sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Reflexão do dia - Luiz Sergio Henriques

Difícil dizer ainda hoje se o principal partido do País, ocupante da Presidência da República num período de renovado dinamismo econômico e social, com maciça expansão das camadas médias, poderia assumir como sua a concepção do valor universal da democracia, com tudo o que isso implica em termos de aceitação do Estado Democrático de Direito como o terreno mais propício aos subalternos. Mas não só isso: precisamente como um valor em si mesmo, que requer, entre outros pontos, a "recíproca legitimação dos contendores" e o cabal respeito ao regime de freios e contrapesos que assinala toda comunidade política madura, capaz de resolver pacificamente seus inumeráveis conflitos num sentido de liberdade dos indivíduos e plena incorporação dos "de baixo".

(Luiz Sergio Henriques, no artigo ‘Que esquerda é esta?’ O Estado de S. Paulo, 26/9/2010)

Rumo ao segundo turno :: Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

Neste domingo, 3 de outubro, a sociedade brasileira comparecerá mais uma vez às urnas para escolher o próximo presidente da República, depois de uma campanha em que o atual presidente travestiu-se de garoto-propaganda e, ao arrepio da lei, buscou de todas as maneiras fazer Dilma Rousseff sua sucessora.

Escolhida à revelia de seu partido, de maneira a ressaltar seu personalismo, Lula impôs sua agenda e candidata ao país, e há quase dois anos vem fazendo campanha, buscando dois objetivos claros: o primeiro, midiático.

De palanque em palanque, o presidente inventou uma forma de governar "nunca antes vista na história deste país", baseado tão somente em inaugurações de obras, muitas das quais não passaram da "pedra fundamental".

Em segundo, tendo a tiracolo sua candidata, nominada "mãe do PAC" - um conjunto de intenções de obras, a maioria das quais desenhadas desde o período Fernando Henrique Cardoso -, torná-la conhecida das populações mais pobres, como a "gerente do governo", fundamentalmente junto aos beneficiários do Bolsa Família, nas regiões Norte e Nordeste, visando imantá-la com sua popularidade.

Isso depois de mobilizar todos os instrumentos disponíveis de manipulação de massas, por conta de uma estratégia de propaganda, tendo a Petrobras como carro-chefe, vendendo o sonho de uma riqueza ao alcance da mão, com a descoberta do pré-sal.

Aliada a uma ampla partidarização e instrumentalização da estrutura do Estado, tendo como consequência a subordinação das outras esferas do poder (Legislativo e Judiciário) e níveis de governo (estados e municípios) - sem falar da consolidação da cooptação de importantes movimentos sociais (sindicais, estudantis, de gênero etc.) - o governo, ao se ver envolvido por denúncias de corrupção na Casa Civil, envolvendo diretamente pessoas ligadas à sua candidata, passa a atacar abertamente a imprensa com uma virulência só vista antes no tempo da ditadura militar.

Todo o esforço do governo Lula tinha como estratégia central vencer as eleições presidenciais no primeiro turno, e fazer uma maioria folgada na Câmara e no Senado que permitisse ao PT mudar aspectos essenciais da atual constituição, o primeiro dos quais seu antigo e acalentado desejo de controlar a imprensa e a liberdade de expressão.

Agora, quando fica evidente a possibilidade do segundo turno para as eleições presidências, com a ampliação de parcelas das camadas médias urbanas dirigindo seu voto aos candidatos da oposição, é fundamental que possamos, finalmente, discutir os projetos de nação que cada candidatura defenderá junto à cidadania do país.

Que país teremos - e seremos - daqui a 20 anos? Que futuro aguarda nossa juventude, com a irrupção da "Sociedade do Conhecimento"? Como estará nossa indústria, ante a necessidade de operar com base em energia renovável e limpa?

E, mais importante, que democracia teremos se não realizarmos, nos próximos anos, as reformas estruturais do Estado brasileiro, tornando-o contemporâneo da sociedade do futuro? A necessidade do segundo turno se impõe, entre outras coisas, para que possamos saber que resposta nos dará o futuro presidente a tais questões.


Roberto Freire é presidente do PPS

Dilma, na margem de erro :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O que parece que está acontecendo neste momento da campanha presidencial é que a decisão está mesmo na margem de erro. A média das últimas pesquisas dá uma vantagem para Dilma Rousseff sobre a soma dos demais candidatos de 2 a 5 pontos percentuais, o que permitiria sua vitória já no primeiro turno. Mas pode faltar fôlego no final da campanha, dependendo de alguns fatores, como uma abstenção maior no Nordeste, por exemplo, que em parte foi amenizada pela decisão do Supremo Tribunal Federal de exigir apenas um documento com fotografia para o eleitor votar, sem necessidade de mostrar o título de eleitor.

Também o crescimento da candidata do Partido Verde, Marina Silva, pode ser maior do que está sendo captado por alguns institutos de pesquisa.

O Partido Verde tem levantamentos próprios que indicam que sua candidata está crescendo muito em capitais como Rio e Belo Horizonte, tirando votos especialmente de Dilma Rousseff.

Tanto os levantamentos do PV quanto os do PSDB indicam que Marina tem potencial para chegar a mais de 15% de votos válidos, os mais otimistas achando que ela pode beirar os 20%.

Mas qualquer escorregão de qualquer dos candidatos pode influenciar na decisão final do voto. Não é à toa que a candidata Marina Silva, além de visar a favorita Dilma Rousseff na questão do aborto, está também atacando o candidato tucano José Serra, afirmando que ele não tem competitividade para disputar um segundo turno.

Apresentando-se como a única alternativa real para derrotar Dilma num eventual segundo turno, Marina procura esvaziar seu adversário tucano e estimular o voto útil dos que querem derrotar o PT.

Os temas delicados serão colocados para os candidatos, como a questão do aborto, que também é uma complicação para Marina junto ao eleitorado mais progressista, que considera que ela é muito conservadora em questões morais justamente por ser evangélica.

Marina poderá receber votos de um eleitorado mais conservador, e perder votos em um eleitorado mais progressista que normalmente teria o Partido Verde como opção ao petismo.

Também o candidato tucano José Serra será confrontado com suas últimas promessas claramente eleitoreiras, como o 13º salário para o Bolsa Família ou aposentadoria integral para o funcionalismo público.

Ao mesmo tempo ele acenou com a possibilidade de mudar a idade para a aposentadoria, um tema tabu para os que estão com projetos de aposentadoria.

Mais uma vez parece que a eleição será decidida dentro da margem de erro, como vem acontecendo desde 1998, na reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Sua eleição em 1994 foi mais tranquila, já no primeiro turno com 54,3% dos votos válidos, sem grandes emoções.

Quatro anos depois, com a crise econômica forte e a desvalorização do Real se tornando incontornável, ele foi reeleito com 53,1%, mas ficou até o último momento da apuração em suspense.

Em 2002, o candidato do PT, Lula, foi para o segundo turno com 46,4% dos votos, e em 2006 ficou com 48% no primeiro turno.

O país tem ficado muito dividido em todas as eleições. E mesmo que o presidente Lula chegue perto de 80% de popularidade, não conseguiu retirar do pleito esse caráter de divisão de forças políticas, como se verifica agora.

Há estudos que demonstram que os institutos de pesquisas tendem a aumentar os índices dos candidatos favoritos nas eleições, o que quase sempre não se confirma nas urnas.

A decisão final do eleitor fica dependendo de pequenos fatores. Por isso, o presidente Lula voltou a entrar na campanha para defender sua candidata dos ataques que vem sofrendo nos últimos dias por conta das questões delicadas - como o aborto - no último programa eleitoral.

Essa questão está abalando tão fortemente os votos dos eleitores religiosos, católicos ou evangélicos, que uma movimentação maior foi necessária para tentar apagar o foco de incêndio, e até mesmo o Bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, foi convocado pelo governo para defender Dilma. Logo ele, que se declara a favor do aborto.

É bom lembrar que na última eleição para senador no Rio o candidato do PP, Francisco Dornelles, superou Jandira Feghali nos últimos dias de campanha justamente devido à posição dos partidos de esquerda a favor do aborto.

Esse tema pode ter levado o Datafolha a captar uma reação mais intensa do eleitorado na segunda-feira, dia 27, quando registrou uma queda mais acentuada da diferença entre Dilma e os adversários.

