sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O "sucesso" do Enem :: Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

Em sua passagem por Moçambique, onde, entre outras coisas, foi convidado a dar uma aula magna, o presidente Lula, ao ser indagado sobre o acontecido com o Enem no fim de semana, disse que "foi um sucesso maravilhoso, mobilizando mais de 3 milhões de jovens". "Não será por conta de erros em alguns gabaritos que teremos problemas".

A mesma opinião certamente não têm os mais de 3,5 milhões de jovens que participaram das provas, muito menos seus familiares.

Ou seja, repetiu-se o acontecido no ano passado, quando o Ministério da Educação teve que cancelar as provas por conta de um funcionário da gráfica contratada que "vazou" as mesmas, demonstrando a seriedade com que o governo Lula trata as questões da educação.

Frise-se que a Polícia Federal não concluiu até agora as investigações que permitissem averiguar quem foram os responsáveis por tamanha irresponsabilidade.

Ao que parece, a lição não foi aprendida, pois mais uma vez assistimos a gravíssimos problemas na realização da prova, com os mesmos personagens institucionais envolvidos, prejudicando mais de 3,5 milhões de jovens ao tornar indefinido o seu acesso ao ensino superior, obrigando a própria Justiça a intervir para que as provas sejam refeitas.

No apagar das luzes do governo Lula, essa nova trapalhada do MEC vem coroar oito anos de descaso com a educação, como pode ser facilmente aferido pela baixa qualidade do ensino público, como denunciado por nosso Índice do Desenvolvimento Humano, da ONU, onde ocupamos o vergonhoso 73º lugar.

Esse é o resultado lógico de uma política que, em vez de aprofundar as conquistas do Fundef e Fundeb, investindo pesadamente na qualidade do ensino fundamental e básico, optou pela saída demagógica do pró-Uni, que garante aos estudantes mais pobres acesso a um ensino superior precário, visando tão somente propaganda eleitoral, sem tocar no cerne da questão: ensino de qualidade.

Fosse um governante sério e comprometido com o futuro do país, há muito que o atual ministro já teria sido demitido. Mas como o que interessa ao presidente é o brilho fácil e enganoso do marketing, vemo-nos arrastados a uma situação vexatória, com milhares de jovens prejudicados pela incompetência de um governo incapaz de assegurar a lisura de uma prova nacional.

Mais uma vez o atual governo demonstra sua formidável incompetência gerencial, desnudando os meandros obscuros de licitações de empresas que não garantem a qualidade do serviço que vendem, e um contingente imenso de jovens - com o silencio obsequioso da Ubes e UNE - sem saber o que lhes reserva esse processo de seleção.

Eis, despido de veleidades propagandísticas, o "maravilhoso sucesso" do Enem a que o presidente tão orgulhosamente se refere em terras estrangeiras, enquanto seu ministro da educação (com "e" minúsculo) busca uma solução para salvar seu cargo e da patuscada em que meteu nossa juventude.

Roberto Freire é presidente do PPS

Restos da campanha :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Reza a lenda que José Serra, o candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais de outubro, não perdoa o governador de São Paulo, Alberto Goldman, por ter anunciado o resultado da licitação de um trecho do metrô na semana final da campanha do segundo turno. Assuntos delicados como esse deveriam ficar para depois das eleições, para evitar ruídos políticos.

Uma denúncia de manipulação da licitação foi feita pela "Folha de S.Paulo", que soubera do resultado muito antes da abertura das propostas e registrou o fato em cartório, e a licitação foi anulada, trazendo evidentes prejuízos políticos para Serra.

Se não é verdade, é bem verossímil.

O governo, por sua vez, está revelando nos últimos dias como pensou em tudo para ganhar a eleição.

Não tratou de assuntos delicados na campanha, como as reformas estruturais, e, quando o fez, foi para prometer reduzir a carga tributária.

Mal se fecharam as urnas, nós os cidadãos ficamos sabendo que havia um movimento de governadores para ressuscitar a famigerada CPMF, e a presidente eleita, embora seja contra, dispõe-se a estudar as "necessidades" dos estados.

Estourou também o escândalo de inépcia do Enem, um outro tipo de trapalhada, diferente da ocorrida em 2009, mas sempre prejudicando os alunos.

Sorte do governo que o Enem foi realizado em novembro, depois das eleições.

Sorte, não, precaução.

O Enem foi realizado em setembro em 2008 e em outubro em 2009, e este ano, alegadamente por causa das eleições, o calendário teve de ser alterado para novembro.

Como se sabia que as eleições, tanto no primeiro como no segundo turno, tinham dias marcados (3 e 31 de outubro), não havia impedimento para que o Enem fosse realizado em qualquer outro dia ou mesmo em setembro.

Mas, como gato escaldado tem medo de água fria, o governo se precaveu e jogou para novembro a crise que realmente aconteceu.

Como sempre, o presidente Lula começou falando grosso, com elogios à organização do exame, e foi cedendo à opinião pública até admitir que novas provas poderão ser realizadas.

E tem ainda a medida provisória dando, através do BNDES, R$25 bilhões para financiar o trem-bala entre Rio e São Paulo, dando como garantia as ações de uma companhia privada que ainda não foi constituída e mais um provisionamento de R$5 bilhões para o caso de necessidade.

Isso depois de a presidente eleita ficar a campanha inteira afirmando que o trem-bala era importantíssimo, mas não receberia dinheiro público.

O caso mais grave, no entanto, foi o do Banco PanAmericano, que o governo sabia que estava quebrado pelo menos desde agosto, devido a uma auditoria rotineira do Banco Central.

O fato de ter havido uma solução de mercado, com a utilização do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para cobrir o rombo de R$2,5 bilhões, é louvável, mas não é exatamente correto o governo dizer que não houve dinheiro público na transação.

Quando a Caixa Econômica Federal assumiu 49% do Banco PanAmericano em 2009, ele já estava quebrado, sabe-se hoje.

É estranho que a Caixa tenha investido em um banco que há quatro anos maquiava seus resultados sem perceber o que agora aparece como "indícios de crime do colarinho-branco", na definição do Banco Central.

Mesmo que o empresário Silvio Santos perca todo o seu patrimônio, o erário público terá sofrido um baque com a queda das ações de um banco de que a Caixa Econômica não deveria ter comprado uma participação tão efetiva.

Ou houve uma inépcia muito grande das auditorias independentes e da própria direção da Caixa ou muita vontade de ajudar uma empresa em dificuldades, de um empresário muito influente nos meios de telecomunicação.

O Banco Central identificou em agosto que havia fraude nos balanços do Banco PanAmericano, e o assunto ficou sendo negociado em segredo até recentemente, com a peculiaridade de que a reta final deu-se justamente entre o primeiro e o segundo turno das eleições.

A sequência do caso é muito sintomática: a fraude foi detectada em agosto; no dia 20 de setembro o empresário Silvio Santos esteve no Palácio do Planalto com o presidente Lula; e em 11 de outubro começou a negociação.

Este timing da negociação, misturado ao timing político, não diz coisas boas sobre a atuação dos envolvidos nela, e nem mesmo é verossímil que a audiência com Lula tenha sido para tratar do Teleton.

Lula diz que não é papel do presidente da República tratar de negócios de bancos privados. E tratar do Teleton é?

No dia 20 de outubro, o candidato oposicionista José Serra foi agredido por um bando de petistas em Campo Grande, no Rio, quando fazia uma caminhada com seus correligionários.

A certa altura do tumulto, foi atingido na cabeça por algo pesado, que lhe provocou fortes dores.

Mais tarde, o artefato que atingiu Serra foi identificado como um rolo de fita.

O telejornal matinal da rede de TV SBT, no dia seguinte, exibiu uma filmagem que pretendia reproduzir a sequência dos fatos ocorridos em Campo Grande no dia anterior, mostrando que Serra fora atingido apenas por uma bolinha de papel e só colocara as mãos à cabeça 20 minutos depois, após conversar com alguém pelo telefone.

A denúncia de que o candidato da oposição armara uma farsa para tentar tirar proveito político de um tumulto insignificante foi prontamente adotada por ninguém menos que o próprio presidente da República, que passou a divulgar a versão do SBT como a verdade dos fatos.

No mesmo dia à noite, o "Jornal Nacional" demonstrou, com base em uma perícia de Molina, que o momento em que a bolina de papel atingiu Serra é completamente distinto do outro, em que ele foi atingido pelo rolo de fita.

Mas a versão da bolinha de papel foi usada até mesmo na propaganda eleitoral gratuita da campanha petista e serviu para neutralizar o provável prejuízo político que a campanha petista sofreria.

Negócio milionário:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dos dez partidos que integram a aliança que elegeu e a coligação que governará com Dilma Rousseff nenhum até agora se interessou por outro assunto que não fosse a defesa de seus próprios interesses.

Todos aguardam a volta da presidente eleita de Seul para tratar dos cargos federais com mais objetividade. Nenhum deles apresentou ideia alguma sobre como gerenciar esse ou aquele setor de maneira a assegurar mais bem estar à coletividade.

O PMDB quer saber de manter a parte que lhe cabe no latifúndio e o PT pretende recuperar espaços perdidos para os parceiros. Essa é a discussão em pauta.

Uma, mas não a única demonstração de que a política é um negócio. Muito rentável e não raro milionário.

Nos financiamentos de campanha, por exemplo, a conversa em geral é feita na casa dos milhões. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) fez um levantamento junto à Justiça Eleitoral e chegou ao custo médio de R$ 1,1 milhão para a campanha de cada um dos 513 deputados federais eleitos em 3 de outubro.

