sábado, 19 de fevereiro de 2011

Os pontos do G-20:: Míriam Leitão

O G-20 parece mais com o mundo atual, mas suas contradições vão levá-lo sempre a impasses. O mundo dos velhos ricos que se reuniam no G-7 era de uma simplicidade que parece tosca hoje: Estados Unidos, Japão e alguns europeus tomavam decisões que os favoreciam contra os outros. Hoje, os outros entraram, mas mesmo entre os recém-chegados no clube há contradições.

Se o assunto é desequilíbrio cambial, o Brasil não pode se alinhar nem com a China nem com os Estados Unidos. A China, ontem, deu mais um apertinho no compulsório dos seus bancos, mas o yuan se valoriza a passos lentos, controlados pelo governo, e sua política é a parte mais relevante do desequilíbrio. O Japão disse que o G-20 está dividido ao meio sobre o uso de indicadores de taxas de câmbio para medir desequilíbrios macroeconômicos, ou seja, não apenas a China se opõe à interferência externa na fixação da política cambial. Os Estados Unidos despejam dólares através da recompra de títulos americanos e esse fenômeno que os economistas chamam de "relaxamento quantitativo" da política monetária americana derruba mais o dólar.

Mais dinheiro circulando está ajudando a retomada da economia americana, que é o que o governo dos Estados Unidos quer. Isso ajuda o mundo, de certa forma, porque, afinal, a economia americana mesmo combalida ainda tem um PIB que é o triplo da segunda maior economia do mundo.

A retomada americana é magra em criação de empregos e perigosamente forte na recuperação das bolsas. Nada explica uma recuperação tão forte como a que está acontecendo na mercado de ações dos Estados Unidos. O S&P, uma das medidas da Bolsa de Nova York, dobrou de valor em 23 meses. É a duplicação de valor mais rápida da história do índice, que existe desde 1957. Desde o fim da depressão de 1929, nos anos 32 a 35, é a temporada de corrida mais forte para o mercado de ações. Na bolha dos anos 1990, a bolsa levou três anos para fazer o mesmo percurso.
A alta da bolsa americana não é exatamente uma boa notícia. Primeiro, porque a economia do país ainda está afundada em déficit público, o mercado de trabalho fraco denuncia que as empresas, mesmo se recuperando, não acreditam na sustentabilidade desse crescimento, tanto que não empregam. Ou seja, a economia americana não está essa Coca-Cola toda. Parte da alta é fuga de capitais da Europa com medo da crise da dívida europeia. Parte da alta é turbinada pela inundação de dólar da política que nos afeta aqui, derrubando o valor da moeda americana. O que está se formando tem mais a cara de bolha do que a de recuperação (veja o gráfico abaixo do S&P500).

Quando o assunto é preço de commodities, de novo, não pode haver base para qualquer consenso entre as partes que se reúnem no G-20. A França quer controle de preço de matérias-primas, mas a alta é em parte provocada pelo crescimento chinês, e para países exportadores desses produtos, como o Brasil, não é conveniente qualquer tipo de controle desses preços. Os Estados Unidos, que exportam alimentos, também não querem teto de preços. A França diz falar em nome dos pobres, ao advogar controle de preços de commodities agrícolas, mas foi a política de forte subsídios que matou parte da agricultura africana, como o caso relatado pelo embaixador Rubens Ricupero: a produção de tomate do Senegal foi dizimada pelo tomate francês e italiano subsidiados.

O presidente do Banco Central chinês avisou que os países e organizações internacionais deveriam estudar uma forma de controlar os fluxos de capitais especulativos, mas a verdade é que ninguém sabe muito bem como fazer isso. O presidente do Fed, banco central americano, Ben Bernanke, concordou inteiramente e disse que esse fluxo está colocando em risco a estabilidade global e culpou esses fluxos pela crise de 2008. O capital sem pátria e sem controle foge atrás de retornos altos, exacerbando os movimentos de desequilíbrio. Se as commodities estão em alta pela demanda, eles correm para lá e elevam ainda mais a alta; se um país paga juros altos, como o Brasil, eles correm para cá e elevam mais o valor da moeda local; se há incertezas novas no Oriente Médio, como agora, eles forçam novas bolhas em vários mercados. O Brasil já passou três trancas na porta e nada funcionou porque o capital de curto prazo continua entrando.

No G-20, as alianças e conflitos se formam e se desfazem com muita rapidez. Não é mais o mundo dos emergentes contra os ricos velhos. Subgrupos de acordos e divergências se formam dependendo do tema, do enfoque, da solução, da proposta.

Uma coisa parece certa: todos eles juntos, brigando brigas localizadas, não conseguem ver toda a cena do verdadeiro risco: novas bolhas estão se formando na ressaca da crise de 2008, fingindo ser apenas recuperação.

FONTE: O GLOBO

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