cobra dos presidenciáveis um resumo do programa de governo. A campanha de Dilma enviou um documento com diretrizes básicas, aprovado em fevereiro pelo PT, quando foi lançada sua pré-candidatura.

O problema é que esse texto estava repleto de ideias defendidas pelos grupos mais radicais do partido, que foram aceitas nessa reunião. Como seria homologado no TSE, funcionaria como documento oficial e público sobre as principais linhas de atuação de seu eventual governo.

No caso da proposta sobre o controle de mídia, o primeiro documento repetia os pontos pregados pela Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e defendia controle de produção de conteúdo.

"Para isso, deve-se levar em conta as resoluções aprovadas pela 1.ª Confecom, promovida por iniciativa do governo federal, e que preveem, entre outras medidas, o estabelecimento de um novo parâmetro legal para as telecomunicações no País; a reativação do Conselho Nacional de Comunicação Social; o fim da propriedade cruzada; exigência de urna porcentagem de produção regional, de acordo com a Constituição Federal; proibição da sublocação de emissoras e horários; e direito de resposta coletivo", pregava o documento.

O conceito desapareceu na nova versão, embora tenha sido mantida a crítica à existência de "monopólio e concentração dos meios de comunicação".

Outras polêmicas. O texto original também abria brecha para a interpretação de uma suposta defesa da legalização do aborto. De forma velada, o documento citava que "o Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres de tomarem suas próprias decisões em assuntos que afetam o seu corpo e a sua saúde". E reforçava a referência logo em seguida, citando que "o governo do PT desenvolverá ações que assegurem autonomia das mulheres sobre seu corpo, qualidade de vida e de saúde em todas as fases de sua vida". Ambas as citações sumiram no papel entregue à noite ao tribunal, sendo substituídas pela afirmação de que "o Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres ao aborto nos casos já estabelecidos pela legislação vigente, dentro de um conceito de saúde pública".

O resumo do programa de governo manteve, porém, críticas feitas pelo PT ao governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, sucedido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. "Ao contrário daquela que Lula recebeu, a herança a ser transmitida à próxima presidenta será bendita. Essa herança oferece as bases para a formulação das propostas do programa de governo 2010. O que até agora foi feito dá credibilidade e garantia às diretrizes que agora apresentamos."

Trechos

"Ao contrário daquela que Lula recebeu, a herança a ser transmitida à próxima presidenta será bendita."

"Continuar, intensificar e aprimorar a reforma agrária de modo a dar centralidade ao programa na estratégia de desenvolvimento sustentável do País, com a garantia do cumprimento integral da função social da propriedade, da atualização dos índices de produtividade, do controle do acesso à terra por estrangeiros, da revogação dos atos do governo FHC que criminalizaram os movimentos sociais e com a eliminação dos juros compensatórios nas desapropriações e das políticas complementares de acesso à terra, entre outras medidas, implementação de medida prevista no PNDH3, de realização de audiência pública prévia ao julgamento de liminar de reintegração de posse."

"Compromisso com a defesa da jornada de trabalho de 40 horas semanais, sem redução de salários."

"Promover a saúde da mulher, os direitos sexuais e direitos reprodutivos: O Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres de tomarem suas próprias decisões em assuntos que afetam o seu corpo e a sua saúde."

"Medidas que promovam a democratização da comunicação social no País, em particular aquelas voltadas para combater o monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento.

Para isso, deve-se levar em conta as resoluções aprovadas pela 1.ª Confecom, promovida por iniciativa do governo federal, e que preveem, entre outras medidas, o estabelecimento de um novo parâmetro legal para as telecomunicações no País; a reativação do Conselho Nacional de Comunicação Social."

Serra terá conselho para discutir campanha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Integram o grupo o candidato e seu vice, os presidentes do DEM, PPS e PTB, Aécio Neves, Fernando Henrique, Jorge Bornhausen e Tasso Jereissati

Julia Duailibi


O PSDB atendeu a pressões dos aliados e criou um conselho político para discutir a campanha presidencial de José Serra. Desde a crise deflagrada com a indicação do vice na chapa tucana, líderes do PPS, PTB e, principalmente, do DEM cobravam maior participação no processo decisório.