"Em quatro anos de mandato cada um receberá de salário um total de R$ 792 mil", informa, querendo mostrar que boa parte dos parlamentares (54%) terá algum tipo de "dívida de gratidão" para com pessoas físicas ou jurídicas que financiaram suas campanhas.

Na bancada de 46 deputados fluminenses, de acordo com os dados de Alencar, 16 extrapolaram a média nacional, sendo a campanha mais cara a de Eduardo Cunha, do PMDB: R$ 4,7 milhões. O ex-governador Anthony Garotinho gastou R$ 2,5 milhões, o líder do PT na Câmara, Luiz Sérgio, R$ 2,3 milhões e o presidente do DEM, Rodrigo Maia, R$ 1,9 milhão.

E assim deve ter acontecido Brasil afora com esse sistema eleitoral que mantém o Legislativo dependente e, portanto, reverente aos grandes financiadores.

Também, mas não só por isso a reforma urge.

No padrão. Com a mesma facilidade com que avaliou o Enem como "um sucesso total" enquanto eram contabilizados os erros ocorridos no exame, o presidente Luiz Inácio da Silva diz que se for necessário serão feitas novas provas e que a Polícia Federal vai investigar "o que efetivamente aconteceu".

Sobre as investigações efetivas da PF em assuntos que rendam embaraço para o governo quem dá notícias é a ausência de resultados dos inquéritos abertos nos últimos anos.

Roda e avisa. Está tudo muito bem no caso do Banco Panamericano: o empréstimo do fundo garantidor ao grupo Silvio Santos é legal, o dinheiro é privado, SS apresentou garantias, o presidente Lula esteve há um mês com o empresário (ocasião da descoberta da fraude pelo Banco Central), mas eles não tocaram no assunto e, como diz o presidente do BC, Henrique Meirelles, não recebeu dinheiro público.

De fato, se desconsiderados os R$ 739,2 milhões pagos pela Caixa Econômica Federal em dezembro de 2009 - quando as fraudes já estavam em execução - para comprar 49% das ações do banco.

Queira o bom andamento dos trabalhos do encerramento do governo Lula que a decisão da CEF de que esse era um ótimo negócio não tenha guardado relação alguma com o apoio do SBT à candidata Dilma Rousseff.

Apoio este materializado durante a campanha do segundo turno, quando o SBT exibiu uma versão da agressão de militantes petistas a uma passeata do candidato do PSDB no Rio, com imagens selecionadas e que serviram de base a um discurso do presidente Lula "denunciando" que o adversário havia montado uma farsa.

A TV de Silvio Santos mostrou o candidato José Serra recebendo uma pequena bola de papel na cabeça e ignorou nova agressão ocorrida oito minutos depois.

Na ocasião, muitos se perguntaram o que levaria o SBT a se prestar àquele um papel.

Intensivão. O deputado mais votado foi aprovado no teste. Mas quem demoraria 40 dias para se provar alfabetizado senão alguém não alfabetizado?

PS :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Sinceramente, dá para até para desconfiar que o deputado Paulo Bornhausen (SC), eleito líder do DEM na Câmara, tem algum assessor infiltrado no campo governista, que não para de produzir munição para ele resistir na frágil trincheira oposicionista.

Apesar dos dez governadores que terá em 2011, inclusive em São Paulo e Minas, a oposição vai comer o pão que o diabo amassou para sobreviver no Congresso.

Numa estimativa (porque depende de decisões judiciais e porque há dissidentes nos partidos), o governo Dilma terá 400 dos 513 deputados e 50 dos 81 senadores -cerca de 80% da Câmara e 60% do Senado.

Dilma, portanto, terá poder para, por exemplo, mudar a Constituição e criar impostos. Assim, Bornhausen não sabe se a sucessão de erros e irregularidades pós-eleição é para rir ou para chorar.

Como o espaço é curto, só deu para relacionar ontem aqui a ressurreição da CPMF (Bornhausen foi um dos líderes da derrota do imposto no Congresso), o Enem sem licitação, a turbina rachada de Itaipu, os aumentos salariais em tramitação e a suspeita de desequilíbrio fiscal em 2011. Além, claro, dessa história de a Caixa Econômica Federal comprar 49% de um banco com contas maquiadas e controlado justamente por Silvio Santos, o que sempre "vem aí".

Mas há muito mais munição para DEM, PSDB e PPS, como a recomendação do Tribunal de Contas da União para paralisar 32 obras, 18 delas do PAC. Ou a lista da equipe de transição de Lula para Dilma (ou seria de Lula para Lula?), que inclui uma advogada envolvida no escândalo dos sanguessugas e até a cabeleireira gaúcha que a presidente eleita herda da candidata.

Lula reage ao TCU como reagiu à Justiça Eleitoral: não deu a menor bola. E a equipe de transição remete à governadora Ana Júlia Carepa (PA), que nomeou para o gabinete a cabeleireira e a esteticista. Ah! E acabou não sendo reeleita.

O PSDB precisa ser renovado:: Alberto Carlos Almeida

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A derrota precisa ter consequências. É inacreditável a discussão corrente sobre quem é responsável pela terceira derrota consecutiva do PSDB para presidente e a segunda derrota de José Serra. Uns dizem que o responsável é Aécio Neves, outros dizem que não. Só não vê quem não quer: os responsáveis pela derrota são os dirigentes nacionais do PSDB, a executiva nacional do partido. Nada é mais simples do que essa constatação. Foi a direção nacional do partido que decidiu escolher Serra candidato a presidente, foi a mesma direção que decidiu dar carta branca para Serra e seu exército de Brancaleone fazer a campanha como melhor lhe conviessem. O tempo de TV é do partido, mas Serra o utilizou da forma que quis. O responsável por isso foi o partido.

O desempenho eleitoral de Serra foi pífio: ele teve somente 44% dos votos válidos, isto é, apenas 2,4% a mais de votos do que Geraldo Alckmin teve no primeiro turno de 2006 (41,6%). Alckmin disputou a eleição contra Lula, que disputava uma reeleição. No linguajar político tradicional, Serra perdeu para um poste, o poste que Lula resolveu apoiar. Em 2009 foram inúmeras as vezes que Aécio afirmou que estava à disposição do partido para ser candidato. O partido se dobrou a Serra e deixou o ex-governador de São Paulo anunciar a sua candidatura quando considerasse mais adequado.

O desempenho do PSDB em eleição nacional não foi fracassado apenas para presidente. Desde 2002, o partido só perde deputados federais. Em 1998, o PSDB elegeu 99 deputados; em 2002, esse número caiu para 71, continuou caindo nos anos seguintes, foi para 66 deputados federais em 2006 e somente 53 em 2010. Suponho que não seja possível colocar a responsabilidade de mais essa derrota nas costas de Aécio. Porém, o resultado negativo também se aplica ao Senado. A bancada do PSDB em 1998 era de 16 senadores, foi para 14 em 2002, aumentou um pouco em 2006 indo para 15 senadores e agora o PSDB sofreu um revés histórico: tem apenas 10 senadores. Aliás, destes 10, 2 foram eleitos por Minas, ao passo que em São Paulo foi eleito só um senador. Suponho, mais uma vez, que Aécio não possa ser responsabilizado por isso.

O meu sonho, que, lamento de antemão, não será realizado, é ver publicada na próxima semana uma breve carta dos dirigentes nacionais do PSDB assim redigida: "Nós que defendemos a candidatura de Serra em 2010, nós que aprovamos a estratégia eleitoral do PSDB na última eleição estamos vindo a público para reconhecer que fomos derrotados. O desempenho de nosso partido ficou muito aquém do esperado. Diante desse fato, apresentamos aqui a renúncia de nossos cargos de direção partidária. Com isso esperamos que o partido se renove. Desejamos também que outros políticos possam ocupar os nossos lugares e levar o partido a voltar a crescer nas eleições de 2014. Reconhecemos que foi um erro não realizar prévias, assim como também foi um erro dar a legenda novamente para a candidatura Serra. Mais uma vez o partido perdeu a eleição presidencial e viu suas bancadas no Senado e na Câmara ser reduzidas. Desejamos aos futuros dirigentes de nosso partido boa sorte".

Não adianta tapar o sol com a peneira. É assim que acontece em todo lugar: a derrota eleitoral tem consequências. É assim na Alemanha, na França, nos Estados Unidos e em muitos outros países. Existem responsáveis pela derrota. Se aqueles na direção nacional do PSDB que apoiaram a escolha de Serra não fizerem isso, eles deveriam aproveitar o ensejo e mudar o nome do órgão máximo do comando do partido de executiva nacional para oligarquia nacional. Somente a oligarquização de um partido pode explicar a falta de renovação diante de três derrotas nacionais consecutivas.

É preciso mudar de rumo. Para que isso seja feito, é preciso mudar os dirigentes, em particular os dirigentes serristas. Aliás, a derrota e o fracasso no Brasil têm consequências sempre que se trata da iniciativa privada, sempre que se trata das empresas. É justamente por isso que elas sobrevivem. Se o PSDB não se renovar profundamente agora, corre o sério risco de continuar perdendo terreno eleitoral em 2014.

