sexta-feira, 9 de julho de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso


Uma outra discussão que ganha pertinência nos dias de hoje é o que chamo de "burguesia de Estado". Tem que tomar cuidado: vivemos num sistema democrático, as empresas estatais estão crescendo, mas o que se presencia é a formação de uma burguesia de Estado. Olha a contradição dos termos... Mais tarde, (o sociólogo) Chico de Oliveira veio com uma crítica ainda mais radical sobre o funcionamento dos fundos sociais e fundos de pensão. Em síntese, mesmo em plena democracia, as forças reais de decisão no Brasil estão se constituindo num golpe de poder que une setores do Estado com setores empresariais e os fundos. Isso é algo que é preciso discutir.


(Fernando Henrique Cardoso,
Reflexões de um presidente acidental – debate caderno ALIÁS/O Estado de S. Paulo, 4/4/2010)

Os nanicos de esquerda :: Luiz Sérgio Henriques

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O tempo de televisão no horário eleitoral é mínimo e a plataforma muitas vezes peca por irrealismo, como quando anuncia, em tom invariavelmente normativo, a atualidade de um socialismo ainda mal definido e com pouca densidade cultural e programática: são os candidatos dos partidos "nanicos" de esquerda, que ocupam um lugar bem específico no espectro dominado pelas candidaturas mais fortes, evidentemente, aquelas apresentadas pelas duas versões da social-democracia brasileira e, agora com mais visibilidade e capacidade de aglutinação, pelos ambientalistas do PV.

Trata-se, apesar da previsível fragilidade eleitoral, de personagens e correntes com inserção não desprezível no mundo da universidade e dos intelectuais, e só isso tornaria obrigatório levá-los a sério. Mas ainda há mais: Plínio Sampaio vem de longe: originalmente democrata-cristão, radicalizou-se politicamente, com coerência e dignidade, e veio a encontrar-se com outros setores dissidentes do PT, agora num partido que, pelo menos no nome, busca combinar "socialismo" e "liberdade". De fato, não é pouco, uma vez que também não foram poucas as vezes em que se chocaram "liberdade" e "socialismo", especialmente quando este último esteve no poder e construiu Estados cuja força política sufocou liberdades individuais e coletivas.

Palavras análogas podem ser ditas quanto a Ivan Pinheiro, o candidato de um residual PCB que busca manter de pé a velha tradição bolchevique, com todos os seus limites, e de José Maria de Almeida, do PSTU. Todos estes grupos, independentemente do anacronismo de que se revestem várias das suas proposições políticas e econômicas, poderiam constituir, entre nós, uma espécie de embrião de uma "esquerda alternativa", que nos ajudasse a delinear, ainda que de modo contraditório e às vezes pouco claro, possibilidades de superação das "compatibilidades" dadas, de tal modo que o futuro não fosse a repetição indefinida de um presente de desigualdades e injustiças que estão à vista de todos.

Nesse sentido, uma primeira crítica de fundo - e não apenas de método, como parece à primeira vista - deve ser dirigida à reiterada incapacidade de uma dinâmica mais unitária por parte desses agrupamentos, potencializando o desempenho eleitoral com vista a uma maior representação nas assembleias eletivas e ao desempenho de maiores responsabilidades administrativas, especialmente em nível local. O desempenho dessas funções seria uma poderosa "vacina" democrática contra os males do sectarismo - do espírito de seita no sentido mais próprio do termo -, que frequentemente assola e esteriliza as associações políticas que pregam a necessidade de superação do capitalismo.

"Esquerda alternativa" e "esquerda de governo" - como aquela que se expressa majoritariamente tanto no PT quanto no PSDB e no pequeno PPS - poderiam idealmente viver uma dialética por certo áspera, mas no fundo virtuosa, em que a primeira funcionasse tal como funcionam na economia os lobbies e grupos de pressão.

Pode-se argumentar que esse é um cenário ideal - e idealizado -, bem distante do mundo real, em que se cruzam anátemas, cismas e excomunhões tão comuns ao tradicional modo de ser das esquerdas.

Argumento, sem dúvida, poderoso, em relação ao qual, por ora, pouco há a fazer além de lutar, teórica e praticamente, para que se generalize paulatinamente, e com uma abrangência cada vez maior entre forças e personalidades de esquerda, a adesão aos valores da democracia política, forma alta de civilização e convivência humana que permite "processar" conflitos e divergências com um mínimo de trauma. Ou, por outras palavras, com o predomínio do consenso e do convencimento sobre a força e a coerção.

De resto, essa seria uma operação cultural de fôlego, destinada, por natureza, a não se manter no âmbito estrito da esquerda política. A tradução prática de uma tal perspectiva só pode ser a defesa e a valorização da Carta de 1988, sem as tentações da "democracia plebiscitária", de Constituintes "exclusivas" e toda forma de autoritarismo. Nesse âmbito constitucional, inimigos tornam-se adversários, que não se deve pensar em liquidar (nem sequer como "classe", como dizia Stalin dos kulaks na época da coletivização forçada na velha URSS), mas vencer com as "armas" da democracia.

Logicamente, as diferentes forças de centro e de direita são aceitas como participantes com todos os títulos da arena política, e não só por motivos instrumentais, mas, fundamentalmente, pelo fato de que a dialética democrática reconhece que o bem comum pode ser elaborado de diferentes formas e nenhum grupo detém o monopólio da virtude ou do progresso social.

De novo, pode-se retorquir que também esse cenário mais amplo, que pretende ir além do estrito campo da esquerda, peca por idealismo. Decerto, não é possível ignorar a dureza do conflito social, a intensidade do choque entre paixões e interesses, as relações de poder e força entre grupos e classes. É, contudo, possível afirmar que "ganha" quem fizer prevalecer, como conquista civilizatória, uma ideia nova de política, que combine irreversivelmente hegemonia e pluralismo, começando por criar e estimular, aqui e agora, o "patriotismo constitucional".

Protagonizar a luta social sem recorrer ao método da democracia, ou considerando-o como recurso a descartar no dia seguinte à "tomada do poder", conduziu aos excessos que desonraram o conceito de socialismo e puseram - e ainda põem - em dificuldade toda a esquerda, dos seus componentes mais moderados até os mais propriamente de ultraesquerda. Na frase de Habermas, que, na verdade, equivale a um programa, é preciso ser fiel ao Estado Democrático de Direito, sem nenhuma ambiguidade, para poder ir muito além do status quo.


Ensaísta, é tradutor e um dos organizadores das obras de Antonio Gramsci em português

Óleo político :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A aprovação pelo Senado da nova estatal Pré-Sal Petróleo S.A., sem que se tenha votada a mudança do sistema de concessão - ainda vigente por lei - para o de partilha na exploração dos novos campos, é uma demonstração de como o governo Lula traz a valor presente uma riqueza futura para tentar garantir a manutenção do poder futuro de seu grupo político.

A mudança das regras de exploração não encontra motivos técnicos razoáveis, mas veio apenas para aumentar o controle do Estado sobre o tesouro presumido, e provocou a disputa de futuros royalties entre os estados.

A cobiça atiçada pelo próprio governo, ao mudar um marco regulatório que até hoje tem dado bons resultados, tendo sido inclusive o responsável pela descoberta dos novos campos do pré-sal, gerou uma crise política entre os estados da federação que impede que a questão dos royalties do petróleo seja decidida antes da eleição de outubro.

Dois estados comandados por governadores do PMDB, Rio de Janeiro e Espírito Santo, tidos como da base política governista estiveram a ponto de romper com essa aliança devido aos prejuízos que teriam caso a nova repartição dos royalties, proposta pelos parlamentares gaúchos Ibsen Pinheiro e Pedro Simon, fosse aprovada.

Os impedimentos políticos para a votação persistirão após a eleição, e terão repercussão na base de apoio do futuro governo no caso de uma vitória da candidata oficial Dilma Rousseff.

