domingo, 4 de setembro de 2011

Irene e juros :: Alberto Dines

Nova zoada no terreiro: a pressão do governo em cima do Banco Central para baixar a Selic está alimentando o novo frisson na agenda nacional. Na realidade o que se pretende discutir não é a questão dos juros, mas o papel do Estado como regulador dos mercados. E isto não ocorre apenas em nossas bandas.

É a pauta do momento em todos os quadrantes mesmo que a ganância irracional dos agentes financeiros e de seus cúmplices políticos já tenha sido identificada como a responsável pelo empurrão que levou a economia mundial para o brejo em setembro de 2008. A questão dos juros no Brasil envolve um elenco variado de ingredientes, não pode ser discutida de forma simplista, linear ou emocional. Em 2010, o ex-candidato da oposição, José Serra, alertou para os perigos de depender exclusivamente da taxa de juros para combater o dragão da inflação. Agora quando o coro de cassandras pseudo-liberais começa a ensaiar um protesto contra o fim da "autonomia" do Banco Central, o mesmo José Serra sentenciou: a decisão do Copom foi correta.

Prova disso foram os sinais emitidos pelo próprio mercado antes da quarta-feira apontando para uma queda nos juros futuros. No dia seguinte à ousada decisão do BC os tais mercados reagiram na direção contrária ao que vaticinavam os seus porta-vozes: as ações valorizaram-se, o dólar subiu e os juros futuros caíram ainda mais.

O Estado tem o dever de antecipar-se, cabe a ele precaver-se e zelar pelo bem-estar e a segurança da sociedade. Como lembrou o venezuelano Moisés Naím no artigo reproduzido nesta sexta pela Folha, o furacão Irene embora rebaixado para "tempestade tropical" foi recebido pelo setor público americano com um rigoroso plano de prevenção de efeitos de calamidades.

O vilipendiado Estado, origem de todos os males do mundo contemporâneo – conforme apregoam em uníssono o magnata Murdoch, o monstro de Oslo e o Tea Party – desempenhou papel fundamental. A ação do governo (em todos os níveis) foi firme, eficiente, sobretudo visível. Irene poderia produzir uma catástrofe – os fados foram camaradas, mas o Estado cumpriu um papel insubstituível: preveniu-se. Este mesmo Estado cujos orçamentos o Tea Party quer reduzir drasticamente. Dos três males que afligem a economia americana, um foi criado diretamente pelos mercados – a débâcle da indústria imobiliária que arrastou as demais – e os dois restantes por um governo simplório, fundamentalista, que se acreditava defensor dos mercados empurrando uma superpotência mundial para duas guerras regionais previamente perdidas (Iraque e Afeganistão).

Ao defender o papel precursor do poder público, deve-se imediatamente imaginá-lo como sustentáculo do estado de direito, garantidor das liberdades, intransigente defensor da isonomia. Este Estado não existia na Era Bush quando desabou o furacão Katrina (agosto de 2005). Este Estado passou a existir seis anos depois na Era Obama (agosto de 2011) quando surgiu a ameaça do Irene. O Estado é o único ente político capaz de controlar e extinguir a corrupção desde que todas as suas partes e poderes se associem na mesma direção e adotem igual empenho. Sem um Executivo competente e decente, sem um Legislativo representativo e decente e sem um Judiciário ágil e decente o Estado claudica. Decência é a questão central.

Um Estado que assiste pachorrento e inapetente à absolvição da deputada Jacqueline Roriz perde a credibilidade. O plenário da Câmara Federal comportou-se de forma indecorosa ao inocentá-la, mas o Estado conta com outros poderes para restabelecer a confiança da sociedade. A faxina contra a corrupção não é contra o presidente Lula. É contra a corrupção que há dois séculos suga os recursos e depaupera o Estado nacional.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

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