quinta-feira, 31 de março de 2011

BC vê pressão gigantesca sobre os preços em 2011

O Banco Central jogou a toalha e admitiu ontem que não tem como atingir o centro da meta de inflação de 4,5% este ano. A previsão é que o custo de vida chegue a 5,6% em 2011. Pela regra atual, a inflação pode oscilar até dois pontos para cima ou para baixo, de 2,5% a 6.5%. O alerta foi feito na divulgação do primeiro Relatório de Inflação deste ano em que o BC adverte para um choque "gigantesco" de preços das commodities (matérias-primas). O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, disse que o objetivo agora é impedir que o custo de vida ultrapasse 6%. Apenas em junho de 2012 poderia convergir para 4,4%. O Banco Central também enfatizou que a cultura da indexação ainda é forte no Brasil: "O Copom entende que há resistências importantes à queda da inflação no Brasil. Existem mecanismos quase automáticos de reajustes."

Inflação ganha o 1º round

BC admite que não cumprirá centro da meta este ano e cita "gigantesco" choque de preços

Vivian Oswald

No primeiro Relatório de Inflação do governo da presidente Dilma Rousseff, o Banco Central (BC) sinalizou que já não há como atingir o centro da meta de inflação este ano, que deve fechar em 5,6% pelo IPCA, mais de um ponto percentual acima do alvo central de 4,5%, porém ainda dentro da margem de tolerância que vai até 6,5%. Como a economia ainda estaria digerindo o choque que o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton de Araújo, chamou de "gigantesco", por efeito da explosão dos preços das commodities desde agosto de 2010, a instituição deve trabalhar para evitar a contaminação de outros setores da economia de modo que o IPCA - que ultrapassará o teto de 6% da meta no terceiro trimestre deste ano - arrefeça e possa convergir para o centro da meta. Mas isso só aconteceria em 2012. A previsão é que o índice chegue a 4,4% em junho do ano que vem.

- No segundo semestre de 2010, o mundo e nós fomos apanhados de surpresa por um gigantesco choque de commodities. Em nove meses, os preços subiram 70% e isso tem mais impacto no Brasil do que em outros países - admitiu o diretor ao apresentar o documento.

O choque "gigantesco" terá um impacto de 2,5 pontos percentuais na composição da inflação assim que for totalmente absorvido, segundo o BC. Dois terços deste valor já teriam sido computados no ano passado, mas ainda resta um impacto importante de cerca de 0,8 ponto para 2011. Na prática, é como se o país já partisse de uma inflação de 5,3% a 5,4% para o ano.

- Pode ser menos? Pode. Vamos ver. O nosso trabalho é para que o gap (em relação ao centro da meta de 4,5%) seja o menor possível - explicou Hamilton.

Diante da forte indexação da economia brasileira e do fato de os índices de preços no país ainda serem altos, o que cria expectativas mais elevadas para a inflação na sociedade, o BC avalia que o custo de aumentar demais as taxas de juros seja muito alto para trazer o indicador para a meta no curto prazo.

- Não abandonamos o centro da meta para 2011. Nós trabalhamos para conter a propagação dos choques. O foco é 4,5%, mas um desvio por conta de choque de oferta é aceitável e é acomodado na banda de tolerância. Isso tudo para garantir a convergência para 2012 - explicou Hamilton.

Indexação é apontada como risco este ano

O relatório de março reduziu de 4,5% para 4% a estimativa para o crescimento da economia em comparação com o último relatório. Mas nem a redução do ritmo foi capaz de aliviar a projeção para a inflação, que subiu de 5% para 5,6% desde dezembro. O BC ainda entende que o crédito deva crescer e que as pressões inflacionárias devem se manter este ano. Referências à indexação e às expectativas negativas para a inflação permeiam o documento e são tratadas como fatores de risco.

"O Copom entende que há resistências importantes à queda da inflação no Brasil. Existem mecanismos regulares e quase automáticos de reajustes, de jure e/ou de facto, que contribuem para prolongar, no tempo, pressões inflacionárias observadas no passado. Como se sabe, mecanismos de indexação de preços, mesmo que informais, reduzem a sensibilidade da inflação às flutuações da demanda", afirma o relatório. Mais adiante, alerta: "Os riscos associados aos mecanismos de indexação tornam-se particularmente importantes em 2011".

Nas entrelinhas do relatório, o BC indica que pretende esperar os efeitos das medidas macroprudenciais adotadas nos últimos meses e sinais mais concretos do cenário externo para calibrar os juros. No documento do BC não estão computados, por exemplo, os efeitos da tragédia no Japão. O preço do petróleo também é considerado uma fonte de incertezas.

"Considerando as perspectivas de desaceleração da atividade doméstica, bem como a complexidade que ora envolve o ambiente internacional, entre outros fatores, a estratégia da política monetária pode eventualmente ser reavaliada, em termos de sua intensidade, de sua distribuição temporal ou de ambos", diz o relatório.

Segundo o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas, as ações macroprudenciais têm efeito sobre a demanda, mas não sobre as expectativas. Isso, segundo ele, só confirma o fato de o BC querer ganhar tempo para agir.

- O BC mostrou que tem plano de voo bem definido. Vai esperar o efeito das medidas macroprudenciais e ganhou tempo ao aceitar a convergência para 2012. Agora, deixou claro que, se nada disso funcionar, vai aumentar a dose do remédio amargo dos juros. Mas o risco de aguardar é que as expectativas podem contaminar a inflação e gerar a indexação na economia. O BC não está deixando a inflação subir despreocupadamente, mas está tomando riscos excessivos. Essa é uma estratégia de muito risco - disse o estrategista-chefe do banco WestLB do Brasil, Roberto Padovani.

Para o coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Salomão Quadros, o maior problema da inflação neste momento é justamente a expectativa, no que o plano de voo do BC não ajuda:

- Ela não está ancorada. Isso acontece porque o BC está mudando de estratégia, no que pode ser bem sucedido. Mas essa troca de instrumentos ainda deixa dúvidas. É claro que, quanto mais alternativas, melhor. Mas a mudança está acontecendo no meio da batalha. Dá impressão de que o BC tem mais confiança do que o mercado.

A despeito do que vem afirmando a presidente Dilma, o relatório do BC reconhece a pressão da demanda na economia. "Esses aumentos ocorrem ainda em contexto de descompasso entre o crescimento da absorção doméstica e a capacidade de expansão da oferta, apesar dos sinais de que esse descompasso tende a recuar", diz.

- A inflação no Brasil ainda é alta. A meta ainda é alta. Quando o país evoluir para metas menores, as taxas vão cair, assim como os repasses para os (preços dos) serviços - ponderou Hamilton, do BC.

FONTE: O GLOBO

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