quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Emir Sader quer discussões atuais na Casa de Rui Barbosa

Miguel Conde
Sentado na sala de seu apartamento no Leblon, descalço e de bermuda, Emir Sader explica seus planos como novo presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa num tom de voz tão sereno que obriga o repórter a aproximar o gravador. A tranquilidade da fala desse sociólogo de 67 anos, professor da Uerj que se notabilizou pelos artigos e livros de crítica ao capitalismo, contrasta com os projetos anunciados durante uma hora de conversa, que podem ser resumidos pela intenção de fazer da Casa um grande centro de discussão do Brasil atual. Sader diz que será um espaço pluralista, mas com ênfase em intelectuais que segundo ele estão fora da mídia tradicional.

O que o senhor pretende mudar na Fundação Casa de Rui Barbosa?

EMIR SADER: Queria começar com uma referência mais geral. Todo grande período histórico brasileiro teve um movimento cultural significativo. Foi assim por exemplo durante a Era Getúlio, com Caio Prado, Gilberto Freyre, Anísio Teixeira, Mário de Andrade. Na virada dos 1950 para o 1960, o CPC, a Bossa Nova, o teatro, o Iseb, Darcy Ribeiro... E acho que é um consenso que nesta década o Brasil passou por um período histórico tão importante quanto aquele em termos de transformação social. No entanto, não se vê uma reflexão sobre o país, sobre esse processo. Uma das coisas que a Casa vai fazer, então, é incentivar a intelectualidade a produzir uma reflexão mais contemporânea sobre o Brasil. Em segundo lugar, existe uma nova maioria política e social no país, que eu diria que é progressista, mas que ainda é sensível a temas obscurantistas, como se viu na campanha com a discussão sobre o aborto. É preciso consolidar essa maioria política e social com uma nova sociabilidade, novos valores, de solidariedade. É preciso tratar de ter políticas culturais que consolidem na cabeça das pessoas as razões pelas quais o Brasil está melhor. Ajudá-las a tomar consciência social.

Mas se essa reflexão, que em sua opinião ainda está por acontecer, for induzida pelo Estado já a partir da premissa de que há certos valores a serem difundidos, ela não acabará se reduzindo a uma divulgação de ideias do partido que está no governo, em vez de ser de fato um esforço de pensamento crítico sobre o país?

SADER: O Estado não faz cultura, ele incentiva. Precisamos promover os grandes debates nacionais. Aí estarão presentes todas as vozes, mas sobretudo aquelas que não têm espaço hoje para expressar seu ponto de vista. Pretendemos fazer ciclos mensais de grandes conferências. O Slavoj Zizek vai fazer o lançamento do livro dele lá. O Istvan Meszaros. Vamos trazer o Eduardo Galeano, a Maria Rita Kehl, a Marilena Chauí, o José Luís Fiori, o Carlos Nelson Coutinho. São vozes importantes da esfera pública, divergentes inclusive em relação ao governo, mas que não costumam estar falando para a massa da população. A mídia hoje claramente não é pluralista. O que nós queremos é que múltiplas vozes se manifestem. Umas já têm se manifestado diariamente. Podem até ir, mas não seria nenhuma novidade. A novidade seria trazer as vozes que se identificam, criticamente ou não, com esse processo e podem demonstrar inclusive suas contradições, potenciais, limites.

A presunção de que é legítimo, a partir de um diagnóstico de uma subrepresentação na opinião pública de certas correntes políticas, fazer com que uma instituição pública, numa espécie de compensação...

SADER: Não bota nesses termos. O que nós queremos é reflexão, pensamento crítico, pluralista. Esses nomes não são usuais. Não quero polarizar. Queremos pensamento pluralista e crítico.

De um grupo de esquerda.

SADER: O critério é trazer as pessoas que fazem as reflexões mais férteis sobre o Brasil de hoje. Queremos trazer intelectuais cuja voz não tem sido contemplada, o que não quer dizer que os que já falam não serão chamados também. O debates precisam ter pontos de vista diferentes. Vamos fazer seminários sobretudo sobre cultura e políticas culturais, teremos um convênio com o Ipea para que eles ofereçam um curso semanal, e transmitiremos tudo pela internet. A ideia é agitar o clima cultural. Acho que a Dilma disse isso num livro que eu organizei com o Marco Aurelio Garcia: nosso papel não é criar nada, mas onde houver um foguinho a gente vai jogar álcool para ter reflexão. Precisamos retomar as grandes discussões sobre o país, que sumiram diante da especialização da vida intelectual. Além disso, temos que ver a possibilidade de abrir concurso para trazer novas gerações de pesquisadores para a Casa, pessoas jovens que trabalhem com temas contemporâneos, que ajudem a pensar a política cultural no país. A Casa precisa estar mais integrada com a atuação do próprio Ministério da Cultura.

A especialização da atividade intelectual é uma consequência do desenvolvimento do meio acadêmico, não? Como isso poderia ser mudado?

SADER: Sim, mas você tem pessoas capazes de fazer uma reflexão mais ampla. Pessoas como Chauí, Fiori, Maria Rita Kehl. O que temos que fazer é interpelá-los, precisamos de um reencontro da produção intelectual com a prática política.

O Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Casa de Rui Barbosa, é talvez o mais importante acervo de literatura nacional que existe. Quais são seus planos para essa área?

SADER: Temos um acervo extraordinário e um trabalho de preservação bem encaminhado. O BNDES aprovou a construção de um anexo que vai permitir a expansão do acervo e da programação cultural. Planejamos também com a Biblioteca Nacional um grande programa de publicação de autores brasileiros na Europa, como preparação para a homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt de 2013.

FONTE: O GLOBO – PROSA & VERSO, 5/2/2011

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