segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Reflexão do dia - Raimundo Santos

Reler documentos, resoluções e falas das reuniões do Congresso nacional Camponês torna nítido para a atual esquerda militante que o “problema camponês” como era chamado à época (e então considerado estratégico para a revolução no Brasil) não consiste em buscar definir o “papel do campesinato na revolução”. O “problema camponês” do tempo mais contemporâneo (e o dos nossos dias) tampouco ampara a expectativa que o novo tipo de mediadores que o país conhece a partir da segunda metade dos anos 1970 nutre em relação aos grupos rurais. Esta militância agrária em boa parte se orienta, digamos, pelo tema “campesinato e política” (tal como aparece em alguns autores), a partir do qual seria dado esperar ações dos contingentes rurais que interpelassem a ordem institucional democrática, considerada nesse tempo mais contemporâneo, por não poucos, de natureza oligarquico-liberal.

Revisitar a controvérsia camponesa do congresso de 1961 traz-nos antecedentes sugestivos para precisarmos o sentido da proposição que hoje nos diz que o “tema agrário” já está posto na agenda do Estado. No que se refere a uma “reforma agrária ampliada” dos nossos dias, quer dizer, à reforma do mundo rural, o que veio e continua vindo para ficar e cada vez mais se desenvolve são políticas públicas perduráveis. À vista da malha institucional existente e dos diversificados programas criados ao longo dos anos, sobretudo no tempo mais contemporâneo, em apoio à melhoria da vida rural, podemos sublinhar o quanto é antiga a tradição de agrorreformismo pacífico no Brasil.



Raimundo Santos. Cf. Apresentação à segunda edição do livro O Congresso nacional camponês, Luiz Flávio de Carvalho Costa (org.), editoras Muad e Universidade Rural (UFRRJ), Rio de Janeiro, 2010. LANÇAMENTO: na próxima 4a. feira, dia 15/12/10. LOCAL: livraria Prefácio, Rua Voluntários da Pátria, Botafogo, às 19 h.

Mesa farta, mas sem lugar para todos:: Cristian Klein

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Difícil ser oposição. No banquete de cargos do governo federal, fica como gato magro do lado de fora do restaurante. Agora, quem diria, até o Partido Social Cristão (PSC), cujo símbolo é um peixe, quer lugar à mesa. Seu pedido é a criação de uma inventiva e azeitada secretaria de segurança de trânsito.

A gordura acumulada nos últimos anos lhe dá pretensões de comensal. O PSC é o partido que, de longe, teve o maior crescimento na Câmara dos Deputados. Aumentou nada menos do que 1.600% nas últimas três eleições. Elegeu apenas um deputado, em 2002; sete, em 2006; e agora fez 17 parlamentares. A próxima bancada terá um nome a mais do que já conta a legenda, que inchou com adesões, mas confirmou nas urnas o novo peso eleitoral.

O PSC ultrapassou, de uma só vez, três agremiações que há anos estão no cenário principal da vida política nacional: o PCdoB (15 deputados), o PV (15) e o PPS (12). O partido reclama de que existem partidos "da base" e "à base" de pão e água, e que não consegue emplacar nem um contínuo. O PCdoB, por exemplo, aliado histórico do PT, ocupa o Ministério dos Esportes. O PSC é candidato a mais uma boca faminta a ser alimentada no ninho governista.

Enquanto isso, outros convidados se dão ao luxo de dispensar convite para assumir ministérios devido a razões no mínimo duvidosas.

É o caso do ex-governador do Amazonas e senador eleito Eduardo Braga (PMDB). Teria dito "não, obrigado" ao ser ofertado com a pasta da Previdência porque o governo não apresentou, durante a campanha presidencial de Dilma Rousseff, programa de reforma para a área. Para ele, as discussões de ministérios são puramente partidárias e não se detêm em métodos e objetivos claros. Seria um ótimo caminho, a negociação em termos de programas. Mas qual é mesmo a proposta do ex-governador para a Previdência? Ficamos sem saber.

A recusa de Braga sugere uma mistura de ingredientes, como o cálculo político, levados à fogueira das vaidades. Seu principal adversário no Estado, Alfredo Nascimento (PR), foi agraciado e voltará à pasta de Transportes - de muito maior orçamento, número de cargos e visibilidade - o que ele próprio cobiçava. Não pegaria bem aceitar um ministério de consolação. Deu-se por insatisfeito e se pôs entre os primeiros da fila para as substituições que, de certo, virão. Ou para outros tipos de recompensas.

Já o senador reeleito Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou motivações nobilíssimas para recusar o novo Ministério das Micro e Pequenas Empresas. Aos olhos da sociedade, argumentou, sua ida para a pasta poderia parecer uma armação para que seu suplente, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, assuma sua vaga no Senado - o que faz parte dos planos da presidente eleita Dilma Rousseff. A convicção do parlamentar, porém, é maleável. Informou que estudaria outra proposta, desde que melhor, como um ministério de orçamento polpudo e já estruturado. Construir do zero dá muito trabalho. Ao contar com a vontade do governo de fazer Dutra senador, Valadares aposta alto. Espera ser cortejado e atendido. Virou a prima dona da transição.

Mas a liga que se tenta alcançar neste caso, diga-se, não deixará de ter o gosto azedo da burla feita com um dos expedientes mais obtusos: a chegada de suplentes sem votos à Câmara Alta. Uma ampla reforma política no país pode ser, ao contrário do que se imagina, altamente contraproducente - pela grande chance de a emenda sair pior que o soneto. Mas uma solução que dê fim aos senadores biônicos é ponto praticamente consensual. Cerca de um terço do Senado tem sido composto por este tipo de representante que não representa nada. Geralmente são financiadores de campanha ou parentes dos candidatos.

Dutra é um quadro importante da política nacional, presidente do PT, mas sua entrada no Senado desta forma diminuiria sua trajetória, em vez de lustrá-la, e também a do partido que preside.

Seja como for, quem ficou menor mesmo foi o PMDB. A má condução de suas demandas no início do processo de negociação do novo ministério é responsável, obviamente, pela sua desidratação. O partido confiou demais em seu poder intimidador. Ensaiou até a criação de um blocão que empurraria contra a parede uma presidente recém-eleita sem o mesmo carisma e simbolismo do atual mandatário. Dilma não é Lula, de fato. Mas pela novidade de ser mulher, literalmente um simbolismo de outro gênero, pôde saltar e dar o seu tom. Menos cordial e mais de inspetora que põe ordem na casa. Foi o momento de se impor à turma do PMDB. Dilma não piscou.

Mas como regra da política, e por que não da vida, determinado comportamento pessoal só tem condições de aflorar dependendo de situações institucionais propícias. A redução do peso do PMDB no próximo governo condiz com os resultados das urnas.

A sigla que elegera 89 deputados federais, há quatro anos, fez dez a menos agora. Encolheu 11,2%. Seus deputados estaduais, que eram 166, passaram para 147. Uma queda de 11,4%. Os sete governadores eleitos em 2006 darão lugar a apenas cinco. O eleitorado governado, que era de 22,8%, passará a ser de 15%,1%. Para os pemedebistas, o ano de 2010 não foi realmente uma boa safra eleitoral, ainda que tenha emplacado o vice de uma chapa presidencial vitoriosa.

Mesmo assim, a fome é de anteontem. Caciques como Renan Calheiros já deram o recado de que mais pressão virá pela frente. "Treino é treino, jogo é jogo", disse o senador de Alagoas, insinuando que a maior presença do PMDB no governo será fundamental quando o time de Dilma entrar em campo e passar por dificuldades. E de onde viria o sufoco? Da esquálida oposição, que assiste a tudo lembrando dos tempos em que se servia nas mesas fartas de poder? Improvável. Na nova fase da política brasileira, talvez pela primeira vez na história recente, os conflitos virão mais de dentro do que de fora do governo.


Cristian Klein é repórter de Política. O titular da coluna, Luiz Werneck Vianna, não escreve hoje excepcionalmente

Como se fazem ministros:: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

- Temos de parar de pensar em semideuses como gestores (José Eduardo Cardozo, futuro ministro da Justiça de Dilma)

Somente um país maduro e estável, que atravessa um dos melhores momentos de sua história, poderia dar-se ao luxo de assistir, sem sobressaltos, a um presidente da República de saída do cargo escalar boa parte do Ministério do presidente de entrada. E a um deputado como o octogenário Pedro Novais (PMDB-MA) ir parar no Ministério do Turismo.

Nada contra o comportamento de Lula. Se Dilma que poderia ter não tem, quanto mais eu? Nada contra também a promoção a ministro do apagado Novais — deputado federal há seis mandatos consecutivos. No caso dele, o que chama a atenção foi a maneira como acabou escolhido.

Presidente do PMDB e vice-presidente da República, o deputado Michel Temer acalentava duas pretensões: manter o paulista Wagner Rossi, seu amigo, no Ministério da Agricultura, e garantir uma vaga de ministro para o carioca Moreira Franco. Realizou as duas.

Animado, passou a acalentar uma terceira: empurrar para dentro do governo o gaúcho Mendes Ribeiro, reeleito deputado federal. Assim, a vaga dele na Câmara cairia no colo de Eliseu Padilha, deputado federal desde 1995, mas que desta vez só obteve votos suficientes para ficar como primeiro suplente.

Foi então que Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB na Câmara, lembrou a Temer a existência de dois empecilhos para que desse certo a manobra a favor de Padilha: ele fora ministro dos Transportes do governo Fernando Henrique, e apoiara José Serra, candidato do PSDB a presidente.

Soprado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seu colega de jogadas ardilosas na Comissão de Orçamento da Câmara, o nome de Novais começou então a circular dentro do PMDB como o mais indicado para ocupar qualquer vaga ministerial. Novais colecionava uma série de vantagens.

Devido à idade avançada, está no fim de sua carreira política. Não fará sombra a ninguém. Sabe como os políticos dependem da liberação de verbas do Orçamento da União para irrigar suas bases eleitorais. E é ligado ao senador José Sarney (PMDB-AP), aliado de Dilma e Lula.

Henrique Eduardo viu em Novais a chance de emplacar seu primo Garibaldi Alves (PMDB-RN) como ministro da Previdência. O cargo fora oferecido por Dilma ao senador Eduardo Braga (PMDB-AM). O senador Renan Calheiros (AL) entrou na parada a pedido de Henrique Eduardo.

Perguntou a Braga: “Está pronto para ter sua vida impiedosamente devassada pela imprensa?” Braga concluiu que não — e desistiu. Renan e Sarney avalizaram a nomeação de Garibaldi, reeleito senador em dobradinha com José Agripino, líder do DEM no Senado.

“Garibaldi não é confiável”, interferiu Antonio Palocci, futuro chefe da Casa Civil, em telefonema para Renan. “Nem pra gente ele é”, concordou Renan. “Mas política é assim mesmo”. Dilma engoliu a seco Novais e Garibaldi sob a desculpa de que governará com quem a ajudou a se eleger.