Acontece que, no fim de semana anterior, as igrejas haviam feito pronunciamentos fortes contra o PT e sua candidata por conta do apoio ao aborto.

Segundo especialistas, as diferenças nas medições se devem às metodologias utilizadas pelos institutos de pesquisa. O Ibope, o Vox Populi e o Sensus adotam os setores censitários do IBGE como base para as entrevistas domiciliares, indo às áreas urbana e rural do país, segundo as variáveis sexo, idade, escolaridade e renda da população.

O Datafolha utiliza o método do fluxo de ponto, com pesquisas realizadas com as pessoas circulantes em pontos específicos dos municípios, segundo as variáveis sexo e idade.

O fluxo de ponto é uma metodologia mais fluida do que a domiciliar. O National Opinion Research Center da Universidade de Chicago recomenda que as pesquisas de fluxo de ponto devam ter o dobro do tamanho amostral que as domiciliares para obterem a mesma margem de erro, com o controle mínimo das variáveis sexo, idade, escolaridade e renda para a obtenção apropriada da amostra coletada.

Por isso, a amostra do Datafolha é sempre de 10 mil pesquisados, quase o triplo dos demais institutos. Numa eleição apertada como essa, qualquer desvio de cálculo pode comprometer o resultado final. Somente no domingo saberemos quem está com a razão.

Atos erráticos:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em 1986, um pouco antes do lançamento do Plano Cruzado, que daria ao então presidente José Sarney um ano de alta popularidade e ao fim dele uma vitória eleitoral espetacular na eleição de governadores do PMDB em quase todos os Estados, Fernando Lyra (ex-ministro da Justiça) e Fernando Henrique Cardoso (senador) fizeram duras críticas a Sarney. A de FH bem mais contundente, em longa entrevista ao Jornal do Brasil.

Comentário de Lyra entrou para os anais das melhores tiradas da política: "Eu pisei no tomate, mas Fernando Henrique pisou no tomateiro."

Entre o ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, difícil distinguir quem pisou no tomate e quem esmagou o tomateiro.

Impossível decidir quem teve o pior desempenho na história exposta ontem pelo jornal Folha de S. Paulo sobre um telefonema entre Serra e Mendes, ao que tudo indica, ocorrido pouco antes de o ministro pedir vista da ação direta de inconstitucionalidade do PT contra a lei que exige do eleitor apresentação de dois documentos para votar.

Segundo o relato da Folha de S. Paulo, um profissional do jornal estava presente quando Serra pediu para que fosse feita a ligação. Testemunhou quando um assessor passou o telefone dizendo quem era do outro lado da linha e ouviu quando o candidato atendeu dizendo "meu presidente!".

O candidato e o magistrado erraram feio. Um por telefonar, outro por atender. Isso na hipótese de que não tenham conversado sobre o julgamento que transcorria no STF, coisa que jamais se saberá com certeza.

Não conspira a favor do exigido de um magistrado que no curso do julgamento esteja a conversar com uma das partes.

Sim, porque da forma errática como foi posta em debate essa questão da exigência do título de eleitor e mais um documento oficial com fotografia, ficou convencionado que a lei desfavoreceria o PT e, consequentemente, favoreceria o PSDB.

Da parte do candidato, o gesto de telefonar para o ministro durante a sessão é de uma inconveniência ímpar. Até porque dá margem a comentários, interpretações e suposições que de fato foram feitas a respeito do telefonema e obrigaram o ministro a se justificar várias vezes por meio de indiretas na sessão de ontem.

Serra e Mendes foram mal, mas se lhes serve de conforto, não estão sozinhos no que tange à falta de apreço à melhor conduta.

Deixemos de lado o comportamento do presidente da República, por já exaustivamente comentado, e passemos direto aos votos do restante do colegiado no momento em que Gilmar Mendes interrompeu o julgamento: sete votos em favor da ação indireta de inconstitucionalidade.

Todos absolutamente lógicos no tocante à dificuldade que sem dúvida alguma a exigência impõe ao eleitor. Mas naquela sessão não houve a decretação da inconstitucionalidade da legislação. Tampouco isso ocorreu na sessão do dia seguinte (ontem) que concluiu a votação com o resultado de 8 a 2 em favor da não-obrigatoriedade da apresentação do título de eleitor.

Os magistrados recorreram a critérios de "proporcionalidade" e "razoabilidade" - e não a normas constitucionais - para atender ao que pedia a ação direta de inconstitucionalidade.

Aos partidários que se revoltam ou comemoram a decisão do tribunal convém lembrar que em tese não estava em jogo uma questão eleitoral.

Tanto que no ano passado quando o Congresso votou a emenda à legislação eleitoral nenhum líder partidário discordou e, depois disso, o presidente Lula sancionou a lei.

Só ocorreu ao PT que ela poderia ser prejudicial ao eleitor quando teve certeza de que seria maléfica para a candidatura Dilma. Antes de essa hipótese ser aventada com rigor, até a semana passada não havia reparos a serem impostos à legislação.

Ao Supremo realmente não cabe examinar a motivação, embora coubesse analisar a constitucionalidade e não a conveniência, de todo modo muito pertinente quanto ao mérito da questão.

Confuso? Pois é, como tudo o mais nesta brasileira República federativa.

A hora e a vez de Sua Excelência :: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Oito em cada dez eleitores que vão às urnas neste domingo nunca foram privados de seu direito de escolher, pelo voto, todos os dirigentes do país. E já votaram para presidente da República mais vezes do que os brasileiros de qualquer outra época da história. A maioria vai acordar no domingo, pegar a cola de candidatos e seus documentos - todos que encontrar pela frente, já que essa gente não se entende -, antes de se dirigir, pela sexta vez consecutiva, ao mesmo local de votação desde que se cadastrou como eleitor.

A rotina parece banal, mas não há feito maior, quando se trata de mediar conflitos pelo voto, do que uma eleição depois da outra. Esse eleitor que começou a votar em 1989 pode não mais se demorar na escolha da cor da roupa, nem fazer o V de vitória para as charangas dos simpatizantes que avistar pelo caminho. Talvez tenha atravessado toda a campanha sem levantar uma única vez a voz em discussão sobre os melhores e maiores de 3 de outubro. Melhor assim. A paixão talvez nem combine mesmo com esse enredo.

De cada dez brasileiros, sete votam. É a maior proporção de eleitores de uma história que, há apenas uma geração, excluía a leva de analfabetos. A maioria deste colégio eleitoral expandiu seus ganhos em ritmo chinês nos últimos anos, mas teve um salto de escolaridade superior ao de renda. Quatro, em cada dez eleitores que vão às urnas neste domingo têm mais de oito anos de bancos escolares.

É um eleitor que consome mais informação e, potencialmente, demanda mais do poder público. Paradoxalmente, o ingresso desses emergentes à informação e ao consumo também aumenta a ansiedade em relação à manutenção dos seus ganhos e os torna suscetíveis à volatilidade eleitoral, como demonstram as planilhas das últimas semanas.

São esses eleitores que carregarão, para uma eleição futura, o que Wanderley Guilherme dos Santos em artigo neste Valor (29/09) definiu como o germe do conservadorismo: dada a percepção de que mobilidade social pode estar se aproximando de seu limite, a preservação das conquistas pode acabar sendo a barganha eleitoral mais atraente.

O eleitor aprendeu a votar por cálculo porque nesse amadurecimento das eleições consecutivas já viu de tudo. Acreditou no voluntarismo de punhos cerrados, na moeda que redimiria o país e naquele que viria de baixo para passar a história a limpo. Deu-se conta de que seu voto construiu aventureiros, prorrogou ilusões e varreu para baixo do tapete verdades inconvenientes. Mas descobriu também que votando ajudou a derrotar a inflação e fomentar políticas públicas pela melhor distribuição de renda.

Nesta campanha, viu o candidato do PSDB elogiar o presidente de dia e malhá-lo à noite; foi testemunha da incapacidade da candidata do PT de dizer como será capaz de atender aos deuses e diabos que infestam seu entorno; e foi incapaz de colher da candidata do PV uma explicação por que, desta vez, o voto num presidente sem partido não redundará em nova tragédia. Foi obrigado até a assistir o candidato do PSOL defender a previdência complementar para o funcionalismo público sem que ninguém lhe lembrasse que foi esta reforma que levou ao êxodo do PT dos seus atuais correligionários.

