sexta-feira, 18 de março de 2011

A ciclofaixa da terceira via:: Maria Cristina Fernandes

Quem chega a São Paulo aos domingos se depara com as ruas que ligam os parques das cidades demarcadas por faixas vermelhas. Ocupadas por ciclistas, essas faixas são protegidas por cones. Há um guardinha em cada cruzamento e até mecânicos de bicicleta fazem o percurso para socorrer de graça a corrente que se soltou.

A iniciativa tem menos de dois meses, é capitaneada por prefeitura, ONGs e fabricantes de bicicletas. É uma PPP que vingou e fez bombar a venda de bicicletas. A faixa atrai modelos de liga de alumínio e bicicletas alugadas. Tem a adesão de ciclistas abastados que deixam seus carros em casa para pedalar o desejo de São Paulo virar Amsterdam por um dia. Mas atrai também os menos aquinhoados que chacoalham a semana inteira no caótico transporte municipal da cidade e saem aos domingos em busca de uma simples opção de lazer no asfalto.

O burburinho em torno de reaglutinações partidárias que se seguiu à eleição da presidente Dilma Rousseff segue o roteiro da ciclofaixa. A iniciativa não resolve o trânsito infernal do resto da semana nem a precariedade do transporte público, mas ganha a adesão de quem desgosta de ambos. A discussão sobre quem entra e quem sai dos partidos atrai os insatisfeitos com a bipolarização do sistema partidário mas ainda está por se mostrar capaz de formatar uma terceira via.

Antes mesmo do final do segundo turno, um dos mais ativos estrategistas dessa reaglutinação, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), já anunciava a trajetória do vento, ou o percurso da ciclofaixa, para ficar na metáfora da hora. Dizia que a surpreendente votação de Marina Silva (PV) havia revelado um eleitor em busca de ética, meritocracia e liberdade de expressão. E que o país, além de uma economia em crescimento, precisava que a política voltasse a encantar. Um camelô do Largo 13, em Santo Amaro, por onde a ciclofaixa não passa, logo compreenderia que a mercadoria do governador só seria entregue se cada um pudesse fazer o que bem entendesse de sua filiação partidária.

Nessa época não foi Marina nem a fada do dente que procuraram o governador, mas Gilberto Kassab (DEM). O prefeito de São Paulo começava a divisar no PSB uma parceria com mais chance de prosperar do que com o PMDB de Michel Temer, outro sócio majoritário dessa reaglutinação.

Mais do que Kassab o que interessa hoje aos principais líderes dos dois únicos partidos que concorrem com a polarização PT x PSDB é um liberou geral. A janela partidária não apenas reduziria o poder de barganha de Kassab numa eventual fusão como lhes facilitaria a adesão de parlamentares egressos da sopa de letrinhas da base governista e a saída de indesejados como os irmãos Gomes. Esse liberou geral pode acabar sendo o resultado mais palpável da reforma em discussão no Congresso, mas nem a Campos nem a Temer interessa se associar publicamente à ideia de que a grande panaceia em torno da mudança dos costumes políticos nacionais acabe numa simples licença para cada um se arrumar como bem lhe aprouver.

A conquista de eleitores baseada em valores não está clara nem na atual composição do PSB nem nos perfis que se avizinham da legenda. Tem crescido filiando de jogadores de futebol a empresários. Uma eventual filiação de Kassab pode se dar quando sua gestão estiver no olho do furacão da sucessão municipal. E talvez as ciclofaixas não sejam suficientes para lustrar um espólio que ainda tem uma temporada de enchentes pela frente, filas que não param de crescer na rede municipal de creches e escolas - e nenhum quilômetro novo de corredor de ônibus.

Se o partido de Kassab for capaz de passar pelo crivo da justiça eleitoral ainda terá que se provar independente do ex-governador José Serra para engrossar uma legenda governista que já se comprometeu com a reeleição de Dilma. Não são esses os sinais que emite ao entregar o cofre da prefeitura a Mauro Ricardo Costa, um dos mais fiéis colaboradores serristas que cuidou das finanças da capital e do Estado quando o tucano exerceu - e deixou pela metade - o comando de ambos.

A janela partidária que Kassab busca é o que daria ao PSB a condição de competir com mais força com o PMDB pela condição de parceiro majoritário do petismo. E, ao contrário dos pemedebistas, que se renovam seguidamente como âncoras do continuísmo mas não têm tido nomes que se arvorem a liderar uma disputa majoritária, o PSB tem em Campos uma liderança que começa a ombrear com o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

A montanha que a terceira via tem a transpor é o histórico de polarização das disputas majoritárias no país entre PT e PSDB, os dois únicos partidos que, notam Fernando Limongi e Rafael Cortez (Novos Estudos, nº88), estiveram presentes em todas as disputas presidenciais pós-redemocratização. Apesar de o sistema proporcional que formata a Câmara arregimentar grandes opositores no debate da reforma, é a disputa majoritária pela Presidência, argumentam os pesquisadores, que vertebra toda a política brasileira. Lançam mão da única lei que a ciência política foi capaz de produzir para explicar por que a tendência da disputa majoritária pelo Palácio do Planalto é a de fincar estacas no bipartidarismo.

Essa polarização tem contaminado as disputas estaduais, ainda que não necessariamente em torno dos dois partidos que almejam o Planalto. Nas suas contas, os terceiros colocados nas disputas estaduais de 2010 tiveram uma média de 10% dos votos e os segundos turnos caíram pela metade nos últimos quinze anos.

O PSB tem tentado furar a barreira do bipartidarismo nacional firmando-se como um dos polos das disputas estaduais. Já passou o PMDB nesse quesito com seus seis governadores. O flerte com Kassab tem como ponto futuro a principal delas, São Paulo. Se a lente da ciência revelar algo da política, o PSB tenta se viabilizar como terceira via para desalojar um dos dois polos nacionais. A estratégia de suas lideranças, o rumo de governos baseados em metas e meritocracia e o perfil dos políticos de quem tem se aproximado sugerem que seu alvo é o PSDB. Resta saber que modelo de Estado pretende formatar para fazer dessa ciclofaixa uma alternativa viável.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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