Fico estarrecido quando vejo logo após a eleição vários deputados serristas de carteirinha falando na mídia com enorme desenvoltura, dizendo o que o partido deveria fazer ou deixar de fazer no futuro, como se eles não tivessem nada a ver com a terceira derrota consecutiva. Eles deveriam ter a mesma dignidade que teve Barack Obama no dia seguinte às eleições legislativas dos EUA e irem para a mídia dizer que fracassaram, se equivocaram, tomaram a decisão errada ao escolher Serra e dar a ele carta branca para fazer a campanha eleitoral que fez. Obama é presidente em meio de mandato, eles não são. Assim, deveriam abrir mão de seus cargos de dirigentes partidários e dar a vez para os mais jovens.

Aqueles que quiserem objetar os argumentos acima com o fato de Lula ter disputado e perdido três vezes a eleição presidencial eu contra-argumento afirmando que o PT não tinha outra opção naquelas eleições que não fosse Lula. Agora em 2010 o PSDB pode escolher entre Serra e Aécio. Além disso, nas três eleições em que Lula foi derrotado o PT cresceu na Câmara e no Senado.

Há ainda a objeção de que o PSDB tem agora mais governadores do que tinha há quatro anos. Mais uma vez se trata de uma objeção falaciosa: a direção nacional do partido não tem influência sobre as disputas regionais. Serra e seus dirigentes preferiam que Álvaro Dias tivesse sido o candidato no Paraná, Beto Richa se impôs e venceu (cabe aqui a observação que mesmo depois de o PSDB do Paraná não ter dado a candidatura a governo para Álvaro Dias, mesmo assim Serra o quis como seu candidato a vice). Geraldo Alckmin nunca foi do mesmo grupo político de Serra. Serra preferia ganhar com Kassab, como fez na eleição para prefeito de 2008. Alckmin se impôs e venceu. Em Minas nem se fala: a direção nacional do partido não teve nenhuma influência na estratégia de sucesso de Aécio, que foi coroada com a eleição de Antônio Anastasia com 28 pontos percentuais de vantagem sobre Hélio Costa, sem falar dos dois senadores.

Mudando de partido, duvido que alguém considere que o bom desempenho eleitoral do PSB ao eleger um número recorde de governadores possa ser atribuído à direção nacional do partido. Foi a lógica regional que regeu o sucesso dos governadores do PSB. A lógica partidária no Brasil respeita a lógica da federação, com exceção do PT. A estratégia nacional do PT foi abrir mão de candidaturas aos governos estaduais em troca de eleger senadores. Ao que tudo indica, funcionou. Os senadores eleitos agora serão candidatos ao governo de seu Estado daqui a quatro anos. Não há o que corrigir quando se vence, mas é preciso mudar a rota quando se perde.

Façamos uma caricatura e proponhamos que a direção nacional do PSDB seja a mesma que é hoje em 2014. Além disso, sugiro que Serra seja novamente candidato com o mesmo marqueteiro. Pode ser que assim o PSDB venha a vencer Dilma, Lula e um PT mais forte. Alguns dirão "nem tanto ao mar nem tanto à terra". Ora, mas não vem sendo justamente essa, do nem tanto ao mar nem tanto à terra, a estratégia do PSDB nos últimos anos? Não me consta que ela tenha funcionado. A direção do PSDB não tem se renovado ou tem se renovado de maneira insuficiente. Passadas duas eleições, por exemplo, esta mesma direção que não se renova de forma adequada não se preparou para lidar com o tema das privatizações.

Pode ser que para a executiva nacional do PSDB tenha sido uma surpresa o fato de o PT ter utilizado o tema das privatizações na eleição de 2010. A propósito, vale aqui um aviso baseado no mais tosco senso comum: em 2014 o PT utilizará novamente o tema das privatizações na eleição presidencial. O PT fez isso uma vez no segundo turno de 2002, fez isso a segunda vez no segundo turno de 2006 e agora repetiu a fórmula de sucesso. Onde estavam os dirigentes nacionais do partido que não o prepararam para esse embate? Eles vão dizer que estavam dirigindo o partido. Hei de concordar: dirigindo o partido rumo a mais uma derrota eleitoral.

Lutar é preciso, diriam os militantes de esquerda. Navegar é preciso, diria Ulisses Guimarães. A necessidade depende das circunstâncias. Neste momento, renovar é preciso. É preciso coragem com C maiúsculo ao PSDB. A direção partidária não é patrimônio, em que pese nossa tradição patrimonialista, deste ou daquele dirigente. Aliás, quanto a isso, valeria a pena ver que dirigentes nunca perderam assento nos cargos de direção nos últimos oito anos de derrotas consecutivas. O PSDB precisa mostrar para a sociedade, precisa mostrar para aqueles que se preocupam com o seu destino, que ele não é dominado por uma oligarquia partidária. Precisa mostrar de fato e não ficar simplesmente falando que não é.

Vão se os nomes, ficam as instituições. Vão se os derrotados, ficam os vencedores. Em algum momento o PSDB derrotará o PT. Para tornar isso mais tangível, para antecipar no tempo esse desfecho, seria fundamental que o PSDB fizesse a mais profunda possível renovação em sua direção partidária, uma renovação que eliminasse todos os serristas e desse a direção do partido a políticos jovens alinhados com Aécio Neves e Beto Richa. Não custa repetir, Aécio não é o responsável pela derrota para presidente, para deputados e senadores. O grande responsável pela derrota é a direção nacional do PSDB, que deu a legenda a Serra e não utilizou uma estratégia adequada para enfrentar Lula, Dilma e o PT.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: menos Imposto, mais Consumo".

Dilma e Cristina:: Rogério L. F. Werneck

DEU EM O GLOBO

O primeiro grande desafio da política macroeconômica da presidente Dilma Rousseff será a restauração da credibilidade da política fiscal. Não se trata só de reverter o quadro de deterioração fiscal que se instalou nos últimos dois anos. É especialmente importante que o governo se comprometa a não recorrer mais a truques contábeis que têm trazido descrédito às contas públicas, solapando uma reputação de confiabilidade duramente construída ao longo de mais de 20 anos. Não há como levar a sério a política macroeconômica, se as contas públicas oficiais já não espelham a real evolução do quadro fiscal do País.

Em meio a uma transição de governo que deverá transcorrer sob o signo da mais tranquila continuidade administrativa, lidar com esse desafio pode ser um problema mais complexo do que parece, pois o que é necessário, na área fiscal, é uma quebra marcada e inequívoca com o que vem sendo observado no segundo mandato do presidente Lula.

O desafio traz à mente uma situação similar que ajuda a lançar luz sobre as dificuldades que poderão estar envolvidas. Ao longo de 2006, o governo Néstor Kirchner tentou de todas as formas pressionar a instituição responsável pelo cômputo da taxa oficial de inflação na Argentina a adulterar os cálculos. As pressões culminaram na intervenção do governo no Instituto Nacional de Estadística y Censos (Indec) no início de 2007. Meses depois, em dezembro de 2007, Cristina Fernández de Kirchner, eleita sucessora de Néstor, tomou posse como presidente da Argentina.

No período que antecedeu a sua posse, discutiu-se a possibilidade de que a presidente eleita aproveitasse a transição de governo para restaurar a credibilidade do índice oficial de inflação. A verdade, no entanto, é que, pesados os prós e contras, no seu intrincado cálculo político, Cristina Kirchner preferiu deixar passar a oportunidade. E, em pouco tempo, à medida que seu próprio governo também se envolveu na adulteração dos índices de preços, os custos políticos do abandono dessa prática se tornaram proibitivos. A Argentina permanece até hoje com a condução de sua política macroeconômica comprometida pela completa falta de credibilidade dos dados oficiais de inflação.

O episódio é altamente instrutivo. O que prevaleceu na decisão de Cristina Kirchner foi a resistência a uma mudança brusca e ostensiva que pudesse expor e desgastar o antecessor. Mas há diferenças importantes entre as duas situações. Na decisão com que agora se depara Dilma Rousseff há espaço para uma mudança mais sutil, que seja inequivocamente convincente, mas menos ostensiva do que a que Cristina Kirchner teria de fazer em 2007. A Dilma Rousseff bastaria agora entregar a condução da política fiscal do novo governo a um ministro que sabidamente não compactue com os padrões de gestão que prevaleceram nas finanças públicas nos últimos dois anos.

Teria de ser alguém, claro, que não pudesse ser associado às iniciativas que redundaram, de um lado, na rápida deterioração do regime fiscal no segundo mandato de Lula e, de outro, nas patéticas tentativas de escamotear tal deterioração. E não há como tapar o sol com peneira. Na escolha do novo ministro da Fazenda, teriam de ser evitados nomes do eixo Fazenda-BNDES, diretamente envolvidos na concepção e implementação das medidas que trouxeram inegável descrédito à política fiscal nos últimos anos.

Tais nomes padecem de limitações básicas. Por razões óbvias, nem mesmo reconhecem que esteja havendo deterioração do quadro fiscal. E insistem que não há nada de errado, nem nas colossais transferências do Tesouro ao BNDES nem nos truques contábeis que transformam emissão de dívida bruta em melhora de superávit primário. Não têm, portanto, condições de comandar o esforço de restauração de credibilidade que se faz necessário.

Com a escolha de seu ministro da Fazenda, Dilma Rousseff vai demarcar a importância efetiva que afinal decidiu dar a esse esforço. Não precisa incorrer no mesmo erro de Cristina.

Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-RIO

Dulci: imprensa criminalizou movimentos sociais

DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. O ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci, disse que, nos oito anos do governo Lula, "a imprensa conservadora fez campanha permanente para desqualificar os movimentos sociais". Para Dulci, a imprensa ignorou as manifestações dos movimentos sociais, além de criminalizá-los.

