quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Etiqueta de validade:: Alon Feuerwerker

É visível um certo cansaço com certa política, mas qual será a tradução dessa fadiga na vida real? Como será nas eleições? É razoável supor que ou essa energia será canalizada partidariamente ou vai se dissipar

É humano certo deslumbramento com os movimentos ditos espontâneos. Eles adicionam glamour à política, pelo contraste com a crueza da realidade dela olhada sem filtros, em estado bruto. Das manifestações contra a corrupção Brasil afora até a "ocupação" de Wall Street.

O problema é que se movimentos de massa são bons para criar estados de espírito, e mesmo para bloquear parcialmente a capacidade de intervenção do Estado, como agora no Chile, não estão aptos a governar. A utopia do democratismo direto costuma virar do avesso quando tenta passar da fantasia à realidade.

Governar é trabalho para minorias, profissionais organizados em facções, partidos políticos. Que irão realizar a cada momento os projetos supostamente apoiados pela maioria, mas não será o governo da maioria. Será o governo segundo o suposto desejo da maioria, mas operado por uma máquina política dedicada.

Espertas são as máquinas políticas que se abrem aos movimentos sociais para alimentar-se da energia deles, mas é uma operação necessariamente datada, com vencimento.

Pois uma vez no poder, a tendência se inverte e o Estado passa a usar os instrumentos tradicionais — da repressão à cooptação — para reduzir o caos, diminuir a desorganização da sinfonia.

Pode não ser muito animador, mas assim é a vida. Desde quase os primórdios. Por razões práticas. Quem ocupa as horas do dia na luta pela sobrevivência não tem como se dedicar às atividades de governo. Daí nasce a necessidade de mecanismos especializados e dedicados.

Podem ser sacerdotes ou nobres. Ou militares. Nas sociedades modernas nasceram os parlamentos, as eleições periódicas. A essência é sempre a mesma. Organizar a rotina para que a sociedade sobreviva, produzindo e reproduzindo-se em ciclos periódicos.

Daí que movimentos precisem, em algum momento, buscar sua tradução na política organizada. Nos anos 70 do século passado, o sindicalismo ascendente buscava expressão partidária e o então MDB (antecessor do PMDB) ofereceu guarida. Mas Luiz Inácio Lula da Silva preferiu, após algumas experiências, trilhar o próprio caminho.

Os resultados são conhecidos.

Ontem, um punhado de cidades foi novamente palco de protestos contra a corrupção, um processo que vem se desenvolvendo à margem dos partidos. Pois todos eles são de alguma forma governo. Não têm como se apresentar ao distinto público vestidos de branco imaculado.

E é natural que os manifestantes procurem apartar-se de alinhamentos partidários. Uma boa estratégia. Já ensinava Muhammad Ali: flutuar como uma borboleta e picar como uma abelha. Se se abrirem à participação organizada de partidos, transformar-se-ão em alvo fixo.

Do jeito que está, o máximo que os contramanifestantes conseguem é tentar azucrinar pelas redes sociais. Tentar ridicularizar. Uma certa confissão de impotência. E também de alguma perda de sensibilidade. E, episodicamente, de boçalidade.

Mas e os resultados? O movimento pede mudanças legislativas e reforço das atribuições de órgãos de controle. Tudo bem, mas será suficiente? As instituições não existem no éter. Quem as opera é o Estado, comandado por um governo.

É visível certo cansaço com certa política, mas qual será a tradução dessa fadiga na vida real? Como será nas eleições?

É razoável supor que ou essa energia será canalizada partidariamente ou vai se dissipar diante da resistência, ou da inércia, das máquinas políticas estabelecidas, aliás muito bem estabelecidas. Especialmente as governistas.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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