A situação ficará mais indefinida ainda em caso de vitória do candidato da oposição José Serra, que já se posicionou contra a mudança da sistemática de distribuição dos royalties das áreas já licitadas no sistema de partilha, inclusive as do pré-sal.

Mas Serra ainda não assumiu posição sobre a mudança do marco regulatório, e, portanto, a aprovação da nova estatal do petróleo pode estar ameaçada em caso de vitória da oposição ou mesmo da impossibilidade de o governo aprovar a nova distribuição dos royalties.

A criação de uma nova estatal para gerir a riqueza dos novos campos, e a capitalização da Petrobras, aumentando a participação governamental no seu controle, são sintomas de que o governo pretende ampliar sua ingerência na exploração dos novos campos do pré-sal, como se isso fosse necessário para aumentar sua participação nos lucros.

O discurso ideológico do governo vende a idéia de que é preciso aumentar o controle estatal nas jazidas de pré-sal, e se necessário ampliar também a participação acionária do governo na Petrobrás, admitindo até mesmo voltar a ser majoritário no capital total da empresa, para que nosso tesouro do pré-sal não seja controlado por investidores privados, especialmente os estrangeiros.

Além do mais, a criação de mais uma estatal no país reforça a idéia do "estado forte" que tanto entusiasma o governo lulista.

Há quem chame a atenção, como o consultor Adriano Pires, de que a medida aumenta a ineficiência no setor, politizando ainda mais as decisões e permitindo que seus cargos sejam loteados entre os partidos políticos.

Se mesmo a Agência Nacional de Petróleo, cuja atuação ficará comprometida pela criação da nova estatal, foi politizada com a entrega de sua direção ao PCdoB, o que dizer de mais uma estatal para ser aparelhada pelo governo?

Pires ressalta em seu blog que mesmo os que defendem a criação da nova estatal sempre alegaram que a principal razão para a sua existência seria a adoção do regime de partilha nos campos do pré-sal, o que torna incompreensível que a criação da Pré-Sal Petróleo tenha sido votada antes do novo marco regulatório.

A decisão aumenta o controle governamental de um setor com fundamental importância estratégica, e faz da Petrobras a ponta de uma política industrial que tende a concentrar negócios na cadeia produtiva.

Mas por isso mesmo pode afugentar as empresas estrangeiras, diante da hegemonia da estatal brasileira na exploração e suas vantagens comparativas.

A nota da Receita Federal afirmando que os acessos às declarações do contribuinte Eduardo Jorge Caldas Pereira dos exercícios de 2008 e 2009 ocorreram "por pessoas autorizadas, mediante uso de senha pessoal e certificação digital", torna mais grave ainda a situação.

Como se sabe, o jornal "Folha de S.Paulo" teve acesso a essas declarações através de um dossiê que estava sendo organizado pelo núcleo de inteligência da candidatura de Dilma Rousseff, o mesmo que tentou contratar espionagem sobre o candidato oposicionista José Serra.

Ora, se todos os acessos foram identificados, a Receita já sabe quais foram os funcionários que manipularam as declarações do vice-presidente do PSDB, e não precisará de mais um mês - tempo que levou para divulgar a nota oficial sobre o caso - para definir quais razões os levaram a fazer isso.

No caso do caseiro Francenildo Pereira, também foi um funcionário autorizado da Caixa Econômica Federal que entrou em sua conta e quebrou seu sigilo bancário sem razão funcional a não ser tentar proteger o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Caso os acessos não tenham sido motivados por razão de serviço, diz a nota oficial da Receita, "o responsável pelo acesso imotivado estará sujeito à penalidade de advertência ou suspensão de até noventa dias."

Esse tratamento burocrático de uma transgressão legal com fins políticos seria risível se não significasse mais uma ameaça ao estado de direito no país.

Fato irrelevante:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Outra vez - é a terceira só este ano - volta à cena o assunto da possível licença do presidente Luiz Inácio da Silva da Presidência para se dedicar exclusivamente às lides eleitorais. Outra vez o comando da campanha de Dilma Rousseff nega a hipótese.

O deputado José Eduardo Cardozo, um dos coordenadores que está o tempo todo ao lado da candidata, assegura que o assunto não foi sequer cogitado e aposta que nem será.

Como o próprio Lula já aventou essa possibilidade em público, seu entorno político fala disso sempre e deputados do PT e do PMDB têm defendido em voz alta a tese de que Lula licenciado faria Dilma ganhar no primeiro turno, a negativa de Cardozo significa que a cúpula da campanha situacionista não quer mexer com isso.

Pelo menos no momento. Há quem diga que o afastamento de Lula precisa ser guardado como "arma secreta" e há quem fale que a licença é ruim, pois pode "dar a impressão" de que a candidata não tem méritos para ganhar a eleição.

Não existe nada secreto em relação a um eventual pedido de licença nem é segredo que Dilma Rousseff anda pelas pernas e fala pela voz de Lula. Não há mistério a ser preservado.

O que há é um joguinho de cena muito mal-ajambrado de finalidade múltipla. Tanto pode servir para assombrar o adversário quanto para preencher espaço no noticiário ou para criar a ilusão de que o presidente Lula é um exemplo de correção: não usa a máquina pública em favor de sua candidata e só mergulharia na campanha mediante licença.

Ora, Lula não só se dedica exclusivamente a assuntos eleitorais como já declarou que sua prioridade é eleger Dilma. A licença não alteraria a participação dele na campanha que já é total e feita em tempo integral.

Essa história de fim de semana e depois do expediente só convence quem não tem olhos para ver nem ouvidos para ouvir o que vem acontecendo nos últimos dois anos.

Ademais, com licença ou sem licença Lula continua presidente, cargo que se perde antes do término regulamentar do mandato apenas por renúncia ou impeachment. Daí a irrelevância do tema.

Papelão. Boa figura internacional o Brasil teria feito se o presidente Lula ou o ministro Celso Amorim estivessem no lugar do chanceler espanhol, Miguel Moratinos, na foto do anúncio da disposição de Cuba de libertar 50 presos políticos.

Por opção preferencial pela camaradagem subalterna à ditadura castrista, o governo brasileiro ficou com a última palavra na condenação aos perseguidos materializada nas críticas de Lula à greve de fome de Orlando Zapata, no dia da morte do dissidente.

Não brinca mais. Lula montou o cenário contando com a vitória do Brasil na Copa do Mundo: desviou a seleção de seu caminho de ida à África do Sul para uma escala de beija-mão em Brasília e marcou um périplo africano, cuja última etapa coincidiria com a final da Copa.

Agora cogita não atender ao convite da Fifa para entregar a taça ao campeão na condição de presidente do país sede da Copa de 2014.

Lula alega cansaço, mas se realmente fizer a desfeita terá sido pelo pior dos motivos: a impossibilidade de faturar politicamente o acontecimento. Não apenas pela ausência do Brasil na final, mas também porque em junho de 2014 não será ele o presidente anfitrião.

Tira teima. O documento A grande transformação, apresentado como programa de governo de Dilma Rousseff à Justiça Eleitoral depois de alterações moderadas, é qualificado de radical como se representasse a ala xiita do PT, mas foi aprovado pelo conjunto do partido em Congresso realizado há quatro meses.

Exibe no título uma incongruência: prega transformação enquanto a campanha presidencial é sustentada no pilar da continuidade.

Por essas e outras é inexorável que a candidata diga o que de fato lhe vai à mente a respeito do que fazer uma vez - e se - eleita presidente.

Teste de resistência :: Melchiades Filho

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O país que celebra a aprovação da Lei da Ficha Limpa é o mesmo que poderá redimir pelo voto os protagonistas de todos os grandes escândalos da era Lula.

O núcleo petista que ainda responde na Justiça pelo mensalão ratificou o poder dentro do partido e tem hoje a reeleição bem encaminhada, de José Genoino a João Paulo Cunha (SP). Paulo Rocha (PA) arriscará o Senado. Único mensaleiro vetado pela lei, José Dirceu provavelmente emplacará na Câmara o filho Zeca, pelo Paraná.

