sábado, 18 de junho de 2011

Mentores do Plano Real falam sobre o legado de Fernando Henrique Cardoso

Bruno Góes

RIO - Hiperinflação, estoque de alimentos, remarcação de preços em supermercados. Antes do Plano Real, essas eram algumas das situações presenciadas pelo cidadão comum. Em março de 1990, a inflação chegara a 84%. Em 1993, um pouco antes da criação do Cruzeiro Real - a nona moeda corrente do país - a inflação atingira a marca de 30% ao mês. Posto em prática no governo Itamar Franco, o plano que estabilizou a economia foi organizado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que neste sábado completa 80 anos. Dois dos economistas que o ajudaram nesta empreitada falaram ao GLOBO sobre o aniversariante e a conquista da estabilidade.

O economista Edmar Bacha, professor da PUC-Rio, um dos formuladores do Plano Real e amigo de Fernando Henrique desde a época em que o ex-presidente vivia no exílio, conta que ele teve papel decisivo na história do país.

" Mudou a cara do Brasil. O Real não teria acontecido sem ele. Ele foi a peça central, convocou e montou o grupo que formulou o plano "

- Mudou a cara do Brasil. O Real não teria acontecido sem ele. Ele foi a peça central, convocou e montou o grupo que formulou o plano. A liderança dele, também como político, foi essencial. Os historiadores tentam pensar o papel do indivíduo na história. É difícil imaginar se ele não estivesse ali, naquele momento. Poderíamos até pintar um quadro sombrio - disse ele, que também analisou o contexto da época: - Sabe-se lá o que aconteceria se o Fernando Henrique não estivesse ali, naquela hora. Nós estávamos ali e precisávamos de apoio da população. Mas as condições políticas eram muito ruins. Esse planos normalmente são feitos em primeiro mandato. O governo veio de um impeachment, com o Collor. Era uma situação "entre a cruz e a espada", podemos dizer assim, que deixava os economistas muito ansiosos.

Gustavo Franco também participou da equipe econômica que elaborou o Plano Real e foi presidente do Banco Central. Ele falou sobre a importância do legado dos dois mandatos de Fernando Henrique e da sua atuação no Ministério da Fazenda:

- O Plano Real teve importância central. A inflação era a síntese de muitas doenças e, embora o Plano Real seja uma senha de um empreendimento que se desdobra em muitos outros, ele é o fio condutor do esforço todo. No momento que ele se esgota, as agendas que se seguem são todas elas pautadas pelo que o Real começou. A estabilidade como o ordenador da economia, que por sua vez proporciona direta e indiretamente justiça social e melhora o padrão de vida do brasileiro - disse, para depois falar da conquista pessoal de FH: - O Plano Real tem importância central no governo Fernando Henrique e isso ninguém vai tirar dele, nunca.

" O Plano Real tem importância central no governo Fernando Henrique e isso ninguém vai tirar dele, nunca "

Franco acredita que nenhum passo dado pelo governo, à época, foi fácil. Quando perguntado se o fantasma da inflação rondava os economistas mesmo depois das primeiras medidas para o ajuste da economia, ele disse:

- Todo o processo foi cercado de riscos. Nada foi fácil. Portanto, foi graças à habilidade política, à liderança (de FH) e com sorte, circunstância e planejamento. Não foi nada fácil.

Para Edmar Bacha, o país será, daqui a 50 anos, divido entre antes e depois do Plano Real pelos historiadores. Gustavo Franco, por sua vez, afirma que houve um "renascimento da economia".

- É um legado extraordinário, que não se resume somente ao fim da hiperinflação. É preciso ter clareza que a hiperinflação refletia uma porção de caminhos errados que o país vinha trilhando há muitos anos. E terminar com a hiperinflação requereu reformar vastas áreas da administração pública e redefinir muita coisa no âmbito da economia. Em última instância, eu acho que o que ele começou ali é quase que um renascimento da economia do país, que agora, em boa medida, tem o seu dinamismo ali iniciado - disse Gustavo Franco.

A maneira de lidar de FH

Os dois traçam um perfil parecido da personalidade de FH, enaltecendo o bom humor e a "ironia fina" do ex-presidente.

- É uma pessoa de um trato magnífico. Deixa as pessoas à vontade e consegue desarmar os espíritos; tem uma ironia fina e um senso de realidade muito aguçado. Ele leva as coisas muito a sério, mas sem o 'rei na barriga'. E leva tudo com muita leveza - elogiou Edmar Bacha.

O ex-presidente também ficou marcado por muitas das pessoas que trabalharam com ele como uma figura que surpreende pelo carisma.

- Seja na substância, seja no humor, ele não cansa de impressionar as pessoas que trabalham com ele. Não importa quantos anos você conviva, sempre é uma surpresa agradável, da qual você nunca se cansa e para de se surpreender pelo lado do seu carisma, da sua inteligência. É uma pessoa muito especial, além de ser extremamente bem preparado e eticamente impecável no comportamento - diz Gustavo Franco.

FONTE: O GLOBO

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