De resto, Dilma advertiu o PMDB de que a responsabilidade por nomeações desastrosas será debitada na conta dos partidos que as patrocinarem. Novais entende tanto de Turismo quanto Garibaldi de Previdência — nada. E daí? Convencionou-se que político está dispensado de ter familiaridade com assuntos técnicos.

Para enfrentá-los, vale-se de técnicos que o assessoram. O importante é a decisão de investir nisso e não naquilo. E ao cabo, a decisão é de governo, não de um ministro. Dentro e fora do núcleo duro do futuro governo parece consolidada a certeza de que será efêmero o primeiro Ministério de Dilma.

O jogo só começará para valer ali pelo meio do primeiro mandato. É quando Dilma e os partidos entrarão em campo com seus melhores craques. Novais ambiciona ser ministro até o fim do mandato de Dilma, atravessando no cargo a Copa do Mundo de 2014 a ser disputada no Brasil.

No meio da semana passada, ele procurou uma ex-funcionária do Ministério do Turismo e pediu com jeito humilde: “Me conta como é essa história de Ministério do Turismo”.

Razões para romper :: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Desde que o mundo é mundo e política é política, aliados às vezes acabam se desentendendo. No micropolítica brasiliense, as apostas já estão abertas para tentar vaticinar quando Dilma Rousseff romperá com seu mentor, Luiz Inácio Lula da Silva.

Na oposição, vigora o raciocínio clássico e sem muita lógica: "É só uma questão de tempo".

Entre os governistas e o crescente grupo já conhecido como dilmista, a avaliação é oposta, mas também desprovida de ciência: "O relacionamento deles será sempre amistoso; Dilma tem grande respeito por Lula".

Nem uma coisa nem outra. Tudo dependerá, fundamentalmente, de dois fatores. Primeiro, das pretensões político-eleitorais futuras de Lula e de Dilma. Se houver sobreposição, haverá rompimento. Segundo, do desempenho do país nos próximos quatro anos, sobretudo na economia. Ninguém gosta de ser sócio do malogro alheio.

O Brasil deve crescer 7,5% neste ano. Em 2011, dentro do governo, as previsões indicam algo entre 4% e 5%. Apesar da queda, o patamar será alto. Mas já se sabe que haverá mais inflação, o principal fator a minar o poder de compra das grandes massas -e a drenar na mesma proporção a popularidade do titular do Palácio do Planalto.

Sobre planos políticos futuros, nada indica um desejo orgânico de Lula para retornar à Presidência em 2014. Os sinais são de que pretende ter voos mais internacionais do que nacionais. Não parece haver, portanto, sobreposição entre seus interesses e os de Dilma.

Na economia, mesmo com as incertezas à frente, ninguém se arrisca a prever um completo fracasso para o Brasil em 2011. A prevalecer esse cenário de crescimento -ainda que com alguma inflação-, dificilmente a administração Dilma será reprovada de saída nessa área.

Tudo considerado, faltam indicadores provando um iminente rompimento entre Lula e Dilma. No futuro, quem sabe. Por ora, não.

De volta para o futuro:: Rafael Cariello

DEU NA FOLHA DE S. PAULO/ Ilustríssima

A defesa da presença do Estado na economia retorna à pauta

Resumo

Posta em xeque nos anos 80 e 90, a política do bem-estar social e da forte presença do Estado na economia volta ao debate em ensaio de Tony Judt, que aponta danos sociais decorrentes da redução do Estado nos EUA e na Europa, e em livro sobre Eisenhower, presidente republicano que teria contribuído para o New Deal democrata.

Mal eclodiu, a crise de 2008 forçou o governo dos EUA a fazer pesados investimentos em áreas cruciais da economia, como o setor bancário e a indústria automobilística. Para muitos observadores, assistia-se à volta de um modelo intervencionista que parecia superado desde a chegada ao poder do republicano Ronald Reagan, em 1980.

A mesma débâcle agravou, nos meses seguintes, os deficits orçamentários recordes dos países europeus, logo forçados a cortar gastos e benefícios públicos. Há quem avalie que, em consequência dessas decisões, o próprio Estado de bem-estar social encontra-se em risco. As reformas liberalizantes advogadas por Reagan e pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher teriam por fim alcançado a Europa continental.

Como se pode ver, essas análises são contraditórias -e apressadas. Buscam compreender o momento atual nos termos das duas grandes ondas político-ideológicas do século 20, hegemônicas.

A história desses dois modelos de intervenção estatal -o social-democrata, entre as décadas de 30 e 70, e o liberal, nos dois decênios finais do século- é narrada pelo cientista social britânico Tony Judt (1948-2010) no último livro que publicou em vida, "Ill Fares the Land" (algo como "o mal consome a terra", título retirado de um verso do poeta Oliver Goldsmith).

Desde a Grande Depressão, e com mais força a partir da Segunda Guerra Mundial, a social-democracia conquistou o apoio de políticos da centro-direita à centro-esquerda, nos EUA e na Europa. Com a exceção de grupos radicais nos dois extremos do espectro ideológico, todos pareciam concordar quanto à necessidade de o Estado se fazer presente em amplos setores da economia, do transporte público à siderurgia, sem abrir mão da democracia representativa.Por décadas, o modelo funcionou bem, até entrar em crise, nos anos 70. Nos dois decênios finais do século 20, a palavra de ordem era abrir espaço para o mercado. Reduzir o Estado ao mínimo, retirando-o não só da atividade produtiva mas também, em muitas áreas, de seu papel regulador.

Intervenções estatais passaram a ser responsabilizadas por males sociais e econômicos de toda espécie -invertendo a lógica antiliberal que surgira com a crise da década de 30. Nenhum dos dois modelos "puro-sangue" parece mais angariar simpatias gerais e irrestritas -embora estas ainda se inclinem, no julgamento de Judt, para um excessivo antiestatismo.

De todo modo, o que no passado parecia pertencer ao domínio inexorável da história, a um processo de desenvolvimento linear, passa hoje à esfera da técnica e da política. O que as narrativas contraditórias do pós-crise nos EUA e na Europa demonstram é que a presença do Estado na economia e na prestação de serviços de segurança social está em disputa, sujeita a ajustes de grau, mas não de natureza.

Tony Judt toma partido nesse embate e constrói, em "Ill Fares the Land" [Penguin USA, 256 págs., R$ 47], um sofisticado libelo contra os excessos da desregulamentação e do desmonte do Estado, ao sair em defesa da social-democracia e dos serviços de proteção social.

Sua estratégia é apresentar cada argumento como uma síntese pragmática e moderada dos embates ideológicos do passado. "Conseguimos nos libertar da crença de meados do século 20 -nunca universal, mas certamente bastante difundida- de que o Estado é possivelmente a melhor resposta para qualquer problema. Agora precisamos nos livrar da noção oposta", ele diz. A de que "o Estado é -sempre e por definição- a pior opção possível".

"Se não fomos capazes de aprender nada mais com o século 20, devíamos ao menos ter entendido que quanto mais perfeita a resposta [a nossos problemas], mais terríveis e assustadoras foram as suas consequências."

"Ill Fares the Land" pretende apresentar, a uma geração que não viveu os traumas da Grande Depressão e da Segunda Guerra, as razões que permitiram tornar quase consensual a defesa da forte presença do Estado em diversos setores da economia -bem como a criação de amplos sistemas públicos de educação, saúde e segurança social.

Para Judt, os líderes e os burocratas americanos e europeus logo compreenderam, com o fim da guerra, que era preciso a todo custo evitar os níveis inauditos de insegurança social e econômica enfrentados desde a crise de 1929 e nos anos seguintes, que os conduziram até o maior conflito militar da história.

Foi essa sensação de medo que fomentou o nazismo, lembra Judt. Os vencedores da guerra, dos dois lados do Atlântico, compreenderam o que era preciso fazer para impedir o seu ressurgimento. É nesse contexto que surge o Estado de bem-estar social, sociedades de classe média e sistemas de "seguros" públicos contra infortúnios.

O mesmo se aplica aos EUA, sempre ciosos em prestar vênias ao liberalismo econômico e à livre-iniciativa. Entre o New Deal de Roosevelt, nos anos 30, e a Presidência de Lyndon Johnson (1963-69) -que se atribuiu o objetivo de pôr fim à miséria no país mais rico do planeta-, a forte presença do Estado em setores estratégicos e as políticas promotoras de relativa igualdade social apresentaram ao mundo o "american way of life". A típica família de classe média norte-americana dos anos 50 e 60 posa em sua casa de subúrbio para um retrato de época.

O processo não foi freado nem mesmo sob o único governo republicano (1953-1961) a interromper as quase quatro décadas de proeminência do Partido Democrata na política norte-americana.

"Foi um presidente republicano, Dwight Eisenhower, quem autorizou o gigantesco projeto das estradas interestaduais, supervisionado pelo governo federal", argumenta o historiador, ao se referir ao pesado investimento em infraestrutura de que a iniciativa privada não teria sido capaz, sozinha, de realizar. "Apesar de toda a mesura retórica feita à competição e aos livres mercados, a economia americana naqueles anos dependia largamente de proteção contra a competição estrangeira, bem como de padronização, regulação, subsídios, ajustes de preços e garantias governamentais."

O leitor conservador e desconfiado dos argumentos de um "socialista" britânico pode conferir a justeza da descrição em "Going Home to Glory - A Memoir of Life with Dwight D. Eisenhower, 1961-1969" [Simon & Schuster, 336 págs., R$ 63], escrito por David Eisenhower e Julie Nixon Eisenhower. Os insuspeitos autores, casados um com outro, netos dos conhecidos ex-presidentes republicanos, compõem uma memória dos anos de aposentadoria do general que liderou os Aliados contra o nazifascismo.

Entre partidas de bridge e golfe, o ex-presidente se esforça, segundo a narrativa de seus herdeiros, para impor uma linha moderada ao Partido Republicano dos anos 60. "A não ser em assuntos morais e ciências exatas, posições radicais estão sempre erradas", defende Eisenhower.

Os amantes da política americana encontram na obra a descrição do empenho do general para fazer de seu irmão Milton o candidato republicano à sucessão de Johnson. "Seu principal problema", no entanto, "era o comprometimento político ambíguo", diziam os opositores mais conservadores. Milton, que trabalhara sob o comando de Roosevelt, "havia contribuído de maneira entusiasmada com o New Deal". Por razões mais ou menos voluntárias, também o seu irmão dera continuidade àquela obra.

Como hábil advogado de sua causa, Tony Judt é capaz de reconhecer exageros na intervenção estatal. As opções estatizantes de meados do século nem sempre conduziram a bons resultados, admite ele. O crescente controle e "planificação" da vida em sociedade são seus principais exemplos: intervenções urbanísticas autoritárias, conjuntos habitacionais impessoais, intromissão ineficiente em setores da economia que seriam mais bem servidos pela iniciativa privada.