O PT facultou a Antonio Palocci escolher entre tentar a Câmara ou o Senado. O ministro da quebra do sigilo do caseiro optou pelo comando da campanha presidencial e a certeza de assento no eventual governo Dilma Rousseff - ela própria envolvida nos episódios do dossiê FHC, Anac/Varig e Receita/Lina.

O senador Renan Calheiros (PMDB), depois de escapar de uma série de processos de cassação, praticamente assegurou outro mandato -com a ajuda do Planalto, desidratou a concorrência em Alagoas.

O colega dele de Casa, de partido e de noticiário negativo, José "Atos Secretos" Sarney, não enfrentará as urnas. Mas jogou pesado para de novo fazer a filha Roseana governadora do Maranhão - conseguiu arrastar do PT ao DEM para a coligação dela, líder nas pesquisas.

A primeira edição dos "aloprados" não evitou que Aloizio Mercadante fosse premiado com outra candidatura ao governo paulista.

Demitida no caso dos cartões corporativos, a ex-ministra Matilde Ribeiro é suplente de Marta Suplicy na chapa favorita ao Senado.

O "deputado do castelo", Edmar Moreira (PR), confia na reeleição em Minas. E, no DF, o servidor Agaciel Maia (PTC), cuja mansão serviu de estopim para a crise no Senado, decidiu estrear atrás de uma vaga de deputado distrital -terá a concorrência de sete citados no inquérito do mensalão candango.

Será que o eleitor, afinal, não acha nada disso escandaloso?

Discurso de mentirinha:: Cláudio Gonçalves Couto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A pré-campanha presidencial deste ano se mostrou uma verdadeira comédia erros, cometidos em maior número pela candidatura oficialista, muito embora o maior deles tenha sido perpetrado pelo principal candidato de oposição (o imbróglio da escolha do vice). O ato final d a grande comédia foi de responsabilidade de Dilma Rousseff: a apresentação de um programa de governo "errado", o qual seria depois substituído pela versão "certa". Não haveria maiores problemas na substituição de documento enviado por engano, caso o teor das duas versões fosse similar, havendo apenas algo como erro de digitação, ou falta de atualização. Todavia, o que se encaminhou inicialmente foi documento não apenas muito distinto do que o substituiu, mas cujo conteúdo causaria arrepios a boa parte dos eleitores e, sobretudo, dos aliados do PT .

Mas qual o real significado do programa "errado"? E o que ele pode nos revelar de verdadeiro sobre o PT e, principalmente, sobre o que poderá vir a ser um governo Dilma? Talvez nada sintetize melhor este caso do que um diálogo reproduzido ontem no "Contraponto", o epílogo galhofeiro do "Painel" da Folha de S. Paulo. Informa-se ali que os deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e André Vargas (PT-PR) se divertiram com a celeuma do programa radical. O peemedebista ironizou: "Só fizemos aliança com o PT por saber que vocês nunca iriam cumprir aquele programa...". Respondeu-lhe, rindo, o petista: "Olha... se cuida, porque falando desse jeito você nunca vai virar ministro da Dilma!". Noutras palavras: o programa originalmente apresentado, extraído de um documento oficial do PT e aprovado em Congresso do partido, não apenas não merece ser levado a sério; ele também seria infactível num presidencialismo.

Esse documento, assim como muitos outros produzidos pelo PT ao longo de sua história, são repletos de propostas e divisas radicais, as quais jamais são levadas a cabo quando o partido chega ao poder. Para comprovar isto, basta observar o quanto as administrações petistas nos três níveis federativos se distanciaram das propostas aprovadas pelo partido. Há duas razões para isto. A primeira decorre de que a produção de tal discurso cruento se presta à finalidade de alimentar devaneios ideológicos da militância. É discurso "de mentirinha", de efeitos mais lúdicos que políticos, no qual crêem apenas os tolos (no partido) e os desavisados (fora dele). Simplesmente não o levam a sério as altas lideranças partidárias, que são aquelas que depois assumem postos no governo. Tais lideranças não apenas são mais moderadas que os militantes, mas são também sabedoras da infactibilidade de propostas radicais.

A segunda razão para que o discurso "de mentirinha" não seja concretizado é o fato de que vivemos num presidencialismo de coalizão - como fica claro na anedota relatada pelo "Contraponto". Ou seja, o PMDB se aliou ao PT não apenas porque sabia que o programa era de mentirinha, mas também porque sabia que o partido de Dilma jamais teria como levar a cabo tais propostas pelo mero fato de que dependerá dos demais partidos de sua coalizão para implementar quaisquer decisões que requeiram apoio do Congresso. E podem ser freadas inclusive medidas que não dependam diretamente da aprovação do Legislativo para serem implementadas, pois como o Executivo depende de uma maioria legislativa para levar adiante boa parte de sua agenda, sofrerá retaliações em votações importantes caso insatisfaça essa maioria com medidas intoleráveis tomadas no âmbito de sua alçada decisória.

O efeito politicamente mais deletério desse discurso afeta principalmente o PT, que afugenta eleitores. Além disto, volta e meia algum membro ideologicamente mais empolgado que ocupa um cargo importante resolve dar vazão às fantasias e tenta converter o discurso "de mentirinha" em proposta oficial. A tendência de tais proposições é causarem muito ruído e prejuízo para, logo depois, serem desautorizadas por quem realmente manda. Foi assim, ainda durante o período de José Dirceu no governo, quando alguém teve a mirabolante idéia de propor uma cooperação técnica entre a Abin e o serviço secreto cubano. Novamente a invectiva aconteceu por ocasião do lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), consideravelmente desidratado depois pelo Presidente da República. E parece ter sido novamente este o caso agora - só que envolvendo a candidatura governista, e não o governo.

Curiosamente, as lideranças petistas parecem padecer do sério mal de assinar sem ler e, depois, terem de apagar incêndios - alguns irremediáveis. Foi assim com Lula, na assinatura da polêmica proposta do PNDH; com José Genoíno, assinando os contratos de empréstimo com Marcos Valério (este o irremediável); e parece ser novamente agora o caso com Dilma, ao rubricar todas as folhas da versão "errada" do programa de governo. É compreensível que lideranças muito ocupadas confiem em seus assessores quando estes lhes levam algo para assinar, mas não é aceitável que os assessores escolhidos sejam tão incompetentes - ou tão malandros. A seguir nesta toada, logo as altas lideranças petistas precisarão de mais um assessor, de confiança estrita e pessoal, similar àqueles antigos provadores do rei, que degustavam parte de sua comida para evitar envenenamento. Só que o novo assessor, em vez de comer do rei, livrando-o da morte, lerá antes que o líder assine, livrando-o do opróbrio.

Afora isto, vale destacar, é de um ingênuo e bizarro formalismo burocrático essa regra que exige dos candidatos que registrem proposta de governo. Certamente não será isto que os eventuais eleitos implementarão, e nem aquilo a que os eleitores dirigirão sua atenção para decidir o voto. Não à toa, José Serra optou por encaminhar apenas a transcrição de dois discursos. Trata-se de norma sem qualquer serventia, assim como a diretriz mais grave, que obriga os "pré-candidatos" a fingirem durante meses que não são realmente candidatos, embora já estejam em campanha aberta. Seria bem-vinda uma reforma da lei que nos livrasse do peso morto de normas eleitorais que nada mais fazem senão institucionalizar o fingimento.


Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.

1932 - Constituição e cidadania:: Marco Antonio Villa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A tarefa que se colocou para vencedores (e para vencidos) foi a de recolocar a política como elemento central no enfrentamento de problemas
A Revolução Constitucionalista de 1932 foi o maior conflito bélico da história brasileira do século 20.

Foram mais de 100 mil homens combatendo. Estima-se que o Exército federal teve cerca de 55 mil homens nas frentes de batalha; os constitucionalistas, aproximadamente 30 mil soldados -dos quais 10 mil eram voluntários-, e mais de 30 mil das forças policiais do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.

