quarta-feira, 6 de julho de 2011

Capitania política:: Rosângela Bittar

Existem reações governamentais, argumentos e iniciativas nos mandatos de governo do PT - dois e início do terceiro - e administração conjunta com sua enorme base de apoio partidário, que podem ser descritos com fidelidade de fotografia, hoje, mesmo que para ocorrer no futuro. É que os procedimentos repetem-se ontem, amanhã, depois e sempre. Jorge Hage, o Controlador Geral da União (CGU), por exemplo, surge sempre apurando, nos governos Lula ou Dilma, os sucessivos casos de corrupção e prática de irregularidades administrativas nos órgãos públicos, mas só depois de descobertas pela imprensa.

Dirá, como diz, que não tem poder de polícia e ainda assim trabalha muito. Dirá também que parece haver mais corrupção agora -um bordão federal - porque o próprio governo investiga, acompanha, controla.

Na verdade, A CGU não controla.

A Comissão de Ética Pública está aí, na administração, como uma instância nula. Pode até receber informações e analisá-las, em concorridas reuniões, para quê não se sabe. A CEP não investiga, não barra, não controla e, se a CGU é uma ficção, a CEP é um conto de fadas.

Um governo com fobia de controle

O governo federal parece ter fobia de controles.

Desde o primeiro dia revoltou-se contra o que considerou amarras indevidas que lhe foram impostas pelo moderno modelo de gestão instituído com as Agências Reguladoras das áreas de Energia e Telecomunicações, cujos poderes tratou de reduzir e enquadrar seus integrantes. Recusou o instrumento em nome da dispensa de controle, de fiscalização, de regulação.

Outra reação carimbada é o que ocorre quando, passados alguns dias do escândalo mais recente, período em que se constrangem um pouco a rebelar-se contra os críticos, as autoridades voltam novamente sua artilharia ao Tribunal de Contas da União. Atacam o TCU por paralisar obras comprovadamente irregulares e ampliar a cada mês o index das que não podem receber verbas.

O tribunal tem o melhor quadro de auditores de toda a administração, é uma carreira de Estado admirada e cobiçada pela excelência de seus integrantes, mas o governo quer tocar sua obra em liberdade, sem que tentem contê-lo.

A Presidência da República reage, não aceita, transgride, reclama, ameaça tirar poderes do tribunal, solta as amarras e segue adiante, e, pelo exemplo, os de baixo seguem o jogo.

Os governos do PT, decidamente, não gostam de controles.

Há os antros históricos de corrupção e, sempre que explode uma denúncia, constata-se o óbvio: ou diz respeito aos Transportes, ou Correios, ou Saúde, ou Setor Elétrico. É raro uma denúncia grave de corrupção sair fora desse quadrilátero de ralos. O tráfico de influência, porém, espalha-se mais, notando-se, porém, uma queda irresistível pela Casa Civil da Presidência. Gabinetes por onde já passaram José Dirceu, Antonio Palocci, Erenice Guerra...

Imperceptível a diferença que se quer fazer ver, agora, no mensalão federal do PR com relação ao mensalão federal do PT; ou dos mensalões estaduais do PSDB e do DEM; ou dos "sanguessugas" do ministério da Saúde petista; ou os "vampiros" também de lá; a "anaconda" do judiciário; os cartões corporativos. Seja o que for: Os governos são loteados, os partidos têm sua capitania política e, nela, fazem o que querem, principalmente utilizar a verba pública como recurso privado. Os altos funcionários nomeados fora dos esquemas partidários, poucos, ficam a serviço desses.

O presidente da República atribui responsabilidade ao ministro pela sua capitania e diz que vai cobrar dele tudo o que ocorrer de errado sob sua jurisdição. Mas só o leva à demissão quando o fato se consuma à sua revelia. Ontem, tarde da noite, depois que a presidente Dilma Rousseff voltou de viagem a Rondônia, era esperado um gesto definitivo seu, um ato de demissão do ministro Alfredo Nascimento, dos Transportes, cujo gabinete e principais assessores foram defenestrados por corrupção. Mesmo que ela o fizesse, já seria tarde. A cúpula do Partido da República embromou a presidente com seu balé de protagonistas Esplanada afora. Ainda recebeu o apoio dos outros partidos aliados.

Para enfrentar a cultura da corrupção, nada melhor que começar pela cultura da demissão imediata, da investigação, da punição de culpados e reintegração de inocentes. Com transparência e coragem. Artigos em falta.

O método adotado pela presidente Dilma não é diferente do método adotado por Lula, de cujo governo participou no núcleo de poder essencial. É condescendente. O risco é desmoralizar-se se houver um efeito bumerangue, pois o PR ofereceu os anéis para não perder os dedos. Os anéis, porém, se saírem atirando e denunciarem os dedos, a presidente será forçada a entregar, por iniciativa dos outros, um auxiliar em quem já não confiava mais.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está reduzindo sua influência no governo menos pela derrocada dos ministros que fez questão de deixar em postos importantes para a sucessora e mais pela cada vez maior influência dos que vetou na lista de escolhas da presidente Dilma Rousseff.

Lula empurrou goela abaixo de Dilma, como se sabe, Antonio Palocci, que a presidente aceitou sem problemas porque tinha estabelecido com ele uma relação próxima durante a campanha; Guido Mantega, e não se sabe porque absorveu, quando tinha candidato in pectore para o posto de ministro da Fazenda; Fernando Haddad, que vinha de sucessivas trapalhadas e continuou a produzi-las no governo Dilma, mas o ex-presidente impôs mantê-lo em treinamento, em nome do partido, para campanhas eleitorais do PT; Alfredo Nascimento, para dar lugar no Senado ao amigo suplente do Amazonas, com quem tem uma relação de compartilhar férias e pescarias, João Pedro (PT-AM).

O ex-presidente, porém, vetou, sem sucesso, pelo menos dois nomes escolhidos pela presidente para seu Ministério: Fernando Pimentel (PT-MG), para o Desenvolvimento, Indústria e Comércio; e Tereza Campello, para o Desenvolvimento Social. Lula achava que não deveria haver lugar para Pimentel se não houvesse para Patrus Ananias (PT-MG), e este ele queria de volta exatamente ao ministério que coube a Tereza.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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