Parece hoje inacreditável que o Estado britânico tenha se encarregado, por décadas, até da venda de café e sanduíches servidos em estações ferroviárias (não seria justo, no entanto, responsabilizar a burocracia estatal pela má qualidade da comida no Reino Unido).

Mas nada se compara, segundo o historiador, às distorções promovidas desde os anos 1980 pelos governos "mercadistas". Judt recorre a estudos estatísticos para fazer um elogio da igualdade social, alcançada sobretudo nos países com maior intervenção estatal, carga tributária e gasto público.

Quanto maior a desigualdade de renda, maior a incidência de problemas de saúde e patologias sociais. "Há uma razão para o fato de os índices de mortalidade infantil, expectativa de vida, criminalidade, população carcerária, doença mental, desemprego, obesidade, subnutrição, gravidez na adolescência, uso de drogas, insegurança econômica, acúmulo de dívidas e ansiedade serem piores nos EUA e no Reino Unido do que na Europa continental."

Eis, de acordo com Tony Judt, os males que consomem a terra. Antes de morrer, no auge de sua produtividade, um dos principais acadêmicos do século 20 deixou como herança um manifesto sobre a necessidade de contê-los, com a ajuda do Estado, de maneira moderada e cautelosa. "Avanços incrementais a partir de circunstâncias insatisfatórias são o melhor que podemos esperar, e provavelmente tudo o que devemos procurar."

Editorialista (editor-assistente de Opinião) da Folha de S. Paulo

Publicado em 12/12/2010)

Medo e confiança:: Rubens Ricupero

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para construir confiança, presidente eleita terá de alocar recursos escassos no que é prioritário ao país

Só não encontra resistência para governar quem inspira a maior dose de confiança nos partidários, gerando o mínimo de medo nos adversários.

Tancredo encarnava essa dosagem melhor que Ulisses ou qualquer dos oposicionistas de primeira hora. Foi por não despertar medo em relação à segurança ou ao futuro profissional dos militares em vias de deixar o poder que o governador de Minas tornou-se nome de consenso, explicava em 1985 aos argentinos o ex-embaixador Oscar Camilión.

Desde o discurso da vitória eleitoral, temos assistido a esforço sistemático da presidente eleita para exorcizar os medos acordados pelo malfadado plano de direitos humanos, as propostas de controle da imprensa e os excessos retóricos como o de querer "extirpar" setores da oposição.

Sem deixar nada ao acaso, a ação desdobra-se em três áreas: a de liberdades e direitos individuais (liberdade de imprensa, apelos à união dos cidadãos, liberdade religiosa); a da estabilidade econômica (eliminação do deficit, redução da dívida pública e dos juros, contenção de gastos, combate à inflação); a da política externa (condenação ao apedrejamento no Irã, sensibilidade a direitos humanos, acenos amistosos ao governo Obama).

Uma interpretação malevolente poderia assimilar esse comportamento à entrevista de Leonel Brizola em Lisboa antes de voltar do exílio. Diante do espanto do entrevistador com a radicalidade do seu tom contemporizador, desculpou-se: "Antes de desembarcar, tenho de tirar os índios da praia!"

O provável é que a explicação seja mais saudável. A futura presidente e seus conselheiros sabem que é nos primeiros meses que os governos costumam extraviar-se ou encontrar-se.

Jânio ("o povo ama os governos ásperos") e Collor com o confisco da poupança e o "tiro único para matar o tigre" assustaram os cidadãos e perderam o país. Lula, ao contrário, começou devagar, acalmando medos e consolidando a base sobre a qual soube edificar seu governo.

A presença de Palocci no ponto de partida dos dois governos nutre a natural expectativa de que se repita a abordagem de prudência que deu certo no governo anterior.

Afastar medos é condição necessária, porém não suficiente para o passo seguinte: construir a confiança. Esta requer fatos concretos como o que se aguarda na questão dos investimentos.

Desperta esperança a prioridade da presidente eleita de elevar a capacidade do investimento em infraestrutura, que será posta à prova no projeto de trem-bala. O bom senso fez adiar a licitação, mas o projeto é irremediável. Não só pelo custo e a inviabilidade de tarifa capaz de pagar o investido.

Em relação às prioridades, tampouco faz sentido projeto de puro prestígio em país que não consegue construir metrôs e trens suburbanos para atender à população sacrificada. Sem falar na calamidade de estradas e portos, hoje incapazes de escoar a produção atual da agricultura, quanto mais a da expansão de mais 40% que se espera para os próximos anos.

O que fará a presidente eleita: agregará mais um esqueleto ao cemitério de dinossauros do nosso truncado desenvolvimento ou alocará recursos escassos ao que é de fato prioritário do ponto de vista social e econômico?

(Publicado em 12/12/2010)

Lá vem o Patto::Urbano Patto

DEU NO JORNAL DA CIDADE DE PINDAMONHANGABA/SP

Alguns analistas políticos estão cobrando da presidente eleita um ministério que refletisse mais a sua personalidade, bem como, supondo que esse montado até o momento seria um gabinete provisório e que, mais a frente, a presidente trataria de fazer valer uma nova composição que, esta sim, seria a sua cara.

Isso parece mais ato de fé, aposta ou fuxico. Ao contrário disso, a meu ver, o ministério até agora apresentado reflete exatamente o que foi proposto na campanha e traz a fisionomia exata de Dilma Roussef, ou seja, é a cara de Lula.

Mantém a essência do Governo atual: reafirma a política econômica dos juros altos e do paraíso da ciranda financeira nacional e internacional, com a dupla Mantega e Tombini; mantém a aliança conservadora com as oligarquias bem exemplificada nos ministros do PMDB de Sarney e do PR de Nascimento; sustenta a aristocracia sindical e a pragmática corrente majoritária do PT no comando dos grandes negócios, dos fundos de pensão e das importantes áreas do petróleo, da comunicação, do PAC 2 e do Palácio com Bernardo, Belchior, Carvalho, Palocci, Gabriele e, completando, distribui aos companheiros e aliados “mais à esquerda”, posições e cargos menos determinantes no jogo principal, com Cardoso, Orlando, Patriota, etc etc etc.

A continuidade ou a mudança dessa composição de forças no decorrer do governo não decorrerá da vontade ou da personalidade da presidente, mas da capacidade de serem mantidos os compromissos de campanha, dos resultados objetivos do exercício do governo, do desenvolvimento econômico e da postura das oposições e da sociedade civil.

Na verdade a mudança (ou a revelação da verdade) já começa antes mesmo da posse.

Diferentemente do mundo cor-de-rosa da campanha, sem dó nem piedade, o Ministro da Fazenda, atual e vindouro, e o Ministro do Planejamento, futuro Ministro das Comunicações, determinam e anunciam cortes drásticos no orçamento, até mesmo no sacrossanto PAC; falam com vigor em corte nas emendas parlamentares e em barrar no Congresso a aprovação a PEC 300 e evitar qualquer aumento real do salário mínimo.

Por seu lado, o Banco Central, ainda com Meirelles à frente, mas com total apoio do futuro presidente Tombini, em pleno período natalino, manda enxugar o crédito na praça e determina o aumento os depósitos compulsórios dos bancos.

Ou seja, abrem-se agora, logo após as eleições e antes da posse, os sacos de maldades.

Mesmo assim, enquanto ainda é período de festa, de comemorações e, principalmente, de negociações para indicação de nomes para os cargos do primeiro, segundo, terceiro e demais escalões da administração, tudo é lindo e maravilhoso e a lua de mel segue feliz, como nunca antes nesse país.


Urbano Patto é Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional e membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista - PPS - do Estado de São Paulo. Críticas e sugestões: urbanopatto@hotmail.com

Não me mandem cartões:: Fausto Matto Grosso

DEU NO JORNAL DA CIDADE (MS)

Estamos na época de receber e enviar cartões. Fico emocionado em ver quantos amigos figurões se lembram desse humilde eleitor: vereadores, deputados, senadores, prefeitos, desembargadores, conselheiros do tribunal de contas até meu sindicato e meu conselho profissional.

Envaidecido faço um pedido: não me dêem presentes de mim para mim. Com meu suado dinheirinho, não! Já estou crescidinho, não gosto do jogo do “me engana que eu gosto”.

Esses figurões pensam que estão agradando. De minha parte, levam-me à indignação, perdem pontos. Fazer marketing pessoal, à custa dos meus impostos e taxas, não!

O desvios de conduta pública, mesmo nas pequenas coisas, mostram que esses vícios, de tão antigos, incorporam-se à cultura política. Por incrível que pareça, ainda está por se proclamar a república-de-fato, para separar o público do privado. Como disse o Barão de Itararé “restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”

Quando falam contra a privatização do Estado eu fico pensando, com meus botões, sem entender nada. É precisão, na verdade, desprivatizá-lo, retirá-lo dos bancos, das corporações internas, dos lobistas e livrá-lo dos marajás políticos, desculpem-me a palavra de má lembrança.

Já fui vereador. Naquela época devolvia sistematicamente os pacotes de lindos cartões de natal impresso pela Câmara. Devolvia todas as cestas de natal com as quais me agraciavam as empresas de ônibus. Sentia a desaprovação de muitos colegas pelo meu mau exemplo. Já fui Secretário de Estado, sofri a incompreensão de amigos do peito, porque devolvi os bonitos cartões de visitas com que me agraciaram na posse.

Só cito esses casos pessoais porque eles demonstram que é possível, sim, nadar contra a corrente. No mínimo nos dá uma agradável sensação do passarinho que carrega água no bico para apagar o incêndio florestal dos costumes políticos. O que, na época, era simples censura, ou incompreensão, diante da degradação atual, talvez me levasse hoje a uma comissão de ética, por quebra de decoro.

Em tempo: adoro receber cartão dos meus amigos peito. Sinto muito orgulho de ter muitos e grandes amigos, agora, inclusive, meus amigos virtuais que se espalham pelas redes sociais.

Boas festas e feliz 2011 para todos!


Fausto Matto Grosso é Engenheiro, Professor a UFMS e membro da direção nacional do PPS

Suspeitas não param o PAC

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Indícios de superfaturamento e de obras mal executadas sob a ótica do TCU não freiam injeções de recursos no programa

Vinicius Sassine

Sete grandes obras de infraestrutura com indícios de graves irregularidades, detectados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), terão recebido até o fim deste ano investimentos de R$ 12,2 bilhões do governo federal, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mesmo com a constatação de problemas como superfaturamento, direcionamento da licitação e má execução das obras, comunicados à Comissão Mista de Orçamento nos últimos dois anos, esses empreendimentos continuarão a ser executados de 2011 em diante, com novos investimentos de R$ 39,9 bilhões da União.

O mau uso do dinheiro público foi detectado pelo TCU, que anualmente elabora a lista das obras com indícios de irregularidades graves e a encaminha ao Congresso. A comissão responsável por elaborar o Orçamento Geral da União decide, então, se essas irregularidades são suficientes para o bloqueio de repasses. Todas as obras do PAC, apesar da reiterada constatação de irregularidades, foram excluídas pela Comissão Mista de Orçamento da relação de empreendimentos que devem ter os repasses bloqueados.

