domingo, 6 de novembro de 2011

Dívida de 3,1 trilhões de euros põe Europa em risco

Somadas, as dívidas públicas de Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda ultrapassam os £ 3 trilhões e põe em xeque, não só a zona do euro, como também a União Europeia. Para especialistas, Europa terá desafio de rever seu tratado de integração regional depois de resolver questões financeiras

Casamento em crise na EU

Com dívida de 3 trilhões das nações-problema, bloco corre risco de divórcio doloroso

Danielle Nogueira

As idas e vindas no cenário político-econômico grego nos últimos dias revelam quão conflituoso se tornou o casamento das 27 nações que formam a União Europeia (UE). Ainda que o Parlamento da Grécia tenha dado um voto de confiança ao premier George Papandreou na noite da última sexta-feira, e que o pacote de austeridade acertado com os líderes europeus seja implementado, assegurando novo socorro bilionário a Atenas, o bloco está diante de uma decisão incontornável: se quiser levar o matrimônio adiante, terá de acabar com os resquícios de independência da época de solterice e fortalecer os laços entre seus membros. Caso contrário, terá de partir para um doloroso divórcio. Em linguagem econômica, ou adotam uma união fiscal - o último pilar da política econômica sobre o qual ainda tinham alguma autonomia - ou abandonam o euro e o projeto de integração regional.

A difícil decisão não é reflexo apenas da caótica situação das finanças gregas. Além da Grécia, outros quatro países que integram o bloco estão no centro dessa espécie de crise conjugal. São eles: Portugal, Espanha, Itália e Irlanda, que, ao lado da Grécia, formam os chamados Piigs (na sigla em inglês). Somadas, as dívidas públicas dos cinco atingem 3,1 trilhões. A cifra supera o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) da Alemanha, que em 2010 era de 2,5 trilhões, a maior economia da UE.

O elevado endividamento público que tem colocado em xeque a UE e a zona do euro - apenas 17 dos 27 países do bloco europeu participam da união monetária - encontra suas raízes na concepção do próprio projeto de integração regional, dizem especialistas. Por isso, afirmam, a sobrevivência do bloco vai depender da revisão de determinadas cláusulas do Tratado de Maastricht, de modo a corrigir suas falhas.

O documento, que em 1992 lançou as bases da UE e da zona do euro, estabeleceu metas macroeconômicas que garantiriam o ingresso ou permanência dos países no bloco. Mas não previu sanções para aqueles que desrespeitassem esses critérios nem criou mecanismos para a saída das nações que não os cumprissem. Além disso, embora a política monetária - definições quanto a taxa de juros e emissão de moeda - tenha sido centralizada no Banco Central Europeu (BCE), a supervisão do sistema financeiro ficou a cargo dos bancos centrais nacionais.

- São dois vícios de origem que precisam sofrer algum tipo de ajuste - diz o professor de Economia Internacional da Universidade de Brasília (UnB) Renato Baumann.

Analista sugere modelo do Mercosul

Entre as metas que os membros da zona do euro deveriam cumprir está o limite de 3% do PIB de déficit público. Mas nem França (7,1%) e Alemanha (4,3%), os dois países que encabeçam a união monetária e que deram os primeiros passos rumo à integração regional no pós-Segunda Guerra, seguem a exigência. As economias periféricas estão ainda mais distantes da meta. O déficit público na Grécia supera 10%, e o da Irlanda estava acima de 30% em 2010, segundo os últimos dados da Eurostat, o IBGE europeu.

- O Tratado de Maastricht foi firmado no fim da Guerra Fria. Seu principal objetivo era avançar na união política (iniciada nos anos 50) e atrair os ex-membros da União Soviética. Por razões políticas, diversos países foram aceitos no bloco, mesmo que suas situações econômicas fossem inadequadas e que os números fossem maquiados, como no caso da Grécia - lembra a pesquisadora grega Elena Lazarou, do Centro de Relações Internacionais da FGV.

Elena concorda que a UE terá de se ajustar à nova realidade, mas considera que "o tempo é proibitivo" para que uma ampla reforma no tratado seja feita no momento. Para ela, o importante é equacionar a crise grega primeiro, de forma a garantir que o país permaneça no bloco e a credibilidade do euro seja preservada. Com o voto de confiança a Papandreou - após sua desistência em convocar um referendo sobre o novo pacote de austeridade a que o país terá de se submeter, em troca uma injeção de 130 bilhões -, ela acredita que a chance de o país deixar a zona do euro está praticamente descartada. No entanto, a mais remota possibilidade de se abrir um precedente para a saída de um membro do bloco já é suficiente para abalar o sistema.

- Pela primeira vez desde que foi criada, há uma possibilidade real de um país ter de deixar a UE. Isso põe o euro em risco e coloca em xeque o projeto de integração. Está claro que a Europa precisa de uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal para manter-se de pé - diz o economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter B.

A preocupação com a Grécia é menos pelo peso de sua economia - abaixo de 3% da zona do euro - e mais pelo impacto sobre o sistema bancário europeu de um possível calote. Entre seus credores estão bancos alemãs e franceses, ou seja, uma Grécia inadimplente arrastaria a crise para o coração da UE. Além da Grécia, os olhos também se voltam para Portugal e Espanha, que, apesar de terem economias mais diversificadas que a do pequeno país mediterrâneo, também têm elevada exposição a bancos estrangeiros. Não menos importante é a situação da Itália. Neste caso, menos pela dívida em si e mais pelo peso econômico.

A dívida pública italiana é de 1,8 trilhão ou 118% de seu PIB. Embora gigantesca, a maior parte está em mãos de credores italianos, o que limita o poder de contágio via sistema bancário, em caso de calote. Por outro lado, a Itália é a terceira maior economia da UE. Um aprofundamento da crise no país acabaria contaminando os vizinhos pelas trocas comerciais, por exemplo.

Com a delicada situação das economias periféricas da UE, os mais pessimistas já decretam o fim do euro. Para o professor de Relações Internacionais da Uerj Williams Gonçalves, para que o bloco não seja sepultado, ele terá de ser mais flexível:

- Não é possível conciliar uma união monetária entre países com perfis tão díspares, como Alemanha e Grécia. A decisão política das grandes potências de uma ampla união se mostrou ilusória, e o euro se mostrou uma camisa de força. A tendência é que ele desapareça, o que não significa que a UE vai sumir. Mas ela terá que ser repensada e assumir uma forma mais flexível, como a do Mercosul.

FONTE: O GLOBO

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