A guerra acabou ficando restrita fundamentalmente a São Paulo: o apoio sinalizado por Flores da Cunha, interventor no Rio Grande do Sul, não ocorreu, e as oposições estaduais também não tiveram força militar para criar outros focos de rebelião, mesmo onde havia apoio popular, como no Pará, Rio Grande do Norte e Piauí.

No Rio Grande do Sul, ocorreram alguns combates, mas acabaram derrotados. Em Minas Gerais, o máximo que os rebeldes conseguiram foi a tomada da cidade de Pirapora por três dias.

O maior apoio aos constitucionalistas veio de Mato Grosso: o sul do Estado foi o teatro de violentos combates e o Exército federal deslocou milhares de homens para lá. No Rio de Janeiro ocorreram principalmente manifestações estudantis, e as passeatas foram duramente reprimidas pela polícia.

A indecisão no avanço pelo Vale do Paraíba em direção à capital federal, que poderia, pela surpresa, criar sérias dificuldades ao governo, a ausência de apoios militares em outros Estados e o fechamento dos portos paulistas -especialmente o de Santos- pela Marinha selaram a sorte militar da Revolução já na segunda quinzena de julho. A derrota seria só uma questão de tempo.

A rendição dos constitucionalistas foi considerada uma traição. O governo civil imputou à Força Pública ter assinado a paz em condições humilhantes. Ledo engano. A resistência militar seria inútil, além de criar uma fratura social e política de proporções inimagináveis. A tarefa que se colocou para os vencedores (e para os vencidos) foi a de recolocar a política como elemento central no enfrentamento dos problemas nacionais.

Nunca mais o Brasil teve uma guerra civil. Os principais líderes foram presos, tiveram seus direitos políticos suspensos e dezenas foram exilados. Um ano depois, a maioria já tinha regressado ao Brasil, devido aos indultos concedidos pelo governo.

O ano de 1932 faz parte da luta pela liberdade e pela democracia. A questão central foi a convocação de Assembleia Constituinte e a realização de eleições livres (a Constituição de 1891 estava suspensa e inexistia o Poder Legislativo). Em país marcado pelo autoritarismo -e em uma década com fascismo, nazismo, stalinismo, franquismo etc.-, aqui em São Paulo foi gestada uma revolução, que, como destacou o jurista Hélio Bicudo, "se constituiu no maior movimento popular de caráter democrático a que assistimos no Brasil".


Marco Antonio Villa, historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos e autor, entre outros livros, de "1932: Imagens de uma Revolução" (Imprensa Oficial).

PT minimiza erros com programa de governo

DEU EM O GLOBO

Marina afirma que situações como essa são vexatórias e que houve desconforto no PMDB

Maria Lima e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Como a candidata petista Dilma Rousseff, coordenadores de sua campanha tentaram diminuir ontem a importância do imbróglio envolvendo a entrega do documento com as diretrizes do seu programa de governo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O presidente do PT, José Eduardo Dutra, negou que Dilma tenha rubricado de propósito o programa. E negou também que seja plano de um eventual governo Dilma fazer o controle da mídia, como prevê o documento enviado ao TSE.

O programa intitulado "A grande transformação" diz que há um monopólio dos meios de comunicação no Brasil, e menciona a adoção de propostas das conferências nacionais, como a Conferência Nacional de Comunicação. A Confecom apresentou 641 propostas que incluem a criação de conselhos para punir veículos que desrespeitem minorias e movimentos sociais, por exemplo.

- A Dilma não rubricou a proposta encaminhada ao TSE de caso pensado. Eu também rubriquei. Chega um bando de documento para assinar e você vai rubricando - disse Dutra.

O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza(PT-SP), também minimizou a crise sobre o programa, mas reconhece que foi um erro entregar ao TSE uma versão mais radical do texto, que depois foi trocado.

Vaccarezza aproveitou também para criticar o candidato tucano, José Serra:

- Nós erramos, mas estamos melhores que eles no erro, pois eles têm falta de programa. Apresentaram um discurso do Serra como programa. Esse (Serra) sim é Luís XIV - disse Vaccarezza.

Em Belo Horizonte, a candidata à Presidência Marina Silva (PV) comentou o erro.

- Quando as alianças não são feitas com base no conteúdo programático, a gente às vezes passa por situações vexatórias, como essa - disse, no discurso.

Durante entrevista, em seguida, Marina voltou a tocar na questão.

- Falei vexatório na questão das opções programáticas. Parece que houve um desconforto do PMDB em relação ao que foi protocolado, e aí, quando você tem a possibilidade de apresentar o seu programa, discutir com a sociedade e protocolar o programa que você acha melhor, é menos vexatório - concluiu.

Colaborou: Desirée Miranda (Especial para O GLOBO)

Maquiagem

DEU EM O GLOBO

DESCOBERTO QUE o programa de governo da candidata Dilma, registrado na Justiça Eleitoral, era o projeto antidemocrático de poder do PT, o texto foi substituído por outro.

MAS O viés autoritário da proposta foi mantido, por meio de medidas de estrangulamento da liberdade de imprensa. Trata-se de claro desrespeito aos partidos coligados, principalmente ao PMDB, o maior deles.

O ELEITOR continua a aguardar explicações, para saber qual o verdadeiro programa da candidata. E se ela de fato afrontará aliados que já se pronunciaram contra a radicalização.

Jantar para aliviar o clima

DEU EM O GLOBO

Campanha do PT organiza encontro e planeja vender "Lulinhas"

BRASÍLIA. Para tentar reverter o clima de desconfiança entre os aliados, o comando da campanha da petista Dilma Rousseff organiza, para a próxima terça-feira, um jantar com cerca de 150 deputados da base aliada. A reunião acontecerá na casa do deputado e ex-ministro Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Depois de muita pressão interna, será reformulado na próxima semana o conselho político da campanha, e os partidos vão indicar novos representantes para acompanhar as decisões.

Para arrecadar mais recursos para Dilma, o PT planeja vender bonecos do presidente Lula. As pequenas estátuas têm cerca de 15 cm de altura e são feitas de fibra sintética.

- Por enquanto ainda é um protótipo, mas vai virar realidade. Daqui a um mês pode ficar pronto - disse André Vargas, secretário de Comunicação do PT.

Ele diz que a intenção é que os bonecos sejam vendidos por no máximo R$5, nas lojas do partido, nos diretórios municipais e estaduais e por candidatos em atos de campanha. A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, não seria a única a receber recursos oriundos da venda dos "Lulinhas".

- Todos os candidatos seriam beneficiados, principalmente os mais carentes - afirmou André Vargas.

A ideia foi apresentada ao secretário de Comunicação do PT por um professor de marketing e publicidade de Santa Catarina, Romeo Lourenção. A cúpula petista gostou tanto que agora estuda se é mais rentável produzir no Brasil, em larga escala, as cópias chinesas, ou se é melhor comprar lá e revender aqui por R$5.

Sobre a possibilidade de também produzir bonequinhas de Dilma Rousseff, o professor não acha que seja uma ideia viável comercialmente, apesar de negar que tema um encalhe.

Tiroteio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Depois de anunciar a venda de bonequinhos do Lula, só falta mesmo o PT lançar fantoches e marionetes da Dilma.

Do deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), sobre a iniciativa do partido de vender miniaturas plásticas do presidente, a um preço estimado de R$ 5, em suas lojinhas e em eventos da campanha da ex-ministra.

No Rio, Serra promete metrô de superfície

DEU EM O GLOBO

Em primeiro ato oficial de campanha na cidade, candidato anda de trem com Indio, o vice na sua chapa

Natanael Damasceno e Rafael Galdo

Em seu primeiro ato oficial de campanha no Rio, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, viajou ontem de trem, da Central do Brasil até Bangu, na Zona Oeste, e fez promessa para melhorar os transportes públicos da cidade: transformar os trens da SuperVia em metrô de superfície. De acordo com Serra, seria uma solução mais barata do que construir novas linhas de metrô e poderia ser estendida a todo o país.

