sábado, 18 de junho de 2011

Redesenho eleitoral :: Merval Pereira

Uma proposta de redesenho do mapa eleitoral brasileiro, a fim de reduzir a fragmentação partidária que tira a eficiência de nosso presidencialismo de coalizão, favorecendo a negociação fisiológica no Congresso, é o que propõe um trabalho conjunto do cientista político Octavio Amorim Neto, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio, o geógrafo Bruno Cortez, do IBGE, e Samuel Pessôa, economista do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da FGV-Rio.

Publicado na mais recente edição de "Opinião Pública", revista de ciência política da Unicamp, o trabalho, a partir de um diagnóstico do funcionamento do sistema político brasileiro, oferece uma proposta de reforma do sistema eleitoral da Câmara dos Deputados que, embora mantendo o sistema de representação proporcional com lista aberta, o altera em dois aspectos-chave: reduz o número de cadeiras disputadas nas circunscrições eleitorais, que são redesenhadas com esse objetivo, e estabelece uma regra proporcional de distribuição de cadeiras entre partidos coligados.

A operacionalização da reforma leva a um novo desenho do mapa eleitoral do país, com circunscrições eleitorais menores dentro dos 12 maiores estados da Federação.

Para a agregação dos municípios que formariam as novas circunscrições eleitorais, os autores optaram pela maximização da homogeneidade socioeconômica, com base na verificação de que é a combinação de alta heterogeneidade social com circunscrições eleitorais de grande magnitude que leva à alta fragmentação legislativa.

Esses estados redesenhados são justamente aqueles que têm 16 ou mais cadeiras na Câmara, permitindo que sejam recortados em circunscrições com magnitudes que variam entre 8 e 12, ao contrário de hoje, quando a variação é de 8 a 70.

Os autores não tocaram no princípio da representação proporcional, mas o reforçaram, convencidos de que, "apesar de todas as suas mazelas, o nosso sistema político tem um quantum de efetividade que justifica um reformismo moderado e prudente".

Além da proposta em si, que detalharemos na coluna de amanhã, o trabalho faz uma análise aprofundada do nosso "presidencialismo de coalizão", cunhado em artigo "clássico e seminal" de 1988 do cientista político Sérgio Abranches, que indica "certo sincretismo entre o presidencialismo e o parlamentarismo".

Seria um sistema em que a Presidência da República está sempre às voltas com a costura de maiorias parlamentares, numa interação cotidiana e íntima com deputados e senadores que lembra os regimes parlamentaristas.

As dificuldades aumentam ainda mais pelo fato de que muitos atores políticos têm poder de veto sobre as decisões a serem tomadas, com "caciques políticos" atuando nas duas casas do Congresso, como estamos vendo nos primeiros meses da administração Dilma Rousseff.

A grande dimensão das nossas circunscrições eleitorais, que são os próprios estados, cuja representação na Câmara de Deputados varia de 8 a 70 parlamentares, seria um dos problemas do nosso sistema político, além do voto proporcional e o voto nominal com lista aberta.

Esse desenho institucional, afirmam os autores, em interação com uma sociedade heterogênea, leva a uma elevada fragmentação legislativa.

Os autores classificam nosso sistema eleitoral de "permissivo", sem praticamente colocar barreira de entrada a pequenas legendas, que serão "tanto mais numerosas quanto mais heterogênea for a sociedade, seja em termos socioeconômicos ou culturais ou regionais ou étnicos ou linguísticos ou religiosos".

Com o sistema proporcional, dizem os autores, "a percentagem de votos obtida pelas pequenas legendas se transforma em uma percentagem bastante semelhante de cadeiras legislativas".

Um bom exemplo é São Paulo, que tem 70 cadeiras na Câmara, permitindo que qualquer partido com apenas 1,4% se faça representar no Congresso Nacional.

Outro cientista político, Jairo Nicolau, mostra que a fragmentação partidária também está associada à facilidade de criação de legendas, ao troca-troca partidário e às coligações eleitorais.

Esta fragmentação torna mais difícil para o presidente da República conseguir uma sólida maioria no Congresso, o que, além das dificuldades políticas, traz maiores gastos públicos, e o consequente aumento da carga tributária, com a necessidade do Executivo de angariar sustentação política, atender às demandas dos inúmeros grupos de pressão representados por políticos que sabem que uma fatia relativamente pequena do eleitorado, quando bem atendida, é suficiente para levá-los ou mantêlos no Legislativo. Daí existirem as bancadas ruralistas, da saúde, dos professores, e assim por diante.

Os estudos indicam ainda que quanto maior for a circunscrição eleitoral, maior será a competição intrapartidária, uma vez que o grande número de vagas oferecidas é um chamariz para que muitas candidaturas sejam postuladas.

Os custos de campanha aumentam, já que, envolvidos nesse tipo de competição de cada um contra todos, os candidatos sabem que o dinheiro pode ser o mais eficaz dos diferenciais.

"Altos custos de campanha e nível elevado de gastos públicos, por sua vez, são fatores que podem impulsionar a corrupção, que, desta forma, também está ligada à combinação de representação proporcional, listas abertas e grandes circunscrições", afirmam os autores.

Outra consequência das características do sistema eleitoral brasileiro é o número reduzido de representantes das áreas metropolitanas.

Embora sejam mercados com número abundante de eleitores, são muito fragmentados.

Por conta disso, é mais fácil para os candidatos terem base política nas regiões interioranas e buscarem alguns votos nos grandes centros do que construírem fortes bases políticas nas capitais e grandes cidades dos estados.

Mas os autores advertem que "todos esses problemas não sugerem que o sistema político brasileiro seja imprestável".

Cautelosos, preferem, em vez de uma "grande reforma que reconstrua todo o edifício a partir da estaca zero, medidas pontuais, cirúrgicas e refletidas".

(Amanhã, o redesenho)

FONTE: O GLOBO

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