O grupo de "notáveis" é composto pelos presidentes do DEM, Rodrigo Maia, do PPS, Roberto Freire, e do PTB, Roberto Jefferson. Também compõem o núcleo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-senador Jorge Bornhausen (DEM), o ex-governador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Serra e o candidato a vice, deputado Índio da Costa (DEM-RJ), também integram o grupo.

O conselho deve se reunir amanhã, quando será discutida a estratégia de marketing e de comunicação com o marqueteiro Luiz Gonzalez e o jornalista Marcio Aith. Questionado se a formação do grupo não era apenas uma manifestação simbólica e de pouco resultado prático, o presidente do PSDB e coordenador da campanha, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou: "Havia pessoas que não se sentiam participantes e que vão poder agora discutir no conselho." A ideia é que o grupo se encontre a cada quinze dias.

Guerra também anunciou que a campanha irá buscar uma descentralização por meio da criação de coordenadores regionais ? conforme foi antecipada pela coluna Direto de Brasília, de João Bosco Rabello. Serão indicados 8 coordenadores regionais (região Sul, Centro-Oeste, Norte 1 e 2, Nordeste 1, 2 e 3 e Sudeste), responsáveis pela campanha em todos os Estados, com exceção de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, que terão coordenadores próprios ? Índio da Costa será o coordenador no Rio.

Ditador respeita democracia e direitos humanos, diz Lula

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Negócios são negócios", afirma Celso Amorim sobre ida à Guiné Equatorial

Os chefes de Estado "concordaram em não fazer ingerências" um no país do outro; foram assinados cinco acordos


Ana Flor
Enviada especial a Malabo (Guiné Equatorial)

Ao lado do ditador Obiang Nguema Mbsogo, há 31 anos no poder na Guiné Equatorial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou acordos e divulgou um comunicado afirmando que os países são comprometidos com a democracia e o respeito aos direitos humanos. Mbsogo é acusado por organizações internacionais de perseguir opositores do regime, fraudar eleições e violar direitos humanos. É também um dos mandatários mais ricos do mundo.

Os dois assinaram cinco acordos nas áreas de defesa, supressão de vistos oficiais e de cooperação bilateral. No comunicado conjunto, ambos os presidentes "concordaram em não fazer ingerências" um no Estado do outro. Após o encontro, o Brasil divulgou nota afirmando que os países "renovaram sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito aos direitos humanos".

Lula também chancelou o pedido de Mbsogo para ser admitido na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). A língua foi incluída entre os idiomas oficiais há pouco tempo, como parte do pleito do ditador.

NEGÓCIOS

Ao chegar ao palácio presidencial -um suntuoso edifício com chão de mármore e lustres de cristal- o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) justificou a visita de Lula afirmando que "o exemplo tem muito mais força do que a pregação moralista". Segundo Amorim, "negócios são negócios" e o Brasil não pode desprezar as possibilidades de trocas comerciais com o país. "Tem empresa com mais de US$ 1 bilhão investidos [na Guiné Equatorial], não é pouca coisa. Não podemos jogar isso fora, nenhum país do mundo joga isso fora, nem Estados Unidos nem Alemanha nem França", afirmou. Amorim demonstrou irritação quando questionado sobre os negócios do Brasil com um país acusado de não respeitar direitos humanos. "Você tomou café da manhã? Olhou de onde vem a manteiga? Da França", disse, dando a entender que, se a Europa não ignora o país, o Brasil não deve fazê-lo. A posição brasileira se choca com a que foi tomada em episódios como o de Honduras, em que mesmo após as eleições o Brasil não reconhece o novo governo. Uma coletiva de imprensa marcada para depois da assinatura de atos foi cancelada sem explicações. Até os ministros brasileiros foram surpreendidos pela decisão.

O presidente seguiu no fim do dia para o Quênia, onde inicia sua primeira viagem ao leste da África. Tentará ativar o comércio com o país mais industrializado da região. Atualmente, o comércio entre os dois países é pequeno até se comparado com outros países do continente: US$ 91 milhões, sendo que US$ 89,4 milhões são exportações brasileiras -90% de produtos industrializados.

A convite do Palácio do Planalto, a repórter Ana Flor viajou de Cabo Verde à Guiné Equatorial e ao Quênia numa aeronave da Força Aérea Brasileira.

