sábado, 19 de fevereiro de 2011

Willie Sutton chorou :: Paul Krugman

Há três coisas que você precisa saber quanto ao atual debate sobre o Orçamento dos Estados Unidos.

Primeiro, ele é essencialmente fraudulento. Segundo, as pessoas que adotam linha dura contra o deficit estão fingindo. Terceiro, embora o presidente Obama não tenha evitado de todo o recurso às fraudes, ele não é tão ruim quanto seus oponentes -e merece muito mais crédito do que está recebendo em termos de responsabilidade fiscal.

Quanto ao debate fraudulento. No mês passado, Howard Gleckman, do Centro de Política Fiscal, descreveu o presidente como o "anti-Willie Sutton", em menção a um famoso assaltante que supostamente declarou que roubava bancos porque era lá que ficava o dinheiro.

De fato, Obama vem tentando obter dinheiro onde ele não está, ressaltando um congelamento dos gastos optativos não relacionados à segurança, que respondem por apenas 12% do Orçamento federal. Mas isso é o que todo mundo faz.

Ao proporem cortes pesados e imediatos nos gastos, os republicanos não só estão procurando dinheiro onde ele não está como procuram dinheiro quando ele não está. Uma redução pesada nos gastos enquanto a economia continua em depressão é receita para um crescimento econômico mais lento, o que significa menor arrecadação tributária.

Portanto, todo o debate orçamentário é uma trapaça. Os republicanos da Câmara, especialmente, estão tirando comida da boca das crianças -a assistência nutricional a mulheres grávidas e a crianças pequenas é um dos itens em seu projeto de cortes- para que possam posar como inimigos do deficit. Que forma tomaria uma abordagem séria quanto aos nossos problemas fiscais? Posso resumi-la em quatro palavras: saúde, saúde, saúde e arrecadação.

Disse "saúde" e não "benefícios". As pessoas em Washington frequentemente falam como se a previdência social e os programas federais de saúde Medicare e Medicaid fossem a mesma coisa e depois se concentram em ideias como elevar a idade mínima para aposentadoria.

Mas isso é mais um modo de tentar obter dinheiro onde ele não está. Projeções sugerem que os gastos com programas de benefício importantes subirão fortemente nas décadas vindouras, mas que o grosso da alta virá dos programas de saúde, não da previdência.

Por isso, qualquer pessoa que queira tratar com seriedade o Orçamento deveria se concentrar acima de tudo na saúde. E por "concentração" não quero dizer simplesmente escrever um número e esperar que alguém mais faça com que ele aconteça -truque conhecido como "asterisco mágico". É necessário propor medidas específicas de contenção de custos.

Sob esse padrão, a Comissão Simpson-Bowles, cujo trabalho vem sendo tratado como se fosse o padrão-ouro da seriedade fiscal, na verdade sofria de profunda falta de seriedade. Seu relatório era "um grande asterisco mágico", disse Bob Greenstein, do Centro de Prioridades Políticas e Orçamentárias, a Ezra Klein, do "Washington Post".

O mesmo se aplica à muito alardeada proposta do deputado Paul Ryan de substituir o Medicare por um programa de reembolso de gastos cujos valores de restituição ficariam sempre abaixo dos custos reais da saúde. O que acontecerá quando os idosos descobrirem que não têm como bancar um plano de saúde?

Que cara teriam medidas reais quanto à saúde? Incluiriam coisas como criar uma comissão independente com o poder de garantir que o Medicare banque apenas o custo de procedimentos com valor médico real; recompensar os provedores de saúde pela qualidade do tratamento que oferecem, em lugar de lhes pagar uma soma fixa por procedimento; e limitar a dedução tributária do custo de planos de saúde.

O que essas coisas todas têm em comum? São todas parte do projeto de reforma da saúde aprovado no ano passado. Por isso digo que Obama não recebe o crédito merecido.

Ainda que consigamos conter os custos da saúde, continuaremos a ter um problema de deficit em longo prazo. Isso me conduz à quarta palavra do meu sumário sobre as verdadeiras questões fiscais: quem leva o deficit a sério deveria estar disposto a considerar a redução dessa disparidade, nem que parcialmente, por meio de impostos mais altos.

O resumo, portanto, é que embora a questão do deficit domine as notícias, não temos um debate real.

É tudo som, fúria e pose, o que nos diz muito sobre a seriedade dos políticos, mas nada significa em termos de redução real do deficit.

Paul Krugman, 57, é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).

FONTE FOLHA DE S. PAULO

Nenhum comentário:

Postar um comentário