segunda-feira, 11 de abril de 2011

Entrevista - Antonio Barros de Castro - economista

Brasil tem de se reinventar para tratar com a China

Mesmo que país neutralize o câmbio, uma boa parte do sistema industrial ainda seria menos eficiente do que o chinês, diz ex-presidente do BNDES

Claudia Antunes

RIO - O Brasil tem de se reinventar para ser bem-sucedido em uma economia mundial radicalmente mudada pela China, diz o economista Antonio Barros de Castro.

Diante da competição chinesa, afirma ele, não adianta proteger setores industriais para que eles fiquem "um pouco mais sofisticados", como se fez no passado, porque os asiáticos fazem o mesmo com maior velocidade.

"Mesmo se o câmbio e o custo Brasil forem neutros, boa parte da indústria brasileira não é competitiva porque o sistema industrial chinês é mais eficiente."

Barros de Castro diz que o Brasil deve aproveitar a "trégua" oferecida pelo boom de matérias-primas para desenvolver produtos originais, como plástico de álcool e aços especiais usados na exploração de petróleo.

Folha - O sr. vem estudando as mudanças provocadas pela China. Qual a conclusão?

Antonio Barros de Castro - Há seis anos eu comecei a suspeitar que a emergência chinesa representava uma ruptura na trajetória do sistema econômico mundial. Não se tratou de uma mudança só de tamanho, de aumento do peso do país.

Que ruptura é essa?

Nos anos 50, o economista alemão Hans Singer sintetizou assim o dilema da época: "Países industrializados têm o melhor de dois mundos, como consumidores de produtos primários e produtores de manufaturados, enquanto os subdesenvolvidos têm o pior, como consumidores de manufaturas e produtores de matérias-primas".

Ele se baseava na tendência de queda dos preços das matérias-primas, enquanto os dos industrializados ficavam iguais ou subiam.

Com a ascensão do leste asiático, capitaneada pela China, isso virou de pernas para o ar. Países mais atrasados compram manufaturados baratos e exportam matérias-primas cada vez mais caras. Angola, por exemplo, cresce a 15% ao ano. É um movimento tectônico.

Mas o Brasil teme a desindustrialização. Como o país pode se adaptar a isso? Há exemplos bem-sucedidos?

As realidades são diferentes. Uma parte da Ásia evoluiu com a China e não enfrenta os mesmos dilemas enfrentados pelo Brasil.

Outro bloco já havia se especializado na exportação de matérias-primas, incluindo latino-americanos como o Chile. Agora, os clientes pagam melhor, mas historicamente esse caminho tende a ser visto como maldito.

Estados Unidos, Alemanha e Japão ainda podem ser dinâmicos combinando capacidade alta de inovação com a vigilância de seus direitos de propriedade intelectual. Já o Brasil é um híbrido industrial e agrícola.

Mas só o lado agrícola continua competitivo. Por quê?

Nos anos 90 e no início deste século, a indústria brasileira se preparou para competir com os produtos dos EUA e da Europa. Conseguiu bons resultados, basta ver o crescimento das exportações de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos, entre 2003 e 2005.

Mas durou pouco. As exportações de produtos primários foram de 30% do total em 2004 para 44% em 2010, e as de manufaturas caíram de 57% para 43%.

Isso ocorreu porque a competição deixou de ser com EUA e Europa e passou a ser com o sistema comandado pela China. Atualmente, um país como o Brasil, que no novo contexto tem vantagens máximas no setor primário e mínimas no industrial, tem que se reinventar.

Como?

Falando de maneira simplificada, temos duas opções. A primeira é proteger a indústria que existe, tentando agregar valor às cadeias de produção, completando-as e sofisticando-as. Foi o caminho entre 1950 e 1980.

Mas havia a premissa, correta na época, de que as economias mais avançadas eram tecnologicamente maduras e tinham crescimento lento da produtividade. Tratava-se de fechar um hiato, atingir um nível em que nossos concorrentes estavam mais ou menos parados ou evoluíam devagar.

Essa premissa hoje não existe mais. Nossos concorrentes ainda estão amadurecendo, estão alcançando novos patamares de produtividade e agora aumentando o esforço tecnológico para acelerar sua eficiência.

A China busca produtos menos poluentes, verdes. Está exportando fábricas para países vizinhos e deslocando outras para sua região oeste, com mão de obra mais barata. É o que chamo de China 2.