- A maioria dos movimentos sociais soube renovar-se culturalmente e assumir um novo protagonismo, sem o qual não haveria sustentação popular para as reformas sociais promovidas pelo governo Lula. Nesses oito anos, a imprensa conservadora fez campanha permanente para desqualificar os movimentos sociais e sua relação com o governo - disse.

Dulci concedeu entrevista ao cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais Juarez Guimarães, membro do Conselho de Redação da Revista Teoria e Debate, vinculada ao PT. A entrevista foi divulgada pela assessoria da Secretaria Geral.

Dilma diz desconhecer projeto de Franklin

DEU EM O GLOBO

Presidente eleita diz que só falará de anteprojeto sobre mídia após conhecê-lo e desaprova enfrentamento

Maria Lima* e Mônica Tavares

SEUL e BRASÍLIA. A presidente eleita, Dilma Rousseff, deixou claro ontem que ainda não decidiu se vai enviar ao Congresso a proposta de criação de novo marco regulatório para a mídia, que está sendo elaborado pelo ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), Franklin Martins. Em viagem a Seul, Dilma disse que só tratará do assunto após analisar o texto:

- Vamos fazer o seguinte: deixa chegar o projeto para a gente avaliar. Não tenho conhecimento do projeto. E não tem projeto ainda, não é do meu conhecimento - desconversou a presidente eleita.

Perguntada sobre as declarações de Franklin, que disse que a regulamentação da mídia acontecerá em clima de entendimento ou de enfrentamento, Dilma desautorizou qualquer discussão do tema antes de o projeto chegar ao seu futuro governo:

- Não falo a respeito do que fala o ministro. Acredito é que, como em qualquer processo, tem que haver uma grande discussão.

Segundo a Secom, o anteprojeto sobre o marco regulatório da mídia somente será aberto para consulta pública após ser avaliado pelo gabinete de transição do novo governo. O anteprojeto também será discutido em audiências públicas em várias cidades do país. Para fechar o texto final da proposta, o grupo que trata do assunto poderá se reunir com entidades do setor. O objetivo de Franklin é entregar a Dilma o anteprojeto em meados de dezembro.

As experiências dos diversos órgãos reguladores de países convidados, apresentadas no seminário internacional realizado esta semana em Brasília, também serão analisadas e poderão ser incluídas no texto:

- A sociedade participará e o projeto será refeito. Depois disso, será enviado ao Congresso, dependendo da presidente Dilma. É ela quem tem que decidir se enviará ou não. Eu confio que ela enviará - disse o ministro, ao final do seminário.

Marco regulatório começou a ser discutido em julho

Para Franklin, é dever do Estado elaborar a regulamentação. O anteprojeto vem sendo discutido desde 22 de julho deste ano, quando foi criada uma comissão interministerial para apresentar propostas de revisão do marco regulatório e organizar a exploração dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão.

A comissão foi integrada por representantes dos ministérios das Comunicações e da Fazenda, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência e da Advocacia Geral da União (AGU), além da Casa Civil da Presidência.

* Enviada especial

Kassab adia plano para fusão do DEM com PMDB ou PP

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Prefeito de SP foi aconselhado por Jorge Bornhausen a esperar 3 meses e tentar tomar o controle da legenda

Prevaleceu o argumento em almoço de que vale mais ter o comando de partido pronto do que ser incorporado a outro

Catia Seabra

SÃO PAULO - O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e aliados traçaram ontem uma estratégia para ocupação do comando do DEM -hoje presidido pelo deputado Rodrigo Maia (RJ)- num último ato antes de sua dissolução ou fusão.

Até ontem, Kassab defendia uma rápida decisão sobre o futuro do partido, de preferência em fusão com PMDB ou PP. Mas, aconselhado pelo ex-senador Jorge Bornhausen, aceitou engavetar em até três meses esse projeto.

Fracassada a tentativa de assumir o controle do DEM ou diante do risco de esvaziamento do partido, retomam o projeto de fusão.

Num almoço na casa de Kassab, prevaleceu o argumento de que mais vale o comando de um partido pronto do que ser incorporado por outra sigla. E que, mesmo para coordenar um processo de fusão, é preciso estar à frente do partido.

O grupo fixou a meta à convocação de eleições internas. A ideia é reproduzir os resultados das urnas no comando do partido, delegando poder a Kassab, Bornhausen, Agripino Maia (RN), Kátia Abreu (TO) e Demóstenes Torres (GO).

A convocação das eleições dependerá, no entanto, da Executiva do partido, palco do embate entre o grupo de Kassab e o de Rodrigo.

Um dos participantes do almoço, Bornhausen já defendeu publicamente a concentração de poder na mão de Kassab. Ontem, reafirmou a tese. "Temos que revitalizar o partido", acrescentou ele, à saída do encontro.

Bornhausen não descarta a hipótese de fusão com PMDB e PP, hoje na base governista. "Não refugo nada."

Segundo democratas, o prefeito de São Paulo duvida da recuperação do DEM e aposta na fusão.

Desde a semana passada, Kassab consulta aliados sobre a hipótese de filiação ao PMDB, que poderia ser rebatizado de MDB.

A filiação do prefeito ao PMDB de São Paulo seria um passaporte para que viesse a concorrer ao governo do Estado em 2014. Ele poderia até contar com o apoio do PT, que sonha com o fim da hegemonia tucana.

PMDB já quer apoiar Anastasia

DEU NO ESTADO DE MINAS

Bancada do partido do principal adversário nas urnas do governador reeleito descarta união com o PT em oposição e deverá compor base aliada na Assembleia Legislativa

Alice Maciel

Com oito deputados eleitos, o PMDB, partido do candidato derrotado ao Palácio da Liberdade Hélio Costa, deverá compor a base aliada do adversário nas urnas, o governador reeleito Antonio Anastasia (PSDB), segundo declarou ontem o líder da bancada peemedebista na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado estadual Vanderlei Miranda. Nos bastidores, o apoio já está confirmado.“É muito possível, e há um sentimento da bancada de que a gente vá se alinhar ao governo. Nós estamos conjugando o verbo eleição no passado”, afirmou. Com isso, a oposição na Casa passa a ser feita apenas pelo PCdoB e PT que somam 11 deputados na legislatura atual e 13 na próxima. Vanderlei participou ontem da cerimônia de entrega da Medalha do Mérito Legislativo, no Expominas.

Como não existiu uma coligação proporcional entre PT e PMDB durante o processo eleitoral, os peemedebistas não têm nenhum compromisso com os petistas, sustenta Vanderlei Miranda. Segundo o deputado, quando sua legenda fez parte do bloco de oposição ao lado do PT, antes das eleições, visava a um projeto para o período do pleito de uma chapa que incluiria os dois partidos e o PCdoB. “Como nosso plano não teve o final que imaginávamos, entendemos que não há mais motivo para a continuação do trabalho em bloco”, disse. Para o líder da bancada peemedebista, uma união com o PT está descartada.

De acordo com Vanderlei Miranda, “a pedido do governador”, a bancada do PMDB vai se reunir com Anastasia, na próxima semana, para discutir uma possível aliança. Também estarão na pauta as intenções do governador ao pedir autorização à Assembleia para editar leis que mudem a estrutura da administração pública de Minas Gerais
O líder da bancada peemedebista afirmou não é o momento para negociar cargos no governo Anastasia. “Eu acho que o nosso alinhamento com o governo não pode se dar pela imposição de ocupação de cargos ou pela exigência de ocupação de espaço. É claro que, se o governador Anastasia manifestar a vontade de ter o PMDB alinhado com ele, vamos apresentar nomes”, disse.

Segundo o deputado, não existe o menor constrangimento em apoiar Anastasia, apesar de, em âmbito nacional, o partido do governador reeleito, o PSDB, fazer parte da base de oposição à coligação da presidente eleita Dilma Rousseff (PT), integrada pelo PMDB. “Nosso mandato está aí renovado, fomos reeleitos e precisamos pensar em como conduzir o nosso mandato da melhor maneira possível, para que possa resultar num melhor trabalho para aqueles que confiaram a nós o seu voto”, acrescentou.

Mesmo com a minoria de 13 deputados para a próxima legislatura, o líder da bancada do PT na Assembleia, deputado estadual Padre João, afirmou que a oposição vai continuar a trabalhar com responsabilidade e qualidade. “Sem a oposição, o governo do estado não avança, ele depende de nós. Não tem como comungar dos princípios desse governo”, disse.

Presidência – O deputado estadual Dinis Pinheiro (PSDB), cotado para assumir a presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mostrou-se confiante na indicação. Segundo ele, tem havido manifestações espontâneas dos colegas em seu favor. “O PSDB naturalmente é o grande protagonista e está conduzindo isto de forma muito natural”, avaliou. O vice-governador eleito e governador exercício, Alberto Pinto Coelho (PP), disse ainda que as conversas na Assembleia seguem “no sentido de uma grande expectativa que existe em torno de um novo tempo”.

Marconi Perillo: “O papel da direção partidária é fazer oposição nítida ao governo”

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Caio Junqueira De Brasília

Um dos principais alvos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições estaduais deste ano foi o vice-presidente do Senado e governador eleito de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Para derrotá-lo, Lula subiu no palanque no Estado duas vezes durante a campanha, de onde classificou o tucano de mau-caráter, sem-palavra e desonesto, para ficar em alguns dos adjetivos utilizados. Também articulou, via Caixa Econômica Federal e Eletrobrás, um aporte financeiro de R$ 3,7 bilhões para sanar as Centrais Elétricas de Goiás (Celg), estatal que há anos vive situação pré-falimentar e cuja solução há tempos vira tema central das eleições goianas.

