domingo, 6 de novembro de 2011

Brasil, "país de finanças sólidas":: Vinicius Torres Freire

Cúpula da penúria europeia diz que governo do Brasil pode gastar mais a fim de ajudar recuperação global

"Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia e Indonésia, onde as finanças públicas continuam relativamente sólidas... concordam em permitir a ação dos estabilizadores fiscais automáticos... e a seu critério adotar medidas com o objetivo de sustentar a demanda doméstica, caso as condições da economia mundial piorem de fato."

É o que diz um dos documentos da cúpula do G20, encerrada anteontem em Cannes, na França.

Em miúdos, esse texto em macroeconomês diplomático quer dizer: se o mundo for para o vinagre, países com contas públicas (dívidas e deficit) mais em ordem, COMO O BRASIL, devem gastar mais, intervir a fim de sustentar o consumo e vitaminar a economia, "mantidos os objetivos fiscais de médio prazo".

Não se trata de uma medalha de honra ao mérito fiscal para o governo do Brasil, nem de dizer que dê para levar a sério a maioria da desconversas desses documentos de cúpula, ainda mais de uma cúpula fracassada como essa do G20.

Ainda assim, não deixa de ser um espanto que países como Alemanha ou Estados Unidos assinem um papel que põe o Brasil no clube restrito da responsabilidade fiscal.

Recorde-se que faz bem pouco tempo, em 2002, o Brasil estava quebrado, pendurado no cheque especial do FMI e obrigado a ouvir a arenga tola ou óbvia do Fundo.

Sim, houve mais espanto. Cannes foi uma reunião em que alemães e franceses pediram tutu a "emergentes", à China na verdade, com um chorinho para o Brasil. Era dinheiro para completar o fundo de socorro a europeus quebrados ou superendividados. Cara de pau da Europa, como notou Dilma Rousseff, pois somos pobrinhos e a Alemanha não quer pôr a mão no bolso.

Mas é verdade que o Brasil tem "finanças públicas robustas"? A dívida pública líquida é de uns 39% do PIB, ao menos a metade dos papagaios dos grandes países ricos.

Porém, EUA e Alemanha pagam um quinto das taxas de juros que encaramos para refinanciar nossos débitos, aliás rolados sempre em prazos curtos (e as taxas para Espanha e Itália, mesmo no bico do corvo, equivalem à metade das que pagamos).
No Brasil gastamos 6% do PIB em juros, por ano; nos EUA, uns 2%.

De fato, o governo poderia gastar mais em caso de crise ruinosa, embora a alternativa mais razoável fosse reduzir radicalmente os juros. Mas os Estados Unidos não podem gastar mais para estimular sua economia em ponto morto?

Há controvérsia. Uma corrente de economistas americanos, com o Nobel Paul Krugman à frente, acha que, no curto prazo, os EUA podem fazer mais dívida a juro de 2% ao ano e "sustentar sua recuperação por meio de investimentos públicos ... e medidas para a criação de empregos", como pede o documento do G20 ("Plano de Ação de Cannes para o Crescimento e Emprego").

Enfim, mas também notável, em outro documento, o comunicado final de Cannes, o G20 reconhece o falecimento da faz uma década moribunda Rodada Doha, das negociações que pretendiam ampliar a abertura do comércio mundial.

Se não estivesse tão falido, o mundo estaria bem engraçado.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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