Mas esta campanha também levou cada um dos principais candidatos a compromissos históricos. Se Dilma Rousseff cumprir o que acenou no programa de combate ao crack exporá o raquitismo dos recursos destinados ao tema pelos oito anos do governo Lula. Se José Serra imprimir à política de reajuste do salário mínimo a velocidade prometida também terá rompido com o viés fiscalista que pautou sua carreira de gestor público e o histórico de seu partido no poder. Se Marina Silva chegar nos 7% do PIB com educação e ainda conseguir restringir o aumento da despesa em relação ao PIB, como promete, nunca na história desse país se terá visto igual façanha.

Mas em matéria de prodígio, não há competidor nesta disputa para a justiça eleitoral. No varejo, é orgulho nacional. Coloca na rua uma das maiores estruturas eleitorais do mundo sem que os resultados sejam passíveis de contestação. No atacado, a toga deixou para definir as vésperas da votação com quantos documentos se faz um eleitor, quais candidatos, se eleitos, poderão tomar posse e por que um candidato pode apelar à censura num Estado (Paraná) e não pode noutro (Tocantins). A partida só caiu no colo do juiz porque assim quiseram os partidos e seus representantes no Congresso. Só o voto deste domingo pode colocar novamente a bola em campo.

Planilhas, quando torturadas, dizem quase tudo. Às vésperas de uma eleição presidencial tão radicalizada, o risco que essa tortura produza desinformação é grande. Em comum, a última leva de pesquisas mostra ascendência de Marina Silva (PV), ainda que nenhuma delas ateste potencial para transformá-la em segunda colocada em curto espaço de tempo. As pesquisas também convergem para a inércia de José Serra. A discrepância se dá em relação ao desempenho de Dilma Rousseff (PT). O Datafolha de ontem convergiu para a tendência de estabilidade apontada por Vox Populi e CNI/Ibope, e em todos os institutos há tendência de estreitamento da folga para uma disputa definida em primeiro turno, mas a margem varia de quatro a 11 pontos.

É esperado que o líder nas pesquisas se desidrate na reta final. Se lidera é porque tem a preferência das camadas de baixa renda, mais numerosa do eleitorado. E é nessa faixa que está o eleitor mais suscetível à abstenção, tanto pela locomoção, agravadas em condições climáticas desfavoráveis, quanto pelas agruras da documentação. É nesse eleitorado também que se concentra o risco de voto nulo pelo desconhecimento do número dos candidatos e pelo manuseio da urna eletrônica. E, finalmente, é esse o eleitor alvo das investidas da indústria de boatos de cunho moral e religioso da saideira da campanha. Depois dos eventos derradeiros - o programa do horário gratuito e o debate da noite de ontem - o barulho ficará por conta da internet e dos exércitos de cabos eleitorais com e sem bíblia. Ainda bem que não dá para prever resultado.


Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Xeretando :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Flagrado ao celular com o ministro Gilmar Mendes, supostamente para virar no tapetão um placar de 7 a 0 no Supremo, Serra provocou os jornalistas: "O que vocês estão xeretando?".

Pois é, xeretar faz parte da natureza do jornalismo (e do jornalista), e foi xeretando que a imprensa livre e crítica descobriu as maracutaias de Collor, a venda de votos da reeleição de FHC, o mensalão da era Lula e o festival de nepotismo, negociatas e caixinhas de Erenice, braço direito de Dilma.

Assim, o que impressiona na história é a sem cerimônia de Serra ao pedir para falar com o ministro e depois chamá-lo de "presidente", justamente em meio ao julgamento de uma ação proposta pelos adversários -contra a exigência de dois documentos para votar. É o cúmulo da imprudência e da arrogância. É por essas e outras que, na hora de arrancar, Serra engasga.

Aliás, quando duas rodadas do Datafolha acusaram uma nítida tendência de queda de Dilma, abrindo uma real perspectiva de segundo turno, os governistas reagiram à la PT, e a oposição, à la PSDB.

Um se rearticulou, neutralizou a boataria da internet contra Dilma e botou no colo dela as cúpulas evangélicas, que conduzem milhões de votos. O outro perdeu o prumo. Nem só por inocência ou por acaso.

Aécio Neves correu a se posicionar na "sucessão geracional" tucana, o que correspondeu a enterrar Serra (quase literalmente); o afilhado Gilberto Kassab (DEM) anunciou aumento da passagem de ônibus em São Paulo a quatro dias da eleição; Serra escorregou numa resposta sobre aposentadorias que deveria estar na ponta da língua.

Enfim, o telefonema a céu aberto para Gilmar Mendes apenas coroa o esforço antissegundo turno.

Escrevo antes do debate da TV Globo, mas não será surpresa se, no último e decisivo confronto, quem mais precisava brilhar esmaecer. Se isso ocorrer, a eleição acaba no domingo. A ver e conferir.

Uma candidatura movida a gasto público :: Rogério L. Furquim Werneck

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Terão as forças políticas que se opõem a Dilma Rousseff condições de assegurar que a eleição exija segundo turno? A folgada liderança da ex-ministra-chefe da Casa Civil nas pesquisas de intenção de voto não caiu do céu. Foi fruto de gigantesca mobilização de recursos a que recorreu o governo, ao longo de pelo menos dois anos, para transformar uma candidata sem qualquer experiência eleitoral prévia em concorrente viável à Presidência da República. É o momento de olhar para trás e perceber as reais proporções da mobilização fiscal levada à frente pelo governo para montar e nutrir a ampla coalizão política que hoje sustenta o bom desempenho eleitoral da candidata.

A parte menos dispendiosa dessa operação envolveu o Bolsa Família, que adveio da consolidação e da ampliação de programas de apoio à população de baixa renda criados no governo FHC. Bem mais custosa tem sido a política de reajuste sistemático do salário mínimo a taxas substancialmente mais altas que a inflação, que tem onerado em muito as contas da Previdência e de governos subnacionais. Tampouco tem sido fácil acomodar a conta da generosidade dos reajustes salariais com que foi agraciada parte substancial dos servidores públicos federais.

Incomparavelmente mais dispendiosa, contudo, tem sido a mobilização fiscal que permitiu a cooptação da outra extremidade do extenso arco de forças políticas que hoje apoia a candidatura governista. O que se revelou realmente caro não foi angariar o apoio dos mais pobres, mas, sim, dos mais ricos. Nessa linha, merece destaque o colossal programa montado no BNDES para concessão de crédito de longo prazo, a taxas de juros pesadamente subsidiadas, bancado com recursos do Tesouro provenientes da emissão de dívida pública. Desde meados de 2008, foram emprestados pelo Tesouro ao BNDES nada menos que R$208 bilhões. Cifra equivalente a mais de 16 vezes o dispêndio anual do governo com o programa Bolsa Família. Embora tais empréstimos venham sendo contabilizados de forma artificial, para que não apareçam nas cifras de dívida líquida do governo central, o Tesouro não teve como evitar que, em decorrência dessas operações, o estoque de dívida bruta federal mostrasse forte elevação no período.

Muito eficazes, também, para cooptar o empresariado, têm sido as expectativas de favores governamentais que deverão advir do avanço da exploração do pré-sal. Especialmente importantes vêm sendo os lucros esperados com a produção de bens de capital para a indústria petrolífera, sob o guarda-chuva protecionista da exigência de que os equipamentos supridos à Petrobras e outras empresas tenham pelo menos 65% de conteúdo nacional. É claro que a prodigalidade com que tais favores vêm sendo concedidos se faz às custas de brutal encarecimento dos investimentos no pré-sal, com consequente redução do excedente da exploração que poderá vir a ser apropriado pelo governo. O que significa dilapidação de recursos públicos que deveriam ter destinação muito mais nobre, em benefício da grande maioria da população.

É essa frente ampla que vem dando sustentação à candidatura de Dilma Rousseff. Vai dos beneficiários do Bolsa Família ao grande empresariado refestelado no Bolsa BNDES e no Bolsa Conteúdo Nacional. Sua manutenção vem exigindo doses maciças e crescentes de dinheiro público. Basta ter em mente as transferências adicionais de dezenas de bilhões de reais do Tesouro ao BNDES, agora anunciadas, que bem ilustram a desfaçatez com que as contas públicas passaram a ser tratadas no país.