Discurso e dinheiro, porém, não foram suficientes para impedir o retorno de Perillo ao Palácio das Esmeraldas, que ocupou entre 1999 e 2006. O tucano bateu Iris Rezende (PMDB) no segundo turno por 52,99% a 47,01% dos votos válidos. Fez ainda o candidato a presidente José Serra (PSDB), derrotado no primeiro turno no Estado, virar o jogo contra Dilma Rousseff (PT) no segundo turno nas urnas de Goiás.

Com esses recentes feitos no currículo pretende ajudar a reformulação na forma de atuação do seu partido e da oposição. Ele defende uma redefinição dos papéis dos integrantes do PSDB, com o objetivo maior de retomar o poder central em 2014. Para atingi-lo, diz, cada grupo deve saber muito bem que papel desempenhar nos próximos quatro anos. Os oito governadores do partido, por exemplo, devem encampar uma agenda comum e buscar apoio na sociedade para discuti-la com a futura presidente. Aí se incluem a revisão da Lei Kandir, o refinanciamento da dívida dos Estados, a alocação de mais recursos para a segurança. Em suma, uma repactuação federativa e tributária. "Temos que planejar as ações do partido com vistas às eleições municipais de 2012 e, ao mesmo tempo, com uma visão de médio prazo, já pensar nas eleições para presidente e governadores, em 2014."

No Congresso, o partido deve fiscalizar, cobrar o governo e denunciar eventuais irregularidades. Ao partido, por sua vez, caberá fazer "nítida oposição".

Os principais trechos da entrevista concedida ao Valor ontem, em seu gabinete do Senado:

Valor: O PSDB já discute a sucessão interna, com posições que vão desde uma oposição "generosa" até uma oposição "de trincheira". Qual das duas deve prevalecer?

Marconi Perillo: O papel da direção partidária é fazer oposição nítida ao governo.

Valor: Qual deve ser o papel do PSDB na oposição ao governo Dilma?

Perillo: O PSDB é um partido que, desde a sua fundação, sempre teve um projeto de poder. Só que agora, nitidamente, ele precisa definir esse projeto de poder com antecedência. Elaborar uma estratégia de ação e fortalecer as instâncias partidárias, a começar das bases. Temos que planejar as ações do partido com vistas às eleições municipais de 2012 e, ao mesmo tempo, com uma visão de médio prazo, já pensar nas eleições para presidente e governadores, em 2014. Isso não significa que o partido terá de trabalhar exclusivamente para isso. É preciso de forma bastante profissional definir o papel do conjunto das forças vivas que movem o partido.

Valor: Qual deve ser essa estratégia?

Perillo: Definir o papel dos governadores, dos prefeitos e dos parlamentares. São papéis convergentes, mas que tem diferenças, em função das próprias características dos cargos e das necessidades que cada representante do partido tem. São projetos distintos que se convergem, com suas peculiaridades. É preciso compreender o papel do conjunto das forças do partido, o que cabe para cada uma dessas forças, quais serão os projetos a serem defendidos pelos governadores.

Valor: Qual o papel dos governadores?

Perillo: Os governadores tem algumas aflições, como a Lei Kandir, cujo peso recai sobre os Estados e o governo federal mal ressarce o prejuízo. Os Estados deveriam ser ressarcidos anualmente em cerca de R$ 20 bilhões, mas mal recebem R$ 1 bilhão ou R$ 2 bilhões por ano. Sem querer ser simplório, creio que os Estados e municípios carregaram o superávit exportador do Brasil nos últimos 14 anos, desde a vigência da Lei Kandir. Ou a Lei Kandir se aprimora e deixa de ser um fado apenas nas costas dos governos estaduais e municipais ou é melhor que ela deixe de existir. Outro grande desafio é o refinanciamento da dívida dos Estados que foi feito em 1997. Naquela época foi um avanço mas, passados 13 anos, é preciso rediscutir as bases desse refinanciamento.

Valor: A revisão da Lei Kandir e o refinanciamento das dívidas devem ser a bandeira dos governadores da oposição?

Perillo: Há outras bandeiras. Os governadores são exclusivamente responsáveis pelo cumprimento de todas as metas e gastos em segurança pública. Em educação e saúde existe a chamada vinculação constitucional, os fundos constitucionais tripartites que obrigam as três esferas a investirem um percentual mínimo em educação e saúde. No caso da segurança, os governos são exclusivamente responsáveis por todo aparato. Chegou a hora de os governadores reivindicarem a aprovação da vinculação de receitas da União aos gastos e investimentos com segurança. É preciso criar um fundo nacional para viabilizar recursos adicionais para a segurança. Os governadores precisam também, junto com os prefeitos, lutar por uma repactuação dos tributos. Devemos focar na refundação do pacto federativo, que hoje concentra receita e poder na União.

Valor: Como fazer isso?

Perillo: O governo federal nos últimos anos encontrou um mecanismo inteligente de abocanhar a maior parte dessa receita. Burlou a Constituição, que fala sobre a criação de impostos e sobre a necessidade deles serem compartilhados com Estados e municípios. Pra driblar esse compartilhamento, o governo criou as chamadas contribuições. Como elas nao têm conceito de impostos, não são compartilhadas com as unidades federativas. Isso aprofundou o poço entre União e demais entes federados no que se refere à arrecadação. Daí porque a necessidade da reformulação da distribuição de tributos no país, para que Estados e municípios possam ser melhor contemplados, já que são responsáveis praticamente por quase todos serviços prestados à população.

Valor: Esses temas todos devem ser a agenda de todos os governadores ou só da oposição?

Perillo: Essa agenda é comum a todos os governadores, independentemente de estarem na oposição ou situação. A diferença é que os de oposição certamente terão maior liberdade e flexibilidade para reverberar publicamente esse descontentamento sobre as questões que precisam ser aprimoradas. Isso não significa que vão ficar fazendo oposição ao governo federal. Governo não faz a oposição a governo. Mas é claro que alguns governistas terão maior dificuldade para colocar publicamente essas questões.

Valor: E qual deve ser o papel do partido no Congresso?

Perillo: O parlamento é a instância pra se fazer o debate democrático entre oposição e governo. O eleitor nos jogou na oposição e cabe a nós exercer o papel de fiscalizador e inclusive propositor de alternativas para o país, mas também de denunciador de eventuais mazelas, desvios corrupção e indícios de irregularidades. Parlamentar é "parlar". Cabe aqui o desafio de cobrar metas e compromissos que foram estabelecidos entre o candidato vencedor e a população, sugerir CPIs, denunciar, aprimorar a legislação, apontar saídas, fazer uma agenda para o país, inclusive paralela à agenda governamental.

Valor: Onde entraria aí o debate sobre a recriação da CPMF?

Perillo: A questão não tem que ser focada na CPMF. Não tem nem que ter essa discussão.

Valor: Por que?

Perillo: Não foi a ausência da CPMF que tornou a situação da saúde drástica e impediu o governo de abastecê-la com os recursos necessários. Me parece que falta muito mais gestão estratégica e planejamento profissional para a solução das questões da área. Falta mais gestão do que recurso. O que precisa mesmo é fazer uma reforma tributária que leve em consideração a necessidade de adicionar ganhos tributários aos Estados e municípios, que racionalize o sistema tributário, e diminua impostos ao trabalhador que acaba tendo de dispor de grande parte de seu salário com pagamento de impostos.

Valor: São os governadores que devem encampar essa reforma?

Perillo: Essa é uma responsabilidade que pesa sobretudo sobre os ombros da candidata eleita. Ela tem todas as condições, neste período que antecede a posse, de costurar um consenso com todas as forças vivas da sociedade e enviar já no primeiro dia de trabalho uma proposta de reforma tributária consensuada ao Congresso Nacional.

Valor: O senhor vai receber a Celg praticamente federalizada, após um acerto entre governo estadual e federal feito às vésperas do segundo. Pretende manter o acordo?

Perillo: Solicitei à comissão de transição atenção especial à Celg e a esse contrato. Ninguém em Goiás tem conhecimento dos seus termos. O que foi apresentado à sociedade é muito genérico e superficial. Precisamos analisar todas as informações. Caso cheguemos à conclusão de que é lesivo aos interesses do Estado, vamos tomar providências administrativas e legais. Já fiz notificação ao governo federal e estadual sobre todas essas questões e elencando toda a legislação que pode responsabilizar agentes públicos em caso de quaisquer danos ao erário. Vai depender do que vamos nos deparar.

Valor: A forma e o tempo em que ele foi feito acha que foi mais um pacote do governo federal e do presidente Lula para derrotá-lo?

Perillo: O governo teve quatro anos para resolver essa questão. Lamento que quiseram resolver isso no apagar as luzes. De qualquer maneira, espero que tenham sido bem intencionados.

Valor: Os mais duros ataques do presidente Lula durante a campanha foi contra o senhor. De onde vem esse ódio e como o senhor. recebeu os ataques?