'Negócios são negócios'

DEU EM O GLOBO

Ministro justifica encontro de Lula com ditador da Guiné Equatorial

Chico de Gois

MALABO. Ao lado do presidente de Guiné Equatorial, Obiang Nguema Mbasogo, no poder desde 1979, após um golpe militar, o presidente Lula ouviu ontem a leitura do comunicado conjunto em que os dois chefes de Estado reconhecem "a importância da democracia" e abordam os direitos humanos. Mbasogo detém o poder com mão de ferro: foi reeleito em 2009 com 97% dos votos, numa eleição considerada uma fraude pela comunidade internacional.

O documento frisa que os dois países devem buscar "estreita colaboração" na luta contra o crime internacional organizado e o tráfico de pessoas. Na Guiné Equatorial, há denúncias de tráfico de crianças e de mulheres asiáticas para exploração sexual.

Os dois presidentes assinaram cinco acordos genéricos. Lula não deu entrevistas. Uma missão empresarial brasileira participou de um seminário. Os brasileiros buscam negócios em infraestrutura, implementos agrícolas, energia (o país tem reservas de petróleo) e na expansão do padrão da TV digital brasileira. O volume de negócios entre os dois países é de US$302 milhões. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, minimizou o fato de o Brasil negociar com um país cujo presidente é considerado um dos mais corruptos do mundo, com fortuna avaliada em US$600 milhões:

- Negócios são negócios. A gente tem de trabalhar. Uma aproximação com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), onde os países são todos democráticos, é o que vai ajudar que essas políticas que nós apreciamos sejam também adotadas pelos outros. Não é o isolamento nem a distância - afirmou Amorim.

Na África, o repórter viaja em avião da FAB, devido às dificuldades de deslocamento

Valores relativos:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Na espantosamente equivocada diplomacia do governo Lula tudo vive misturado. Só para lembrar: o Brasil não reconhece o governo de Honduras. Em maio, condicionou a ida do presidente Lula à reunião da Cúpula União Europeia-America Latina, na Espanha, a que o governo de Madrid desconvidasse o presidente de Honduras, Porfírio Lobo, alegando o golpe contra Manuel Zelaya. Bom, houve sim um golpe, mas o governo de Lobo foi eleito.

O país tão radicalmente defensor de princípios em Tegucigalpa não faz o mesmo no circuito Havana, Caracas, Teerã; nem parece o mesmo que abona a ditadura corrupta e truculenta da Guiné Equatorial com o argumento de que "negócios são negócios". O país que não comenta a situação interna do Irã, alegando respeitar o princípio de não interferência em assuntos internos, é o mesmo que compara os presos políticos cubanos a criminosos comuns e que afronta a oposição venezuelana afirmando que na Venezuela tem "democracia demais".

A diplomacia do governo Lula é um poço de contradições insanáveis. Outro argumento usado pelo ministro das Relações Exteriores é que "o isolamento e a distância só farão com que o país fique mais perto de outros e fique mais longe do que desejamos". Esse é o mesmo argumento usado para justificar relações fraternas com Mahmoud Ahmadinejad, sem qualquer pergunta a respeito das abusivas condenações à morte de cidadãos que se manifestaram contra as fraudes nas eleições do ano passado. Quando foi a Tripoli, o presidente Lula fez declarações sobre uma suposta redemocratização do país que estaria sendo conduzida por Muammar Kadhafi.

Quando convém, o governo Lula usa um dos três argumentos: da frieza comercial, da boa influência brasileira sobre maus governos, ou da não interferência em assuntos internos. Em alguns momentos, faz a defesa ideológica de regimes autoritários como os de Cuba e Venezuela. Em outros momentos, apresenta-se como defensor inflexível da democracia, o que ocorreu no caso de Honduras. Como o governo de Honduras realizou eleições, respeitando o que prometeu, não seria o caso de o ministro Celso Amorim dizer o mesmo que disse sobre Guiné Equatorial, que o país não deve ser isolado, porque a proximidade pode empurrá-lo na direção certa? Será que a diferença é apenas o fato de que Guiné tem promissores campos de petróleo, enquanto Honduras é apenas um pobre país centro-americano? Se for isso, que a diplomacia atual nos poupe dos sermões sobre o golpe contra Zelaya ou da condenação à tentativa de golpe que houve em Caracas em abril de 2002, ou quaisquer outros ataques de principismo seletivo.