A China 1 é a do "made in China" (fabricado na China), e eles deram uma surra baseada em trabalho barato e em imitação tecnológica. A China 2 quer ser a do "created in China" (criado na China).

Portanto, o ataque vem de baixo. Só faz sentido reforçar aquilo em que temos chance de correr mais rápido do que eles, que é a nossa segunda opção. O resto tem que ser redirecionado ou desaparecer.

E temos tempo?

Sem nosso potencial em produtos primários, em longo prazo estaríamos numa situação dificílima.

Mas hoje temos três bons problemas: segurar o balanço de pagamentos por 10 ou 15 anos com petróleo, outras matérias-primas e produtos agrícolas; manter a expansão do mercado interno colocando areia para limitar a sua ocupação por importações; e desenvolver o potencial industrial visando não otimizações, mas mudanças.

Não tem que melhorar, tem que mudar. Otimização a China faz melhor.

Quando o sr. fala em colocar areia, significa proteção.

Não estou reproduzindo o discurso de que é atrasado proteger. O que digo é que não adianta proteger quando sua produtividade cresce mais devagar do que a do concorrente.

Um produtor de válvula brasileiro, por exemplo, está condenado. Ele sabe que pode não morrer hoje, mas morre no próximo governo.

É necessário conter as importações não para que algumas indústrias sobrevivam, mas para que possam ser transformadas.

Em que casos apostar?

Esse mapa completo ainda deve ser feito. Seriam setores protegidos pela especificidade dos nossos recursos naturais, por costumes, estrutura industrial e demanda. Áreas em que o chinês não está nem vai estar.

Não proponho uma volta ao agrário. O agrário é uma trégua para você, por exemplo, construir uma indústria ligada ao pré-sal, de satélites, de novos materiais, de aços especiais. É aplicar os conhecimentos existentes para desenvolver coisas próprias e originais.

A química do etanol permite desenvolver plásticos verdes. A indústria automobilística chinesa deseja vir para cá? Vamos fazer um acordo para em dez anos os plásticos serem todos verdes; nós garantimos a evolução do produto. É usar a China como mercado.

É possível mudar os tratores para que eles se adaptem às necessidades do Brasil. Não é pegar o americano e fazer outro um pouco mais sofisticado. É fazer máquinas adaptadas às condições tropicais de solo, clima.

O embaixador chinês, respondendo às críticas ao câmbio desvalorizado do país, disse que cabe ao Brasil se tornar mais competitivo. Ele está certo?

Os chineses acham que se a gente trabalhar mais e for mais sério não teremos problemas. Não é isso, é uma questão de estratégia.

A indústria reclama do câmbio e do custo Brasil (impostos, infraestrutura). Há alguma razão nisso?

Se o câmbio e o custo Brasil forem neutros, boa parte da indústria brasileira não é competitiva porque o sistema industrial chinês é mais eficiente. Até 2004, eles já arrombavam todos os mercados e não tinham câmbio desvalorizado.

Alega-se que antes os produtos chineses eram só mais baratos, porque o salário era ínfimo e a fábrica era um galpão velho. Mas agora são boas fábricas e amanhã serão excelentes. A produtividade sobe tão rápido que, mesmo com a alta dos salários, os produtos ainda podem custar menos.

O real está sobrevalorizado? Claro, sou 100% a favor de botar areia no câmbio. Agora, ou você enfrenta as causas da nossa perda relativa de competitividade ou não vai a lugar nenhum.

Frase

"Hoje temos três bons problemas: segurar o balanço de pagamentos por dez ou 15 anos com petróleo e produtos agrícolas; manter a expansão do mercado interno colocando areia para limitar a sua ocupação por importações; e desenvolver o potencial industrial visando não otimizações, mas mudanças"

Raio X
Antonio Barros de Castro, 73

Atividade
Professor emérito da UFRJ, é consultor do Conselho Empresarial Brasil-China e acaba de fazer viagem de pesquisa àquele país

Carreira
Doutor em economia pela Unicamp, foi presidente do BNDES (1992) e diretor de Planejamento do banco de 2005 a 2007

Livros
"A Economia Brasileira em Marcha Forçada" (Paz e Terra); "No Espelho da China", capítulo de "Doença Holandesa e Indústria" (FGV)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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