- É possível fazer isso com pouco investimento, muito menos do que construindo um metrô novo. Afinal de contas, é só trocar as composições e melhorar os sistemas de controle. Isso aumenta a frequência de trens, diminui a superlotação e dá mais conforto aos passageiros. Portanto, tem um retorno social muito maior - disse Serra.

Candidato ouve queixas sobre expansão lenta

A expansão do metrô, segundo o tucano, aconteceria nos moldes do que foi feito em São Paulo, quando ele era governador. Como mostrou O GLOBO em abril, o metrô paulista deve fechar o período 2007-2010 com dez novas estações e uma expansão de 16 quilômetros. Já no Rio, no mesmo período, o metrô ganhou uma estação, a de Ipanema, e tem outra em construção, a da Cidade Nova. Para isso, foram só mais 800 metros de trilhos, além de 1,3 quilômetro de viadutos e o 1,2 quilômetro de vias duplas para a abertura da Linha 1A, ligando a Pavuna a Botafogo.

O avanço a passos lentos nos transportes do Rio foi motivo de algumas das principais reclamações feitas por passageiros a Serra em seu percurso de trem até Bangu. A viagem do candidato foi numa das composições reformadas da SuperVia, com ar condicionado. Ele partiu da Central ao lado de seu candidato a vice, o deputado Indio da Costa (DEM-RJ), às 15h15m - hora de pouco movimento e longe da superlotação que os usuários costumam enfrentar nos horários de rush. Sem transtornos, 55 minutos depois, no tempo previsto, chegou a Bangu.

No caminho, Serra ouviu reivindicações para as áreas de saúde, educação e segurança. Depois, durante um corpo a corpo de quase duas horas no calçadão de Bangu e num shopping, o candidato fez uma série de promessas para essas áreas.

Na saúde, Serra disse que pretende implementar o programa "Mãe Brasileira", semelhante ao projeto "Mãe Paulistana", que ele criou em seu governo em São Paulo. Pela proposta, as grávidas teriam acompanhamento de um único médico em toda a sua gestação, ganhariam seis exames pré-natais e teriam acompanhamento no pós-parto, num posto de saúde perto de casa.

Serra disse também que criará 150 Ambulatórios Médicos de Especialidades (Ames), clínicas que, além de consultas, realizariam exames de imagem e laboratoriais, para desafogar os hospitais. Os mutirões para tratamento de doenças como catarata, pressão alta e varizes, feitos no período em que Serra era ministro da Saúde, seriam retomados. Para os deficientes físicos, o tucano disse que vai implantar uma rede de reabilitação. As melhorias, segundo ele, vão ser em todos os estados e municípios, independentemente de seus governantes.

- Eu, no governo, trabalho com todo mundo. Não importa a cor das carteirinhas partidárias. Trabalho com as pessoas - disse o candidato.

Tucano promete um milhão de vagas no ensino técnico

Ao falar de suas metas para educação, Serra disse que dará mais espaço ao ensino técnico, abrindo oportunidades para jovens no mercado de trabalho.

- Temos que ter ensino médio no Brasil para dar profissão aos jovens. Por isso, vamos criar um milhão de vagas novas no ensino técnico. Vamos fazer o ProUni do ensino técnico e o ProTec, para dar bolsa para quem só tem a escolha de cursar o ensino técnico em escolas particulares - prometeu, dizendo-se satisfeito com os resultados de São Paulo no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgados esta semana pelo Ministério da Educação.

Na área da segurança, o candidato a presidente reafirmou sua proposta de criação de um ministério específico da área, para combater crimes como o de contrabando.

Além de Indio da Costa, Serra foi acompanhado na caminhada em Bangu pelo candidato a vice-governador da chapa de Fernando Gabeira (PV), o tucano Márcio Fortes; pela vereadora Lucinha (PSDB); pelo ex-secretário municipal de Transportes do Rio, Arolde de Oliveira (DEM); e pelo presidente nacional do DEM, Rodrigo Maia.

No Rio, Serra faz promessas para saúde, educação e transportes

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DO RIO - Em sua primeira visita ao Rio em campanha oficial, o candidato tucano à Presidência, José Serra, prometeu criar 1 milhão de vagas para o ensino técnico e instituir uma bolsa, semelhante ao ProUni, para o setor.

"Vamos fazer o ProUni do ensino técnico. Ou seja, criar o ProTec, para dar bolsa para aquele que só tem como escolha uma escola privada e não tem como pagar", disse Serra, em caminhada no calçadão de Bangu (zona oeste) com o seu vice, Indio da Costa.

Ele fez críticas à atuação do governo federal na educação, ao ser questionado sobre o resultado do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), mas afirmou que é "uma tarefa muito difícil" melhorar no setor.

"O governo federal tem que mergulhar nisso, não ficar só no tró-ló-ló. Temos que valorizar os professores e dar treinamento", afirmou.

Durante a caminhada, Serra teve o apoio de ao menos oito pastores evangélicos, que levaram alguns fiéis de suas igrejas para o ato.

O tucano chegou ao local de trem e caminhou por cerca de uma hora.

Na área da saúde, o candidato propôs criar o programa "Mãe brasileira", para que toda gestante tenha acompanhamento médico até o parto, e prometeu construir 150 AMEs (Ambulatório Médico de Especialidades).

Serra defendeu também que o governo federal atue na transformação dos trens urbanos em metrô de superfície -aumentando a qualidade e a pontualidade do serviço.

Aliança do PT com PMDB causou "vexame" a Dilma, afirma Marina

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DE BELO HORIZONTE E DA ENVIADA A ARAGUARI - A candidata à Presidência pelo PV, Marina Silva, classificou de "vexatória" a substituição do programa de governo da adversária Dilma Rousseff (PT) e disse que a mudança teve origem na aliança pragmática que o PT fez com o PMDB.

"Talvez ali [na primeira versão] estivesse o programa do PT, mas o grupo da coligação botou o pé embaixo mesmo depois de o programa protocolado, rubricado, dizendo: "Não concordo com isso. Tira isso daí". E tiraram", disse.

De acordo com Marina, "quando as alianças não são feitas com base em conteúdo programático, a gente às vezes passa por situações vexatórias como essas".

A candidata foi a Belo Horizonte discutir a formação de um comitê suprapartidário, a ser comandado pela ex-petista Sandra Starling.

Ainda em Minas Gerais, Marina saiu em defesa do seu vice, Guilherme Leal (PV), diante de investigação do Ibama de suposto crime ambiental ocorrido em fazenda do empresário, no litoral da Bahia.

Guilherme foi notificado a apresentar cópias do projeto e das licenças ambientais exigidas para a liberação do empreendimento, que está em área de proteção ambiental.

"Guilherme é um homem íntegro, um homem correto, e já deu todas as respostas em relação a essa acusação que fizeram, talvez até com o sentido de querer fazer aí o jogo da política, do vale tudo. Nós não vamos entrar nesse jogo", afirmou Marina em vista a Araguari, no Triângulo Mineiro.

Reforma política, o alvo da nova campanha

DEU EM O GLOBO

Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral quer financiamento público e voto em listas

BRASÍLIA. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) se prepara para recolher assinaturas com o objetivo de levar ao Congresso uma proposta de reforma política por projeto de iniciativa popular. A ideia é repetir o movimento que levou à aprovação da Lei da Ficha Limpa.

A iniciativa conta com a adesão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e deve ser oficializada após as eleições. Discutida há mais de 20 anos, a reforma política nunca saiu de fato do papel.

- Sabemos que aprovar a reforma política é de uma complexidade muito maior. No entanto, o sucesso da campanha atual nos permite crer que podemos seguir nessa linha - afirma o advogado Marcello Lavenère, coordenador do MCCE.

O movimento vai adotar como prioridade a extinção do financiamento privado de campanhas e a adoção de listas fechadas, determinadas pelos partidos, para a escolha dos candidatos em eleições proporcionais. Com a chegada do processo eleitoral, o cronograma da campanha será estabelecido apenas em novembro.

O MCCE vai distribuir 70 mil cartilhas em conselhos municipais de Saúde e nas dioceses com dicas para denunciar candidatos que barganham votos por benefícios médicos.

