domingo, 4 de setembro de 2011

O juro caiu. E aí?:: José Roberto Mendonça de Barros

O cenário para o crescimento mundial continua sendo revisto para pior. Na realidade, hoje restam apenas duas possibilidades para o mundo desenvolvido: um crescimento muito lento, por pelo menos dois ou três anos, ou, em caso de um evento de crédito que detone uma reação forte dos mercados, a temida segunda recessão em três anos.

Nossa percepção é que os EUA não terão um evento de crédito, a despeito das pressões sobre os bancos (amenizadas pelo investimento feito por Warren Buffet no Bank of America). Entretanto, as autoridades fiscais e monetárias estão claramente sem saber o que fazer. Na Europa, por outro lado, existe um rumo: o euro será mantido, o ajuste na Grécia segue um caminho que, embora pedregoso, leva a um acordo do tipo Brady, que os países latino-americanos fizeram nos anos 80.

Além disso, os esforços para manter Itália e Espanha fora do fogo seguirão intensos. Um avanço mais decidido na direção de um federalismo fiscal ainda está difícil no curto prazo e embora o rumo esteja sendo construído, o risco de um evento de crédito segue existente, o que garante muita incerteza e volatilidade.

As projeções mais recentes sugerem, portanto, um crescimento bem mais lento no mundo desenvolvido e uma leve desaceleração na expressiva expansão do mundo emergente. Por exemplo, o Banco Goldman Sachs reviu os números para 2012 da seguinte forma: o PIB mundial deve crescer 4,4%, e não 4,6%; a expansão das economias desenvolvidas passou de 2,8% para 2,3%; China e Índia manteriam o mesmo ímpeto, de 9,2% e 7,8%, respectivamente. Mesmo os mais pessimistas ainda não consideram a segunda recessão como o cenário mais provável.

No cenário básico, aquele no qual ocorre desaceleração, mas não recessão, nos países desenvolvidos e bom crescimento na Ásia, os principais efeitos para o Brasil serão:

- O dólar seguirá fraco e a liquidez elevada.

- Os juros americanos, especialmente, e europeus seguirão baixos, tanto pela liquidez abundante como pela busca de segurança na compra de papéis do Tesouro dos EUA e da Alemanha.

- Os preços de alimentos seguirão elevados, dada a manutenção de uma forte demanda na Ásia e um reduzido nível de estoques. Na verdade, eles subiram em agosto. Mais ainda, a safra americana de grãos está sendo revisada para baixo e ainda apresenta riscos climáticos consideráveis.

A primeira consequência desse cenário é que o real deverá se manter apreciado pela entrada de recursos externos. Mais importante é que não haverá importação de recessão vinda do exterior enquanto a China e o remanescente da Ásia continuarem a crescer de forma acelerada, como deverá ser o caso. Entretanto, essa não é a visão das autoridades brasileiras consubstanciada na decisão, surpreendente para muitos, do Banco Central em reduzir abruptamente a taxa de juros em 0,5 ponto e sinalizar a continuidade desse movimento nas próximas reuniões.

É importante refletir sobre o que representa essa decisão. Em primeiro lugar, foi feita uma reversão sem precedentes no curso dos juros, enterrando de vez qualquer comunicação do BC com os mercados. Basta comparar as notas liberadas após as duas últimas reuniões do Copom: teria sido preciso não uma, mas duas falências do Lehman Brothers para justificar a radical mudança de visão de mundo lá embutidas.

Ademais, o comunicado do BC assume claramente um mandato duplo. O desempenho do produto industrial (pois é apenas lá que se encontra desaceleração na atividade) vai dividir com a inflação a atenção do BC. Nesse sentido, o regime de metas de inflação tal como concebido está morto e acabado.

Em segundo lugar, é evidente que a decisão do BC foi do governo, e cuidadosamente planejada. Basta lembrar que, após anos de expansionismo fiscal (reafirmado na proposta orçamentária para o próximo ano), o recente discurso de consolidação teve pouca repercussão, até porque o próprio superávit primário deste ano é quase que totalmente explicado por um inesperado crescimento da arrecadação, especialmente no último mês, quando houve o pagamento de uma só vez, pela Vale, de um disputado tributo. Em consequência, o anúncio do bloqueio de R$ 10 bilhões feito na segunda-feira teve uma morna reação, o que levou à elaboração de um cozido fiscal rápido em panela de pressão, que foi vazado para alguns jornalistas como "Plano Dilma" na terça-feira, seguido por declarações de que os juros poderiam cair "quando o BC assim o decidisse", o que foi realizado na quarta-feira.

Essa brusca mudança de rumo da política monetária, afora o até aqui colocado, tem duas dificuldades adicionais, ligadas à inflação futura e à atividade industrial.

Quanto ao primeiro ponto, não vejo efeitos deflacionários fortes vindos de fora enquanto China, Índia e o resto da Ásia (exceto Japão) crescerem bem. Nosso BC sonha com isso desde quando a inflação estava próxima de 4%, há um ano, até os 7% de hoje, com o mundo desenvolvido já cheio de problemas.

Além disso, a renda das famílias e o seu acesso ao crédito vão continuar crescendo. O crescimento acumulado em 12 meses do salário médio dos admitidos já está na casa de 10%. O recente reajuste dos metalúrgicos de São Paulo foi de 10% mais R$ 2.400, o que dá algo entre 14% e 18% de ganhos nominais.

Finalmente, os preços dos serviços seguirão subindo e a inflação de 2011 e 2012 vai flutuar na faixa de 6%. Só uma grande catástrofe mundial puxará a inflação para baixo, e isso não está visível. Daí porque o risco assumido pelo governo e pelo BC é bastante elevado.

O que está tirando o sono das autoridades é a evidente perda de dinamismo da indústria, que passou a ampliar intensamente componentes e produtos importados, como já falamos inúmeras vezes neste espaço. Ora, a perda de competitividade da produção local é sistêmica (tributos, infraestrutura, custo da energia, má regulação, custo da mão de obra e do capital), e não será revertida ou muito amenizada pela queda de juros apenas, embora ela seja parte da solução. Basta lembrar que a recorrente elevação de tributos continua com o IOF, a revisão do Código Mineral, e agora, pela volta da conversa da CPMF.

O que está por trás da perda de competitividade é o modelo de crescimento atual: o governo eleva o gasto de custeios e transferências, que aumenta o consumo; para financiar essa expansão, eleva os tributos e ainda mantém juros altos para conter a resultante pressão inflacionária. Como o investimento público é mínimo, a energia é cara e a infraestrutura é deplorável. Como o governo gasta mal, a qualidade da nossa educação é triste (embora possa produzir candidatos a prefeito).

É este o conjunto que mata a competitividade do país, bem diverso do que a tão admirada China faz. Enquanto essa estrutura de política for mantida, assentada num projeto de poder que precisa de muito dinheiro para se manter e expandir, não iremos competir com ninguém, apenas importar cada vez mais. Até os setores mais produtivos estão sendo afetados pela doença dos custos elevados, como está evidente hoje no caso do complexo da cana de açúcar.

O futuro vai dizer se essa gigantesca aposta vai dar certo. Não acredito.

PS: Perdemos recentemente o professor Antônio Barros de Castro. Tinha por ele a maior admiração, construída ao longo de muitos anos. Antônio foi uma daquelas raras pessoas que vão crescendo e ganhando sabedoria ao longo da vida. Foi uma honra tê-lo conhecido.

Economista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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