Em 2009, o TCU recomendou a paralisação de 41 obras e a Comissão de Orçamento concordou com o bloqueio de repasses para 24 empreendimentos, sendo cinco deles custeados pelo PAC (veja quadro). Neste ano, a lista final do TCU continha 26. Somente seis, por decisão da comissão, não poderão ser custeadas com dinheiro do governo federal. Nenhuma obra paralisada faz parte do PAC.

Por dois anos seguidos, o TCU entendeu que quatro edificações estratégicas para o programa de infraestrutura do governo federal deveriam ser mantidas na lista de empreendimentos com indícios de irregularidades graves, o que significaria a paralisação dos repasses de dinheiro público. A modernização da refinaria de petróleo Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária (PR), e a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Recife (PE), apresentaram problemas como sobrepreço e restrição à concorrência na licitação, no caso da primeira, e “critério de medição inadequado para ressarcimento”, no caso da refinaria em Recife. Por decisão da Comissão Mista de Orçamento, as refinarias foram excluídas neste ano da lista do TCU. As obras poderão seguir em frente em 2011 enquanto os responsáveis pelos empreendimentos fazem as adequações exigidas pelo tribunal.

Essa foi a saída encontrada para outras 15 obras, todas com indícios de irregularidades graves, conforme o TCU. Entre elas estão o trecho da BR-265 na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais e a construção do terminal de passageiros e da torre de controle do Aeroporto de Vitória (ES). As obras, a exemplo das refinarias, fizeram parte das relações elaboradas pelo TCU em 2009 e 2010. Superfaturamento foi identificado na obra da BR-265 e, no aeroporto, a constatação foi de pagamentos por serviços não previstos. Somente para o Aeroporto de Vitória, cujas obras estão paralisadas, estavam previstos R$ 43,2 milhões até o fim deste ano. A partir de 2011, serão mais R$ 257,7 milhões, como consta no último balanço do PAC, divulgado na semana passada.

Sinal amarelo

Veja a relação de obras com irregularidades encaminhada ao Congresso pelo TCU

Em 2009

Relação inicial com 44

* Três foram liberadas pelo próprio TCU
* Para 24 delas, Comissão de Orçamento recomendou bloqueio de repasses

Obras do PAC

* Modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária (PR)
* Construção da Refinaria Abreu e Lima, em Recife (PE)
* Construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj)
* Construção do trecho rodoviário da BR-265 na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas
Gerais
* Construção do terminal de passageiros e da torre de controle do Aeroporto de Vitória (ES)

Em 2010

Relação inicial com 32

* Seis foram liberadas pelo próprio TCU
* Para seis delas, a Comissão de Orçamento recomendou bloqueio de repasses

Obras do PAC

* Modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária (PR)
* Construção da Refinaria Abreu e Lima, em Recife (PE)
* Construção do trecho rodoviário da BR-265 na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais
* Construção do terminal de passageiros e da torre de controle do Aeroporto de Vitória (ES)
* Construção de casas na ressaca do bairro Congós, em Macapá (AP)
* Ampliação do sistema de esgoto da ilha de São Luís (MA)
* Construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste-Caetité-Barreiras, na Bahia
* Construção do Aeroporto de Goiânia (GO)
* Sistema de esgotamento sanitário de Porto Velho (RO)
* Reforma e ampliação do Aeroporto de Guarulhos (SP)
* Implantação da Estação Retificadora Porto Velho (Hidrelétrica do Rio Madeira) e da Estação Inversora Araraquara 2, em Rondônia e São Paulo
* Ferrovia Norte-Sul em Tocantins

Para Tasso, expectativa de poder do PSDB está em Aécio Neves

DEU NO VALOR ECONÔMICO

"A nossa expectativa de poder é o Aécio"

Entrevista: Derrotado em outubro, Tasso rejeita nova candidatura

Raquel Ulhôa e Rosângela Bittar De Brasília

Tasso: "Existem distorções na política hoje que tornam muito difícil fazer oposição de forma articulada. É praticamente impossível o prefeito ser de oposição"

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) faz, em 2011, aos 62 anos, uma nova virada em sua vida, tomando o caminho de volta ao eixo Ceará-São Paulo para retomar a direção de suas empresas, do ramo imobiliário (shoppings), de TV a cabo, TV aberta e de bebidas. Com um grupo de jovens empresários amigos abandonou os negócios, há quase 30 anos, para ingressar na carreira política, tomando a liderança, no Estado, dos antigos coronéis da velha política do voto de cabresto. Três mandatos de governador e um mandato de senador depois, perdeu pela primeira vez uma eleição, não foi reeleito senador na última disputa. Perdeu para Eunício Oliveira (PMDB) e José Pimentel (PT).

Mas, uma vez político, político sempre. Tasso manterá sua participação com contribuições - apenas de ideias, nada de assumir cargos - à "refundação" do PSDB, uma meta de todos da cúpula partidária agora. Ele defende que o partido se reorganize e reveja seus fundamentos tendo em vista os novos tempos. O PSDB precisa, por exemplo, reconquistar a classe média, o que "já vem conseguindo" aos poucos, e para acelerar isso é preciso adotar alguns caminhos que melhorem a qualidade da política. Propõe que o partido assuma a defesa do Orçamento impositivo, da profissionalização do serviço público - com redução de cargos em comissão -, de um novo pacto federativo e das privatizações.

Ex-presidente do PSDB três vezes, Tasso afirma que o senador eleito Aécio Neves (MG) representa a expectativa de poder do partido e, por isso, será sua liderança natural. Evita, no entanto, defender abertamente uma candidatura a presidente em 2014. Tasso coloca o ex-governador José Serra no mesmo patamar do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de "hors concours", intelectuais que devem ajudar a pensar o partido.

Em entrevista concedida no dia de sua despedida do Senado, na quarta-feira, Tasso avaliou as dificuldades de fazer oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente, mas a qualquer presidente da República, pela forma como se dão as relações entre os Poderes e as esferas administrativas. Não existe possibilidade, hoje, de um prefeito se opor ao governador, e de ambos se oporem ao presidente, diz Tasso, por causa da estrutura de distribuição de verbas. Ele também admitiu impressão positiva com as primeiras declarações de Dilma Rousseff depois de eleita.

Valor: O senhor vai sair da política?

Tasso Jereissati: Não sou candidato a mais nada, mas gostaria de ajudar nessa discussão da reestruturação partidária. Minha vida política foi muito intensa. Fui governador três vezes. Como presidente do PSDB participamos intensamente da crise do Collor, do governo de Itamar e, em seguida, de toda a articulação para levar Fernando Henrique para a Presidência da República. Fiquei 100% envolvido em política. Depois, mais oito anos como governador e, em seguida, oito anos como senador, que também não foi um período tranquilo. Nós, no Senado, caracterizamos muito a oposição ao governo Lula. Um governo que se tornou cada vez mais forte e a gente teve que ser cada vez mais resistente.

Valor: Com a força do Lula foi impossível fazer oposição, no Brasil, nesses oito anos?

Tasso: Existem distorções na política hoje que tornam muito difícil fazer oposição de forma articulada. Nas atuais condições é praticamente impossível o prefeito ser de oposição à Presidência da República e aos governos estaduais, porque dependem deles para sobreviver. Não existe mais prefeito de oposição. E os governadores também estão chegando nesse ponto. O Parlamento vai se descaracterizando. O parlamentar ou perde o contato com seus prefeitos e suas bases ou é do governo também. Num governo longo, as oposições vão definhando.

Valor: Uma espécie de mão de ferro federal que mantem os governos sob controle?

Tasso: Claro. E quanto mais o governo se acomoda nesse tipo de cooptação, mais isso vai ficando grave. Muitos vão dizer que isso sempre existiu. Existia, mas numa escala muito menor e pontual. O governo do PT desistiu, abriu mão de qualquer tipo de convencimento em torno de qualquer coisa, qualquer programa, qualquer projeto, e institucionalizou a cooptação através das emendas. Hoje é tido como "a" norma, "a" prática, "a" referência de atuação parlamentar.

Valor: O que fazer?

Tasso: A Comissão de Orçamento e o Orçamento autorizativo talvez sejam o grande coração que alimenta todas essas distorções. Na vida dos executivos municipais e estaduais e na vida do Congresso. Se fosse impositivo, não tinha essa dependência. Uma solução seria acabar com a Comissão de Orçamento e implantar o Orçamento impositivo. Outra é a profissionalização do serviço público para manter níveis mínimos de indicação de confiança. O país passa por uma letargia ao assistir brigas por uma diretoria financeira. O que interessa a um deputado ou a um partido ter uma diretoria financeira de determinada empresa? As coisas estão ficando tão explícitas e despudoradas porque foram institucionalizadas.

Valor: O PT, quando na oposição, também foi sufocado dessa maneira?

Tasso: Estamos num processo mais longo. No início da redemocratização, o PMDB era um partido de oposição. Aos poucos, foi se transformando e se consolidando como um partido profissional de poder. A política no Brasil mudou muito nesses 20 anos porque não havia isso. Não havia um partido em que qualquer que fosse a tendência ideológica ou a tendência programática estivesse no poder.

Valor: Como o PSDB vai se estruturar para enfrentar isso e exercer a oposição?

Tasso: O PSDB tem que recuperar o que era seu. Isso já está acontecendo. O PSDB era um partido de quadros, apoiado na classe média. Ao longo desses anos, perdeu a classe média e a densidade no Congresso, mas há uma análise equivocada dos 43 milhões de votos recebidos este ano, o PSDB já está recuperando esses votos de classe média. Quando eu comecei na política, o PMDB era o partido das áreas urbanas e desenvolvidas e o PFL era o partido dos chamados grotões. O caminho se inverteu. O PT está hoje onde era o PFL, o PT está nos chamados grotões, e o PSDB está recuperando os grandes centros urbanos. O PFL foi posto pra fora desses redutos e ficou sem lugar nenhum.

Valor: José Serra diz que nunca viu eleitores tão furiosos por terem perdido a eleição, apaixonados, teriam sido 43 milhões de votos na oposição mesmo, que existe apesar da propaganda em contrário.

Tasso: Era gente que ficou petista lá atrás e hoje não está mais, está voltando. O PT vendia ética e moralidade e perdeu esse discurso. E nós temos que voltar a ter também. O PSDB perdeu a liderança simbólica dessas questões para o PT lá atrás. Mas o PT não é mais o partido da moral e da ética de que a classe média gosta. E nós estamos entrando e recuperando esse espaço. Agora, a gente precisa ter um discurso para a frente. Como vamos acabar com a falta de ética? Vamos acabar por intermédio do Orçamento impositivo, profissionalização, pacto federativo, diminuição de cargos em comissão, defendendo de uma maneira muito clara nosso entendimento do que é o papel do Estado na economia, defendendo nossa privatização - que foi um sucesso e foi demonizada.