Coordenação da campanha de Serra terá filial em Minas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ideia de montar essa estrutura foi de Aécio Neves para fortalecer tucano, que fará visitas semanais ao Estado

Christiane Samarco

O PSDB nacional está montando uma filial da coordenação da campanha presidencial de José Serra em Minas Gerais. Diante da disputa apertada com o PT da adversária Dilma Rousseff, garantir vitória do tucano no segundo maior colégio eleitoral do País tornou-se ponto crucial.

Serra fará pelo menos uma visita semanal a Minas. O objetivo da ofensiva é colocá-lo na dianteira da corrida presidencial antes do início do horário eleitoral no rádio e na TV, em 17 de agosto.

Quem vai coordenar é o secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG), escalado pelo ex-governador Aécio Neves. "Foi o Aécio quem sugeriu criar esta coordenação, para dar mais solidez à campanha de Serra em Minas", diz Castro.

A ideia é montar uma estrutura acoplada à da campanha para reeleição do governador Antonio Anastasia (PSDB), para facilitar a logística e aumentar a eficiência da caça aos votos .

Nas visitas semanais, Serra deverá cumprir agenda em duas cidades. "O Estado é grande", lembra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). São 853 municípios e só 25% deles ficam na grande BH. No caso do Rio de Janeiro fica bem mais fácil percorrer o Estado, já que 70% das cidades ficam na Grande Rio, ou mesmo em São Paulo e no Ceará, onde metade dos municípios está no entorno da capital.

Caravanas. O tucanato mineiro já faz mapeamento das principais cidades. Uma das ideias é promover as "caravanas do Serra", que serão conduzidas por lideranças mineiras do PSDB, DEM, PPS, PTB e PP, independentemente da presença do presidenciável e de Aécio. "Eles estarão juntos no maior número possível de cidades, mas como são mais de 800 municípios, vamos ter caravanas de mobilização com militantes", diz Azeredo.

A agenda mineira de Serra começará no dia 19 por Belo Horizonte e Divinópolis, polo siderúrgico com 220 mil habitantes, a 120 quilômetros da capital. Na segunda-feira seguinte, o trio Serra, Aécio e Anastasia fará campanha em Poços de Caldas e Três Corações.

No mundo da crença indiscutível:: Alberto Carlos Almeida

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O Brasil se tornou a grande estrela dos investidores estrangeiros. Eles olham para todos os países, comparam e chegam à conclusão de que o mais rentável é o Brasil. Isso se refere não apenas a investimentos no curto prazo, mas também, e principalmente, a investimentos que vão remunerar os investidores em cinco ou dez anos. Bom para todos nós. O dinheiro continuará entrando e isso é um importante motor do desenvolvimento econômico. O Brasil se tornou atraente para o capital internacional e o mérito é dos últimos governos, de Fernando Henrique Cardoso e de Lula.

Para continuarmos avançando, precisamos atacar problemas sérios que ainda temos, alguns dos quais com sinais de melhora nos últimos anos. Destacaria dois: o nível educacional da população e a carga tributária elevada, injusta e geradora de pobreza e desigualdade. Os impostos têm sido um tema constante desta coluna, a educação também. No que se refere à educação, tenho defendido que o que realmente importa não é adicionar novas disciplinas ao currículo, mas ensinar bem ensinado o que todos precisam aprender: português, matemática e ciências. Se for possível adicionar o inglês, melhor.

Um dos efeitos esperados da melhoria do nível educacional da população é a diminuição da crença em mágicas. Trata-se de algo muito comum no Brasil. A seleção é eliminada da Copa do Mundo e a causa disso é algo mágico, tal como a expulsão de um jogador ou o fato de o técnico ser inexperiente. O oposto disso é admitir que, numa Copa, há um vencedor e 31 perdedores. Assim, ser eliminado é a regra e ser campeão é a exceção. Os times perdem, os goleiros falham, os jogadores são expulsos e há viradas no placar. Assim é o mundo sem mágica.

Recentemente, vimos a mesma crença aplicada à política. Quando Dilma Rousseff encostou em José Serra nas pesquisas, tornou-se preponderante no noticiário a ideia de que, se Aécio se tornasse o vice de Serra, haveria uma mudança dessa tendência. Mais uma vez, trata-se de uma visão mágica. Escolha-se um determinado vice e tudo muda. Os exemplos podem ser multiplicados. Quando aconteceu o atentado de 11 de setembro, a interpretação corrente era de que o mundo mudaria. O mundo pós-atentado em nada se pareceria com o mundo pré-atentado. Isso não ocorreu. A grande mudança foi o maior rigor nos embarques de voo para os EUA e dentro do país. O atentado não resultou em consequências mágicas.

Um dos terrenos mais férteis para as crenças mágicas é o mundo da religião. O recente fenômeno do crescimento das religiões evangélicas no Brasil tem chamado atenção para esse fato. Muitos de nós nos recordamos dos grandes eventos em estádios de futebol liderados pelo pastor Edir Macedo, nos quais os fiéis, crendo no milagre, doavam seus óculos para a igreja. A crença milagrosa era de que, ao doar os óculos, a miopia, o astigmatismo, ou qualquer outro problema de visão ficaria curado. A crença em tais fenômenos vem acompanhada, na maioria das vezes, da crença em coisas mais sérias, que na maioria das vezes fundamenta toda a doutrina religiosa.

Foi pensando nisso que, na última semana de maio de 2010, o Instituto Análise fez várias perguntas em uma pesquisa nacional, para saber em quê os brasileiros acreditam.

Nada menos do que 93% dos adultos acreditam que Jesus Cristo ressuscitou e ascendeu aos céus. Apenas 4% disseram não acreditar que isso tenha ocorrido e outros 3% não quiseram responder à pergunta. Além disso, 76% acreditam que depois de morrer desfrutarão da vida eterna, 14% disseram que não acreditam na vida eterna e 10% não responderam.

Foi perguntado também para cada entrevistado qual seria seu destino após a morte: 66% afirmaram que irão para o céu, 6% disseram que irão para o purgatório, 3% consideram que irão para o inferno e humildes 25% afirmaram que não sabem para onde irão. É claro que entre esses 25% estão também aqueles que acham que não há vida após a morte. Continuando nesse tema, descobrimos que 50% dos brasileiros acreditam que o purgatório existe e 40% disseram que não existe. Os demais 10% não responderam.

A crença em outros dogmas da religião cristã também foi investigada, como a virgindade de Maria e a transubstanciação da hóstia e do vinho em corpo e sangue de Cristo. Nada menos do que 82% acreditam que Maria concebeu Jesus Cristo sendo virgem, 12% não acreditam nisso e 6% não responderam. Isto é, 12% acham que Maria, para conceber Jesus, precisou fazer sexo com José. Aliás, quanto a isso, há uma contradição factual na Bíblia. Afirma-se que Maria era virgem e que Jesus era descendente da casa de Davi. As duas coisas são incompatíveis, dado que o descendente de Davi era José. Assim, para ser descendente da casa de Davi, Jesus precisaria ser filho biológico de José.

Quanto à transubstanciação, 93% acreditam que no momento da comunhão a hóstia se transforma no corpo de Cristo e o vinho se transforma em seu sangue. Somente 4% não creem que isso aconteça e 3% não responderam.

Voltando ao tema da vida após a morte, 63% acreditam que vão encontrar seus familiares que já faleceram, 26% não acreditam nessa possibilidade, 11% não responderam.

Um tema típico da religião católica, o poder dos santos, também foi investigado: 65% acreditam que, se fizerem um pedido para um santo ou uma santa, ele ou ela vai interceder junto a Deus para que o pedido seja atendido, 30% não acreditam que isso ocorra e 5% não responderam.