O Brasil tem que ter relações comerciais com o maior número de países. Mas deve evitar gestos que pareçam ser uma aprovação a governos que desrespeitem sistematicamente os direitos humanos e que se perpetuem no poder, como Mbasogo. Deve evitar por dois bons motivos: não são esses os valores brasileiros, e o Brasil tem que se esforçar para construir laços com os países e não com os governos.

Por mais interminável que pareça, um dia acabará o governo Hugo Chávez. As demonstrações recorrentes de apoio ao chavismo não são evidentemente bem vistas pela oposição do país. É preciso manter boas relações com a Venezuela sem abonar um governante histriônico que tem feito um ataque serial às instituições. Da mesma forma, é bom aprofundar relações com Cuba sem que isso signifique apoio do Brasil à ditadura de 51 anos da família Castro.

Esse é o ponto que o governo Lula nunca conseguiu.

Mbasogo é um ditador sanguinário que há 30 anos prende e mata inimigos do seu governo e instaurou um estado policial. Não é o Brasil que vai mudar isso, mas sim os cidadãos do país. Mas o cuidado tem que ser o de visitar o país sem abonar seu governo; prospectar negócios sem demonstrar carinho por um ditador. A boa diplomacia sabe bem como fazer esse equilíbrio. Para isso, existem os gestos. Eles precisam ser calibrados na medida certa para passar a mensagem que se quer passar.

Nos governos autoritários, recomenda-se lembrar de como vários governantes fizeram quando estivemos nós sob ditadura. Programas de visitas ao Brasil de governantes democráticos às vezes continham encontros com outras lideranças da sociedade, inclusive adversários do regime. Um dia, o governo militar acabou e alguns líderes daquela oposição passaram a governar o país.

Ahmadinejad nunca teve bons propósitos com o seu programa nuclear. Defender o direito de o Irã ter um programa pacífico, como o nosso, é totalmente diferente de não ver as contradições entre o que o Irã faz e o que o Irã fala; e de ignorar as razões da preocupação da comunidade internacional em relação ao país.

A diplomacia brasileira já soube defender valores e ser pragmática; abrir mercados e ter distanciamento crítico em relação aos governos. Hoje, não sabe mais.

O ministro Celso Amorim deu uma resposta padrão para as críticas em relação à visita a Guiné Equatorial dirigida pelo ditador Obiang Mbasogo: disse que "negócios são negócios". De fato, são. Mas a diplomacia sabe também que gestos são gestos. Uma coisa é visitar, outra é acolher na Comunidade de Língua Portuguesa um país que sequer fala o português.

Atraso nas prestações de classes C e D já preocupa

DEU EM O GLOBO

Inadimplência com cartões cresceu 26% em maio e tendência é de alta

O aumento da taxa de juros, combinado com a expansão do crédito, está provocando crescimento da inadimplência, sobretudo nas classes C e D. As prestações com atraso de mais de 90 dias aumentaram em maio e devem continuar em alta em junho, segundo a Serasa, que reúne os dados do mercado. Os maiores problemas estão na administração das dividas no cartão de crédito - que já subiram 14% em abril e 26% em maio, na comparação com o mesmo mês de 2009. A consultoria Tendências prevê que a inadimplência, que hoje está em 6,8%, possa chegar a 7,2% no fim do ano e 7,6% em 2011. Relatório da agência Moody"s também chama a atenção para o risco de aumento das dívidas nas classes C e D durante os próximos 12 a 18 meses. Apesar da melhora na renda, consumidores que aproveitaram o imposto reduzido para comprar geladeiras, fogões e até carros estão com dificuldades para pagar.

O fantasma do calote de volta

Serasa detecta aumento da inadimplência nas classes C e D. Alta preocupa analistas

Wagner Gomes e Lucianne Carneiro

Em meio à euforia com a recuperação econômica e à fartura de crédito, acendeu a luz amarela entre especialistas. Após duas elevações seguidas da taxa básica de juros (Selic) e com a perspectiva de novas altas até o fim do ano, o que encarece os empréstimos, a taxa de inadimplência deve ter um repique em junho. A Serasa Experian vem detectando o avanço, puxado por consumidores das classes C e D, que receberam benefícios do governo para a compra de produtos da linha branca e veículos e, agora, não conseguiriam honrar seus compromissos.

