terça-feira, 29 de março de 2011

O dilema do PSDB aos 90 dias de Dilma:: Raymundo Costa

Passou quase despercebido, mas Dilma Rousseff enviou um telegrama a José Serra no dia do aniversário do tucano, sábado retrasado. Para o PSDB, a presidente é uma surpresa incômoda. Está sendo difícil, para o partido, estabelecer uma linha de oposição. Ao contrário de Lula, a presidente não diz que DEM e PSDB são a encarnação do demônio e suas recentes ações na área fiscal, em boa medida, foram aquelas reclamadas pelo partido.

Dilma não saiu da campanha eleitoral propriamente feliz com Serra. Mas foi inteligente, de sua parte, enviar o telegrama. Ele é o tucano mais ouriçado no discurso de oposição que não teve na campanha. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda hoje a principal voz do PSDB, está encantado com os primeiros 90 dias de Dilma e não esconde isso dos correligionários.

Para os tucanos, não seria surpresa se FHC e Dilma conversarem em breve. Atento aos signos, observaram o brinde a Fernando Henrique no Itamaraty, no banquete oferecido a Barack Obama. O ex-presidente estava mais distante que José Sarney, presidente do Senado, por exemplo. Ela poderia ter sido formal. Foi cordial.

Lula tratava a oposição como o inimigo a ser "extirpado". Ela, até agora, tira de letra. Não deixou um flanco escancaradamente aberto para o PSDB bater. Um exemplo é a aparente falta de convicção de Dilma sobre o aperto a ser feito. Outro, contradições como o corte de R$ 50 bilhões do Orçamento seguido de aporte semelhante no BNDES, o que obviamente deve gerar aquecimento na economia.

Serra está imobilizado no PSDB porque não existe dentro do partido um movimento contra Dilma Rousseff, até o momento. Não há clima para oposição pessoal. Mesmo em São Paulo, onde é maior a radicalização PT x PSDB, é palpável, entre tucanos, o sentimento de que Dilma não é imune à critica, mas o partido deve evitar ataques à pessoa da presidente da República. As pesquisas comprovam que ela entrou em redutos tradicionais do PSDB paulistano. Os Jardins estão muito satisfeitos, sobretudo, com a conduta de Dilma.

O mundo do PSDB se define no fim de maio, na convenção dos tucanos para eleger a nova direção do partido. Serra faz todos os movimentos possíveis para ser o presidente, substituindo a Sérgio Guerra, ex-senador e atual deputado por Pernambuco, com quem se desentendeu na eleição de 2010. Mas suas articulações não encontram a repercussão esperada nem em São Paulo, a não ser no grupo mais próximo ao qual sempre esteve ligado.

É pouco o tempo decorrido desde a eleição presidencial de 2010 para uma avaliação precisa, mas é evidente Serra sofreu uma derrota que não foi apenas eleitoral. Também foi política, porque saiu do pleito sem bandeiras e estigmatizado por flertar com um discurso que não compõe com a história de um líder forjado na esquerda estudantil.

Por mais que pesquisas posteriores indicassem que a proposta de salário mínimo de R$ 600 tenha sido a mais bem compreendida entre os eleitores, ela pouco ou nada tinha a ver com o fiscalista Serra. Soava demagogia. Serra também nunca foi carola. Mas sua campanha foi um tal de beijar santa e nenhuma hesitação em assumir o discurso antiaborto mais primitivo, quando ele pareceu conveniente em termos de dividendos eleitorais.

Uma das regras básicas de candidatos a presidente é a fidelidade aos princípios. É clássico o exemplo de Winston Churchill, que passou anos no ostracismo advertindo os ingleses sobre o perigo representado pela Alemanha. Só foi ouvido quando o ventou virou e a história o encontrou na mesma posição.

O mínimo que se esperava de Serra na campanha eleitoral de 2010 era uma boa proposta de governo. Ele sempre foi considerado um grande gestor. Mas nem sequer apresentou um programa econômico. Irritava-se quando era cobrado pelos jornalistas. Serra também não queria medir forças com a popularidade de Lula e tratou o então presidente como um estadista. Achava que entre Dilma e ele venceria vence o melhor currículo.

A obstinação de Serra agora é ser presidente do PSDB. Os tucanos conhecem muito bem a tenacidade de Serra. Mas desta vez quem se opõe ao ex-governador de São Paulo conta que o senador Aécio Neves enfrente o colega paulista, provavelmente apoiando a recondução do deputado Sérgio Guerra a presidente. Mas com a persistência de Serra, pode ser que os tucanos tenham que recorrer a um terceiro nome, para não parecer que o paulista, hoje isolado, tenha sofrido uma derrota acachapante.

Atualmente já não há abundância de nomes que havia no PSDB no fim dos anos 80 - Mário Covas, José Richa, Franco Montoro, FHC, José Serra, Euclides Scalco, Tasso Jereissati, entre outros. FHC, ainda hoje o guru, já avisou que não tem mais idade para essas coisas.

Para os tucanos, o ideal seria que Serra fosse candidato a prefeito em 2012, principalmente se o candidato do PT fosse escolhido entre a senadora Marta Suplicy e o ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia). Serra não gosta nem de ouvir falar do assunto. Sabe que é fim de carreira, e em seus cálculos ainda está a Presidência da República. No momento, ele precisa avançar uma posição, e é neste movimento que está integralmente empenhado.

O PSDB e Aécio Neves não devem subestimar o colega tucano. Sua capacidade para intervir no jogo partidário ainda é efetiva, apesar do isolamento. Já se especula com certa naturalidade, em setores do PSDB, a hipótese sobre a qual o ex-governador evita cogitações - que ele venha a se candidatar ao Planalto pelo PSD, o partido que está sendo criado por Gilberto Kassab.

Sabe-se que Kassab já falou sobre isso com Serra, trata-se de uma porta aberta que o tucano não fechou. É o que no PSDB passou a ser chamado de "bomba atômica", uma espécie de aviso a Aécio Neves sobre o que ele, Serra, pode fazer caso não seja presidente do PSDB. Do ponto de vista de hoje, acredita-se que Serra pode entrar na corrida presidencial de 2014 à frente de Aécio nas pesquisas, devido ao "recall" que tem das eleições passadas.

"Recall", aliás, que deve se tornar um problema para Serra, assim que começarem a ser feitas as pesquisas em relação à sucessão na Prefeitura de São Paulo. Se quiser ser candidato ao lugar de Kassab, ele terá todo o apoio dos tucanos. Mas ele não quer. Quer ser presidente.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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