Igualmente interessante é que 37% dos brasileiros consideram que já lhe ocorreu algum milagre ou com alguém de sua família, 58% afirmam que nunca aconteceu tal coisa e 5% não responderam. Adicionalmente, foi perguntado a esses 37% que já foram beneficiados por milagre o que acontecera. Para 48%, houve a cura de um doença grave, 7% afirmaram que escaparam de um acidente de automóvel e 4% garantem que algum parente morreu e depois ressuscitou. Os demais milagres se distribuíram em proporções iguais ou menores do que 3%: ficar livre do vício de drogas, conseguir um emprego (é notável que uma parcela, ainda que pequena, da população considere que obter um emprego seja um milagre), cura da cegueira, comprar casa (tão notável quanto conseguir um emprego), ouvir a voz de Deus, receber um dinheiro que não esperava, criança sobreviver a um afogamento e assim por diante.

Cabe ao leitor julgar quão disseminado é no Brasil o pensamento mágico. Creio que é muito. Cabe também ao leitor avaliar se isso é bom ou não para o desenvolvimento de nossa sociedade. Acho que não é. Acreditar na ressurreição de Cristo e na vida após a morte é, salvo melhor juízo, o próprio fundamento do cristianismo. Ou seja, tudo bem. O mais interessante é a crença em outras mágicas, como a existência do purgatório, a transubstanciação, a intercessão dos santos junto a Deus e a virgindade de Maria. É mágica demais. Quem acredita nisso tudo está propenso também a acreditar, por exemplo, em salvadores da pátria.

Não coincidentemente, portanto, é relevante ressaltar que todas essas crenças são mais fracas na região Sul. Aliás, a pesquisa também mostra que, quanto mais uma pessoa frequenta a igreja, mais acredita em todos esses dogmas. A frequência à igreja, entre a população da região Sul, é menor do que em todas as outras regiões. O Sul é mais europeu e germânico, teve mais influência do protestantismo da Europa continental. O protestantismo, ao contribuir para aumentar o nível educacional de toda a população, agiu inadvertidamente para enfraquecer a crença nas mágicas.

O Brasil, e não somente uma de suas regiões, precisa lidar com seu baixo nível educacional e seu alto nível de crenças em coisas que não encontram fundamentação empírica.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".

Dados de dossiê contra tucanos saíram de auditores da Receita

DEU EM O GLOBO

Servidores autorizados da Receita Federal acessaram dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira - posteriormente incluídos num suposto dossiê contra tucanos que estaria sendo preparado nos bastidores da campanha de Dilma Rousseff (PT). Este foi o resultado preliminar da investigação da Receita sobre o vazamento. Em nota, o órgão informou que não houve violação ou invasão do sistema. A Receita identificou os acessos aos dados do tucano e investiga o motivo deles, mas não deu nomes de responsáveis. Para o órgão, é preciso verificar se o vazamento saiu mesmo do Fisco. Eduardo Jorge diz que há "embromação".

Dados saíram da Receita

Órgão admite que informações de dirigente tucano foram acessadas com senha oficial

Martha Beck

AReceita Federal informou ontem que os dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, foram acessados unicamente por servidores autorizados do órgão. A Receita divulgou o resultado preliminar da investigação que foi aberta internamente para investigar o vazamento de informações das declarações do Imposto de Renda (IR) do dirigente tucano e, por meio de nota, revelou que não houve violação ou invasão de seu sistema informatizado. Isso significa que as únicas pessoas que tiveram acesso aos dados de Eduardo Jorge foram auditores que possuem senha pessoal e certificação digital da Receita.

Segundo informações publicadas pelo jornal "Folha de S.Paulo" no dia 13 de junho, dados fiscais e bancários de Eduardo Jorge foram incluídos num suposto dossiê contra o PSDB, que estaria sendo preparado por setores da campanha da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Segundo o jornal paulista, a equipe da pré-campanha de Dilma conseguiu "documentos de uma série de três depósitos na conta de EJ no valor de R$3,9 milhões".

A Receita identificou todos os acessos feitos às declarações do vice-presidente do PSDB relativas aos anos de 2008 e 2009, mas não forneceu os nomes dos servidores. A corregedoria da Receita diz que quer saber agora o motivo desses acessos, segundo a nota: "As investigações prosseguem, através da instauração de processo administrativo disciplinar, para apurar se os acessos foram motivados por razão de serviço. Caso contrário, o responsável pelo acesso imotivado estará sujeito a penalidade de advertência ou suspensão de até 90 dias."

Eduardo Jorge: "É uma embromação"

Eduardo Jorge afirmou, porém, que não confia na investigação da Receita. Segundo ele, essa foi a terceira vez que seus dados foram violados, mas o Fisco nunca tomou providências:

- Leva dois minutos para saber quem teve acesso, e mais dois minutos para saber se ele foi ou não justificado. Mas já se passou mais de um mês e até agora nada aconteceu. Se fossem informações do presidente Lula, tudo já estaria concluído.

Eduardo Jorge disse que tem documentos que mostram que seus dados saíram diretamente da Receita Federal. E se queixa que nunca foi chamado para ajudar nas investigações:

- O que estão fazendo agora é uma embromação para encobrir o crime. Quem acessou o sistema não está protegido por sigilo. Por que a Receita não divulga quem foi? Acho que o assunto vai morrer.

Ele afirmou que possui cópia dos documentos que foram vazados e que são claramente da Receita. Além disso, lembrou Eduardo Jorge, o Tribunal Regional Federal (TRF) proibiu, em 2009, que a Receita repassasse seus dados ao Ministério Público Federal e determinou que, caso isso fosse feito, os procuradores não poderiam abrir os envelopes.

O MPF estava, à época, investigando Eduardo Jorge por suposta lavagem de dinheiro, mas, por determinação do TRF, a apuração dos procuradores foi suspensa.

A nota da Receita alega que ainda é preciso verificar se o vazamento saiu mesmo do Fisco: "Caso a investigação indique a ocorrência de vazamento de informações sigilosas e conclua pela quebra de sigilo funcional, o autor estará sujeito à pena de demissão e o inquérito será encaminhado ao MPF".

A apoteose e os limites do escapismo :: Rogério L. F. Werneck

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não é de hoje que o governo planeja fazer de 2010 um ano apoteótico que, além de marcar o gran finale dos dois mandatos do presidente Lula, sirva para catapultar a candidata oficial à vitória nas eleições de outubro. No ano passado o Planalto chegou a temer que a interrupção do crescimento da economia brasileira, na esteira da crise mundial, tivesse comprometido de vez a viabilidade dessa ideia. Mas, com a rápida recuperação do nível de atividade, o plano original voltou a parecer exequível.

O governo sempre teve consciência de que um final de mandato tão feérico exigiria uma expansão fiscal desmesurada em 2010. No início deste ano, chegou a dar mostras de preocupação com os riscos de manter uma política fiscal tão escancaradamente expansionista. Parecia ter percebido que talvez fosse prudente moderar a farra fiscal, para tentar sair bem na foto durante a campanha eleitoral e, quem sabe, resgatar, na reta final do segundo mandato, parte da desbotada imagem de compromisso com a estabilidade macroeconômica que tanto lhe valeu na eleição de 2006.

A esta altura, no entanto, tudo indica que os propósitos de moderação desapareceram por completo. Embora esteja gratamente surpreso com o desempenho de sua candidata nas pesquisas de intenção de votos, o governo não quer correr riscos que considera evitáveis. Decidiu aferrar-se ao roteiro do final de mandato apoteótico. Tendo em conta a envergadura e o peso da candidata, convenceu-se de que será difícil mantê-la em ascensão sem um empuxo fiscal excepcionalmente forte. E se, para assegurar essa ascensão, tiver de sair mal na foto da responsabilidade fiscal, paciência. O que talvez não esteja sendo devidamente percebido são os efeitos colaterais que essa estratégia poderá ter sobre a evolução do debate eleitoral. A expansão de dispêndio público e de crédito estatal nas proporções hoje observadas vem tornando cada vez mais improvável que esse debate, tal como ocorreu nos pleitos de 2002 e 2006, possa passar mais uma vez ao largo da principal questão fiscal com que se defronta o País.