Valor: O senhor deverá integrar um conselho que vai discutir a refundação do partido. Essa será a linha do novo PSDB?

Tasso: Estou falando por mim e não pelo partido. Mas é onde eu gostaria de trabalhar. Nessas discussões.

Valor: Qual vai ser o papel do Aécio Neves no PSDB dos novos tempos?

Tasso: A liderança nacional do partido naturalmente é do Aécio. Ele não tem a menor necessidade de ser líder no Senado ou presidente do partido. Quem representa hoje a nossa expectativa de poder, do Acre a Uruguaiana, no Rio Grande do sul, a Minas Gerais e Mato Grosso, é o Aécio. Isso vai torná-lo a liderança natural do partido.

Valor: Então ele já é o candidato a presidente em 2014?

Tasso: Não digo que ele seja o candidato a presidente. Quatro anos é muita coisa.

Valor: O senhor acha que o partido tem que começar agora a trabalhar um nome?

Tasso: O partido tem que começar a discutir essas ideias, construir nosso projeto, levar essas ideias principalmente para a classe média urbana, começar a se reestruturar na sua capilaridade. Agora, o mais importante é o discurso: ter um discurso afinado, homogêneo e que seja orgulhoso da nossa história.

Valor: A divisão entre paulistas e mineiros não dificulta essa recuperação?

Tasso: Não tem isso. Alckmin se dá muito bem com Aécio. O Serra e o Fernando Henrique são dois "hors concours", que têm um papel importantíssimo. São intelectuais brilhantes. São fundamentais na reconstrução do nosso discurso e da nossa visão.

Valor: O senhor rejeita voltar a presidir o partido?

Tasso: Isso tem que ser visto com muito cuidado. Eu tive uma vida de quase 30 anos muito ativa na política e tem certas coisas que eu não tenho mais vocação para fazer. Não tenho mais a mesma vontade necessária para rodar de Estado em Estado, resolver brigas de diretórios municipais, estaduais, dirimir conflitos.

Valor: O presidente de um partido tem que fazer isso?

Tasso: É só o que faz.

Valor: O senhor atribui sua derrota na disputa da reeleição ao Lula, que foi aos Estados objetivamente trabalhar contra os senadores de oposição?

Tasso: Só ao Lula, não. O que havia na política cearense? O PSB no governo estadual, o PT no governo municipal e o PT no governo federal. E o PT não vê oposição como adversário político. Vê como inimigo a ser aniquilado. Ou coopta ou aniquila. No momento em que o governo estadual também assumiu essa posição, praticamente não tivemos partidos para ficar com a gente. Eu não tinha nada a oferecer, nenhuma perspectiva de poder. Além do mais, tinha uma campanha maciça de televisão e o telemarketing com a voz do Lula. No Brasil não havia uma lei que proibisse, mas havia uma certa praxe, certa convenção de que isso não acontecia. Eu nunca vi nenhum presidente da República fazendo isso. Uma praxe que foi quebrada.

Valor: Suas empresas foram afetadas por sua ausência todos esses anos?

Tasso: Meus negócios são de porte mediano, não têm uma estrutura profissional que anda só. Se você não está presente no dia a dia, eles [os negócios] não têm o mesmo dinamismo que teriam com o principal acionista focado lá dentro. Não sou nenhum Bradesco, nenhum Ermírio de Moraes, nenhum Eike Batista. Mas, por outro lado, digo que não tive prejuízo porque, se voltar como pretendo, para a empresa, duvido que tenha algum empresário que conheça o Brasil, as diferentes nuances do Brasil na sua região.

Valor: Atribui-se a Lula sua derrota. Em compensação, dizem que nunca houve governo melhor para os empresários. Então, o senhor foi atingido por um lado mas ganhou por outro?

Tasso: Pena que eu não fosse banqueiro [risos], porque eu teria ganho mais.

Valor: Os empresários ganharam ou não?

Tasso: Ganharam, mas alguns empresários ganharam muito mais, porque estamos voltando ao velho capitalismo de compadrio. Empresas e grupos são alavancados de maneira excepcional e desproporcional em função de bons acessos ao governo, principalmente ao BNDES. Tem grupos escolhidos pelo governo para serem mais privilegiados. O BNDES virou o grande patrocinador daqueles que vão ser fortes. E o critério é ser amigo do rei. Estamos voltando ao capitalismo de compadrio, que é um retrocesso gravíssimo no país. É um filme já visto. A grande modernização que nós quisemos fazer foi justamente essa. Quando se fala em neocapitalismo não é nada disso. É voltar ao velho capitalismo em que o Estado é que patrocina o capitalista. Esses sistemas de construção de navios são totalmente patrocinados pelo Estado a grupos escolhidos.

Valor: Senador, um pouco de política cearense, criador e criatura, vamos falar de sua relação com Ciro Gomes...

Tasso: Não consigo dar uma entrevista sem falar de Ciro.

Valor: Há um rompimento de fato desta vez?

Tasso: Não acredito e não tenho mais nada a ver com o tipo de política, com o entendimento do que é política, que os irmãos Gomes têm. Sou completamente diferente deles hoje.


Valor: O senhor vai liderar a oposição ao governo Cid Gomes?

Tasso: O PSDB tem que ir para a oposição no Estado. E existem muitos jovens aparecendo no partido, aos quais vou ajudar e dar suporte necessário para fazer uma oposição efetiva ao governo, que a meu ver tem retrocessos profundos.

Valor: Como o senhor vê a aproximação de Aécio Neves do PSB, partido de Ciro e Cid?

Tasso: O PSB do Ceará está a léguas do que pensamos e fazemos. Mas tem no quadro nacional figuras próximas de nós e muito próximas do Aécio. Não vai ser uma circunstância local que vai impedir uma coisa maior, se isso for possível ou viável.

Valor: Aécio Neves diz que a oposição ao governo Dilma tem que ser propositiva e qualificada. O que significa isso?

Tasso: A oposição não tem que ser rancorosa, do quanto pior melhor, mas tem que ser firme. E sem receio de falar o que tem que ser falado. Durante os primeiros anos do governo Lula, criticar Lula era complicado por causa do patrulhamento. Diziam que era preconceito. A gente tinha que pensar dez vezes para fazer uma crítica que faria tranquilamente a outro presidente.

Valor: Com Dilma não haverá novamente o recurso ao preconceito, desta vez por ser mulher?

Tasso: Acho que a Dilma não entra tão protegida dessas coisas quanto o Lula. Como ela vem do governo Lula, já foi atacada de diversas formas. E nem simboliza "a" mulher. Na campanha do Geraldo Alckmin de 2006, quando houve aquele episódio dos aloprados, a gente ouvia nos comícios: "é tudo igual, ficamos com Lula porque pelo menos é um de nós". Era essa visão. A Dilma não é "uma de nós" para as mulheres. Ela não tem o carisma do Lula.

Valor: Quem perde com a troca de Lula por Dilma?

Tasso: Os sindicatos, com certeza. Pelo que ela está falando depois das eleições, acho que ela vai ter um governo menos político. Se você observar a área econômica, ela tirou o Henrique Meirelles e colocou o Alexandre Tombini, que é mais técnico do que o Meirelles. O próprio Guido Mantega tem características técnicas e o Luciano Coutinho é um técnico. Nenhum dos três tem gosto pela política nem a característica de fazer alguma concessão por aí.

Valor: Qual a sua expectativa em relação ao governo Dilma?

Tasso: Para ser sincero, algumas das primeiras declarações dela estão bem melhores do que eu pensava. Ela está me passando ter muito mais bom senso, equilíbrio, do que o Lula. Não sei se isso é uma interpretação verdadeira para mais adiante, mas, se for, fico muito mais tranquilo com a Dilma para mais quatro anos do que com o Lula.

Assessora do PT leva R$ 4,7 mi

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma entidade em nome de uma assessora da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que assumiu semana passada a relatoria do Orçamento de 2011, conseguiu R$ 4,7 milhões em convênios com o governo sem precisar de licitação. No processo, Liane Maria Muhlenberg assinou uma declaração falsa de que não trabalha no Senado. A verba, oriunda de emendas de parlamentares do PT, é destinada a shows e eventos culturais.

Assessora de petista leva R$ 4,7 milhões

Presidente do Ipam, Liane Muhlenberg trabalha com a senadora Serys Slhessarenko; em declaração, ela nega o vínculo com o Senado

Leandro Colon e Fábio Graner

Uma entidade em nome de uma assessora da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que assumiu semana passada a relatoria do Orçamento de 2011, conseguiu R$ 4,7 milhões em convênios com o governo sem precisar de licitação. No processo para aprovar a liberação do dinheiro, a assessora assinou uma declaração falsa de que não trabalha no Senado.

O dinheiro, oriundo de emendas de parlamentares do PT, é destinado a shows e eventos culturais. A entidade é o Instituto de Pesquisa e Ação Modular (Ipam), presidido por Liane Maria Muhlenberg, que trabalha no Senado desde 2007. No dia 9 de agosto deste ano ela foi transferida do gabinete de Serys para a segunda-vice presidência do Senado, dirigida pela petista.

O Estado analisou nove convênios da entidade com o governo. Liane entregou aos Ministérios do Turismo e da Cultura uma declaração, com data de 2 de março de 2010, em que afirma que os dirigentes do Ipam, incluindo ela, "não são membros dos Poderes Executivo, Legislativo". Em entrevista concedida ontem ao Estado, Liane admitiu que assinou o documento com a falsa informação. "Foi uma irresponsabilidade minha. Uma desatenção, um equívoco", disse.

Ela afirmou ainda que ontem enviou, por e-mail, um pedido de demissão do cargo à senadora Serys. Embora seja lotada na segunda vice-presidência do Senado, Liane disse que cumpre expediente no gabinete pessoal da senadora petista.

A senadora Serys assumiu na semana passada a relatoria do projeto de lei do Orçamento de 2011. Foi escolhida em razão da renúncia do ex-relator Gim Argello (PTB-DF), que entregou a função depois de uma série de reportagens do Estado mostrando ligações de emendas orçamentárias dele com institutos fantasmas e empresas em nome de laranjas.

Antes de Serys, o governo havia indicado Ideli Salvatti (PT-SC), que abriu mão do cargo depois de ser escolhida ministra da Pesca pela presidente eleita Dilma Rousseff.

Agora, o governo vai precisar administrar o desgaste de ter o segundo relator seguido do Orçamento envolvido com o mesmo tipo de problema.

A entidade da assessora de Serys recebeu no ano passado R$ 900 mil dos cofres públicos. Para 2010, já foi liberado R$ 1,5 milhão. Outros R$ 2,3 milhões estão empenhados, ou seja, garantidos pelo governo ao Ipam para exercício de 2010. Esses convênios são fechados para a realização de eventos culturais e turísticos, sem necessidade de concorrência pública.

