sexta-feira, 3 de junho de 2011

Saco de gatos:: Merval Pereira

No Brasil atual, de amplo espectro partidário que abriga nada menos que 27 legendas com registro nacional, sendo que 22 delas com atuação no Congresso, não há partidos "de direita", muito menos de "extrema-direita", e nem partidos de "extrema-esquerda". Todo mundo quer ser "de esquerda" e, quando não dá, no máximo, "de centro".

Sem falar no 28º partido em gestação, o PSD, que não é "de centro, nem de direita, nem de esquerda", segundo a indefinição de seu criador, o prefeito paulistano, Gilberto Kassab.

Essa geleia geral de siglas - a maioria delas abrigada sob uma aliança governista, a mais ampla e diversificada já vista no país - esterilizou a prática política, retirando conteúdos programáticos ou ideológicos dos partidos, transformando-os em meros instrumentos a serviço do governo e de interesses pessoais.

É dentro desse quadro que a aliança entre o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB, e a bancada ruralista na defesa do novo Código Florestal traz novamente à discussão a ideologia dos partidos políticos brasileiros.

O PCdoB já foi, em outras épocas, considerado de "extrema-esquerda", e garante que não mudou de posição: a defesa do novo Código seria a dos pequenos agricultores, ao contrário do que dizem os que acusam o partido de ter se vendido ao agronegócio.

O DEM, saído da tentativa de modernização da antiga Frente Liberal, chegou perto de assumir uma identidade "de direita", aliando-se à Internacional Democrática de Centro (IDC) em 2005. A IDC contrapõe-se à Internacional Socialista, que reúne os partidos de esquerda e social-democratas no mundo, e agrupa legendas representadas também por políticos como Jacques Chirac, na França; Durão Barroso, do PSD, em Portugal, hoje presidente da Comissão Europeia; e o Partido Republicano nos EUA.

Mas houve uma reação a essa decisão e o partido, hoje desidratado, segue sem definição oficial, embora seja visto como "de direita".

O movimento Tea Party (Partido do Chá, em português), uma referência ao movimento de 1773 em Boston, nos Estados Unidos, contra o governo britânico - que, por meio da Companhia das Índias, tinha o monopólio do chá nas colônias e cobrava impostos considerados abusivos -, representa na política americana o conservadorismo mais radical, com políticos ligados à ultradireita, geralmente do Partido Republicano, e se identifica com uma parte do eleitorado.

Temos aqui no Brasil vários deputados atuando individualmente dentro de parâmetros que são definidores da "extrema-direita" e poderiam fazer parte do Tea Party, como os deputados Jair Bolsonaro (PP) e Garotinho (PR) ou a bancada suprapartidária das igrejas. Mas seus partidos não são tachados de "extrema-direita", e nem mesmo se assumem como "de direita".

Esses grupos tiveram ação mais forte na recente campanha presidencial, quando questões como o aborto surgiram, e continuam em ação hoje, sobretudo na discussão da política sobre as minorias. PP e PR, além do mais, estão na base de um governo que se diz "de esquerda", o que aumenta a confusão ideológica.

Ao contrário da regra de que nenhum político brasileiro se declara "de direita", a direita está sempre presente nos governos formados a partir de 1985, quando Tancredo Neves se elegeu presidente da República, numa aliança antes impensável com os dissidentes do PDS, partido que dava sustentação à ditadura militar. O PFL provocou outro choque quando chegou ao poder nas eleições diretas ao lado de Fernando Henrique, do PSDB.

Assim como ninguém é de "extrema-direita", também não existe mais um partido de "extrema-esquerda", pelo menos em atuação no Congresso. Mas, no mundo político real de outros países democráticos, há distinção clara entre "direita" e "extrema-direita", e entre "esquerda" e "extrema-esquerda".

Esquerda seriam Michelle Bachelet, do Chile; o governo espanhol de Zapatero; Lionel Jospin, o premier que antecedeu Sarkozy na França. Já Hugo Chávez, a ditadura cubana que Lula está visitando pela enésima vez, ou mesmo as Farc da Colômbia, deveriam ser classificados como de "extrema-esquerda", mas são jogados todos no mesmo balaio da "esquerda" mundial, no máximo tratados como "vegetarianos" e "carnívoros", uma maneira sutil de tocar em suas tendências sem ser politicamente incorreto.

Essas reflexões sobre a indefinição ideológica me foram propostas pelo experiente jornalista José Gorayeb, que ressalta que, dos anos 1960 aos 1980, e até recentemente, nos anos 1990, a imprensa brasileira fazia essa distinção muito claramente: referia-se a regimes, partidos ou correntes "de extrema-esquerda".

Assim eram referidos o MR-8, o PCdoB, a Libelu e o MEP, entre outros. Talvez porque, no Brasil sob o regime militar, a luta armada era claramente mencionada como ação e ideologia de extrema-esquerda, em contraposição à "esquerda" ideológica, ou seja, o MDB e o PCB, que defendiam a luta contra a ditadura "pelo voto" e pela ação parlamentar. De "esquerda" eram também designados o PDT brizolista e o PT, apesar de este ter agasalhado facções de extrema-esquerda que, com outras denominações, até hoje estão lá.

Ao falar, por exemplo, numa eleição europeia, a imprensa distinguia os partidos de "esquerda", como os socialistas, dos de "extrema-esquerda", a exemplo dos mais radicais, como, na Alemanha, os egressos do terrorismo à la Baader-Meinhof. Como "de extrema-esquerda" eram também mencionados os movimentos insurgentes/terroristas latino-americanos como os Montoneros e os Tupamaros. Hoje, as Farc são referidas como "organização de esquerda".

Essa banalização das ideologias partidárias, e a esterilização da política por meio da cooptação por vantagens fisiológicas, fazem com que todos os gatos se pareçam pardos e caibam no mesmo saco.

FONTE: O GLOBO

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