O governo comporta-se como se acreditasse que, com a nova alquimia contábil que desenvolveu, já não tem restrição fiscal a respeitar. Alega ter descoberto a pedra filosofal das finanças públicas: uma fórmula mágica de gestão fiscal que permite transformar emissão de dívida bruta em melhora do superávit primário.

Não há como alimentar ilusões. Esse vale-tudo fiscal é só o prenúncio do que se verá no próximo mandato. A menos, claro, que o eleitorado decida dar um basta. A partir de domingo.

Rogério L. Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.

Pré-sal e gastança pública :: Yoshiaki Nakano

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Segundo as manchetes da imprensa, o Secretário do Tesouro Nacional comemorou que a operação de capitalização da Petrobras resultará, em setembro, na entrada de caixa de R$ 30 bilhões, gerando o "maior superávit história". O presidente Lula festejou também a capitalização da Petrobras, como "a maior do mundo", que gerou a entrada de uma enxurrada de capitais do exterior aumentando mais de 1.100%, de setembro em relação a agosto, batendo recorde histórico. Os especuladores do mercado financeiro comemoram, na mesma proporção, a apreciação do real, que chegou a R$ 1,70 por dólar. Engordando seus polpudos ganhos acima da taxa de juros praticada no Brasil, que permanece a mais alta do mundo, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos pratica taxa próxima a zero.

Essa enxurrada de entrada de capitais e a política de juros do Banco Central estão alimentando a expectativa de novas apreciações do real, que poderá se converter num processo de "profecia que se autorrealiza", porém desestabilizadora e catastrófica, no médio prazo. Veja o ritmo assustador de crescimento no déficit de transações correntes, que deverá superar US$ 50 bilhões neste ano. Tudo isto é exatamente o que a hipótese de "doença holandesa" prevê. Mais do que isso, o "boom" no setor de recursos naturais resultará num encolhimento do setor de "tradables" manufaturados, como vem acontecendo, e de forma cada vez mais acelerada no Brasil. Esse efeito destruidor do setor de manufaturados é tão maior quanto mais aberta for a conta de capitais, levando a uma especialização crescente do país em setores exploradores de recursos naturais e não "tradables". (Ver pesquisa cobrindo 90 países e 81 setores manufatureiros, Kareem Ismail, The Structural Manifestation of the "Dutch Disease": The Case of Oil Exporting Countries", IMF Working Paper, Abril de 2010).

Para aqueles que se preocupam com o desenvolvimento do país no longo prazo e com as futuras gerações, não há nada a comemorar com a descoberta do pré-sal e capitalização da Petrobras. Ao contrário, os fatos acima apontados confirmam que o Brasil não tem nem instituições, nem maturidade econômica para se beneficiar, a longo prazo da descoberta de grandes jazidas de petróleo, a exemplo de muitos outros países, como a Venezuela e México, para mencionar apenas os nossos parentes próximos. Não somos a Noruega, que institucionalizou os recursos efetivos vindos da exploração de petróleo, constituindo reserva para o futuro, ou seja, poupança para gerações futuras.

o caso brasileiro, estamos fazendo pior do que faz a Venezuela hoje ou outros países, apreciam a taxa de câmbio consumindo a receita efetiva de exportação de petróleo. O Brasil está apreciando a taxa de câmbio antecipadamente e consumindo uma receita de exportações, que poderá ou não, se materializar no futuro, provavelmente, muito depois da Olimpíada de 2014, ampliando o passivo externo e a gastança pública. É importante lembrar que a receita futura é ainda incerta e existem riscos e desafios tecnológicos não triviais para extrair petróleo em águas do pré-sal.

De janeiro a agosto deste ano, os gastos do governo federal e Banco Central aumentaram 17,2%, em relação, ao mesmo período do ano anterior. A rigor, o Tesouro Nacional está colocando, antecipadamente em caixa, R$ 30 bilhões, próximo de 1% do PIB, para pagar os aumentos galopantes de consumo do governo, particularmente aumento de salários do funcionalismo, dado desde 2008. Lembro que somente esses aumentos representam muito mais do que as receitas futuras agora antecipadas. Não estamos consumindo uma receita efetiva de exportações de petróleo, só isto seria desastroso para um país que poupa e investe apenas 19% do PIB. Estamos antecipando receita futura para pagar gastança passada!

Com a apreciação da taxa de câmbio, além de consumir uma receita futura incerta, estamos destruindo o setor manufatureiro brasileiro que foi construído por gerações passadas, no último século, com a entrada de importações, particularmente de países que mantêm a sua taxa de câmbio ultra-depreciada, como a China. Fábricas são fechadas para se transformarem em importadoras. Muitos setores industriais, num processo regressivo, são obrigados a se especializar em atividades exploradoras de recursos naturais. Veja o exemplo do setor de soja, cujas fábricas de óleo foram fechadas, tornando o Brasil exportador de grãos. Da mesma forma, o setor siderúrgico, que vinha alcançando notável renovação e avanço tecnológicos depois da privatização, está se tornando, cada vez mais, exportador de minério de ferro, e o Brasil de exportador, de repente, está importando em torno de 30% do aço consumido.

Quando analisamos para que setores da indústria os investimentos estão sendo canalizados, dados do IBGE mostram um quadro típico da "doença holandesa": aumentaram, de 1996 a 2008, nos setores baseados em recursos naturais e de petróleo, e diminuíram nos setores de maior valor agregado e intensivos em tecnologia. Não é a toa que o saldo comercial desses últimos setores, que em 2005 era de cerca de US$ 5 bilhões, tenha se transformado num déficit, que deverá atingir US$ 60 bilhões.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP.

Dinheiro inventado :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O governo decidiu confundir a todos. Aproveita a pouca paciência que as pessoas têm em relação ao assunto "contas públicas" para criar um rolo compressor que está tornando os números vazios de significado. A conta baterá sobre nós contribuintes. As despesas aumentaram este ano 17,2%; a dívida emitida para capitalizar a Petrobras, por mágica, virará receita do governo.

Dívida é dívida; receita é receita. Toda pessoa sabe disso. Mas não as estatísticas do governo. Como uma sucessão de truques fiscais, o Ministério da Fazenda está tornando artificialmente superavitárias as contas públicas.

Como é possível a emissão de título que é dívida, vira capitalização do BNDES, aumento de capital da Petrobras e, no fim, entra no caixa do Tesouro como receita? Pois foi essa mágica que ele fez desta vez. Diariamente, sai um truque desses da cartola do Ministério da Fazenda. Todos eles juntos escondem que o governo está gastando demais. Além disso, o Brasil está perdendo um dos avanços das últimas décadas, que foi o aumento da transparência das contas públicas. Hoje, já é impossível seguir uma série histórica de superávit primário, porque ele mede coisas diferentes; não se confia mais na dívida líquida, porque ela virou biombo que esconde o aumento da dívida bruta.

Esse assunto nos diz respeito diretamente. Transparência em gasto público é democracia. Ajuste fiscal não é burrice, como diz Dilma Rousseff, é sensatez. Sem ele, o contribuinte será chamado a pagar mais ao governo.

O regime fiscal do país mudou neste final do governo Lula. O equilíbrio comemorado nos anos Palocci começou a mudar lentamente, mas o regime fiscal se transformou radicalmente durante a crise. O abalo externo foi usado como pretexto para uma licença para gastar e para maquiar números. Assim está sendo feito um superávit primário para inglês ver, mas que não pode enganar a nós mesmos que pagamos a conta.

Veja-se o que foi feito no caso da Petrobras. A União emitiu dívida de R$75 bilhões para capitalizar a Petrobras; R$30 bilhões foram entregues ao BNDES. O banco pegou esses papéis e pôs na Petrobras para acompanhar o aumento de capital. Os outros R$45 bilhões foram transferidos diretamente para a estatal como aumento de capital da União.

Primeira parte da mágica é dizer que essa emissão de título não entra na conta da dívida líquida. A mentira que pregam aqui é dizer que se trata de um empréstimo e que o BNDES, um dia, vai pagar. E se vai pagar, ficam elas por elas. O problema é que o governo se endivida a 10,75% por ano por um prazo curto, e o BNDES, se pagar, o fará nas calendas. Esses R$30 bilhões não são empréstimo, como não foram os R$180 bilhões que o governo já pôs no banco desde a crise.