Vantagens. Como assessora de uma senadora do PT, a presidente do Ipam beneficiou-se de emendas de integrantes do partido, entre eles os deputados Jilmar Tatto (SP), Geraldo Magela (DF) e Paulo Rocha (PA). A senadora Fátima Cleide (RO), o ex-senador João Pedro (AM) e o deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), recém-eleito senador, também destinaram recursos do Orçamento para o Ipam.

A entidade recebeu dinheiro do governo para realizar eventos sobre os 50 anos de Brasília e feiras de paisagismo em vários Estados, entre outros projetos beneficiados. Pelo menos R$ 1,5 milhão, empenhado na última sexta-feira, será destinado à entidade para repasse ao projeto Ilha de Marajó: A Revolta da Ave Caruana, dirigido por Tizuka Yamasaki.

O envolvimento da assessora da senadora Serys com entidade e emendas parlamentares é mais um capítulo na farra no esquema montado por institutos com o dinheiro público. Na sexta-feira, a reportagem mostrou que uma entidade fantasma, o Inbrasil, usou uma carta com a assinatura do ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha para conseguir a liberação de dois convênios no valor de R$ 3,1 milhões.

O ministro nega a autoria da assinatura e pediu uma investigação da Polícia Federal. Uma ex-assessora de Padilha, Crisley Lins, contou ao Estado que recebeu o documento do gabinete do ministro e que pediu ao próprio Padilha um favor ao instituto. O Ministério do Turismo decidiu suspender os convênios.

Lançado na campanha, pacote de apoio à exportação fracassa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Por burocracia e disputas políticas, só 1 das 7 medidas anunciadas em maio foi implementada

O pacote de apoio aos exportadores, lançado em meio à campanha eleitoral à Presidência, é um fracasso. Das sete medidas divulgadas em maio, só uma se tornou realidade. As demais se perderam na burocracia e nas disputas políticas por poder. O pilar do pacote era acelerar a devolução dos créditos tributários dos exportadores. Estava prevista a devolução de 50% do dinheiro em ate 30 dias após a solicitação, mas poucas empresas conseguiram cumprir todas as exigências. Uma disputa entre os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento dificultou as negociações sobre o Eximbank desde o início e ainda trava a criação do banco de financiamento à exportação. Até as iniciativas mais simples não vingaram por conta do receio da Receita em abrir mão de arrecadação e dar brecha para fraudes. Para exportadores, o lançamento do pacote, com a presença de vários ministros, foi um evento político.

Pacote de apoio à exportação fracassa

Das sete medidas anunciadas em maio, apenas uma se tornou realidade; as demais se perderam na burocracia e nas disputas políticas

Raquel Landim

Sete meses depois do anúncio oficial em Brasília, o pacote de apoio aos exportadores é um fracasso. Das sete medidas divulgadas, apenas uma se tornou realidade, revela levantamento feito pelo "Estado". As demais iniciativas se perderam na burocracia e nas disputas políticas por poder.

O pilar do pacote era acelerar a devolução dos créditos tributários dos exportadores. Estava prevista a devolução de 50% do dinheiro em até 30 dias após a solicitação, mas pouquíssimas empresas conseguiram cumprir todas as exigências para ter acesso aos créditos mais rápido.

Uma disputa entre os Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento dificultou as negociações sobre o Eximbank desde o início e ainda trava a criação do banco de financiamento à exportação. A dúvida é se o banco também vai conceder seguro.

A Fazenda se recusa a repassar recursos para que o Eximbank exerça essa função, hoje a cargo de um fundo gerido pelo ministério. O Exim Brasil foi anunciado como subsidiária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é subordinado ao Ministério do Desenvolvimento.

Os técnicos da Fazenda preferem montar uma nova estatal de seguro. Como o tema é polêmico e provocou muita confusão, a medida provisória que criaria a Empresa Brasileira de Seguros e o Eximbank não saiu. De carona, também não se concretizaram o Fundo Garantidor de Infraestrutura e o Fundo Garantidor do Comércio Exterior.

Receio. Até mesmo as iniciativas mais simples não vingaram por conta do receio da Receita Federal em abrir mão de arrecadação e dar brecha para fraudes. Uma nova modalidade de drawback, que vai permitir que as empresas não paguem impostos por insumos comprados localmente se o produto tiver sido exportado, aguarda uma portaria conjunta de Desenvolvimento e Fazenda.

O pacote previa ainda o surgimento do Simplex, que exclui as exportações do faturamento total das empresas na hora de enquadrar no Simples.

Até quinta-feira, a medida fazia parte de um projeto de lei na pauta de votação da Câmara, mas foi retirada porque os técnicos da Receita pediram mais tempo para análise.

A única iniciativa que saiu do papel foi uma linha de financiamento do BNDES para a exportação de bens de consumo. Até agora, os exportadores já utilizaram R$ 6,7 bilhões dos R$ 7,5 bilhões disponibilizados pelo governo.

O pacote de apoio ao exportador foi anunciado no dia 5 de maio, como uma resposta ao câmbio valorizado e ao forte crescimento do déficit em conta corrente.

Estiveram presentes no lançamento do programa os ministros Guido Mantega (Fazenda), Miguel Jorge (Desenvolvimento), e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. Para os exportadores, não passou de um evento político.

Oposição perde R$ 14 mi de fundo em 2011

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Número de votos para deputados de PSDB, DEM, PPS e PTB encolhe, o que implica menor fatia do Fundo Partidário

Governistas veem bolo crescer; PT, que lidera lista de beneficiados, ganhará R$ 3,7 milhões a mais que em 2010

Silvio Navarro

SÃO PAULO - Os partidos que apoiaram a candidatura derrotada do tucano José Serra à Presidência -PSDB, DEM, PPS e PTB- perderão R$ 14 milhões do Fundo Partidário a partir do próximo ano.

O cálculo foi realizado pela Folha seguindo as diretrizes do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a previsão do Orçamento, ainda à espera de votação no Congresso, para o repasse anual aos partidos -R$ 201,4 milhões no ano que vem.

O Fundo Partidário é uma das principais fontes financeiras das siglas. No caso de legendas pequenas, na maioria das vezes é a única. Ele é composto de recursos da União, multas eleitorais e, em menor proporção, doações de empresas privadas.

A perda de dinheiro das legendas da oposição ocorrerá porque a fatia destinada a cada uma é calculada de acordo com os votos obtidos na eleição para a Câmara dos Deputados. Nos quatro casos -PSDB, DEM, PPS e PTB-, as bancadas encolheram em relação a 2006.

O principal prejudicado será o DEM, que deixará de receber R$ 6,3 milhões. O partido elegeu 22 deputados a menos do que em 2006 -terá 43 cadeiras-, ainda que ACM Neto (BA) tenha sido um dos mais bem votados do país, com 328.450 votos.

O PSDB sofrerá baixa de R$ 3,5 milhões no caixa. O PPS terá R$ 2,6 milhões a menos, e o PTB, R$ 1,6 milhão.

Apesar da baixa, os tucanos receberão o terceiro maior montante, com R$ 23 milhões, em decorrência do bom volume de votos obtidos por seus candidatos. O PSDB elegeu 54 federais, ante 66 na eleição passada, de 2006.

Desses três partidos oposicionistas -PSDB, PPS e PTB-, quem encolheu mais foi o PPS, que passará a contar com apenas 12 deputados -elegeu 22 em 2006 e depois desidratou.

No caso do PTB, a tendência é que o partido de Roberto Jefferson (RJ) ingresse na base de apoio ao governo Dilma Rousseff (PT), como fez na gestão Lula.

GOVERNO

Das siglas governistas, quem contará com menos recursos em relação à verba recebida em 2010 será o PMDB, com queda de R$ 2,7 milhões.

Os peemedebistas terão 11 deputados a menos em relação à eleição anterior. Mesmo assim, seguem como o segundo partido mais beneficiado na partilha do Fundo Partidário, com um total de R$ 25,2 milhões.

O primeiro da lista de beneficiados é o PT, que ganhará R$ 32,5 milhões -cresceu R$ 3,7 milhões.

A sigla larga com a maior bancada da Casa, com 87 deputados federais -quatro a mais do que no pleito passado. O PT também deverá presidir a Câmara no primeiro biênio da gestão Dilma.

Emendas para turista ver

DEU EM O GLOBO

Parlamentares inflam recursos para o setor, mesmo depois de denúncias
Cristiane Jungblut

O Ministério do Turismo manteve uma grande mobilização de deputados e senadores na formação do Orçamento de 2011, a despeito da proibição de apresentação de emendas para eventos realizados exclusivamente por entidades privadas, após suspeitas de fraude. Os técnicos da Comissão Mista de Orçamento (CMO) identificaram que, com a limitação, as emendas migraram para a rubrica projetos de infraestrutura turística, cuja verba já saltou dos R$65,9 milhões propostos originalmente pelo governo para R$1,33 bilhão.

Não por menos, o programa "Turismo social no Brasil: uma viagem de inclusão", no qual os projetos de infraestrutura turística estão alocados, foi o campeão de apresentação de emendas para o próximo ano, com 1.314 pedidos. Desbancou, por exemplo, as áreas de saúde e desenvolvimento urbano.

O Ministério do Turismo, segundo denúncias publicadas pelo jornal "O Estado de S. Paulo", se tornou alvo de emendas que abastecem esquema de repasse de verbas federais a entidades fantasmas.

A proibição de os parlamentares pedirem verba para shows, feiras e outros eventos tocados por entidades privadas foi instituída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do meio deste ano, após o aparecimento de suspeitas de fraude em convênios de 2009 e 2010.

- A emendas para obras de infraestrutura passam pela Caixa Econômica, e isso possibilita uma fiscalização maior da aplicação dos recursos. No caso das emendas para eventos de Turismo, a LDO proibiu para entidade privada. Agora, essa proibição vai ser também para a Cultura. Mas não podemos concluir que todas as emendas são irregularidades. Ninguém quer problemas - defendeu o deputado Gilmar Machado (PT-MG), representante do governo na Comissão de Orçamento.

O caso agora coloca o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), cotado para permanecer no primeiro escalão da presidente eleita, Dilma Rousseff, em situação delicada. A assinatura de Padilha consta em documento que endossou o funcionamento de um instituto, que só existe no papel.

Mais recursos que para saúde

No programa "Turismo Social", para 2011, está incluída uma imensa variedade de ações, que incluem até a construção de quadras esportivas. A solicitação de verba dos parlamentares chegou a R$6,18 bilhões. Foi o segundo maior volume por programa, atrás apenas da assistência ambulatorial e hospitalar especializada (R$7,094 bilhões), e quase duas vezes a soma do valor pedido para as três ações (R$4,520 bilhões) de educação que figuram na lista dos 20 programas que mais receberam emendas.

