quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Dilema do prisioneiro:: Míriam Leitão

O Banco Central subiu os juros em 0,5% na primeira reunião do governo Dilma. Isso aprofunda a baixa do dólar, motivo de queixa dos exportadores e dos produtores brasileiros. Se não subisse os juros, o BC estaria dando um sinal de que a inflação pode continuar subindo num momento em que ela se aproxima do teto da meta. O câmbio é a única pressão deflacionista na economia.

A inflação hoje é alimentada pelos preços internacionais de commodities, pela demanda aquecida, pelos gastos do governo. As importações favorecidas pelo dólar baixo ajudam a atender à demanda e atenuar a alta dos preços. Mesmo que a valorização do real seja um efeito colateral - em certa medida até indesejado - é o que tem evitado a alta maior da inflação no Brasil.

O Banco Central está nesse dilema do prisioneiro, ou, mais popularmente falando, na situação de se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come, nesse conflito entre juros e câmbio. Num texto publicado ontem no "Financial Times", o jornal registrou que o Brasil tem o segundo maior juros do mundo, perdendo apenas para a Croácia. O economista Kenneth Rogoff disse que não precisa ser PhD em economia para saber que a redução dos juros seria um longo empurrão para o investimento brasileiro, mas politicamente o país estaria congelado no dilema de como reduzir o tamanho do governo.

Poucos tinham dúvida de que o Banco Central fosse subir os juros nesta reunião, mas a dúvida que ainda persiste é qual é o tamanho do ciclo de alta dos juros? Outra dúvida é: até que ponto o novo governo aguentará a elevação dos juros? Se o governo reduzisse os gastos de forma mais efetiva, o Banco Central não estaria sozinho em sua tarefa e poderia diminuir a intensidade do ciclo de alta. Mas o fato é que: apesar de todas as promessas de corte, congelamento prévio de despesas, pedidos para revisão do custeio, o governo ainda não cortou coisa alguma, de um orçamento que já chegou inflado e depois de um ano em que o setor público gastou de forma descontrolada.

O objetivo principal do Banco Central é conter a piora das expectativas e esfriar a atividade econômica, para que o aumento de preços das matérias-primas não seja repassado para o resto da economia. É o que os economistas chamam de efeitos de segunda ordem. Funciona mais ou menos assim: um prestador de serviços vai ao supermercado e percebe que o salário dele compra menos itens que em meses anteriores. Como ele tem muitos clientes, decide aumentar o preço do seu serviço. Já os clientes, sentem que a renda está crescendo e não se importam em pagar mais caro. Dessa forma, a inflação que começou nos alimentos se espalha.

O boletim Focus sobe por seis semanas seguidas a projeção de inflação para este ano. Desta vez, foi de 5,35% para 5,47%, quase 1 ponto acima do centro da meta. Ao mesmo tempo, a demanda continua forte, sustentada pelo aumento da renda, pelo mercado de trabalho que bate recordes, e pela oferta de crédito. O Bradesco estima que a oferta de crédito ainda crescerá 15% este ano, mesmo com todas as medidas macroprudenciais anunciadas pelo Banco Central.

O dilema não está só no dólar, que prejudica nossa indústria exportadora. O aumento dos juros também pode afetar mais à frente o comércio, que vendeu muitos itens a prazo. Subir demais a taxa de juros pode afetar o emprego e provocar um aumento na inadimplência.

Para Fábio Silveira, da RC consultores, não havia mais tempo para o Banco Central esperar:

- Temos inflação demais no Brasil: de commodities, de contratos, de serviços. O BC precisa esfriar a demanda agregada, já que não pode atuar sobre o preço das commodities. Essa é a única maneira dele evitar um aumento generalizado. Se a demanda continuar forte, haverá repasse porque as pessoas continuarão comprando - explicou.

Luis Otávio Leal, do Banco ABC Brasil, acha que a inflação brasileira tem um agravante: o gargalo de mão-de-obra, resultado do forte crescimento dos últimos anos e do baixo investimento em educação e qualificação de profissionais.

- Ao contrário de outras inflações, que tinha a Utilização da Capacidade Ociosa como referência, agora temos um problema de falta mão-de-obra. Antes, era só importar máquinas e fazer investimento que se ampliava a produção. Agora, é mais difícil, porque não se importa mão-de-obra com facilidade, não só pela distância, mas também por aspectos culturais, do próprio idioma. O treinamento também é mais demorado. Leva mais tempo qualificar do que comprar máquina - afirmou.

Na verdade, a inflação neste momento não tem um único fator. Tem vários. É a pressão no mercado de trabalho, aumento de consumo, elevação dos gastos do governo, inflação de alimentos, matérias-primas e energia. Nem todas as variáveis respondem à pressão dos juros, mas certamente a batalha das expectativas começou a ser vencida ontem com essa dose amarga do remédio de sempre.

Muita gente duvidava que o Banco Central teria autonomia para decidir sobre a alta dos juros. A mudança no comando parecia indicar um BC mais dócil aos reclamos da Fazenda de que essa inflação é passageira e que os juros não deveriam subir. Alexandre Tombini avisou, logo que foi escolhido, que recebeu a incumbência de manter a inflação na meta. No discurso de posse, a presidente definiu inflação como "praga". Ontem, o BC mostrou que sim, pode subir juros. Falta agora acionar a outra arma, mais poderosa e com menos efeitos colaterais para reduzir a inflação: o corte de gastos públicos.

FONTE: O GLOBO

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