Perillo: Na condição de chefe de Estado e da nação eu jamais me meteria em questiúnculas locais, domésticas. Presidente tem a função de ser o mais alto magistrado nacional e como chefe da nação ele deveria dar exemplo de compostura, comportamento político e cívico a todos os brasileiros, especialmente às crianças que significam o futuro do país. Lamento que isso não tenha acontecido. O presidente se apegou ao fato de eu ter levado ao conhecimento dele a informação de que estavam pedindo mesadas para parlamentares no primeiro mandato dele. Outro motivo foi o voto e o discurso que fiz contra a CPMF, quando o Senado votou sua derrubada.

Valor: Acha que esse ódio pode ser transferido para Dilma?

Perillo: São dois estilos completamente diferentes. Aliás, acho que ele vai sentir muita falta do poder. E a presidente Dilma vai ter que imprimir seu próprio estilo. Tenho consciência de que ela jamais se apegará a sentimentos mesquinhos no trato com a oposição, com os adversários. Uma coisa é ter um tratamento em relação a opositores, outra é transformá-los em inimigos pessoais. Isso não cabe nem na vida pessoal nem na política.

Valor: O senhor tem dito que pretende apresentar um último projeto como senador, para regulamentar as pesquisas eleitorais. Como fazer isso?

Perillo: Estamos estudando esse projeto que regulamentará a publicação de pesquisas e sua metodologia. Há uma deformação muito grande. As divergências são enormes entre o que apresentam na véspera da eleição e depois de abertas as urnas. Pretendo dar uma contribuição para que isso seja moralizado definitivamente no país.

Valor: De que forma?

Perillo: Vamos estudar isso. Precisa ver o aspecto da constitucionalidade. O Supremo derrubou um projeto que previa a não publicação de pesquisas a partir de 15 dias antes das eleições. Então é preciso observar primeiramente esse aspecto.

Farmácia Popular vende remédio até para mortos

DEU EM O GLOBO

Relatório do TCU acusa Ministério da Saúde de descontrole na fiscalização

O Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que farmácias credenciadas no programa Aqui Tem Farmácia Popular, do governo federal, venderam remédios a pelo menos 17.258 mortos. O desvio, já comprovado, com as vendas fraudulentas a1cança R$ 1,7 milhão. O relatório dos auditores denuncia o completo descontrole do Ministério da Saúde na fiscalização das irregularidades. Muitos dos clientes que supostamente compraram os remédios a preços 90% mais baixos que os de mercado constam do Sistema de Óbitos do Ministério da Previdência há mais de dez anos. O documento cita diversos outros indícios de golpe. Em sua defesa, o Ministério da Saúde alegou que as vendas a mortos não chegam a 0,1% do total do programa. A auditoria foi feita por amostragem.

Popular até para os mortos

TCU descobre fraudes no programa Aqui Tem Farmácia Popular; desvio é de R$1,7 milhão

Fábio Fabrini

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) no programa Aqui Tem Farmácia Popular - menina dos olhos do governo para dar assistência farmacêutica à população - descobriu uma série de fraudes na venda de medicamentos subsidiados, além de um absoluto descontrole do Ministério da Saúde na fiscalização das irregularidades. Entre 2006 e 2010, as farmácias credenciadas pelo governo supostamente venderam remédios (a preços 90% mais baixos) para 17.258 mortos. No total, foram registradas 57.683 transações em nome de pessoas com registro de óbito. A soma dessas vendas fraudulentas alcança R$1,7 milhão.

A descoberta foi possível após o cruzamento dos CPFs dos supostos clientes com o Sistema de Óbitos (Sisobi) do Ministério da Previdência. Muitos constam do cadastro há mais de dez anos, mas continuam oficialmente vivos para sangrar o erário. O relatório cita diversos outros indícios de golpe e expõe a vulnerabilidade do sistema.

O Aqui Tem Farmácia Popular é um dos braços do Programa Farmácia Popular, que, nos últimos quatro anos, consumiu R$1,4 bilhão dos cofres públicos. Por ele, o cidadão apresenta receita médica e documentos pessoais em farmácias privadas, tendo acesso a medicamentos subsidiados. A partir dos dados do Sistema Autorizador de Vendas, usado pelo ministério, os auditores apuraram excesso de prescrições feitas por um único médico, o que também evidencia fraudes.

Entre janeiro de 2009 e fevereiro de 2010, houve ao menos 9,5 mil ocorrências de concentração de receitas em farmácias. O TCU checou apenas os estabelecimentos com mais de cem vendas mensais, nos quais, tendo ocorrido dez transações no intervalo de uma hora, mais da metade tenha sido com receitas de um médico. Em 4,5 mil ocorrências (48% do total), tudo o que foi negociado na hora analisada partiu do receituário de um só profissional; em 101 casos, todo o volume do dia foi receitado pelo mesmo médico.

Apenas três funcionários fiscalizam as vendas

A quantidade de vendas do programa às vezes cai drasticamente na mesma farmácia, embora seus medicamentos sejam para o tratamento de doenças crônicas. As variações foram consideradas suspeitas, já que, em curtos intervalos de tempo, não haveria motivo para os pacientes mudarem o padrão de consumo. Em janeiro de 2009, houve 1,6 milhão de autorizações de venda, contra 1 milhão em dezembro do mesmo ano. Cerca de cem mil pessoas descontinuaram suas supostas terapias, o que, para o TCU, merece apuração in loco para confirmar possíveis desvios.

Outro problema é o excesso de transações em algumas drogarias, com clientes que moram em municípios distantes ou estados diferentes.

Em meio ao quadro de irregularidades, o Ministério da Saúde não tem fiscalizado adequadamente os pontos de venda. A partir de 2009, após uma série de denúncias de golpes na imprensa, criou-se uma nova sistemática para apuração de desvios. Entre outras medidas, foi lançado um procedimento regular de seleção de estabelecimentos, que deveriam apresentar os documentos das vendas para checagem, numa espécie de malha fina.

Pelos critérios do Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF) do ministério, 1.106 empresas deveriam ter caído nessa malha entre abril de 2009 e janeiro de 2010, mas só 242 passaram de fato por ela. "Sobressai a absoluta ausência de aplicação de multa ou de ressarcimento de dano ao erário", informam os auditores.

Um dos problemas é falta de pessoal. Há só três funcionários para analisar documentação de vendas. Mesmo assim, dois acumulam outras funções. Compete a cada um analisar 7,6 mil autorizações por mês. O TCU alerta que, quanto mais o programa cresce, maiores as chances de fraude e a sensação de que a fiscalização não alcança a rede associada.

O tribunal questiona os valores pagos pelo ministério por medicamentos subsidiados. Os preços de referência do Aqui Tem Farmácia Popular são até 2.500% mais altos que os praticados em licitações públicas de secretarias municipais e estaduais país afora. É o caso do Captopril 25 mg, que tem preço unitário de R$0,27 no programa, mas, quando comprado pelas redes públicas, com dinheiro federal, sai em média a R$0,01.

Para os auditores, é natural que os os valores no varejo sejam mais altos, pois compram-se menores quantidades e é preciso remunerar o lucro das drogarias, entre outros fatores. Mas as disparidades são enormes.

- Quando o ministério compra, paga barato. Quando subsidia, paga caro. Se desse (tudo) de graça, pagaria menos. Não sei qual é a lógica disso, mas é assim que está acontecendo - afirmou o relator do caso do TCU, ministro José Jorge, pouco antes da apreciação do caso em plenário, na quarta-feira.

O acórdão aprovado recomenda que a expansão do programa seja condicionada à elaboração de estudos sobre custo, efetividade, abrangência e melhoria dos processos de fiscalização.

Fraude no Panamericano envolve cartão de crédito

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Além das fraudes com a venda de carteiras de financiamentos e empréstimos a bancos, o Panamericano apresentou problemas em sua unidade de cartões de credito. Em audiência pública no Congresso, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, apontou as "inconsistências contábeis" responsáveis por R$ 400 milhões do rombo total de R$ 2,5 bilhões. Meirelles indicou que o empresário Sílvio Santos deve se desfazer do banco.

Cartão de crédito também sofreu fraude

Presidente do BC informou que unidade de cartões do Panamericano também apresentou ‘inconsistências contábeis’, no valor de R$ 400 milhões

Fernando Nakagawa e Fabio Graner

BRASÍLIA - O socorro ao Banco Panamericano não cobriu apenas o rombo dos empréstimos vendidos a outras instituições financeiras. O dinheiro também foi usado para corrigir problemas na unidade de cartões de crédito.

Quinta-feira, em audiência pública no Congresso, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, trouxe à tona o segundo foco da fraude que, sozinho, foi responsável por R$ 400 milhões do rombo de R$ 2,5 bilhões.

Menos de 48 horas depois de a crise do Panamericano se tornar pública, o presidente do BC anunciou que as fraudes vão além da cessão de financiamentos e empréstimos. Em um tipo de operação distinta da vista na venda de carteiras, a unidade de cartões de crédito também registrou "inconsistências contábeis". Segundo o Estado apurou, esse problema não havia sido constatado pelos técnicos do BC e foi reportado voluntariamente pela diretoria do Panamericano nas últimas semanas.

Ao ser questionado se os problemas nos cartões também envolveriam o repasse das operações a outros bancos sem baixa contábil, Meirelles afirmou que "não há indícios disso". Mas a hipótese não está totalmente descartada, já que muitos bancos negociam recebíveis de cartão, seja com clientes lojistas ou entre instituições financeiras.

Meirelles lembrou que o tema "cartões de crédito" não é de jurisdição direta da autoridade monetária. Por isso, a fraude não teria sido encontrada originalmente pelos técnicos do BC.