A segunda parte da mágica é a seguinte: a União vendeu cinco bilhões de barris de petróleo para a estatal, que levará décadas para tirá-los do fundo do mar, e há poucas informações técnicas sobre a existência, possibilidade de exploração e custo real desses barris.

Na terceira parte, a Petrobras devolve os R$75 bilhões como pagamento ao Tesouro desses barris futuros. A diferença entre os R$45 bilhões que foram dados para a Petrobras e os R$30 bilhões que passaram pelo BNDES virarão receita em setembro. Essa é a melhor parte da mágica: um papel que saiu por uma porta e entrou por outra. Papel de mil e uma utilidades: era dívida, deixa de ser, aumenta o patrimônio do BNDES, aumenta a participação que a União tem na Petrobras e ainda vai virar milagrosamente receita em setembro.

Por que o governo faz essa circunavegação fiscal? Para esconder o fato de que está gastando de forma espantosa. Em 2009, era a tal política anticíclica. Gastar para evitar a crise. O ciclo mudou, a gastança continua. E não é verdade que está gastando para aumentar os investimentos. O setor público federal continua investindo em torno de 1% do PIB apenas.

O superávit conseguido em agosto, de R$4 bilhões, só é superávit, porque as estatais anteciparam dividendos no valor de quase R$7 bilhões. Um dos truques é assim: o governo vendeu ao BNDES dividendos da Eletrobras. Isso entrou como aumento de capital do banco para emprestar mais. O banco pagou esses dividendos ao Tesouro e - kabrum! - virou receita em agosto.

Esses contorcionismos fiscais são diários e vão transformando em circo a contabilidade oficial brasileira. Está ficando difícil entender. Esse caminho de esvaziar os indicadores de significados é o escolhido pela Argentina para a inflação. É um perigo. As verdades econômicas não desaparecem por causa das falsificações.

O economista Alexandre Marinis gosta de usar os dados da Receita Líquida total (receita, menos as transferências para estados e municípios). Ele derruba com dados a tese de que os gastos foram para aumentar investimentos.

Por essa medida, o superávit primário caiu de 15,8% da receita em outubro de 2008 para 6,7% em julho de 2010. Os investimentos cresceram apenas de 3,9% para 4,8%. "Os dados mostram que toda a economia gerada com a redução do superávit primário foi queimada com pessoal, previdência e custeio, ao invés de aplicada em investimentos num país com uma infraestrutura à beira do colapso", diz ele, num relatório. Em reais, a queda do superávit em 12 meses foi de R$91 bilhões para R$45 bilhões no período.

No mês que vem, o governo vai "bombar" o superávit primário com essa receita inventada, inexistente, fruto de ilusionismo fiscal. Na hora que a conta chegar ao nosso bolso, ela será real e concreta.

Debate sem polêmica fecha a campanha presidencial

DEU EM O GLOBO

Escândalos da Casa Civil e da quebra de sigilo não foram abordados pelos candidatos

Candidatos evitam temas polêmicos no último debate antes das eleições de domingo promovido pela TV Globo

Fábio Brisolla, Fábio Vasconcellos, Maiá Menezes, Miguel Caballero e Paulo Marqueiro

RIO - No último debate da campanha eleitoral, realizado nesta quinta-feira à noite pela Rede Globo, os dois candidatos à Presidência que lideram as pesquisas - Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) - evitaram confronto direto. Todos os quatro participantes, que incluiu Marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), passaram ao largo dos escândalos que marcaram a campanha, como as denúncias de tráfico de influência que derrubaram a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra e a violação de sigilo de tucanos na Receita Federal. Dilma e Serra disputaram a paternidade de programas sociais como o Bolsa Família. E Marina, a terceira colocada e em ascensão nas pesquisas, foi a mais incisiva ao atacar tanto o PT como o PSDB

O debate foi dominado por questões programáticas. Logo no primeiro bloco, a defesa da reforma da Previdência uniu Serra e Marina. Os dois concordaram que é preciso ter regimes diferentes para os novos trabalhadores, que estão entrando no sistema, pois aqueles que já estão têm direitos adquiridos. Dilma não se posicionou claramente sobre o tema.

Marina critica "soluções mágicas"

Ao responder a uma pergunta de Serra sobre reforma da Previdência, Marina deixou clara sua estratégia de manter o tom crítico em relação ao tucano e a Dilma. Fez, ao longo do debate, críticas "aos últimos 16 anos" de governo. Foi a mesma resposta que deu ao falar sobre a política habitacional do país, já no terceiro bloco.

- De fato nós temos graves problemas na Previdência e temos que enfrentar enquanto a população é jovem. Se não enfrentarmos agora, pagaremos um preço muito alto. Vejo que, em época eleitoral, vão criando soluções mágicas, que não estão vinculadas com a realidade, indo para o promessômetro. A reforma da Previdência está no vácuo em todos os governos. Nem no governo do PSDB nem no atual governo - disse a verde.

Serra se defendeu:

- Desde a Constituinte, defendi reforma que separasse os que já têm direito adquirido e os que estão entrando. Temos de atuar também no curto prazo, de quem já está no sistema. E tenho defendido que se dê reajuste de 10% aos aposentados, o dobro que o governo quer e dar um salário mínimo de R$ 600.

Logo no primeiro tema - legislação trabalhista -, Marina escolheu Dilma para responder. Foi a deixa para a petista fazer um balanço dos empregos formais gerados no governo Lula, dizendo que foram gerados 14 milhões de empregos nos últimos oito anos:

- A questão da informalidade não foi adequadamente respondida. Temos 50% da população na informalidade não foi respondida. Estamos diante de um grave problema que precisa ser encarado da seguinte forma: mantendo o direito dos trabalhadores, mas simplificando o processo de contratação para diminuir a informalidade. - devolveu Marina.

Dilma reagiu em seguida - na única referência que fez à questão previdenciária.

- Até 2005 havia geração de trabalho mais informal do que formal e isso se modificou. Nós fomos capazes de gerar volume significativo. E queria deixar claro que o aumento de emprego deve manter os direitos trabalhistas. E acredito que o Brasil precisa gerar um volume muito grande de emprego, mas para isso temos de ter taxas elevadas de crescimento.

Serra tenta atacar Dilma com a questão da reforma tributária

A reforma tributária levou Serra ao primeiro ataque à adversária Dilma, no primeiro bloco do debate. Ao responder a uma pergunta sobre o tema impostos, feita pelo candidato do PSOL, Serra criticou a política tributária do atual governo e também Dilma, dizendo que a carga de impostos do Brasil é a maior do mundo.

Ao ser sorteado para perguntar sobre impostos, Plínio reagiu com ironia ao ver que teria que questionar Serra, a quem chamou de Zé. A pergunta foi sobre seu projeto de reforma tributária.

- Ih, ele gosta disso.

Marina atacou o governo federal ao responder a uma pergunta de Serra sobre as enchentes.

Lembrou do caso das verbas do Ministério da Integração Regional, que repassou mais recursos para a Bahia, terra do então ministro Geddel Vieira Lima:

- Que possamos ativar fundo nacional de Defesa Civil, fazer mapa de risco, treinar a população, e evitar repetir o que aconteceu no governo federal, quando o ministro da Integração passou os recursos para os municípios da sua base (na Bahia) - disse a verde.

Serra atacou o governo Lula ao perguntar a Marina sobre o déficit no setor de habitação.

- O déficit de habitação é altíssimo. O governo apresentou um plano de um milhão de moradias, até agora, e, apesar dos anúncios contrários, entregou 15% disso.

Marina voltou a atacar os governos do PT e do PSDB:

- O déficit habitacional é muito grave, e não é de agora. Nos últimos 16 anos, eu insisto, o investimento para a habitação das famílias mais pobres ficou muito a desejar.

No quarto bloco, Serra atacou Marina e Dilma:

- Vocês duas têm muito mais coisa em comum. Você (Marina) estava no governo do mensalão.

Dilma e Serra evitam confronto no último debate da campanha

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MARINA ATACA PETISTA E TUCANO
EVENTO TEM AUDIÊNCIA MÉDIA DE 24 PONTOS NO IBOPE

DE SÃO PAULO. - No último debate antes das eleições, realizado pela Rede Globo, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) evitaram o confronto direto e se esquivaram dos temas polêmicos que marcaram os três meses de campanha.

