
A iniciativa tem menos de dois meses, é capitaneada por prefeitura, ONGs e fabricantes de bicicletas. É uma PPP que vingou e fez bombar a venda de bicicletas. A faixa atrai modelos de liga de alumínio e bicicletas alugadas. Tem a adesão de ciclistas abastados que deixam seus carros em casa para pedalar o desejo de São Paulo virar Amsterdam por um dia. Mas atrai também os menos aquinhoados que chacoalham a semana inteira no caótico transporte municipal da cidade e saem aos domingos em busca de uma simples opção de lazer no asfalto.
O burburinho em torno de reaglutinações partidárias que se seguiu à eleição da presidente Dilma Rousseff segue o roteiro da ciclofaixa. A iniciativa não resolve o trânsito infernal do resto da semana nem a precariedade do transporte público, mas ganha a adesão de quem desgosta de ambos. A discussão sobre quem entra e quem sai dos partidos atrai os insatisfeitos com a bipolarização do sistema partidário mas ainda está por se mostrar capaz de formatar uma terceira via.
Antes mesmo do final do segundo turno, um dos mais ativos estrategistas dessa reaglutinação, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), já anunciava a trajetória do vento, ou o percurso da ciclofaixa, para ficar na metáfora da hora. Dizia que a surpreendente votação de Marina Silva (PV) havia revelado um eleitor em busca de ética, meritocracia e liberdade de expressão. E que o país, além de uma economia em crescimento, precisava que a política voltasse a encantar. Um camelô do Largo 13, em Santo Amaro, por onde a ciclofaixa não passa, logo compreenderia que a mercadoria do governador só seria entregue se cada um pudesse fazer o que bem entendesse de sua filiação partidária.
Nessa época não foi Marina nem a fada do dente que procuraram o governador, mas Gilberto Kassab (DEM). O prefeito de São Paulo começava a divisar no PSB uma parceria com mais chance de prosperar do que com o PMDB de Michel Temer, outro sócio majoritário dessa reaglutinação.
Mais do que Kassab o que interessa hoje aos principais líderes dos dois únicos partidos que concorrem com a polarização PT x PSDB é um liberou geral. A janela partidária não apenas reduziria o poder de barganha de Kassab numa eventual fusão como lhes facilitaria a adesão de parlamentares egressos da sopa de letrinhas da base governista e a saída de indesejados como os irmãos Gomes. Esse liberou geral pode acabar sendo o resultado mais palpável da reforma em discussão no Congresso, mas nem a Campos nem a Temer interessa se associar publicamente à ideia de que a grande panaceia em torno da mudança dos costumes políticos nacionais acabe numa simples licença para cada um se arrumar como bem lhe aprouver.
A conquista de eleitores baseada em valores não está clara nem na atual composição do PSB nem nos perfis que se avizinham da legenda. Tem crescido filiando de jogadores de futebol a empresários. Uma eventual filiação de Kassab pode se dar quando sua gestão estiver no olho do furacão da sucessão municipal. E talvez as ciclofaixas não sejam suficientes para lustrar um espólio que ainda tem uma temporada de enchentes pela frente, filas que não param de crescer na rede municipal de creches e escolas - e nenhum quilômetro novo de corredor de ônibus.
Se o partido de Kassab for capaz de passar pelo crivo da justiça eleitoral ainda terá que se provar independente do ex-governador José Serra para engrossar uma legenda governista que já se comprometeu com a reeleição de Dilma. Não são esses os sinais que emite ao entregar o cofre da prefeitura a Mauro Ricardo Costa, um dos mais fiéis colaboradores serristas que cuidou das finanças da capital e do Estado quando o tucano exerceu - e deixou pela metade - o comando de ambos.
A janela partidária que Kassab busca é o que daria ao PSB a condição de competir com mais força com o PMDB pela condição de parceiro majoritário do petismo. E, ao contrário dos pemedebistas, que se renovam seguidamente como âncoras do continuísmo mas não têm tido nomes que se arvorem a liderar uma disputa majoritária, o PSB tem em Campos uma liderança que começa a ombrear com o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
A montanha que a terceira via tem a transpor é o histórico de polarização das disputas majoritárias no país entre PT e PSDB, os dois únicos partidos que, notam Fernando Limongi e Rafael Cortez (Novos Estudos, nº88), estiveram presentes em todas as disputas presidenciais pós-redemocratização. Apesar de o sistema proporcional que formata a Câmara arregimentar grandes opositores no debate da reforma, é a disputa majoritária pela Presidência, argumentam os pesquisadores, que vertebra toda a política brasileira. Lançam mão da única lei que a ciência política foi capaz de produzir para explicar por que a tendência da disputa majoritária pelo Palácio do Planalto é a de fincar estacas no bipartidarismo.
Essa polarização tem contaminado as disputas estaduais, ainda que não necessariamente em torno dos dois partidos que almejam o Planalto. Nas suas contas, os terceiros colocados nas disputas estaduais de 2010 tiveram uma média de 10% dos votos e os segundos turnos caíram pela metade nos últimos quinze anos.
O PSB tem tentado furar a barreira do bipartidarismo nacional firmando-se como um dos polos das disputas estaduais. Já passou o PMDB nesse quesito com seus seis governadores. O flerte com Kassab tem como ponto futuro a principal delas, São Paulo. Se a lente da ciência revelar algo da política, o PSB tenta se viabilizar como terceira via para desalojar um dos dois polos nacionais. A estratégia de suas lideranças, o rumo de governos baseados em metas e meritocracia e o perfil dos políticos de quem tem se aproximado sugerem que seu alvo é o PSDB. Resta saber que modelo de Estado pretende formatar para fazer dessa ciclofaixa uma alternativa viável.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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