Os números são de fazer inveja a mais da metade da Esplanada. Por exemplo, os pedidos dos parlamentares superaram em mais de quatro vezes o volume de solicitações (R$1,468 bilhão) para o programa de mobilidade urbana, no qual se inserem obras de metrôs e trens urbanos nas grandes cidades.

Dos R$6,18 bilhões pedidos para o "Turismo Social", o relatório setorial - que precede o relatório final do orçamento - já acatou R$1,78 bilhão. Como a proposta original do governo previa R$613,87 milhões, o programa tem hoje garantidos R$2,39 bilhões, quase quatro vezes mais que inicialmente.

Por ministério, o Turismo também não decepciona. Foi a quinta pasta entre aquelas que mais mobilizaram os parlamentares, com R$6,193 bilhões em emendas, atrás de Saúde, Transportes, Defesa e Cidades. O relatório setorial já acatou R$1,79 bilhão em pedidos, sendo R$1,4 bilhão referentes às emendas individuais, o que praticamente triplicou o orçamento da área.

Foram aceitas para o Turismo 1.119 emendas de deputados e mais 177 de senadores, além de 74 de bancada (regionais, dos 27 estados) e de comissões temáticas da Câmara e do Senado.

Tradicionalmente, os próprios ministérios já enviam ao Congresso verbas menores, sabendo que serão infladas pelas emendas. O Turismo, nos últimos anos, vem contando com isso para se fortalecer. O mesmo ocorre com a Cultura. Cresce também o procedimento na pasta de Esportes.
O relator setorial da área de Turismo, deputado Rômulo Gouveia (PSDB-PB), contou que as emendas são garantidas e que todas foram analisadas e aprovadas. Como relator, disse, teve apenas cerca de R$300 milhões de recursos para remanejamento:

- Cada parlamentar tem direito a R$13 milhões. A grande maioria foi para infraestrutura.

Rio teme perder com Dilma a força que teve no Ministério de Lula

DEU EM O GLOBO

"Caso isso aconteça, o estado sairá o grande derrotado", diz Lindberg

Carolina Benevides e Chico Otavio

A cada novo nome anunciado para o primeiro escalão do futuro governo, cresce na política fluminense o pressentimento de que o estado não terá no Ministério de Dilma Rousseff o mesmo peso do governo Lula. Por enquanto, só o ex-governador Moreira Franco (PMDB) foi confirmado como titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Para os aliados da futura presidente no Rio é muito pouco para um estado que teve seis nomes no primeiro escalão federal.

- Não perdemos a esperança de que o Rio seja contemplado. Caso isso não aconteça, o estado sairá como o grande derrotado na formação do Ministério - desabafou o ex-prefeito e senador eleito Lindberg Farias (PT-RJ).

A esperança, neste caso, é emplacar o deputado Luiz Sérgio, presidente do Diretório Estadual do PT, no Ministério das Relações Institucionais, pasta que Lindberg considera ter "força política" por dialogar com prefeituras, governos e com o próprio Congresso. A aposta também é alta na permanência de Carlos Lupi (PDT) no Ministério do Trabalho e, com mais incerteza, em Márcio Fortes (PP) ficar no Ministério das Cidades.

- A choradeira da bancada existe e vale para o Rio e para outras regiões. Mas o PT está unido e sabe que Dilma tem um desafio - reconheceu o cotado Luiz Sérgio.

O presidente regional do PT garante que o Rio não é o único a sofrer com o problema.

- O PT do Nordeste, que podemos dizer que foi o mais vitorioso nas últimas eleições, elegendo o Jaques Wagner, na Bahia, no primeiro turno, e tendo vitórias em Pernambuco e no Ceará, também ainda não tem um figurão no primeiro escalão - frisou.

Distância entre Cabral e bancada atrapalha pressão

O empenho por mais espaço na gestão de Dilma já provocou constrangimento para o governador reeleito Sérgio Cabral, obrigado a pedir desculpas publicamente por ter anunciado o nome do secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, para a sucessão de José Gomes Temporão, sem que Dilma o convidasse.

- Sérgio (Cabral) e eu nunca pedimos um ministro. A Dilma pediu o Sérgio Côrtes. O Cabral não queria, chegou a dizer que ele faria falta para o estado - garantiu o vice-governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

Lindberg, ao falar da gafe, levantou duas hipóteses sobre o gesto de Cabral:

- Ou ele foi mesmo atabalhoado ou lançou o nome, para ver o que acontecia, procurando se livrar da necessidade de negociá-lo com a bancada fluminense do PMDB.

Um dos integrantes da bancada disse que, de fato, as relações do governador com a bancada praticamente inexistem, o que agravaria uma mobilização mais articulada pela representação ministerial.

Além de Lupi e Fortes, representaram o Rio no governo Lula os ministros Carlos Minc (Meio Ambiente), Edson Santos (Secretaria de Políticas de Igualdade Racial), Nilcéa Freire (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e José Gomes Temporão (Saúde), os dois últimos ainda no cargo.

Agora, mesmo a indicação de Moreira Franco não pode ser vista como sinal de força do estado. O nome do ex-governador é computado como cota pessoal do vice-presidente eleito Michel Temer.

Para Lindberg Farias, o Rio de Janeiro, "por ter dado a Dilma a melhor votação do Sudeste", merecia receber melhor tratamento. Embora critique o excesso de "nomes repetidos" (mantidos no cargo) no futuro Ministério, ele espera a permanência de Mário Fortes da pasta de Cidades:

- O Ministério das Cidades é estratégico para o Rio, por causa das Olimpíadas - defendeu o senador eleito.

Fortes disputa a recondução com Mário Negromonte, deputado federal pela Bahia, apoiado pelo governador reeleito Jacques Wagner (PT).

Após o constrangimento com Côrtes, Pezão usa a cautela para tratar do assunto. Para ele, o que o Rio precisa, mais do que cargos no primeiro escalão, é se relacionar bem com todos os ministros:

- O Rio teve outro tratamento com Lula, mas, em relação ao governo Dilma, acredito que a gente tenha o que sempre quis: apoio para a questão da segurança e urbanização das favelas. A presidente eleita tem dito que o modelo do Rio nessas áreas tem se mostrado uma boa experiência. Então, acho que vamos ter apoio.

Na expectativa da indicação, Luiz Sérgio procura minimizar os efeitos da baixa representatividade do Rio. Para ele, o importante é manter os investimentos:

- As obras do PAC, os recursos para o enfrentamento da violência, as obras para Olimpíadas e Copa não acredito que sejam afetadas.

Clima: avanço nas discussões em Cancún

DEU EM O GLOBO

Desacreditada desde o início, a Conferência do Clima de Cancún trouxe avanços surpreendentes, segundo a pesquisadora Suzana Kahn Ribeiro, do painel da ONU para Mudanças Climáticas. O Brasil destacou-se entre os negociadores internacionais ao estabelecer uma meta quantitativa para corte de suas emissões de gases-estufa.

Cancún, novo fôlego para negociações do clima

Para Suzana Kahn, integrante de painel da ONU, Brasil firmou compromissos que o tornam exemplo internacional

Renato Grandelle

Para um encontro fadado ao fracasso, a Convenção das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-16), encerrada ontem em Cancún, surpreendeu. O encontro deu fôlego novo para o clima, tirando da letargia o difícil processo de negociação das Nações Unidas - onde a exigência de unanimidade freou os debates desencadeados no ano passado, em Copenhague. Ainda que tenha frustrado as esperanças do mundo inteiro, a conferência na Dinamarca foi fundamental para que, agora, os negociadores conseguissem tímidos avanços. Esta é a opinião de Suzana Kahn Ribeiro, professora de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ e integrante da diretoria do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que esteve em Cancún e, em entrevista ao O GLOBO, fez um balanço sobre as principais conquistas do evento - além de tecer elogios aos representantes brasileiros.

COPENHAGUE X CANCÚN: "O início da COP-16 foi marcado pela falta de esperança; em um cenário como este, o que acontecesse seria lucro. A conferência deste ano acabou mais produtiva do que o encontro realizado na Dinamarca, em dezembro passado. Ainda assim, as duas convenções estão completamente ligadas. Um dos maiores avanços que tivemos agora foi tornar oficial o Acordo de Copenhague, porque, na época em que ele foi feito, não era reconhecido como um documento oficial. Pelo contrário: no decorrer do ano, ele foi muito combatido, acusado de não ter sido fruto de um processo transparente. E reconhecer aquele Acordo foi um grande avanço, porque ele estabelece compromissos como evitar que a temperatura global aumente mais do que 2 graus Celsius; do contrário, as mudanças climáticas podem ser irreversíveis."

FUNDO VERDE: "Este foi outro tópico muito debatido em Copenhague, mas havia uma grande resistência dos países pobres de que a administração dos recursos (US$30 bilhões até 2012; depois, e até 2020, US$100 bilhões anuais) ficasse nas mãos do Banco Mundial. Trata-se de uma instituição em que eles não têm influência. Queriam, portanto, que o gerenciamento da verba coubesse à própria Conferência do Clima, mas ela ainda não tem estrutura para assumir este compromisso. Então, foi definido que, num primeiro momento, o Banco Mundial será responsável pelo dinheiro, e, depois, a COP criará um comitê, onde os países em desenvolvimento terão assento, para assumir esta verba."

REDD: "Não é possível construir uma casa sem ter suas fundações. Era isso o que acontecia com o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, um fundo destinado à preservação de florestas tropicais): havia uma série de questões pendentes. Não se sabia que salvaguardas um país teria para manter a biodiversidade, qual é o montante de carbono que se tem em uma determinada área... Enfim, todos os aspectos técnicos avançaram e a regulamentação está concluída. De qualquer maneira, o Brasil não receberá dinheiro em um primeiro momento. O importante, agora, é destinar recursos para o monitoramento das florestas. Já fazemos isso, e de forma exemplar. Em Cancún, definimos o que é o REDD; falta saber como ele vai ser pago, e isso ficou para o ano que vem."

POSTURA DO BRASIL: "A ausência do presidente Lula foi compreensível, porque não havia outros líderes mundiais no encontro. Talvez tenha sido bom que os chefes de Estado ficassem longe de Cancún, porque todo o processo foi encaminhado por equipes técnicas, que discutem as questões climáticas durante o ano inteiro. A atuação brasileira foi muito positiva. Regulamentamos o decreto das mudanças climáticas, assinado no ano passado. Temos, agora, uma meta quantitativa de emissões: sabemos o número de toneladas de CO2 que vamos deixar de emitir nos próximos anos. E firmar este compromisso foi fundamental. O Brasil deu um sinal a outros países de sua disposição para combater as mudanças climáticas. No âmbito interno, este anúncio também é uma boa notícia, porque facilita o planejamento de diversos setores econômicos."