- Podemos dizer que a curva de queda, que vinha ocorrendo desde outubro do ano passado, está no fim. A renda não deve crescer tanto no segundo semestre, gerando um descompasso que pode causar problemas para a inadimplência - afirmou o economista Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa. - Normalmente, os consumidores mais pobres não estão acostumados a lidar com o crédito. Eles têm pouca habilidade para gerenciar dívida, praticamente não têm poupança e acabam inadimplentes.

O primeiro sinal de alerta apareceu em maio passado. Na maior alta desde outubro do ano passado, a inadimplência do consumidor deu um salto de 1,9% no mês, na comparação com maio de 2009. Em relação a abril, a variação chegou a 4,3%. Na próxima semana, a Serasa Experian vai divulgar a sua pesquisa referente a junho (e ao fechamento do primeiro semestre). Dificilmente a taxa repetirá os patamares críticos registrados no fim de 2008, quando estourou a atual crise global, mas os índices deixarão de ser tão baixos como foram até abril.

Para a Serasa, o maior problema a curto prazo estaria na administração das dívidas no cartões de crédito, que subiram 14% em abril e 26% em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Rabi diz que essa alta deve permanecer no segundo semestre. O valor médio dessas dívidas é hoje de R$392,49, contra R$373,12 um ano atrás. Crescimento mais forte foi registrado no valor médio dos cheques não compensados por falta de fundos, que pulou 42,7% desde maio de 2007 (de R$855,83 para R$1.221,03).

Desaceleração da economia contribuirá

A Tendências Consultoria também estima que a taxa de inadimplência de pessoas físicas chegue ao fim do ano em 7,2% e acelere ainda mais, para 7,6%, em 2011. Pelos dados do Banco Central (BC), o índice - que considera o percentual de empréstimos com atrasos acima de 90 dias frente ao total de crédito - foi de 6,8% em maio (último dado disponível), o mais baixo desde março de 2008 (6,85%). A taxa recua desde maio do ano passado, quando atingiu 8,5%.

- Deve ocorrer uma reversão da trajetória de queda na inadimplência a curto prazo. A alta de juros deve provocar piora nas condições de pagamentos, com aumento nas taxas finais e encurtamento dos prazos dos créditos - diz o economista da Tendências Alexandre Andrade, destacando que o impacto deve ser maior no próximo ano, por causa do período de defasagem entre a alta de juros e o impacto na economia.

Ruy Quintans, professor de Economia do Ibmec/RJ, concorda:

- A inadimplência deve parar de cair. Vivemos um momento de transição entre a euforia e a depressão no varejo e no custo do dinheiro.

Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) Fabio Kanczuk, haverá alta da inadimplência, associada à esperada desaceleração da economia.

- O mais provável é que aumentem os atrasos nos pagamentos de dívidas. A subida dos juros e a atividade econômica em desaceleração contribuem para esse cenário - afirma Kanczuk.

Febraban não projeta elevação

Na opinião do professor da Universidade de Brasília (Unb) Jorge Pinho, a melhora do mercado de trabalho tem contribuído para o aumento do endividamento.

- Com notícias positivas, o trabalhador se sente mais seguro e tende a se endividar mais. Mas, com alta nos juros, a tendência é de maior inadimplência a médio prazo - diz Pinho, especialista em mercado de trabalho.

Para fugir das estatísticas de inadimplência, Sandra Conceição do Espírito Santo Oliveira, de 56 anos, buscava ontem um novo empréstimo em uma financeira no Centro do Rio. Com três empréstimos no momento, um deles vence na quinta-feira e ela não tem como pagar.

- Já tenho percebido os juros subindo lentamente e estou com medo do que vai acontecer, mas preciso de mais dinheiro para pagar outra dívida - afirma a aposentada.

Outros economistas também consideram o risco de aumento da inadimplência, embora ainda vejam espaço para um aumento da renda.

- É natural, entretanto, que alguma alta ocorra, mas não vejo nada fora de controle - diz o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale.