Da comparação dos primeiros cinco meses de 2010 com o período correspondente de 2009, constata-se que o dispêndio primário federal vem tendo expansão nominal de nada menos que 18,5%. E que os desembolsos de empréstimos do BNDES - alimentados, por ligação direta, com recursos provenientes da emissão de dívida pública pelo Tesouro - vêm sendo expandidos à espantosa taxa de 41%.

Como não poderia deixar de ser, essa expansão fiscal tão exacerbada tem tido enorme repercussão na mídia. E, por mais que os candidatos se esforcem, está cada vez mais difícil manter o discurso escapista e fingir que o crescimento descontrolado do gasto público é tema que pode ser simplesmente ignorado.

Nos seus pronunciamentos mais recentes, José Serra tem insistido que as dificuldades econômicas do País podem ser aferidas pelos valores despropositados de três indicadores básicos: carga tributária elevada, taxa de juros alta e investimento governamental diminuto. Só lhe falta unir os pontos para perceber que a chave para lidar simultaneamente com os três problemas é a mesma: contenção da expansão descontrolada do gasto corrente do governo. É essa expansão que exige aumento sem fim da carga tributária, impede queda estrutural da taxa de juros e torna mais exíguo o espaço para investimento no Orçamento do governo.

Dilma Rousseff parece bem mais distante da percepção dessas inter-relações. Em entrevista recente no programa Roda Viva da TV Cultura, deixou claro que considera contenção de gasto público "receituário para países desenvolvidos", que não deve ser aplicado a países que vêm "fazendo o dever de casa", como o Brasil. Mostrou-se tão convicta disso quanto já estava em 2005. Dessa ideia, Antonio Palocci não conseguiu demovê-la. Mas, tendo em vista a contundência das cifras fiscais que serão divulgadas ao longo da campanha, essa negação irredutível da importância da contenção do crescimento dos gastos do governo lhe será cada vez mais custosa.


Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da Puc-Rio

Dívida é das maiores entre os emergentes

DEU EM O GLOBO

O Brasil é um dos que têm a maior divida entre paises emergentes, segundo ranking do FMI. A dívida total é de 67,2% do PIB e perde apenas para Hungria e Índia, em 27 países pesquisados. A China, por exemplo, tem apenas 20% do PIB, e o Chile, 4,4%. A capitalização do BNDES, nos últimos meses, agravou o problema, alertam analistas.


Dívida emergente

Débito público do Brasil é o 3º maior entre países em desenvolvimento, diz FMI, com risco para equilíbrio fiscal

Martha Beck

O Brasil está entre os países emergentes com dívida mais elevada. Um ranking do Fundo Monetário Internacional (FMI) com 27 economias mostra que o país só perde para Hungria e Índia. Enquanto a dívida bruta total do setor público brasileiro atingirá 67,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2010, segundo projeções do FMI, a húngara chegará a 78,9% e a indiana, a 79%. Já no Chile, será de 4,4% do PIB e, na China, 20%. O elevado patamar do endividamento no país tem levado analistas a alertarem para o risco de que esse indicador possa prejudicar o equilíbrio fiscal do país a longo prazo.

O maior problema, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, está no fato de a dívida bruta ter subido significativamente entre 2008 e 2009 devido, principalmente, a uma operação para capitalizar o BNDES em R$100 bilhões. Embora o objetivo dessa medida tenha sido promover os investimentos num momento de crise, Felipe Salto, economista da consultoria Tendências, destaca que ela tem um custo elevado. Isso porque os recursos que o Tesouro Nacional injetou no banco de fomento têm um custo de captação maior (com base na taxa básica Selic) do que a remuneração que será paga pela instituição (baseada na Taxa de Juro de Longo Prazo). Atualmente, a Selic está em 10,25% ao ano, enquanto a TJLP corresponde a 6% ao ano.

- A operação do BNDES envolve um subsídio. Num momento de crise, ela tinha algum sentido, pois o crédito estava restrito. Mas já estamos num processo claro de recuperação e, mesmo assim, o governo capitalizou o banco novamente em R$80 bilhões em 2010. Os recursos do Tesouro não são infinitos - disse Salto.

Ele projeta que a dívida bruta brasileira fechará o ano em 63,7% do PIB. A metodologia para o cálculo do endividamento utilizada tanto pelo governo quanto pelos analistas é diferente da utilizada pelo FMI. Nas estatísticas oficiais do governo, a dívida subiu de 57,9% para 62,8% do PIB entre 2008 e 2009. Já o conceito de dívida líquida desconta do total bruto todos os créditos que o setor público tem a receber.

Para os técnicos da área econômica, no entanto, não há desequilíbrio no endividamento brasileiro. Embora tenha havido uma expansão no ano passado, o quadro é controlado e pode ser revertido. Segundo a equipe do Ministério da Fazenda, os maiores impactos no estoque vieram da compra de reservas internacionais, da realização de operações compromissadas pelo Banco Central para enxugar a liquidez do mercado e das operações de capitalização de estatais, particularmente o BNDES.

- No entanto, a compra de reservas e as operações compromissadas são ações totalmente reversíveis, sobre as quais o governo tem controle. Um avanço nesse sentido foi o aumento do compulsório, que já reduz a necessidade de operações compromissadas. Já a capitalização do BNDES foi uma ação pontual para ajudar o país a reagir aos efeitos da crise mundial - disse um técnico, destacando que a injeção de recursos do banco teve como efeito a volta do crescimento e dos investimentos no país.

O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luiz Otávio Leal, lembrou que os países ricos, mais afetados pela crise do que os emergentes, também têm apresentado aumento da dívida bruta. Mas essas são economias que passam por um desaquecimento que justifica ações de estímulo à atividade econômica.

- Esse não é o caso do Brasil. Na hora em que acabar a orgia fiscal no mundo, os analistas vão começar a olhar com cuidado os indicadores e querer saber porque a dívida bruta está subindo no Brasil - disse Leal.

Um relatório recente da agência de classificação de risco Fitch destaca que os estímulos dados à economia por meio do BNDES impedem "uma redução mais rápida da carga bruta da dívida pública, acima de 60% do PIB, e bem acima da média dos países na categoria "BBB" (grau de investimento) nos últimos dez anos, de 35%".

FMI eleva previsão de expansão do Brasil

Estudo do economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman, mostra que os aportes no BNDES vêm tendo impacto nos desembolsos do governo com juros. Segundo os dados, no terceiro trimestre de 2003, esses gastos correspondiam a 9,5% do PIB, relação que caiu para pouco menos de 5% no terceiro trimestre de 2009. A partir daí, e mesmo com a Selic estável a maior parte do tempo, os pagamentos subiram para 5,4% do PIB em maio, num fluxo de 12 meses, último dado divulgado pelo Banco Central (BC).

De 2008 para cá, os financiamentos feitos pelo BNDES cresceram vertiginosamente. Neste período, os empréstimos do governo ao BNDES passaram de 0,5% para mais de 6% do PIB. Em abril passado, o BC passou a elevar a taxa básica e isso também tem afetado o pagamento de juros. Boa parte da dívida está relacionada à Selic e a expectativa do mercado é que ela encerre o ano acima de 12%. Em maio, a dívida líquida do setor público estava em R$1,371 trilhão, ou 41,4% do PIB. Procurado ontem, o Tesouro não quis comentar o assunto.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu para cima suas previsões de crescimento econômico para o mundo, com destaque para o Brasil. Segundo a mais recente versão do relatório Perspectivas da Economia Mundial, divulgado ontem, o PIB mundial crescerá 4,6%, ante a previsão de 4,2%, feita em abril. Para 2011, a expansão fica inalterada em 4,3%. Para o Brasil, a revisão para 2010 avançou 1,6 ponto percentual, de 5,5%, em abril, para 7,1%. Para 2011, a previsão é de avanço de 4,2% no PIB brasileiro, aumento de 0,1 ponto percentual em relação à projeção anterior.

Colaborou: Patrícia Duarte, com agências internacionais

Adiamento:: Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)


Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...