domingo, 6 de março de 2011

A reforma agrária de Lula:: Editorial/O Estado de S. Paulo

Com o bordão "nunca antes na história deste país", o ex-presidente Lula costumava se jactar de ter feito mais pela reforma agrária do que todos os seus antecessores. À primeira vista os números do Incra pareciam dar-lhe razão: nada menos do que 48,3 milhões de hectares teriam sido incorporados às áreas de assentamento rural, beneficiando 614 mil famílias, no período de 2003 a 2009. Desse modo, o governo anterior seria responsável pela distribuição de 56% das terras objeto de reforma agrária na história do País (85,8 milhões de hectares) e por ter beneficiado 66,4% do total das famílias assentadas (924 mil).

Contudo, um desdobramento desses números, feito pelo geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor da USP, revela que os dados divulgados pelo Incra não correspondem à realidade. Ele verificou que 26,6% das famílias dadas como assentadas pelo órgão já viviam e produziam nas mesmas zonas rurais, embora sem contar com o título de propriedade. Outros 38,6% das famílias incluídas na mesma classificação são compostas de trabalhadores que ocuparam lotes abandonados em áreas de reforma agrária já existentes. Feitas as contas, constata-se que apenas 34,4% do total, ou seja, 211 mil famílias foram realmente assentadas nos oito anos de Lula, quase um terço do que dizia o atual presidente de honra do PT.

Como observou o professor da USP, foi uma medida correta conceder títulos de propriedade às famílias já estabelecidas por conta própria no campo, geralmente em terras devolutas, e incluí-las no Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf). Mas, em nome da verdade e para evitar manipulação política, "o governo deveria esclarecer que não se trata de assentados pela reforma", como disse o professor Oliveira.

O vezo do governo Lula em considerar que só houve avanços reais no Brasil depois de 2003, levou-o a não reconhecer que muitos assentamentos já tinham sido realizado nos lotes que foram ocupados por famílias que substituíram as que os abandonaram ou os transferiram informalmente a terceiros, uma prática irregular, mas frequente. Adicioná-los ao número de famílias assentadas acarreta dupla contagem. De qualquer forma, isso representa reordenação fundiária e não deveria figurar como novos assentamentos, como ressaltou o professor da USP.

Na ânsia de produzir resultados, o Incra também registrou como assentamentos promovidos pelo governo melhoramentos nas zonas rurais nas proximidades de vilas ou pequenas cidades, cujas populações foram retiradas em razão da construção de barragens para a construção de hidrelétricas. Nestes casos, o governo federal por meio das concessionárias de energia tem construído novos núcleos urbanos, destinados tanto às populações locais como aos operários do canteiro de obras. Àqueles proprietários que desejam permanecer no meio rural, podem ser fornecidos lotes com casas, contando com alguma infraestrutura. Não são poucos, porém, os casos de proprietários rurais desapropriados que preferem realizar seus próprios negócios, utilizando a indenização recebida. É absolutamente incorreto computar essas mudanças como assentamentos.

Como se vê, o conceito de reforma agrária do Incra é elástico. No desdobramento dos números verifica-se que, no governo Lula, só foram feitas desapropriações de áreas particulares para novos assentamentos em 9,3% (4,5 milhões de hectares) dos 48,3 milhões de hectares que o órgão considera como disponíveis para a reforma agrária. Os restantes 43,3 milhões de hectares eram terras públicas, da União ou dos Estados, localizadas principalmente na Região Norte. No entender do professor Oliveira, a ocupação dessas áreas não caracteriza reforma agrária, mas colonização, um termo de que o Incra aparentemente não gosta, apesar de estar entre suas finalidades.

A série estatística do Incra não desce a esses detalhes, como seria de esperar de um estudo sério e competente, sem finalidades políticas e que não se prestasse à bazófia.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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