Ele lembra que nos últimos cinco anos a massa real de renda total cresceu em média 6% ao ano no país, para um PIB pouco abaixo de 4% de média. Com crescimento de PIB médio de 5% nos próximos anos, a massa de renda teria como crescer até mais.

Em relatório recente, a agência internacional de classificação de risco Moody"s também chamou a atenção para o perigo das dívidas. Ao analisar as condições de crédito para o mercado bancário brasileiro, a agência afirmou que a situação é estável. Porém, o forte crescimento da economia e a expansão do crédito, especialmente para as classes C e D, podem levar a um aumento da inadimplência dos bancos nos próximos 12 a 18 meses. Até março, os balanços publicados apresentaram resultados positivos, com queda da inadimplência e das chamadas provisões para devedores duvidosos.

O economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, porém, acredita que a inadimplência no setor só subirá em caso de estagnação econômica.

- Não é isso que vejo no nosso horizonte hoje. Ao contrário, existe até a preocupação se haveria um superaquecimento da economia.

Minha pátria onde canta a vuvuzela.... :: Arnaldo Jabor

DEU EM O GLOBO

Nelson Rodrigues finalmente me telefonou no dia da derrota

Não deu outra. O telefone tocou e eu já sabia que era o Nelson Rodrigues – o velho aparelho de ebonite preta soa melodioso como uma trombeta de arcanjo, quando vem do céu...

– Puxa vida, Nelson, me abandonou, hein!...

– Rapaz, está havendo uma grande polêmica aqui no céu... Vou falar baixo para Ele não ouvir: Deus não sabe mais o que é o bem ou o mal... Fica dizendo: “Antigamente era fácil, dez mandamentos, inferno e céu – agora esta globalização sem vergonha e sem ética. E me misturam até com Alá”...

Cá entre nós, O Senhor anda maltratando o pobre do Hegel que esta exalando cava depressão: “Hegel... você é que criou esta expectativa de racionalidade... deu nisso! – todo mundo errando em nome do Bem!” Já o Nietzsche virou o seu peixinho, é Frederico pra cá, Frederico pra lá.... chegou a torcer pela a Alemanha.... é... caso sério....

– Eu sabia que você ia ligar sobre a derrota do Brasil, Nelson...

– A derrota é um grande momento de verdade. Só diante da vergonha é que entendemos nossa miséria. Num primeiro momento, queremos encontrar uma explicação para o fracasso, mas fracasso não se improvisa – é uma obra calculada, caprichada durante meses, anos até. Não adianta berrar no botequim que o Dunga é uma besta ou que o Felipe Melo é um perna de pau. Não. Nosso fracasso começou antes. Foi uma nova maneira de perder. Em 50 éramos a pátria de chuteiras, em 2006 éramos chuteiras sem pátria... Agora, tínhamos a terrível obrigação de ser as chuteiras da pátria.... assim como uma Estatal...

– Como assim, Nelson? – pergunto eu, como nos maus diálogos de teatro.

-Ô rapaz.... Primeiro, porque o País virou um passado para os plásticos negões falando alemão, francês, inglês, todos de brinco e com louras vertiginosas. Não são ingratos, não, mas neles está ausente a fome nacional, a ânsia dos vira-latas querendo a salvação. E eles tinham de confirmar o otimismo que a mídia oficial lança na cara da gente... Antes, o Lula os recebeu como um pai se despedindo de pracinhas.... Agora, quero ver se ele os consola na volta....

O Dunga criou um país fechado... As concentrações eram ilhas secretas... Como o Lula, só ele decidia o que era bom para o povo ou não.

Fez uma lavagem cerebral nos jogadores que ficaram com um pavor de recrutas diante do sargento. Em vez de orientar as vocações dos rapazes, ensinando-lhes a liberdade, a coragem e o improviso, Dunga achou que todos têm de caber em sua estratégia. O pior cego é o surdo. O técnico devia ser um reles treinador, quase um roupeiro, humilde diante dos craques. Mas, o Dunga parecia um Mussolini de capacete e penacho. Acho que Dunga tem inveja de craques malabaristas... Queria que todos jogassem como ele. Você reparou como ele esbravejava com liberdade na raiva, mas, na hora da alegria de um gol, celebrava de cabeça baixa e mãos fechadas, como uma dor?