BALANÇO: "A presidente da COP, Patricia Espinoza (secretária de Relações Exteriores do México) teve desempenho exemplar. Certamente ela aprendeu muito ao observar a atuação desastrosa do primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, no ano passado. Copenhague foi marcada pela insatisfação gerada por documentos e rascunhos de acordos, que não se repetiram em Cancún. Também conseguiu-se evitar que fosse incluído, como parte do Fundo Verde, recursos já destinados atualmente por países desenvolvidos a nações pobres. Em vez de mais dinheiro, portanto, haveria apenas uma troca de rubrica de ajuda já existente. Mas existe uma certa frustração porque a velocidade das negociações é impressionantemente lenta e deslocada da urgência do assunto. Cito mais uma vez o Fundo Verde: em Copenhague, concordou-se sobre a sua necessidade; em Cancún, os países definiram quem vai gerar estes recursos. Só em Durban, na África do Sul, saberemos de onde virá este dinheiro. Enquanto isso, um acordo mais efetivo não é feito."

UPP em todas as favelas do Rio custaria R$ 321 milhões

DEU EM O GLOBO

Investimento é equivalente a apenas um milésimo do PIB do estado

Duas semanas após a retomada, pelo estado, do controle dos complexos da Penha e do Alemão, cálculos feitos pelo GLOBO mostram que é possível beneficiar todos os moradores de favelas do Rio com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Se o governo do estado mantiver a relação de um PM para cada cem habitantes - proporção usada nas comunidades pacificadas -, seriam necessários 10.685 policiais para atuar em 107 UPPs. Com isto, o programa beneficiaria mais de um milhão de pessoas que vivem em favelas não pacificadas, muitas delas ainda dominadas por traficantes ou milicianos. O custo anual de manutenção das 107 unidades somaria R$ 321 milhões, investimento correspondente a apenas um milésimo do PIB do estado.

Uma pacificação possível

Cálculo mostra ser viável beneficiar com UPPs moradores de todas as favelas do Rio

Fábio Vasconcellos

O mito de que seria praticamente impossível retomar grandes áreas controladas por bandidos no Rio foi por terra há duas semanas. Com um efetivo de mais de dois mil homens, as forças de segurança mostraram que, quando querem, podem ocupar complexos de favelas, como os do Alemão e da Penha. Apesar do simbolismo da operação, muitos ainda se perguntam: é possível beneficiar com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) todos os moradores de comunidades do Rio, onde mais de um milhão de cariocas vivem, muitos deles reféns das regras de traficantes e milicianos? Num horizonte de curto e médio prazo, a ocupação é mais do que factível. É uma decisão de governo que custaria pouco, comparando-se com os benefícios que ela pode gerar.

Para se ter uma ideia, num cenário no qual seria empregado um policial militar para cada cem habitantes - relação que ocorre em média nas 13 UPPs já instaladas -, seriam necessários 10.685 homens, e o custo anual de manutenção das 107 unidades chegaria a R$321 milhões. O investimento representa um milésimo do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, ou seja, de todas as riquezas produzidas no Rio num ano.

O gasto total, contudo, pode ser menor, considerando-se dados de alguns especialistas, que afirmam existir, na verdade, cerca de 700 mil pessoas vivendo em áreas dominadas por traficantes e milicianos. Assim, seriam necessários sete mil policiais e 70 UPPs, a um custo anual de manutenção de R$210 milhões.

Empresas privadas têm apoiado UPPs

Caso a opção seja pelas 107 unidades pacificadoras, a despesa com a manutenção representa menos de 0,5% do orçamento do governo do estado. No caso do orçamento da Secretaria de Segurança, o valor não passaria de 7,5%. Ou seja, os números mostram que, com pouco, é possível mudar a cara do Rio.

Os cálculos feitos pelo GLOBO levaram em conta apenas os gastos com manutenção (salários, combustível, energia) das UPPs, sem considerar as despesas iniciais de instalação (armas, carros e construção das unidades), em torno de R$256 milhões.

Esse gasto, contudo, vem sendo assumido, em alguns casos, por empresas privadas, interessadas em colaborar com o programa. Elas têm ajudado na construção das sedes das UPPs, como no caso do Borel e da Cidade de Deus. Além disso, estão incluídos no custo com salários os R$500 que a prefeitura paga a cada PM que trabalha nas UPPs, além da bolsa de estudo do Ministério da Justiça aos profissionais que querem se capacitar. Ou seja, despesas que não pesam diretamente no caixa estadual.

A Secretaria de Segurança evita cálculos a partir da relação do número de policiais com o de moradores. Segundo técnicos do órgão, há diferenças significativas entre as comunidades, como grau de resistência de alguns grupos armados e o tipo de equipamento e de patrulhamento necessários - com motos, carros ou a pé. Por outro lado, pode haver um efeito secundário, ou seja, a fuga de bandidos de uma comunidade vizinha após a instalação de uma UPP próxima, o que impactaria os custos do programa.

A secretaria trabalha com números gerais nas suas estimativas. Para uma UPP de cem policiais, o custo de instalação médio é de R$2,4 milhões e o de manutenção, cerca de R$250 mil por mês. Esses valores, contudo, estão diluídos nos gastos gerais da secretaria - que precisa, por exemplo, comprar armas constantemente - e não levam em conta despesas com previdência social.

O secretário José Mariano Beltrame afirma que não há problema de recursos para a instalação de UPPs, que ele considera um "programa bom e barato". O maior entrave é esperar a formação de PMs para as unidades. Por enquanto, o governo trabalha com a meta de criar mais 40 UPPs, nas quais atuariam 12 mil PMs. Só para as UPPs do Alemão serão designados dois mil policiais:

- Estamos revendo o número de UPPs. Ele deve subir um pouco, até porque temos que incluir áreas fora da capital. O nosso gasto principal é com a folha de pagamento, mas o governo já sinalizou que isso não será problema. A meu ver, as UPPs são um programa de dois "Bs": bom e barato. Não preciso de equipamentos sofisticados, mas de policiais bem treinados para estabelecer um outro tipo de relacionamento com os moradores.

Beltrame acredita que não será necessário chegar a 107 UPPs, conforme O GLOBO calculou a partir da relação PM/morador. Isso porque a secretaria trabalha com um planejamento que leva em conta áreas de segurança, que podem ser pacificadas com a instalação de apenas uma UPP:

- Quando chegarmos às 40 UPPs até agora programadas, o Rio terá níveis mais aceitáveis de criminalidade. Isso permitirá reestudar as nossas estratégias de ocupação. Não serão necessárias 107 UPPs para beneficiar os outros moradores que ainda não contam com unidades pacificadoras.

Colaborou Vera Araújo

Noel Rosa, flor de Vila Isabel:: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO/ Ilustrada

A namorada Lindaura sofria nas mãos dele, pois a deixava em casa dizendo voltar logo e sumia por aí

Faz alguns meses, a Folha lançou um CD de Noel Rosa, abrindo uma coleção de música brasileira. Comprei-o e, quando o ouvi no meu carro, fiquei encantado, logo imaginei um espetáculo, com uma única cantora e alguns poucos músicos. Nada de grande show nem orquestra. Não: ela cantaria seus sambas imortais e, entre um e outro, falaria dele, de sua vida em Vila Isabel, de seus amigos de boemia e das pequenas loucuras que aprontava.

Mas ficou nisso. Aliás, não. Fui atrás de uma biografia do cantor, escrita por João Máximo e Carlos Didier, edição comemorativa de seu 80º aniversário de nascimento, que é muito mais que uma biografia.

Com suas 500 páginas, nos faz mergulhar num rico universo de compositores, cantores e instrumentistas e nos revela, ao mesmo tempo, os começos do rádio como difusor de nossa música popular, as relações profissionais e de amizade que resultaram num período de intensa criatividade musical, só comparável ao período da bossa nova.Tudo isso me deixou tão empolgado que cheguei a falar com Sérgio Cabral, mestre no assunto, do tal espetáculo com músicas de Noel.

E só então tomei conhecimento de que, neste ano de 2010, ele completaria cem anos de vida, se não tivesse morrido, em 1937, com pouco mais de 26 anos de idade.

Por isso mesmo, vários espetáculos e homenagens estavam sendo preparados e realizados. Logo, o show que imaginara -mais um entre muitos- não despertaria o interesse dos produtores já engajados na programação comemorativa dos cem anos de nascimento do artista.

Nem por isso deixei de me imaginar na plateia de algum teatro, ouvindo possivelmente Adriana Calcanhotto a interpretar "Com que Roupa", o primeiro sucesso de Noel.Noel o compôs com menos de 20 anos de idade e ele tomou conta da cidade, tocando nas rádios e nos alto-falantes tanto da praça Saenz Peña quanto da avenida Atlântica.

Tomou conta também do Carnaval daquele ano, dando início a uma série de sucessos que fariam de Noel um dos mais destacados sambistas daquela época. Ganhou tanto dinheiro que chegou a comprar um automóvel, no qual saía para conquistar as mocinhas namoradeiras.

E ainda buzinava para provocar os amigos, obrigados a fazer suas conquistas a pé.

Consideraram essa concorrência desleal, com que Noel concordou e, a partir de então, cada fim de semana, convidava um deles para a caçada motorizada.

Em Vila Isabel, moravam, além de Noel, Lamartine Babo, Nássara e Orestes Barbosa, entre outros. A figura mais famosa da patota era Francisco Alves, cuja voz encantava a todo mundo. Por essa razão, todos os compositores queriam ter músicas gravadas por ele. Valendo-se disso, mau-caráter que era, explorava-os, lhes comprando a parceria.

Os pais de Noel sonhavam com o filho formado em medicina. Ele não se fez de rogado.

Estudou, fez o vestibular e foi aprovado. Mas alguém imaginaria Noel Rosa, sentado num consultório, atendendo pacientes e receitando remédios? Ele, no entanto, achava que poderia conciliar o samba e a medicina.

Enquanto isso, passava as noites na companhia dos boêmios, a beber e a cantar sambas.

Certa madrugada, em São José dos Campos, de porre, saiu nu pelo corredor do hotel.

Tinha uma namorada, parente de um delegado de polícia, Lindaura, que sofria nas mãos dele, pois, a cada noite, a deixava em casa prometendo voltar logo e sumia. Ela, desesperada, saía atrás dele pelos bares e botecos e, quando o encontrava, estava já de porre a cantar e tocar violão numa roda de sambistas.

Ela queria casar; ele não. A mãe termina a expulsando de casa e os dois passam a noite indo e vindo num trem, até amanhecer. Finalmente, em face de tanta pressão, casam-se, para a infelicidade dela, já que quase nunca o tem a seu lado.

Continua a levar as noites bebendo e cantando nas rodas de malandros e, para piorar, se apaixona por Ceci, uma dançarina de boate, que depois o troca por um rapaz bonito e fino, que se chamava Mário Lago.

Assim foi que, comendo mal, dormindo pouco e tomando um porre por noite, contraiu uma tuberculose que o mataria rapidamente. No dia 4 de maio de 1937, morre na mesma Vila Isabel onde nascera. Se se chamasse Raimundo, talvez tivesse completado cem anos de vida ontem, no dia 11 de dezembro.

(Publicado em 12/12/2010)