Venda

O presidente do BC indicou que o empresário Silvio Santos deve se desfazer do controle do Panamericano para pagar a dívida de R$ 2,5 bilhões com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC). O empréstimo emergencial que salvou a financeira tem condições especiais: pagamento em dez anos com carência de três anos, período em que não há pagamento de juros e amortizações.

Ao comentar a possibilidade de venda do banco, Meirelles disse que é possível que no futuro a Caixa Econômica Federal seja sócia de outro grupo empresarial – e não o Grupo Silvio Santos – no Panamericano. Apesar desse prognóstico, ele afirmou desconhecer qualquer negociação para troca do controle acionário.

Meirelles reafirmou que a investigação do BC não encontrou sinais de problemas semelhantes ao do Panamericano em outras instituições. "A análise não encontrou nenhuma ocorrência em outros bancos, mas nenhum Banco Central do mundo pode garantir responsabilidades futuras", afirmou, ao ressaltar que não há garantia de que o sistema bancário seja completamente blindado às fraudes.

Final feliz

Parlamentares questionaram Meirelles se o BC não pode se responsabilizar por bancos e suas operações de modo a evitar fraudes como a do Panamericano. "Minha experiência diz que o BC não deve fazer isso porque, quando um governo assume a responsabilidade de instituições privadas, ele dá um selo de garantia. Isso abre um passivo contingente e risco moral incomensurável."

Meirelles destacou que executivos poderiam se aproveitar desse seguro de última instância do governo para administrar ativos de forma inadequada. "Não há cobertor para todos", resumiu.

Apesar da gravidade do problema no Panamericano, o clima entre os diretores do BC era de tranquilidade na audiência pública da manhã de quinta. Aos parlamentares, Meirelles disse que é preciso comemorar o fato de o episódio ter tido "final feliz".

Dilma diz que real valorizado é ruim e vai mexer no câmbio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A presidente eleita Dilma Rousseff disse ontem que considera ruim o fato de o Brasil estar na reunião do G-20, em Seul, na condição de detentor da moeda mais valorizada do grupo dos paises mais ricos: "Isso não é bom para o Brasil. Vamos ter de olhar cuidadosamente, tomar todas as medidas possíveis", afirmou. Dilma disse que o dólar fraco é um problema grave para o mundo inteiro, mas não quis adiantar quais medidas adotará internamente, informa o enviado especial João Domingos. "Se eu tivesse as medidas, não diria aqui", declarou, após se encontrar com o presidente Lula, com quem retornará amanhã ao Brasil, no avião presidencial. Dilma informou que, ao contrário de Lula, que foi à reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, assim que tomou posse, em 2003, ela não irá à próxima reunião do fórum, em janeiro, nem pretende fazer um giro internacional para se apresentar.


Dilma acena com medidas no câmbio

Presidente eleita diz que é ruim para o Brasil ter a moeda mais valorizada do G-20 e fala em ‘tomar todas as medidas possíveis’

João Domingos

SEUL, Coreia do Sul - A presidente eleita Dilma Rousseff disse que considera ruim para o Brasil o fato de o País estar na reunião do G-20, em Seul, com o título de detentor da moeda mais valorizada do grupo dos países mais ricos. "Isso não é bom para o Brasil. Vamos ter de olhar cuidadosamente, tomar todas as medidas possíveis", afirmou ela. Mas Dilma não quis adiantar quais medidas tomará.

"Se eu tivesse as medidas, não diria aqui", afirmou a presidente eleita, durante entrevista coletiva no hotel em que está, em Seul, cerca de duas horas depois de se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o qual voltará sábado ao Brasil, no avião presidencial.

Dilma revelou que, ao contrário do presidente Lula, que foi à reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, assim que tomou posse, em 2003, ela não irá à próxima reunião do fórum, prevista para janeiro.

A presidente eleita disse também que não pretende fazer um giro internacional, para se apresentar. Talvez, vá a um ou outro lugar, afirmou, Dilma comentou ainda o fato de ter sido eleita pela revista Forbes a 16.ª pessoa mais importante do mundo, recusando o título de atração do G-20. "Olha, eu acho que atração é presidente no exercício do cargo. Presidente eleita não é atração, é notícia só."

Problema grave

Dilma disse que o problema do dólar fraco é grave. Mas não adiantou nada que possa fazer para tentar enfrentar a situação além das medidas que já vêm sendo tomadas pelo governo brasileiro, como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para as aplicações no País provenientes do exterior.

"Acho que há uma questão que é grave para o mundo inteiro. Até o Alan Greenspan (ex-presidente do Banco Central americano, o Federal Reserve) está falando isso. Mas essa á uma questão que sempre causou problema, porque a política do dólar fraco faz com que o ajuste americano fique na conta das outras economias."

Em seguida, ela disse que terá uma posição similar à que está sendo defendida agora pelo governo do Brasil, que acusa os Estados Unidos de promoveram uma guerra cambial.

Para Dilma, a desvalorização do dólar gera um protecionismo camuflado. Quanto à sugestão encampada pelo Brasil, de substituir o dólar por uma cesta de outras moedas, Dilma disse que é mais uma posição entre as várias que surgiram sobre o assunto. O melhor, para ela, seria não haver desvalorização do dólar. "Essa seria a solução. Mas nós não controlamos o Federal Reserve."

A presidente eleita lembrou ainda que a moeda chinesa está muito desvalorizada porque está atrelada ao dólar.

'Sanguessuga' deixa equipe de transição

DEU EM O GLOBO

Ré em duas ações da máfia dos sanguessugas, a advogada Christiane Araújo de Oliveira pediu demissão ontem da equipe de transição de Dilma Rousseff. Ela deixa o cargo sem que seja esclarecido quem a indicou.

Ré no caso dos sanguessugas nomeada para transição de Dilma pede demissão

Checagem da Abin não havia apontado problemas na ficha de Christiane de Oliveira

BRASÍLIA e MACEIÓ. Após ter seu envolvimento na máfia dos sanguessugas divulgado pela imprensa, a advogada Christiane Araújo de Oliveira pediu demissão ontem do governo de transição da presidente eleita, Dilma Rousseff. Ela deixou o cargo um dia depois de nomeada, sem que fossem esclarecidas as razões de sua contratação nem o responsável por sua escolha. A advogada é ré em duas ações de improbidade na Justiça Federal de Alagoas.

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) analisou o histórico da advogada, mas não informa se encontrou ou não algum tipo de irregularidade, alegando que esse dado só é repassado ao interessado. A Abin esclareceu que essa análise não libera nem proíbe a contratação de nenhum servidor público.

A agência alegou que os bancos de dados não são interligados e, por isso, um processo nos estados pode não ser detectado. Mas, neste caso, o envolvimento da advogada com os sanguessugas é facilmente encontrado em sites de busca na internet.

Mesmo assim, a assessoria do governo de transição disse que a checagem da Abin não apontou problemas na ficha de Christiane e, por isso, ela foi contratada. A advogada, que trabalharia como secretária, recebendo um salário de R$2.600, telefonou ontem de manhã para o governo de transição e pediu demissão. A exoneração será publicada hoje no Diário Oficial da União.

"É "asnático"", diz secretário de Comunicação do PT

No PT, o episódio foi considerado um grave erro, principalmente pela ausência de uma checagem eficiente nos antecedentes dos indicados. Petistas disseram que o episódio causou um desgaste desnecessário.

- Uma coisa é certa: deveria ter mais cuidado antes da nomeação - disse o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Também no Congresso ninguém assumiu ser padrinho da indicação de Christiane. O secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PR), disse desconhecer a indicação e afirmou que foi um erro:

- Não faço a menor ideia de quem colocou essa moça lá. Mas isso é algo "asnático".

Como não se avaliou antes o currículo dela?

Até ontem, 25 pessoas já tinham sido nomeadas para o governo de transição, com salários entre R$2.115 e R$11.341. Podem ser nomeados até 50 funcionários, mas o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, disse que serão 30 pessoas. Há previsão orçamentária de R$2,8 milhões para as despesas com o governo de transição.

Entre os contratados está a também advogada Márcia Westphalen, que teria trabalhado como cabeleireira em Porto Alegre e mantinha um blog sobre cabelos, tendências e dicas de visual. Segundo a assessoria do governo de transição, Márcia é advogada, formada pela PUC-RS, com registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e foi contratada para coordenar as secretárias porque fala inglês, espanhol e italiano.

Márcia já exercia essa função na campanha e, segundo a assessoria, não trabalha diretamente com a presidente eleita e nem trabalhará. O governo de transição disse ainda que a advogada tem experiência nas áreas de cerimonial e organização de eventos, já tendo exercido essas funções no Brasil, na Argentina e na Inglaterra. Ela receberá R$6.843.

Os responsáveis pela equipe de transição de governo não informaram quem é o responsável pela análise do currículo dos contratados nem quem envia as indicações para serem homologadas pela Casa Civil. A Casa Civil também não informou quem encaminhou as pessoas a serem contratadas pelo governo de transição. O responsável pela nomeação de Christiane não apareceu.

Alguns dos nomeados até agora trabalhavam no Palácio do Planalto, como Clara Ant, Giles Azevedo, Cleonice Dorneles, Sinval Alan Silva e Anderson Dorneles - os últimos quatro auxiliares diretos de Dilma Rousseff. Outros estavam na campanha petista, como Christiane e Márcia.

Além dos coordenadores como Antonio Palocci, José Eduardo Dutra e José Eduardo Cardozo, a equipe de transição da presidente eleita já contratou a assessora de imprensa Helena Chagas e o fotógrafo Roberto Stuckert Filho - ambos também já trabalhavam na campanha da petista.