O papel mais crítico, ainda que tímido em relação a debates anteriores, coube à candidata verde, Marina Silva. Em terceiro lugar nas pesquisas, ela atacou tanto a petista quanto o tucano.

Plínio de Arruda Sampaio, do nanico PSOL, repetiu o personagem "franco-atirador" de debates passados, distribuindo alfinetadas aos adversários em tom irônico.

Com 52% dos votos válidos, segundo o Datafolha, o que poderia lhe assegurar a vitória no primeiro turno no limite da margem de erro, Dilma só repisou bandeiras do governo Lula.

Do outro lado, Serra não arriscou ataques e adotou linha "light", apostando num eventual segundo turno -tem 31% dos votos válidos.

O tucano só perdeu a paciência no final, depois da meia-noite, diante de sucessivas alfinetadas de Marina.

"Não use a sua régua para medir os outros. Se eu fosse usar a minha régua, eu diria que você e a Dilma têm muito mais coisas parecidas que qualquer outro candidato aqui. Você ficou no PT até há pouco, você estava no governo do mensalão, não saiu, você ficou lá como ela."

Serra e Dilma não trocaram perguntas nenhuma vez. Não houve pedido de direito de resposta. Ignoraram temas espinhosos, como a queda da ex-ministra Erenice Guerra (Casa Civil), aborto e quebra de sigilos de tucanos.

Ambos optaram por encaixar perguntas para Marina e Plínio que deixassem brechas para ambos atacarem as gestões tucana e petista.

Em um das raras alfinetadas na adversária direta, Serra debochou dos números de investimentos em saneamento básico. "Não foram investidos R$ 40 bilhões [em saneamento] nem aqui nem na Lua. É conversa fiada."

AUDIÊNCIA

Segundo dados preliminares do Ibope, o debate teve média de audiência de 24 pontos -cada ponto equivale a cerca de 60 mil domicílios na Grande São Paulo.

Marina, 15% dos votos válidos no Datafolha, direcionou críticas contra Dilma em uma área cara à petista. "É lamentável que não tenhamos um plano para infraestrutura", disse. "Estamos atrasados nessa questão."

Dilma rebateu: "Desculpe Marina, mas há um plano nacional de logística".

Marina disse ainda que Dilma sugere "um mundo cor-de-rosa". "No seu mundo, você coloca, corretamente, os acertos e os ganhos, mas não olha para desafios."

A candidata do PV também atirou contra Serra. "Tenho observado que, em período eleitoral, as pessoas vão adquirindo a capacidade quase que mágica de resolver os problemas", disse.

Petista se atrapalha ao falar de doações

DEU NA FOLHA DE S. PAULO
DE SÃO PAULO - Provocada por Plínio de Arruda Sampaio, Dilma Rousseff (PT) se atrapalhou ao comentar o registro de doações recebidas pelo partido e subiu o tom ao ouvir risos vindos da plateia.
Ela disse registrar "todas as doações que são oficiais", numa frase ambígua, que deu margem para interpretação de que os registros se referiam a doações oficiais e que, portanto, poderia haver doações não oficiais -o caixa dois.
"Nós registramos todas as doações que são oficiais na minha campanha, todas elas, no... na... no Tribunal Superior Eleitoral.
E gostaria de deixar claro que todas as doações são oficiais."Nesse momento parte da plateia riu.
Nervosa, ela reagiu: "Lamento os risos de quem tem outras práticas".

Erenice: CGU confirma fraude em contratos

DEU EM O GLOBO

CGU: fraude em contrato de R$2 milhões

Auditoria que apura tráfico de influência aponta irregularidades na escolha da Fundação Universidade de Brasília

Demétrio Weber e André de Souza

BRASÍLIA. A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão do governo federal, constatou indícios de irregularidades em contrato de R$2,1 milhões do Ministério das Cidades com a Fundação Universidade de Brasília. Ainda incompleta, a investigação faz parte de nove auditorias iniciadas pela CGU este mês para apurar eventuais fraudes em contratos e licitações nas denúncias de tráfico de influência que derrubaram a ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra.

Ontem, a CGU divulgou que quatro auditorias foram concluídas sem identificação de ilegalidades. A análise do contrato da empresa MTA, que teria conseguido licença da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para prestar serviços aos Correios após fazer pagamentos a um dos filhos de Erenice, só será concluída após as eleições.

O contrato sob suspeita no Ministério das Cidades era de elaboração de planos para melhorar a mobilidade em áreas metropolitanas. Para a CGU, os indícios dizem respeito à escolha da Fundação Universidade de Brasília, nome jurídico da Universidade de Brasília (UnB), e ao fato de que o produto entregue pela universidade não seria o que o ministério buscava.

Um irmão de Erenice, José Euricélio Alves de Carvalho, trabalhou na Editora da UnB e na Secretaria Nacional de Transportes e Mobilidade Urbana do ministério, responsável pelo contrato. Euricélio foi alvo de outra investigação da CGU, que o identificou como um dos responsáveis pelo pagamento de R$5,8 milhões a servidores terceirizados da Fundação.

De 2005 a julho de 2006, ele trabalhou na Editora da UnB, de onde saiu no mesmo mês para atuar na Semob, em cargo comissionado. Em agosto de 2007, retornou para a editora. O contrato com a Semob foi firmado em dezembro de 2007. O Ministério das Cidades diz que o serviço atendeu à demanda e que o irmão de Erenice não trabalhava mais na secretaria quando o contrato foi assinado.

STF decide dispensar título de eleitor e exigir só documento com foto para votar

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Por 8 votos a 2, ministros consideraram desproporcional a exigência da apresentação de dois documentos no local da votação

Felipe Recondo, Mariangela Gallucci / BRASÍLIA

O eleitor poderá votar no domingo portando apenas um documento oficial com foto - como carteira de identidade, carteira de motorista, carteira de trabalho ou passaporte, por exemplo. No entanto, quem apresentar apenas o título de eleitor não poderá votar.

Ao julgar ação movida pelo PT no início da semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 2, que o eleitor não pode ser impedido de votar caso não disponha do título de eleitor na hora de ir à urna.

Os ministros consideraram desproporcional a exigência da apresentação de dois documentos no local da votação (documento oficial com foto e título de eleitor). Aprovada no ano passado pelo Congresso, a exigência tinha como objetivo impedir que títulos de eleitores, inclusive de mortos, fossem usados por outras pessoas para favorecer um candidato. Há casos de pessoas presas com dezenas de títulos de eleitor que se valiam dos documentos para aumentar a votação de certos candidatos.

Os ministros entenderam, contudo, não ser possível impedir um eleitor de votar apenas por não dispor dos dois documentos na hora da votação. Além disso, argumentaram que é mais eficaz para combater possíveis crimes a apresentação de documento oficial com foto e não o título de eleitor.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, afirmou que ontem mesmo iniciaria uma campanha para informar os eleitores das novas regras. "Se o eleitor não tiver o título à mão, ele não deixará de votar", afirmou o ministro. "Só com o título de eleitor não vota."

Toda a propaganda institucional do TSE, inclusive o pronunciamento oficial do presidente do tribunal que ainda vai ao ar, previa a necessidade de apresentação de dois documentos. Ontem, os vídeos estavam editados, já que o julgamento iniciado na quarta-feira pelo tribunal foi suspenso com 7 votos a 0 contra a exigência dos dois documentos.

Razoabilidade. A relatora da ação, ministra Ellen Gracie, afirmou que a exigência contrariava o princípio da Constituição que estabelece a razoabilidade. "Apenas a ausência do título de eleitor não vai impedir o exercício do direito ao voto", afirmou Ellen.

Contra a mudança na regra, o presidente do Supremo, Cezar Peluso, disse que a decisão praticamente declarava a extinção do título eleitoral. Segundo ele, o título deve ser a prova de que o eleitor está apto a votar e não apenas um lembrete do local de votação. "O título eleitoral era e ainda é útil", argumentou.

As observações de Peluso desagradaram a Ellen Gracie, que tentou fazer intervenções durante o voto do presidente da corte, mas não obteve sucesso. Depois que Peluso terminou seu voto, ela afirmou: "Eu pedi um aparte, mas parece que vossa excelência tem certa dificuldade de ceder a palavra na hora em que está raciocinando."

