segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Indefinição política e instabilidade econômica :: Paulo Paiva

Nas últimas décadas do século passado, o mundo parecia ter entrado num período de permanente prosperidade. A análise das consequências do final da guerra fria que induziu Fukuyama a anunciar o fim da História e a consolidação da globalização eram os sinais do início de uma nova era de crescimento do emprego, da renda e do consumo com a expansão do livre-comércio, no plano econômico, e de liberdade e paz, no plano político.

Contudo, o século 21 chegou prenunciando outros tempos. O novo século se inicia em 11 de setembro de 2001, com a destruição das torres gêmeas em Nova York - episódio que expôs a vulnerabilidade dos EUA e os riscos da livre movimentação de pessoas entre os diferentes países. O terrorismo ocupa o espaço deixado pela guerra fria e medidas restritivas contra a livre mobilidade vão sendo crescentemente tomadas. Isso tem efeitos também sobre a economia. Paralelamente, reduziram-se os avanços que estavam ocorrendo nos acordos de livre-comércio. O fracasso da Rodada Doha é um exemplo do efeito dessas mudanças no ambiente econômico.

Sete anos mais tarde, a globalização financeira tem o seu revés com a falência, após 158 anos de existência, do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. O modelo de expansão do mercado financeiro com pouco ou nenhum controle ou supervisão supranacional se mostrou igualmente vulnerável. A atitude do governo americano em não socorrer o banco é ainda discutida até hoje, principalmente diante dos desdobramentos da crise financeira.

O novo século começa, então, destruindo as bases da prosperidade que vinha do século passado e pondo em dúvida a visão predominante da supremacia do mercado sobre o controle do governo. Analisando as tendências do processo recente de globalização, Dani Rodix, em seu mais recente livro, The Globalization Paradox, vê conflito entre a globalização financeira, a democracia e a autodeterminação. Ele traz à discussão as difíceis relações entre a teoria econômica e a realidade política.

Sinais das mudanças nos EUA surgem na administração Obama. A política econômica se tornou extremamente expansionista, quer do lado monetário quer do lado fiscal. Ademais, o governo socorreu bancos e grandes empresas visando à manutenção do emprego. Na Europa, as medidas de política monetária seguiram no mesmo sentido, embora menos flexíveis, e houve um afrouxamento no controle fiscal em muitos países visando a estimular o crescimento.

Os resultados foram modestos e a crise voltou mais grave, agora, com a combinação de vulnerabilidade bancária, no setor privado, e desequilíbrio fiscal, no setor público. Mais ainda, a unificação monetária não teve correspondência no lado fiscal, limitando a eficácia das políticas de ajustes nas economias. O risco soberano poderá afetar o sistema financeiro com consequências perversas sobre o crescimento econômico e o emprego por um prazo bem mais longo. Na Europa, há evidências de deterioração na capacidade de gestão da crise em vários países, não apenas na Grécia.

As economias emergentes, aparentemente menos afetadas, não estão imunes aos efeitos de piora no desempenho das economias industrializadas. De um lado, por causa da grande instabilidade na relação entre as moedas, o que dificulta a expansão do comércio e pode estimular uma guerra cambial. De outro lado, em razão da importância das economias industrializadas nas relações comerciais com os emergentes. Na eventualidade da eclosão de uma guerra comercial, com a difusão de medidas protecionistas, as economias emergentes poderão ser mais afetadas.

Nesse quadro de instabilidade, há necessidade de políticas econômicas e acordos internacionais para reorganizar as economias. O papel dos governos é crucial. No âmbito nacional, para promover ajustes buscando a eliminação dos déficits fiscais e a recriação de ambiente propício ao crescimento econômico. No âmbito regional, principalmente na área do euro, urge a constituição de acordos para o estabelecimento de programas que possam garantir o refinanciamento das dívidas dos países com maior desequilíbrio e que, simultaneamente, preservem o sistema financeiro. No âmbito internacional, é necessária a construção de acordos que visem a recuperar as bases para um novo ciclo mais longo de crescimento.

Não apenas a complexidade dos temas, mas, sobretudo, a agenda político-eleitoral, sugere dificuldades na construção e aprovação de soluções duradouras antes de 2013.

No próximo ano haverá eleições presidenciais em vários países, principalmente nos EUA e na França. Nesses países o processo eleitoral conduzirá os debates políticos. E dificilmente esses governos terão motivação para a tomada de decisões que afetam as relações econômicas e financeiras internacionais cujos resultados não serão visíveis no curto prazo. A indefinição política contribuirá por manter a instabilidade econômica. O perigo não está apenas na paralisia, mas também na possibilidade de adoção de medidas que aprofundem a crise internacional.

Paulo Paiva, professor da Fundação Dom Cabral, foi ministro do Planejamento e Orçamento e do Trabalho no governo FHC

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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