quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Gestão para poucos :: Eliomar Coelho

Há anos afirmo que o Rio se tornou refém de um modelo de gestão pública marcado por projetos pontuais, com investimentos voltados para os interesses de poucos, deixando a maioria sem acesso a direitos fundamentais. A favelização é um sintoma complexo desse descaso. A carestia da moradia é um fato inexorável. Numa cidade onde mais da metade da população economicamente ativa sobrevive do trabalho informal, a burocracia do aluguel e a concentração da propriedade levam contingentes inteiros das classes médias e baixas a morar também no informal.

Além de todas essas mazelas, a avalanche de megaeventos e diversos interesses globais conduz o Rio para ser um dos metros quadrados mais caros do mundo, onde um verdadeiro regime de exceção passa a ser implantado na gestão da "res publica".

Por tudo isso, o caso da Vila Autódromo não pode se prender a leituras fundamentalistas e mesquinhas. As remoções de comunidades no Rio caracterizam-se como verdadeiros atentados contra a administração pública, direitos fundamentais da pessoa humana, ao meio ambiente e às boas práticas do planejamento urbano. Não faltam denúncias e investigações, quase sempre paralisadas ou atrapalhadas pelo rápido e fulminante trabalho de blindagem política nas três esferas de governo.

Inúmeros são os exemplos desse regime de exceção implantado no Rio de Janeiro: o novo PEU das Vargens, em 2009, rasgou a Constituição e os direitos urbanísticos e ambientais construídos ao longo de décadas. De tão absurda, essa legislação levou à união de sete vereadores de partidos distintos, numa representação ao Ministério Público Estadual que já redundou numa ação direta de inconstitucionalidade.

A tentativa de instalação da CPI das Remoções, naufragada pela mobilização da bancada governista na Câmara de Vereadores, é outro exemplo cabal dessa conjuntura.

Mais recentemente, a compra do terreno da Tibouchina Empreendimentos, controlada por duas empreiteiras doadoras de campanha do prefeito e de seus prepostos, foi o ápice dessa tentativa de limpeza social das áreas de interesse do mercado imobiliário. Importa pouco se tais relações são legais, pois evidentemente não são morais.

A Vila Autódromo, em parte removida da Zona Sul nos anos 1960 e 1970, teve sua posse reconhecida pelo governo do estado com a concessão de direito real de uso válido por 99 anos. A despeito disso, a prefeitura tem usado e abusado da coação, da tentativa de desqualificar lideranças, ações judiciais e laudos suspeitos. A luta dessa comunidade é muito mais do que manter suas casas e histórias. Trata-se de uma luta pelo estado democrático de direito.

A Vila Autódromo sabe que parte de suas casas está em área ambientalmente protegida e concorda em colaborar para remediar o problema. Porém, a situação geral é perfeitamente passível de regularização urbanística, no próprio local onde estão, a um custo inferior ao da remoção pretendida. Regularização tão prometida: o caderno de Legado Urbano e Ambiental, apresentado ao COI durante a candidatura Rio 2016, afirma que a comunidade seria integrada no projeto das Olimpíadas. Mas o radicalismo ideológico do mercado imobiliário, e de seus aliados eleitorais, não aceita essa hipótese.

Eliomar Coelho é vereador no Rio (PSOL).

FONTE: O GLOBO

Nenhum comentário:

Postar um comentário