O ministro Gilmar Mendes, que na véspera tinha paralisado o julgamento com um pedido de vista, também votou contra a ação do PT. Ele afirmou que não encontrou inconstitucionalidades na lei e que o objetivo da norma foi estabelecer um dispositivo para evitar fraudes, como uma pessoa votar por outra.

Favorável à ação do PT, o ministro Carlos Ayres Britto lembrou que o título de eleitor é usado apenas a cada dois anos pelos brasileiros e, muitas vezes, as pessoas se esquecem onde guardaram o documento.

Segundo ele, ninguém sabe de cor o número do título de eleitor, mas sabe o de seu documento de identidade. E resumiu: "Se o título não vale por si, a carteira, emergencialmente, vale por si."

Lula sancionou lei que obriga 2 documentos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DE BRASÍLIA Até a edição da minirreforma eleitoral, promulgada em 2009, o eleitor podia se identificar com apenas um documento: o título eleitoral ou outro documento oficial com foto.

A nova legislação, porém, passou a obrigar a apresentação dos dois documentos, sob pena de o eleitor não poder votar.

A alteração na legislação eleitoral contou com o apoio de diversos partidos políticos, como o próprio PT, e foi sancionada pelo presidente Lula, que não vetou as modificações.

Nesta semana, o PT entrou com a ação no STF para derrubar a exigência dos dois documentos.

A ação foi motivada pela constatação, por parte da campanha, de que Dilma poderia ser prejudicada pelo fato de o eleitor de baixa renda e baixa escolaridade -que vota prioritariamente nela- não estar bem informado sobre a nova regra.

'Não terá grande consequência na eleição', diz Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tucano nega ter telefonado para Gilmar Mendes, do STF, e diz ter estranhado decisão do PT de questionar a lei às vésperas da votação

Clarissa Thomé / RIO

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a exigência de dois documentos para o eleitor votar não terá "grande consequência" para o resultado da eleição, mas afirmou ter estranhado a decisão do PT de questionar a lei às vésperas da votação. "O PT entrou na última hora porque deve achar que o voto menos controlado o favorece."

O tucano fez um passeio num shopping de Copacabana, na zona sul do Rio, horas antes do debate presidencial na Rede Globo. Ele foi lacônico ao responder se havia mesmo conversado com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde de quarta-feira. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, Serra teria pedido para que um assessor telefonasse para Mendes e, momentos depois, o ministro pediu vistas do processo, interrompendo a votação que estava 7 a 0 a favor do pedido do PT. "Não. (Mas) se tivesse (telefonado) não teria nada demais", resumiu Serra, que preferiu não se estender sobre o assunto.

Debate. O candidato passou o dia no Sofitel, na Praia de Copacabana, cercado por assessores. Serra, no entanto, disse que não estava se preparando para o debate. "Eu estava descansando." De acordo com o presidenciável, o debate é importante porque ajuda a iluminar a cabeça do eleitor. Para ele, as pessoas estão decidindo seu voto neste momento.

Serra se disse satisfeito com a campanha e afirmou estar convencido de que irá para o segundo turno. Comentou ainda o nível da campanha e afirmou que três candidatos expuseram e apresentaram propostas. "A candidata do PT se escondeu, seja atrás do presidente da República, seja atrás do aparato partidário, seja não comparecendo a debates e entrevistas", criticou.

Por volta das 18 horas, Serra desceu do quarto onde estava hospedado e, por uma passagem interna, chegou ao Shopping Cassino Atlântico, onde o comércio é restrito a galerias de arte, joalherias e lojas de antiguidade. Ele foi cumprimentado por pessoas que passeavam no local, tirou fotos ao lado de crianças e lojistas e ganhou o livro Tucanos do Brasil, do dono de uma das galerias de arte.

Mais cedo, a assessoria do candidato havia cogitado a hipótese de ele passear pelo Forte de Copacabana, em frente ao hotel, mas foi alertada sobre a proibição de fazer campanha em prédios públicos. O próprio Serra optou então pela ida ao shopping, em vez de passear no calçadão de Copacabana.

Controle
JOSÉ SERRA
CANDIDATO DO PSDB

"O PT entrou na última hora porque deve achar que o voto menos controladoo favorece"

"Não (telefonei para o ministro Gilmar Mendes). (Mas) se tivesse (telefonado) não teria nada demais"

Correa denuncia tentativa de golpe e decreta estado de exceção no Equador

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente é isolado em hospital de Quito após acabar ferido por policiais militares rebeldes que haviam tomado os principais regimentos, o aeroporto e o Congresso, em Quito; cúpula das Forças Armadas e do governo prometem manter-se fiel ao líder

QUITO – O presidente do Equador, Rafael Correa, denunciou ontem uma "tentativa de golpe de Estado" e decretou estado de exceção diante da crise iniciada com uma ampla rebelião de policiais. Soldados da Polícia Nacional tomaram pela manhã os principais quartéis e o aeroporto da capital, além do Congresso. A cúpula militar e todos os integrantes do governo, porém, garantiram que permanecerão fiéis a Correa.

Até ontem à noite, os confrontos tinham deixado 1 morto e pelo menos 50 feridos, de acordo com o governo e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Entre os feridos, a entidade incluiu o próprio Correa - um partidário da "revolução bolivariana" liderada pelo venezuelano Hugo Chávez - e o ministro das Relações Exteriores, Ricardo Patiño. Os policiais teriam se revoltado com uma lei enviada pelo governo ao Congresso, que corta benefícios de funcionários públicos. Correa acusou a oposição de patrocinar a desobediência para derrubar o governo e "reverter a revolução cidadã".

"Trata-se de uma tentativa de golpe de Estado da oposição e certos grupos nas Forças Armadas e Polícia - basicamente a Sociedade Patriótica", disse o presidente, em referência ao partido do ex-presidente Lucio Gutiérrez (2003-2005). Exilado em Brasília, o ex-mandatário negou envolvimento no suposto complô.

Sequestro. Correa feriu-se após ir até o principal quartel rebelado, onde foi recebido com bombas de gás lacrimogêneo. "Senhores, se querem matar o presidente, aqui estou. Podem fazê-lo", afirmou o líder, afrouxando a gravata e arregaçando as mangas da camisa. "Matem, se têm valor."

Em meio à tensão, Correa, que havia recentemente operado a perna, acabou ferido e levado a um hospital militar. De acordo com integrantes do governo, o líder equatoriano estava sendo mantido à força no hospital. O presidente chegou a dizer que soldados tentavam invadir o quarto em que estava e afirmou que temia por sua vida. "Só saio deste hospital como presidente ou como cadáver", afirmou Correa, por telefone, em entrevista a uma rádio.

Segundo o próprio presidente, soldados em greve tentaram invadir seu quarto pelo teto do hospital. Horas depois, ele teria recebido uma delegação de policiais em greve para negociar, segundo informações da imprensa equatoriana. Correa, porém, disse no final da tarde à imprensa que não haveria "nenhum diálogo" com os policiais em greve. "Com essas ações, esqueça qualquer acordo ou qualquer diálogo", afirmou o presidente à TV pública do país.

Invasão. À noite (21h, horário local), dois caminhões do Exército chegaram ao hospital para resgatar o presidente. Eles dispararam contra os policiais, que responderam com bombas de gás lacrimogêneo. As luzes do prédio foram cortadas. Imagens de TV mostraram uma intensa troca de tiros por 20 minutos.

No fim, Correa teria deixado o hospital em um carro com o qual foi levado para o palácio presidencial, onde apareceu na sacada e saudou seus partidários. "Lá estava gente de Lucio Gutierrez, infiltrados, atiçando a violência. Quanta irresponsabilidade", disse Correa. Até o início da madrugada, autoridades não haviam informado o número de mortos e feridos na operação.

Correa estaria considerando a possibilidade de dissolver o Congresso e convocar eleições antecipadas para o Legislativo e o Executivo, em busca de mais apoio para governar. Prevista na Constituição, a medida é conhecida como "morte cruzada" (mais informações nesta página).

O projeto de reforma do funcionalismo já havia causado atritos entre Correa e sua coalizão no Legislativo. Aliados do governo chegaram a vetar pontos do texto. A grave crise política e a falta de policiamento deram início a uma espiral de violência e saques nas ruas do país. Diante do hospital onde Correa foi internado após ser ferido por policiais rebeldes, milhares de partidários do líder entraram em choque com soldados em greve.