– E mesmo, Nelson... você vê tudo...

– Não, foi o João Saldanha que berrou isso, pois está uma fera atirando patadas em todas as direções.... Falou que vai baixar num terreiro espírita e mandar fazer despacho contra o Dunga, quer enterrar ele como sapo de macumba...

Duga errou, pois jogador brasileiro não gosta de lei nem de planejamentos, quer inventar sozinho. O único criativo na Copa foi o “Loco” do Uruguai e do Botafogo. É isso... sem loucura não se joga... Eu já falei que os escritores brasileiros não sabem bater um escanteio.... pois digo o mesmo dos jogadores de hoje, que não sabem mais o que é poesia...Você viu o Zizinho jogar, rapaz?

– Vi, Nelson!.... Era uma obra feita de ar, engano e dança, de fúria e delicadeza, como Pelé depois. Zizinho era um escultor de jogadas..

– Não faz subliteratura., rapaz.... Não fica bem pra você... O Zizinho era um craque porque a bola o seguia com a fidelidade de uma cadelinha... Zizinho tinha um peito heroico feito anúncio de fortificante... Vou te dizer uma coisa, rapaz: eu senti até um certo alívio em mim e no povo brasileiro que era obrigado a torcer pelo time de um técnico odiado. Senti um certo alívio – realidade voltava. O povo estava certo: tinha de ter Ronaldinho no banco, Ganso. Neymar etc..

Isso é o óbvio... Dunga nos devolveu a realidade e vamos ficar livres dele antes de 2014... Você reparou que os jogadores jogavam divididos entre estratégia e improviso? Não sabiam o que escolher... Sentiam-se sem liberdade, quando o Robinho avançava e improvisava era tomado de um sentimento de culpa, como se estivesse pecando... Você veja o Kaká... menino bonito, religioso, ficou tão nervoso que começou a bancar um mini-Dunga, chutando, antipático... Kaká ficou dividido entre Deus e o diabo.

– Mas, por que o Dunga não ouviu a voz do povo?

– O burro acha que ser inteligente é discordar do óbvio, rapaz. E quando o óbvio é desprezado, ficamos expostos ao sobrenatural, ao mistério do destino. Por exemplo, por que começamos o jogo como um corpo de bailarinos eufóricos e, no segundo tempo, ficamos paralíticos como sapos diante de jararacas.

– Acho que a gente ficou com medo da Holanda....

– Não é não. Na sexta-feira não estávamos com medo da Holanda, não. Até expulsamos os holandeses em 1630, com Maurício de Nassau e tudo.... O que tivemos foi medo de nós mesmos. Voltou-nos o complexo de vira-latas e ficamos inibidos até para chupar um picolé....

– Mas por que o medo?

– Foi o empate... lembranças de 50, talvez... Mas também acho que o time se sentia obrigado a manter a euforia midiática otimista do governo Lula, ou do Dunga, que deu uma de chefe de governo. A obrigação de vencer era peso demais para os rapazes. A dez mil quilômetros, os jogadores ouviam os gemidos ansiosos das multidões de verde e amarelo, como uma asma patriótica. Não esperávamos uma vitória, mas uma confirmação política. É isso aí, rapaz ....

– Mas, Nelson....

– Vou desligar porque vai ter uma mesa redonda aqui, com o Scassa, o Saldanha e o Feola... Os anjos estão curiosos...

E desligou...

O filho do século :: Murilo Mendes


Nunca mais andarei de bicicleta
Nem conversarei no portão
Com meninas de cabelos cacheados
Adeus valsa "Danúbio Azul"
Adeus tardes preguiçosas
Adeus cheiros do mundo sambas
Adeus puro amor
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem
Não tenho forças para gritar um grande grito
Cairei no chão do século vinte
Aguardem-me lá fora
As multidões famintas justiceiras
Sujeitos com gases venenosos
É a hora das barricadas
É a hora do fuzilamento, da raiva maior
Os vivos pedem vingança
Os mortos minerais vegetais pedem vingança
É a hora do protesto geral
É a hora dos vôos destruidores
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,
Misérias de todos os países uni-vos
Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.