Pai de Christiane é pastor e faria "curas" em AL

Christiane é filha de Elói Correia de Oliveira, pastor da Igreja do Tabernáculo do Deus Vivo (chamada também de Igreja Nova), uma segmentação dos evangélicos. Entre evangélicos de Alagoas, o pastor não é bem visto, e alguns o consideram como uma espécie de curandeiro. Ele tem um templo no bairro de Cruz das Almas. Lá, faria "curas". O pastor não tem influência em Brasília, mas é bem conhecido entre políticos alagoanos.

Ex-assessor de Dirceu ganha cargo em município do Rio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Derrotado nas urnas, Sereno será secretário de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Petróleo de Maricá

Bruno Boghossian / RIO

Derrotado nas urnas na disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados, Marcelo Sereno (PT-RJ), ex-assessor especial de José Dirceu na Casa Civil, foi nomeado secretário de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Petróleo de Maricá, na Região dos Lagos fluminense. O município espera ter um salto na arrecadação de royalties nos próximos anos, podendo receber cerca de R$ 240 milhões por ano com a exploração de petróleo na Bacia de Santos.

Sereno foi empossado ontem pelo prefeito Washington Quaquá (PT), mas informou que não vai comentar sua nomeação para o cargo. Segundo sua assessoria de imprensa, o novo secretário foi escolhido pela experiência na área da administração pública.

De acordo com a Prefeitura de Maricá, o secretário de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Petróleo tem o papel de "buscar investimentos privados para o município e apresentar as potencialidades da cidade em diversos âmbitos". A expectativa de políticos locais é de que Sereno aproveite seus contatos com o governo federal para beneficiar o município.

Além de ter sido assessor de Dirceu, Sereno é economista, integrou a Central Única dos Trabalhadores (CUT), participou do governo de Benedita da Silva, no Rio, em 2002, e foi secretário de Comunicação do PT, em 2005.

O novo secretário é uma das testemunhas de defesa do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu no processo do mensalão, em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele chegou a ser citado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB), em entrevistas, como um dos envolvidos no esquema de pagamento de mesadas a parlamentares em troca de apoio ao governo no Congresso, mas não se tornou réu na ação.

O município de Maricá tem Orçamento de R$ 270 milhões previsto para 2011, mas o valor não inclui os R$ 240 milhões (R$ 20 milhões por mês) em repasses referentes à exploração de petróleo da camada pré-sal.

Atualmente, Maricá recebe R$ 36 milhões por ano em royalties. Os novos recursos deverão ser investidos em projetos de infraestrutura, saneamento e habitação. Com o apoio de Dirceu, Sereno se candidatou a deputado e recebeu 39.948 votos, mas não se elegeu. Em Maricá, conquistou o apoio de apenas 72 eleitores - o equivalente a menos de 0,2% do total de seus votos.

James Galbraith: "Uma geração inteira será sacrificada"

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Leandra Peres Para o Valor, de Washington

A derrota do presidente Barack Obama nas eleições para o Congresso e o crescimento do movimento conservador Tea Party nada têm a ver com um suposto fracasso das políticas keynesianas, diz o professor James Galbraith, da Universidade do Texas. "O erro do governo Obama foi ter salvado os bancos e acreditar que eles iriam salvar o país", diz Galbraith - filho de John Kenneth Galbraith (1908-2006) e, como o pai, seguidor do pensamento de John Maynard Keynes.

No início do governo, Obama socorreu a economia com um programa de US$ 800 bilhões em gastos federais, mas mesmo assim a taxa de desemprego continuou alta, e se mantém em torno de 9,6%, o que frustrou os eleitores americanos. A bancada do Partido Democrata foi drasticamente reduzida e os republicanos se elegeram prometendo cortes de gastos e de impostos.

Galbraith acredita que a recente decisão do Federal Reserve (o banco central americano) de injetar US$ 600 bilhões no sistema financeiro até meados de 2011, mediante compra mensal de títulos públicos em poder dos bancos, para a retomada do crescimento, não terá efeito relevante, além de ser uma solução "muito arriscada". Ele acha possível que os Estados Unidos passem por uma década de estagnação e defende soluções como a redução da idade de aposentadoria. A seguir, a entrevista que Galbraith concedeu ao Valor.

Valor: A derrota de Obama nas eleições representa uma rejeição às políticas econômicas keynesianas

James Galbraith: Não acho que tenha nada a ver com Keynes. O erro do governo Obama foi ter salvado os bancos e acreditar que eles iriam salvar o país. Isso não aconteceu. Durante um período, os bancos anunciaram lucros altos, bônus foram pagos e fraudes ficaram sem investigação. E todo mundo se perguntava: "Cadê o meu emprego?" Se queriam tomar um empréstimo, não era possível, porque os bancos não estavam emprestando. Isso leva ao repúdio a qualquer governo.

Valor: Qual seria a alternativa para as políticas de Obama?

Galbraith: Compare com o governo brasileiro. Quando o presidente Lula tomou posse, anunciou medidas claramente ortodoxas, até mais do que o esperado, e baixou as expectativas da população. Depois, as pessoas se impressionaram com a diminuição da pobreza, ampliação da classe média etc. O governo Obama fez exatamente o contrário. Tomou posse dizendo que os problemas econômicos seriam resolvidos e implementou uma política inadequada. Obama foi eleito com o slogan de acreditar na mudança e do ponto de vista da política econômica é um governo tão dominado por banqueiros quanto o governo Bush. Ou até mais.

Valor: Os bancos não deveriam ter sido socorridos?

Galbraith: Os bancos estavam falidos. A lei determina, e ela é aplicada rotineiramente no caso de bancos menores, que se feche a instituição. Poderiam ter feito isso, mas preferiram fingir que os bancos estavam em situação sólida.

Valor: Se os grandes bancos tivessem quebrado, a economia estaria melhor?

Galbraith: Estaríamos agora numa situação diferente. As expectativas seriam diferentes desde o começo. As pessoas teriam visto o novo presidente reconhecer que a situação era muito, muito ruim e qualquer melhora seria vista como positiva e não como uma recuperação inadequada ou insuficiente.

Valor: O pacote de US$ 600 bilhões em estímulo monetário anunciado pelo Fed vai resolver?

Galbraith: Haverá pouquíssimo efeito prático. Se muito, algum impacto sobre o valor do dólar, o que é uma solução muito arriscada para buscar a retomada do crescimento. Não que seja necessária uma dose maior do que já vem sendo feito. Na minha opinião, as medidas são mal concebidas.

Valor: Por que a desvalorização do dólar seria arriscada?

Galbraith: É um jogo de soma zero. Se os Estados Unidos desvalorizam o dólar, os europeus, por exemplo, se sentirão ameaçados e podem fazer o mesmo. Além do mais, o comércio mundial é feito em dólares e se você começa a mexer com o valor da moeda pode ter um impacto desestabilizador.

Valor: É possível uma solução para a guerra de moedas no G-20?

Galbraith: Não há a menor esperança. Os europeus participam do G-20 pró-forma. Estão claramente mais preocupados com seus problemas internos. Fala-se da China, mas o país não vai adotar uma política mais expansionista. E, se fizesse isso, o efeito no mundo seria um aumento do preço das commodities, já que a China importa petróleo, trigo e não manufaturados. Me parece meio louco dizer que isso esse seria bom para a economia americana. Seria positivo para a América Latina.

Valor: A adoção de controles ao fluxo de capitais se justifica nesse contexto?

Galbraith: Qualquer país com alguma sensibilidade vai se proteger desses movimentos de capital.

Valor: Há risco de uma dupla recessão?

Galbraith: Acho pouco provável. Os problemas de verdade são estagnação, incapacidade de reduzir o desemprego e uma redução contínua da classe média.

Valor: Teremos uma década de crescimento baixo e desemprego elevado nos Estados como no Japão dos anos 90?

Galbraith: Sim.Mesmo que o país volte a criar empregos agora, os primeiros a voltar para o mercado de trabalho serão os mais jovens. Uma geração inteira será submetidas a uma década de dificuldades.

Valor: O que pode ser feito para acelerar esse ajuste?

Galbraith: Proponho reduzir a idade para a aposentadoria integral, de 65 para 62 anos, ao longo de um período de, digamos, três anos. As pessoas acima dessa idade sairiam do mercado de trabalho, teriam uma renda garantida e estariam gerando demanda por uma série de serviços. Nessa transição, os postos de trabalho que ficassem vagos seriam ocupados por trabalhadores mais novos.

Valor: Como essa conta seria paga?

Galbraith: Assinando um cheque. Nós somos os Estados Unidos, assinamos cheques. O país também deixaria de pagar o auxílio-desemprego, para pagar uma aposentadoria.

Valor: Por que o estímulo monetário não está funcionando?

Galbraith: Quando você se pergunta porque as empresas americanas estão sentadas em cima de US$ 1 trilhão, a única resposta é que estão igualmente com medo de deflação como de inflação. Se há receio de deflação, as pessoas ficam com dinheiro em caixa. Os preços vão cair e todo mundo que tiver moeda estará mais rico. Então, a economia para. O mercado imobiliário para, porque, com o preço das casas caindo, você pode esperar três semanas e comprar o mesmo imóvel pagando menos. Isso está claramente acontecendo..

A Carlos Drummond de Andrade:: João Cabral de Melo Neto

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.