quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Déficit externo foi recorde em 2010: US$47,5 bi

Remessas de lucros e viagens internacionais de brasileiros fizeram rombo dobrar. Investimento estrangeiro soma US$48 bi

Patrícia Duarte

BRASÍLIA. Salvas no último minuto do segundo tempo. Foi assim que as contas externas do Brasil conseguiram ser financiadas em 2010 pelos investimentos estrangeiros produtivos - que foram robustos e surpreendentes especialmente em dezembro -, mantendo uma tradição que já dura quase uma década. De acordo com o Banco Central (BC), o saldo em transações correntes do Brasil - operações comerciais e de serviços com o exterior - fechou 2010 negativo em US$47,518 bilhões, o pior resultado da série iniciada em 1947, equivalente a 2,28% do Produto Interno Bruto (PIB), e quase o dobro do déficit de US$24,302 bilhões registrado no ano passado. O rombo foi totalmente compensado pelos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED, para o setor produtivo), que somaram US$48,462 bilhões, também recordes.

O número veio muito acima da expectativa do próprio BC, de US$38 bilhões para o ano. Foi puxado pelo resultado de dezembro, de US$15,364 bilhões. Trata-se do melhor resultado mensal da História, inflado pela compra de 40% da Repsol Brasil pela chinesa Sinopec, que trouxe para o país US$7,1 bilhões no último mês de 2010, segundo o BC.

Esse cenário de compensação, no entanto, não deve se repetir em 2011 segundo especialistas. Ainda assim, não chega a tirar o sono, porque o país continua credor externo e recebendo investimentos de fora, tanto diretos quanto de portfólio.

- Ter déficit em conta corrente de 2,5% a 3% do PIB não é elevado. É altamente financiável - afirmou o economista-chefe da corretora Prosper, Eduardo Velho.

O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, também concorda que o quadro das contas externas brasileiras é benigno e sustentável. No ano passado, ainda segundo o BC, o mau resultado da conta corrente foi puxado pelas remessas de lucros e dividendos, que somaram no ano US$30,375 bilhões, e também pelos gastos líquidos de brasileiros com viagens internacionais, que atingiram a cifra recorde de US$10,503 bilhões no período. Os brasileiros estão viajando muito para o exterior, aproveitando o dólar abaixo de R$1,70 e a melhora da renda. Em janeiro, até ontem, já eram mais US$869 mihões.

Para 2011, BC prevê rombo de US$69 bilhões

Já as despesas com juros somaram US$9,682 bilhões no ano passado, também aumentando o rombo nas contas externas. De positivo, mas nem tanto, veio o superávit da balança comercial em 2010, com US$20,267 bilhões, acima da estimativa do BC de um saldo positivo de US$17 bilhões, mas abaixo dos resultados de anos anteriores.

Com o dólar baixo e a economia aquecida, a tendência é que o saldo comercial seja ainda menor em 2011, com as importações mais fortes. Como O GLOBO revelou no domingo passado, setores do governo já trabalham com superávit inferior a US$1 bilhão e até mesmo um déficit.

Eduardo Velho lembra que essa situação vem se intensificando por causa do dólar desvalorizado e acredita que, por causa disso, o governo terá de agir com mais força para segurar mais valorizações do real. Vai precisar, porém, de fôlego.

- O déficit em conta corrente está crescendo com o câmbio desse jeito - afirmou ele.

Em 2011, o BC prevê que as transações correntes do país vão registrar déficit de US$69 bilhões, sendo US$5,5 bilhões só em janeiro, enquanto o IED deve ficar em US$45 bilhões. A saída para uma compensação serão os investimentos estrangeiros em portfólio (aplicações em Bolsa, renda fixa, títulos públicos, entre outros). Estes, em 2010, somaram US$52,272 bilhões e, neste ano, devem ficar em US$40 bilhões.

A equipe de economistas do Bradesco, em relatório, também espera mais saldos negativos na conta corrente, chegando perto de 3%. Mas igualmente não acredita que o país terá problemas para financiá-lo, "principalmente diante das perspectivas ainda favoráveis ao crescimento doméstico e da liquidez abundante que tem caracterizado o cenário internacional".

O time citou as perspectivas de mais fluxos privados para países emergentes neste ano, de US$960 bilhões. Só em IED, segundo a Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), o Brasil respondeu por 4,32% do total no mundo em 2010, um salto de 232% sobre 2006, quando a fatia do país era de 1,30%.

BC comprou US$3,9 bi no mercado à vista em janeiro

E o investidor estrangeiro voltou a acelerar a remessa de recursos para o Brasil, a despeito das medidas do governo para tentar brecar esse movimento. De acordo com o BC, só na semana passada, a conta financeira - por onde passam os investimentos produtivos e em portfólio - apresentou superávit de US$4,980 bilhões, acumulando em janeiro US$8,948 bilhões. As compras somaram US$29,808 bilhões e as vendas, US$20,860 bilhões.

Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, trata-se de uma ação estimulada pelo bom quadro econômico do país.

- Ainda tem maior liquidez internacional - disse Lopes.

Ele se referia ao fato de haver muitos recursos disponíveis no mercado externo por causa das ações tomadas sobretudo por economias desenvolvidas, como os Estados Unidos, para estimular o consumo e melhorar a atividade econômica local. Como essa recuperação ainda é lenta, esses aplicadores acabam buscando alternativas de investimento mais rentáveis, como o Brasil.

Neste caso, além de haver expectativas de forte crescimento da economia brasileira - acima de 4,5% -, também há a atração pela Selic, que é a taxa básica de juros do país, hoje em 11,25% anuais, uma das mais elevadas do mundo e que remunera os títulos públicos.

Com o resultado da conta financeira, o fluxo cambial geral - entrada e saída de moeda estrangeira do país - está positivo em US$9,205 bilhões entre os dias 1º e 21, já o melhor resultado desde setembro passado todo, quando houve superávit de US$13,726 bilhões por causa da capitalização da Petrobras.

A conta comercial, por sua vez, acumula superávit de apenas US$257 milhões no mês, número afetado por causa do déficit de US$960 milhões verificado na semana passada.

O BC também informou que a posição vendida dos bancos - quando as apostas são de mais quedas do dólar - recuou de US$16,784 bilhões em dezembro para US$13,026 bilhões no dia 21 passado. Isso ocorreu, segundo Lopes, por causa das recentes medidas do BC para reduzir essas operações por meio de mais compulsórios bancários.

Também houve menos compras de dólares no mercado à vista pela autoridade monetária: US$3,927 bilhões entre os dias 1º e 21, menos da metade do fluxo cambial do período. Em 2010, o BC comprou US$41,417 bilhões, muito acima do superávit de US$24,354 bilhões no fluxo cambial.

FONTE: O GLOBO

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