A multidão de simpatizantes de Correa havia sido convocada por Patiño para "resgatar" o presidente. O próprio ministro acabou vítima da violência dos policiais, que o feriram na cabeça quando ele entrava no hospital. Imagens mostravam manchas de sangue na camisa de Patiño.

Violência. A polícia buscou frear à força milhares de pessoas que seguiam na direção do hospital, no norte de Quito. O encontro deu início a uma violenta troca de bombas de gás lacrimogêneo e pedras entre os dois lados. Há também relatos de agressões de policiais rebelados contra jornalistas.

"Aqui não é Honduras. Correa é nosso presidente", dizia um cartaz empunhado por partidários do governo. Vários políticos aliados a Correa juntaram-se aos partidários que seguiam na direção do hospital. "Os cidadãos estão tratando de ir resgatar o presidente", disse o vice de Correa, Lenín Moreno. De acordo com ele, o líder equatoriano havia sido "sequestrado" pelos militares e mantido à força no hospital.

Do meio da multidão que se enfrentava com policiais, a ministra de Obras Públicas, María de los Ángeles Duarte, disse que equatorianos "de todos os cantos" marchavam juntos pela "democracia". "Os policiais estão atirando bombas de gás lacrimogêneo contra ministros, senhoras e crianças", afirmou.

Além da violência em Quito, há relatos de saques em várias cidades do país. Pelo menos dois bancos, um posto de gasolina e um mercado de Guayaquil - segunda maior cidade do país - teriam sido atacados por saqueadores. Todas as escolas tiveram suas aulas suspensas e, em várias regiões, trabalhadores foram mandados para casa.

O presidente do Banco Central, Diego Borja, teve de sair a público para pedir que equatorianos não retirassem grandes somas, desestabilizando a economia - dolarizada desde 2000 . "O pior que pode ocorrer agora é entrar em pânico, sacar dinheiro e colocar-se em risco, porque vão sair do banco e ser assaltados." / EFE E REUTERS

PARA ENTENDER

Corpo policial não se reporta ao Exército

A Polícia Nacional do Equador não está formalmente submetida às Forças Armadas do país, como em vários países da América Latina. De acordo com a Constituição equatoriana, a força policial fica sob o comando do Ministério de Governo, Polícia e Cultos - uma espécie de "Ministério do Interior", de natureza civil. Grande parte dos quadros da Polícia Nacional decidiu pela rebelião aberta contra Correa após o governo tentar aprovar um pacote de lei que retirava benefícios da categoria. No entanto, o comando das Forças Armadas do Equador garantia, até ontem à noite, que se manteria ao lado do governo constitucional. Com o estado de exceção, a força policial deverá agora dar lugar às Forças Armadas, que passam a ter todo o poder de polícia.

Alarmados, líderes regionais saem em socorro de Correa

DEU EM O GLOBO

Chefes de Estado da Unasul se reúnem em caráter emergencial em Buenos Aires

Fernando Eichenberg

WASHINGTON. A ameaça contra o presidente do Equador, Rafael Correa, causou alvoroço na diplomacia latino-americana. Enquanto chefes de Estado corriam para Buenos Aires para uma reunião de emergência da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) nesta madrugada, em Washington, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovava uma resolução de solidariedade ao líder equatoriano. O secretário-geral da organização, José Miguel Insulza, defendeu a atuação enérgica de governos e instituições multilaterais "para evitar que o golpe de Estado se consume":

- É muito importante que se vejam todos os países da América unidos contra isto.

Chávez convoca seus aliados por meio do Twitter

Com discursos incendiários, aliados do governo de Quito saíram em socorro do líder equatoriano. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que manteve constante contato ontem, por telefone, com Correa, declarou seu apoio. Pelo Twitter, o venezuelano alardeou: "Estão tentando derrubar o presidente Correa. Alerta aos povos da Aliança Bolivariana (para as Américas, Alba)! Alerta aos povos da Unasul! Viva Correa!".

- Seria grande ingenuidade pensar que tudo isso está relacionado à diminuição salarial - apontou Chávez, em entrevista à Telesur, certo de articulações políticas para depor seu amigo.

Outro velho aliado de Quito, o presidente boliviano, Evo Morales, pediu que os chefes de Estado da região viajassem à capital equatoriana para "salvar a vida de Rafael Correa".

O governo da Colômbia alertou para a necessidade de uma solução pacífica para restabelecer a ordem pública e institucional. Sem perder a chance de alfinetar os Estados Unidos ao se pronunciar contra o que viu como uma tentativa de golpe, o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, lembrou a Washington que "a omissão a tornaria cúmplice" de um golpe. Fidel Castro também se pronunciou:

- O golpe, na minha opinião, já está perdido. Obama e Hillary não terão escolha a não ser condená-lo - disse, referindo-se ao presidente Barack Obama e à secretária de Estado Hillary Clinton.

O embaixador brasileiro na OEA, Ruy Casaes, leu em voz alta para o plenário da organização o comunicado oficial do Itamaraty, e acrescentou:

- Não podemos ficar de braços cruzados diante de fatos que ameaçam a democracia em um dos países-membros. Nossa resposta deve ser imediata, unânime e contundente.

Além dos países sul-americanos, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou preocupação com a integridade física de Correa e garantiu o reconhecimento da ONU a seu governo. França e Espanha também condenaram "a alteração da ordem constitucional equatoriana" e pediram calma.

Lula dá apoio por meio de Chávez

DEU EM O GLOBO

No Haiti, Celso Amorim monitora a crise em telefonemas a chanceler equatoriano

Demétrio Weber

BRASÍLIA. Demonstrando total suporte ao governo do Equador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou ontem com o presidente Hugo Chávez e pediu que o venezuelano transmitisse a Rafael Correa a mensagem de apoio do governo brasileiro. Ontem mesmo, o secretário-geral do Itamaraty e ministro interino, embaixador Antônio Patriota, partiu para Buenos Aires, onde participaria da reunião emergencial convocada pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Lula falou com Chávez por volta das12h30m (horário de Brasília), quando ainda não estava clara a extensão dos distúrbios no Equador e, àquela hora, recebeu informações de que a situação em Quito estaria sob controle. À noite, o presidente ainda tentou telefonar ao líder equatoriano antes de um comício em São Bernardo do Campo.

Em viagem oficial ao Haiti, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, conversou por telefone com o chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, a quem também expressou a total solidariedade do governo brasileiro em defesa do regime democrático e do Estado de direito.

Em nota, Amorim mencionou a mobilização de entidades internacionais das quais o Brasil faz parte para rechaçar qualquer tentativa de golpe no Equador. Ele citou a Unasul, o Mercosul e a Organização dos Estados Americanos (OEA).

"O ministro tem mantido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva informado sobre as gestões em curso para uma resposta firme e coordenada do Mercosul, da Unasul e da OEA, a fim de repudiar qualquer desrespeito à ordem constitucional naquele país irmão", diz o texto divulgado pelo Itamaraty.

Em outra nota, os países que integram o Mercosul - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai - também manifestaram apoio a Rafael Correa:

"Os Estados Partes do Mercosul tomaram conhecimento com profunda preocupação dos graves eventos que estão ocorrendo no Equador, no dia de hoje. As ações representam clara tentativa de sublevação constitucional por setores das Forcas de Segurança daquele país. Os Estados Partes do Mercosul condenam energicamente todo e qualquer tipo de ataque ao poder civil legitimamente constituído e à ordem constitucional e democrática do Equador", afirma o documento.

Além dos quatro países fundadores, o Mercosul tem ainda como membros associados Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador. A nota invoca ainda o Protocolo de Ushuaia de Compromisso Democrático do Mercosul, e exige "o imediato retorno da normalidade constitucional no Equador".

"Os Estados Partes do Mercosul endossam integralmente a posição já manifestada pela Unasul, por meio de seu secretário-geral, Nestor Kirchner, e apoiam a realização de Reunião Extraordinária de Ministros das Relações Exteriores daquele organismo".

Eleições 2010: Minha Chapa

Deputado Estadual: Comte Bittencourt = 23601

Deputado Federal: Stepan Nercessian = 2323

Senador: Marcelo Cerqueira = 233

Senador: Cesar Maia = 251

Governador: Fernando Gabeira = 43

Presidente: José Serra = 45

A Carlos Drummond de Andrade:: João Cabral de Melo Neto

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.